quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Deflação em 2020 seguida de hiperinflação em 2021




O quadro, quer a nível mundial, quer a nível nacional, é o de um ano de 2020 a terminar em deflação, a que se seguirá um ano de 2021 de hiperinflação. A nível internacional, os sinais são claros:

·         Este ano, a americana Boeing registou a encomenda de apenas um avião em Junho
·         Enquanto isso, assistimos à pior recessão económica dos últimos 330 anos no Reino Unido.
·         O CAC 40  atingiu, nesta última 6ª feira, uma das suas marcas mais baixas de sempre, 4.956 pontos.
·         Instala-se a dúvida de se haverá, ou não, uma segunda vaga de contaminação de COVID-19.
·         Estima-se que as falências das empresas se vão multiplicar exponencialmente por todo o mundo, prevendo-se um aumento de 35% de 2019 para 2021.
·         A situação chegou a um tal ponto que o jornal francês Le Figaro refere que “o início do ano não será difícil, mas apocalíptico”.
·         O ano de 2020 terminará com uma França a conhecer – para além de um monumental fracasso sanitário – uma recessão de 12% do PIB e uma dívida pública superior a 120% do PIB, em França.
·         Comparando o plano francês àquele que a Alemanha está prestes a realizar, existe uma relação de 1 para 7 quanto às subvenções futuras para as empresas (tecnologias de hidrogénio, por exemplo). As despesas públicas a favor das empresas elevar-se-ão a 360 biliões de euros na Alemanha, contra 48 biliões de euros em França, com todas as outras despesas a serem despesas sociais ou diferimentos de impostos.

No outro lado do Atlântico, em terras do tio Sam, a potência imperialista americana:

·         o bónus semanal de 600 dólares concedido aos desempregados deverá ser reduzido, muito em breve, para 100 dólares semanais (a este respeito estão suspensas as negociações entre democratas e republicanos no Senado americano). As inscrições semanais de desemprego são de 1.416 milhões, contra os esperados 1,3 milhões, depois de um pico de 7 milhões.
·         Os subsídios para tratamento dos problemas de saúde e sanitários relacionados com o COVID-19 aos mais pobres deverá acabar, o mais tardar, em finais de Agosto.
·         Wall Street está a progredir apenas na expectativa de vacinas, de dinheiro quase gratuito do Fed, de despesas públicas, de défices públicos. Quanto mais o país se afunda, melhor para Wall Street.

Enquanto isto se passa, o plano de recuperação da União Europeia, com o sonho federalista de Macron a representar uma catástrofe para a França, que só receberá 39 biliões de euros em subsídios - , quando poderia, teoricamente, reembolsar 80 biliões de euros se a Comissão não cobrasse impostos ou direitos aduaneiros europeus que serão pagos, in fine, pelos consumidores europeus.

Como se tornou já habitual, o único vencedor é a Alemanha, que afivela uma máscara de falsa generosidade, quando na verdade adia o prazo para a explosão da zona euro, concedendo dois rebuçados à Itália e à Espanha, a fim de defender o seu mercado interno europeu, enquanto lucra com a fragilidade do euro em relação a um novo marco alemão. Entretanto, depois do pacote de 750 mil milhões de euros anunciado pela UE, os eurodeputados entraram em ebulição e ameaçam bloquear o orçamento europeu.

Neste quadro, o BCE, na Europa, e o Fed nos Estados Unidos, são as únicas instituições que impedem, no imediato, a explosão do sistema, até ao dia em que houver uma perda generalizada de confiança na moeda. Neste momento, o BCE está a colocar as dívidas da França "no frigorífico" pagando, sob a forma de dividendos à França, os juros da dívida francesa. O mecanismo equivale a anular temporariamente as dívidas da França, mas o processo não pode durar indefinidamente e a situação da França está irremediavelmente comprometida.

A dívida francesa – tal como as dívidas de outros países, sobretudo daqueles que apresentam um aumento considerável da dívida em percentagem do PIB -  não pode ser reembolsada senão numa perspectiva de crescimento económico real. Como isso não será possível, apenas a hiperinflação permitirá amortizar as dívidas da França e dos outros países europeus onde se regista um quadro semelhante.

