terça-feira, 20 de outubro de 2020

As revoluções do futuro não serão marxistas


 

“A ideia de que as revoluções podem ser políticas e ideológicas antes de serem económicas é a negação total do materialismo histórico, tal como o aprendemos em Marx.” (Matos, Arnaldo, em Teses da Urgeiriça, 16.11.2016)



19 de Agosto de 2020
Por
YSENGRIMUS  

Revolução, sim, de novo e sempre. O primeiro erro a não cometer a seu respeito é pensar que a "falência" da actividade revolucionária é um exclusivo milenar.

A geração do filósofo e economista Karl Marx (1818-1883) experimentou na sua carne e alma o refluxo da grande euro-revolução de 1848 sob a forma da espetacular e brutal ascensão da reacção de 1850-1852. A Comuna de Paris (1870-1871), uma grande esperança revolucionária do século XIX, se é que foi, ficou presa no pântano sangrento da germanofilia de Versalhes. Também podemos citar o impulso massivo do acima mencionado social-chauvinismo que precedeu a incrível carnificina de 1914-1918. República de Weimar, Rússia Soviética, China, Kampuchea Democrático, Irão (a primeira grande revolução histórica pós-marxista). A “lista de falências” das fases revolucionárias seria simplesmente muito longa para listar. Procuremos, pois, não hipertrofiar a situação presente sob o pretexto de que ela nos foi imposta, mais do que aos nossos antepassados. Vejamos o quadro como uma série de empurrões na vasta crise do capitalismo industrial mundial. Não existe grande noite. Em vez disso, estamos a lidar com um amplo movimento em fases, que nos transcende como indivíduos, como é inevitavelmente o caso com qualquer desenvolvimento histórico.

Nota: O motor que impulsiona este desenvolvimento histórico foi - é - será a luta de classes, o que implica que se a Comuna - a Rússia dos soviéticos e a China maoísta gerassem um novo modo de produção em vez do modo de produção industrial burguês, seria porque o capitalismo não havia terminado o seu desenvolvimento histórico.

Antes de comentar o que se pode esperar das revoluções que estão por vir, uma palavra sobre a nossa atitude política normal em face da herança "marxista" sempre em ardente liquidação. No entanto, há uma falha de raciocínio na nossa abordagem ... da figura histórica banida de Karl Marx. Tendemos, de forma cândida, a atribuir a Marx nada menos do que a capacidade de suscitar esperanças de mudança social, ditando literalmente como será o desenrolar dos acontecimentos. Uma parte importante do nosso século ainda investe Marx em demiurgo do desenvolvimento histórico de acordo com a doutrina do "Quem sabe, pode". Mas mesmo um génio, um Hegel, um Mozart, um Shakespeare não pode, não poderá jamais, comandar as forças da história. Elas são objectivas, colectivas, titânicas. Atingidos nas nossas esperanças pela natureza terrivelmente implacável desse erro fundamental (do nosso fundo de liquidação ...), passamos então à fase seguinte, sempre com a mesma clarividência. Marx é automaticamente erigido como um milagreiro que falhou, que abraçou o filho do czar contra o seu peito, mas não logrou salvá-lo da morte. Demiurgo, taumaturgo, eis uma fantasmagoria muito irracional que se perpetua a propósito dos líderes revolucionários e as figuras políticas em geral, de Marx em particular. O mínimo que podemos dizer é que não temos uma imagem muito "marxista" de Marx e dos seus semelhantes. Nisto somos anarquistas muito consistentes.

Nota: Tomem nota que este desvio idealista tem origem na classe burguesa contra a qual os marxistas da Primeira Internacional lutaram, especialmente contra a tendência anarquista pequeno-burguesa.

De facto, o Anarquismo, no plano teórico, hipertrofia o indivíduo, aqui, o Sujeito, o Líder, o Chefe. Ora, como este demiurgo imaginário falhou, como este fazedor de milagres de fantasia falhou, então expressamos a nossa decepção, como o canteiro, privado da queda da comédia, na noite da morte de Molière. Desse modo, canalizamos essa dor pungente que é a dos elementos sociais progressistas, subversivos, inquietos, mantidos sob controle. Marx e os contemporâneos que compartilhavam as suas visões fizeram tudo o que era humanamente possível para a queda do capitalismo e a revolução mundial, quando se é simplesmente uma individualidade. Eles teriam vivido dez vidas, teriam feito isso dez vezes. Mas Marx não é nada para a história. As censuras que lhe são dirigidas no nosso tempo não são ilegítimas, mas teoricamente estão erradas. Nem Karl Marx nem ninguém vos pode produzir a revolução, porque a revolução não se decide subjectivamente no indivíduo. Ela explode objectivamente entre as massas, quando as condições estão reunidas. E os progressos que ela acarreta emergem por saltos, o que de forma alguma exclui as fases intermináveis, desde logo  não cíclicas,  de refluxo ... Aos olhos da história, absolutamente nenhuma revolução foi um "erro". Simplesmente, todas elas sofreram um tipo ou outro de regressão.