No quadro nacional, os dados não são melhores. Segundo dados do INE:

·         O produto Interno Bruto (PIB) registou uma variação de -16,5% em termos homólogos e de -14,1% em cadeia, no 2º trimestre de 2020. Segundo o INE, “este resultado é explicado em larga medida pelo contributo negativo da procura interna para a variação homóloga do PIB, que foi consideravelmente mais negativo do que o observado no trimestre anterior, reflectindo a expressiva contracção do consumo privado e do investimento.
·         Ainda segundo o INE, “O contributo negativo da procura externa líquida também se acentuou no 2º trimestre, traduzindo a diminuição mais significativa das Exportações de Bens e Serviços que a observada nas Importações de Bens e Serviços devido em grande medida à quase interrupção do turismo de não residentes.
·         Sector do Turismo que sofreu uma quebra de mais de 80%, e foi responsável, em 2019, por 52,3% das exportações de serviços e por 19,7% das exportações totais, representando as receitas turísticas 8,7% do PIB nacional.
·         Concluindo o INE que, “comparativamente com o 1º trimestre de 2020, o PIB diminuiu 14,1% em termos reais (variação em cadeia de -3,8% no trimestre anterior). Este resultado é também explicado, em larga medida, pelo contributo negativo da procura interna para a variação em cadeia do PIB, verificando-se também um maior contributo negativo da procura externa líquida.
·         É igualmente preocupante a diminuição de 14,6% , em Junho de 2020, do Índice de Produção Industrial. Segundo o INE, este índice “apresentou uma variação homóloga de -14,6% em Junho (-27,3% em maio). A taxa de variação do índice da secção das Indústrias Transformadoras situou-se em -15,7% (-30,2% no mês anterior)”. Para, no mesmo relatório, vir o INE constatar que “no segundo trimestre de 2020, o índice agregado diminuir 23,7% face ao trimestre homólogo (no trimestre anterior, esta variação tinha sido -1,3%).”
·         As vendas a retalho, um ex-libris da primeira versão de governo PS com as muletas do PCP, BE e Verdes, diminuiram 6,6% em Junho de 2020. O INE resume assim o quadro: “O Índice de Volume de Negócios no Comércio a Retalho passou de uma redução homóloga de 11,9% em Maio para uma variação de -6,6% em Junho.”
·         Ainda segundo o INE, “os índices de emprego e remunerações apresentaram, ambos, taxas de variação homóloga de -3,2% e o índice de horas trabalhadas diminuiu 10,7% (variações de -3,5% e -4,0% e -22,1% em maio, pela mesma ordem). Para concluir que
“no segundo trimestre de 2020, as vendas no comércio a retalho decresceram 13,6% em termos homólogos (aumento de 2,2% no primeiro trimestre).”
·         Quanto à Actividade dos Transportes, o INE publicou as “estatísticas Rápidas do Transporte Aéreo:Maio de 2010”, onde revela “que a recuperação do movimento nos aeroportos nacionais foi reduzida  quando comparado com o mês anterior”. Isto é, conclui-se, “em Maio de 2020, nos aeroportos nacionais registou-se o movimento de 82,1 mil passageiros, representando um decréscimo de 98,5% (-99,4% em abril). O movimento de carga e correio totalizou 8,1 mil toneladas, correspondendo a uma diminuição de 55,5% (-62,6% em abril).”
·         Os preços na Produção Industrial diminuiram 5,7% em Junho de 2020. É significativo o resumo que o INE faz da situação: “Em termos homólogos, o Índice de Preços na Produção Industrial (IPPI) apresentou uma redução de 5,7% em Junho (variação de -6,6% no mês precedente), influenciada decisivamente pela Energia. Com efeito, sem este agrupamento a redução foi 1,8% (-1,7% em maio). A variação mensal do índice agregado foi 0,5% (-0,5% em igual mês de 2019).” Concluindo o INE que “no 2.º trimestre de 2020, o índice total apresentou uma variação homóloga de -5,9% (-1,2% no 1.º trimestre). Excluindo a Energia, o índice diminuiu 1,5% (-0,8% no 1.º trimestre).”
·         O número de desempregados inscritos nos centros de emprego aumentou 34% em Maio face ao mesmo mês do ano anterior e 4,2% comparando com Abril, segundo dados divulgados esta segunda-feira pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).
·         De acordo com o IEFP, no final de Maio, estavam registados nos serviços de emprego do continente e regiões autónomas 408.934 desempregados, número que representa 75,1% de um total de 544.351 pedidos de emprego. O total de desempregados aumentou em 103.763 (mais 34%) em termos homólogos e em 16.611 (mais 4,2%) em relação ao mês anterior. É preciso recuar a Janeiro de 2018, quando se registaram 415.539 desempregados inscritos no IEFP, para encontrar um número superior ao verificado em Maio de 2020.
·         Quanto aos Trabalhadores em lay off, a Segurança Social só começou a pagar, a partir do final de Julho, o complemento de estabilização aos trabalhadores que estiverem em lay-off e que, por isso, sofreram cortes salariais, nos últimos meses. De acordo com o Ministério do Trabalho, dos mais de 800 mil trabalhadores que foram abrangidos pelo referido regime, apenas cerca de 468 mil vão receber este apoio, que varia entre 100 euros e 351 euros.
·         O complemento de estabilização destina-se tanto aos trabalhadores que estiveram em lay-off simplificado como aos trabalhadores que estiveram em lay-off tradicional, desde que cumpram as seguintes condições, de forma cumulativa: tenham uma remuneração base igual ou inferior a 1.270 euros (dois salários mínimos nacionais), tenham sido abrangidos por um dos regimes referidos por um mês completo entre Abril e Junho, e tenham sofrido efectivamente cortes salariais nesse período.

Pelo quadro acima traçado, quer a nível mundial, quer a nível nacional, se poderá entender melhor porque é que o ano de 2020 terminará em deflação, um processo inverso à inflação, que se traduz por uma diminuição do índice de preços no consumidor, uma queda de preços. Quando a inflação diminui de 10% ao mês para -1%, por exemplo, podemos considerar que houve deflação. Ou seja, a inflação assumiu um valor negativo.

Ou seja, ao que se assiste nos tempos que correm é ao facto de se comprar uma maior quantidade de bens com a mesma quantidade de moeda. A deflação está normalmente associada a períodos de recessão - como a Grande Depressão.Os preços acabam por cair sempre que sobram mercadorias por falta de consumidores. Como as empresas não conseguem vender como antes, mesmo a preços menores, a facturação e o lucro também acabam reduzidos. Para não ter prejuízo, elas são obrigadas a diminuir o ritmo da produção e a demitir funcionários. Com o desemprego alto, ninguém costuma gastar além daquilo que os seus rendimentos permitem. Por isso, a oferta de serviços e os stocks crescem. Resultado: excesso de bens e preços menores que os de períodos anteriores.

O processo de deflação ainda pode ser iniciado, ou agravado, pela baixa oferta de moeda. Quer dizer, falta dinheiro em circulação, seja por causa dos juros altos, que tornam o crédito proibitivo, seja pela falta de investimentos. Essa bola de neve costuma afectar todos os sectores da economia, do agricultor aos fabricantes, além de abalar a própria estrutura social.

Quanto ao processo de expansão monetária que levará à hiperinflação em 2021, está apenas a começar, não obstante as bolhas bolsistas e imobiliárias. A inflação aparecerá quando, após novas criações monetárias, a confiança na estabilidade monetária desaparecer completamente, causando um aumento na velocidade da circulação monetária e e a saída da liquidez da sua armadilha. O início da hiperinflação deve, portanto, aparecer em 2021, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa.

E um indicador seguro de que tal vai acontecer, é o facto de uma onça de ouro valer agora 1.900 dólares, ou seja, 500 dólares mais do que no crash de Março de 2020; ele valeu, durante a República de Weimar, até 88 triliões de marcos da época. Espera-se que o ouro, após novas criações monetárias dos bancos centrais, atinja os 2.000 dólares nos próximos meses e ultrapasse o máximo histórico de 1.923,7 dólares, enquanto a prata, outro metal precioso, também está a subir à volta de mais de 23 dólares a onça.

Até onde irão os bancos centrais? Essa é a questão:

·         A França de Macron corre o risco de experimentar, em 2021 ou 2022, o mais tardar, a descida impiedosa ao inferno do Líbano:
·         Uma inflação galopante de 89,7%,
·         Uma dívida pública de 170% do PIB,
·         O colapso das bolsas de valores e a falência de bancos ,
·         Um estado em bancarrota,
·         A impossibilidade de pagar aos funcionários públicos e os serviços públicos,
·         A miséria, a depressão, com ameaças de guerra civil.

A decadência francesa começou, de facto, com as primeiras reformas de Giscard! E a decadência de Portugal com a política de “contas certas”, défices zero e “cativações fascistas” de Costa e Centeno (agora substituído por um seu fervoroso  seguidor, o ministro Leitão).

Claro que os comunistas, como é o caso do PCTP/MRPP, nunca subestimarão António Costa. Não temos qualquer dúvida de que ele está consciente de que, por um lado, a burguesia e os empresários portugueses cujos interesses ele representa, não saberão,  uma vez mais, tirar partido e apresentar programas que acolham os financiamentos programados pela UE para o programa de “reconfiguração” do sistema capitalista. Consciente de que, mesmo que aqueles o conseguissem fazer, dado tratar-se de dinheiro falso – isto é, que não tem correspondência no valor de mercadorias a circular – a hiperinflação que se anuncia para 2021 será homérica.

Então, António Costa, antecipa uma jogada política de nova aliança “à esquerda” – uma espécie de recriação do governo de “maioria de esquerda” – e convida PCP, Verdes, BE e até o PAN, para um novo acordo que lhe assegure o “selo de garantia de esquerda” às políticas reaccionárias que vai implementar, quer durante o resto de 2020, quer, e sobretudo, no ano de 2021 e seguintes. Acordo que, na prática, já está a ser executado.

Uma aliança com a extrema-direita parlamentar – PSD, CDS-PP ou, mesmo, Iniciativa Liberal –, mesmo que preferida por Costa,  não asseguraria o aliviar das tensões e o clima de sublevação popular que se poderá registar em 2021 com uma hiperinflação a ser responsável por uma desvalorização de cerca de 30% dos salários. Isto é, os operários e os trabalhadores, num primeiro momento, não sentirão essa desvalorização, já que os seus salários nominais não sofrerão uma depreciação, mas a inflação irá fazer-se sentir no aumento exponencial de bens e serviços.

Tudo isto, no quadro de um aumento considerável da dívida em percentagem do PIB que, também ela, influenciará, de forma determinante, a desvalorização salarial, por via da carga de impostos que se preparam para fazer face ao pagamento do chamado “serviço da dívida” (juros e amortizações).

A classe operária e os trabalhadores serão apanhados neste quadro numa situação de total desprovimento de organizações sindicais e representativas dos seus interesses de classe,  que assegurem uma direcção de luta correcta, capaz de os levar a vitórias nos embates que necessariamente terão com a burguesia e os seus interesses instalados – quer nacionais, quer europeus, quer internacionais.
Cabe a um verdadeiro Partido Comunista Operário, desde logo, apressar a clarificação da Linha Política Geral Revolucionária que pretende implementar e consolidar. E, nessa dinâmica, preparar e reforçar a sua organização de modo a poder dirigir as lutas que necessariamente se vão travar.

E, sobretudo, evidenciar que a sua estratégia é o marxismo e a sua táctica transformar a guerra imperialista em preparação acelerada, em guerras civis revolucionárias que assegurem a destruição do modo de produção capitalista e de escravatura assalariada em todo o globo, único responsável pela situação de caos económico, pandémico, militar e político que hoje se vive em todo o mundo.


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