Nota: Regressão - refluxo - contra-revolução pela simples razão de que as condições objectivas não estavam maduras e, portanto, inevitavelmente - as condições subjectivas - a consciência de classe - não estavam maduras. Os marxistas nada podiam fazer a esse respeito, mas estavam certos em tentar, pois as suas tentativas eram parte do amadurecimento (experiência concreta) do desenvolvimento da consciência de classe. O problema para muitos marxistas hoje é o dogmatismo e o sectarismo que essa série de falhas engendrou e que os impede de aprender com essas experiências.

Vamos agora ao cerne da duradoura questão revolucionária. O que fazer? O que esperar? Como destruir esse incrível plutocratismo (ver link - ploutocratisme) que agrega o orçamento de estados inteiros nas mãos de alguns magnatas? Se, consequentes com as nossas pulsões hesitantes, colocarmos a questão à escala das nossas vidas individuais, tal não irá muito longe. O capitalismo emerge no seio da sociedade feudal por volta de 1200. Estamos hoje em 2020. Acreditam realmente que ele ainda tenha mais 800 anos de existência? Eu não. Eu digo: 70, 100, no máximo. Agora, como contra-atacar? Bem, vou responder à Marx, e não como aqueles indivíduos cheios de floreados que já foram apoiantes de Bakunin. Uma pesquisa voluntarista e especulativa só nos levará ao desespero. É necessário partir do contra-ataque que já está objectivamente em curso dentro do próprio movimento histórico, observável, senão observado. A resposta que Marx sempre nos inspira é pois que, seja o que for que digamos, as forças destrutivas do capitalismo se desenvolvem também prodigiosamente. As massas estão mais instruídas, mais informadas, mais desconfiadas da propaganda dos grandes, mais aptas a trocar os seus pontos de vista mundialmente. As mulheres, os povos não ocidentais e até as crianças detêm no nosso tempo um estatuto e uma audiência historicamente incomparáveis. O mundo está a unir-se. O carácter colectivo da produção está a intensificar-se. A baixa tendencial da taxa de lucro continua, acelera-se.  O grande capital, tão parecido com um hussardo, está de facto moribundo. Vamos colocar-nos no seu lugar! Apesar de ser, no momento, o único jogador em campo, ele está a acumular asneiras, crimes, fraudes em larga escala, milhares de milhão de dívidas incobráveis, guerras sectoriais absurdas, planos sociais irrealizáveis ​​do FMI. Ele atira estados inteiros para o marasmo. Na verdade, ele espolia a sua própria prosperidade. Porque o capitalismo não tem mais um inimigo subjectivo contra o qual possa mobilizar as massas. Não há mais "alternativas", não há mais "estado socialista". Os "terroristas" que ele cria para si mesmo em circuito fechado não seguem a estrada histórica. O capitalismo simplesmente não pode mais envolver-se na luta contra alguma hidra imaginária. A catástrofe actual é um seu produto integral. O único verdadeiro inimigo que resta ao capitalismo é o seu inimigo objectivo: ele mesmo, na sua própria implementação. Agora, tomemos essas massas instruídas, esclarecidas e organizadas. Massas das quais não podemos mais fazer carne para canhão para a guerra mundial. Essas massas cínicas, realistas e transviadas que desprezam totalmente o seu empregador, o seu prefeito, o seu presidente e todas as instituições da sociedade civil num grau nunca antes visto na história moderna. Tomemos essas massas rendidas sem fé e sem misericórdia, sem ingenuidade e sem esperança, pela própria lógica que emana das condições niveladoras da economia de mercado. Façamo-las então sofrer um colapso económico planetário. Um crash de 1929 elevado à potência mil, como o que se espalha neste momento. Elas vão organizar-se na direção revolucionária num tempo, tenho fé, muito brevemente, mesmo a uma escala histórica, essas massas planetárias novas...

Nota: Releia duas ou três vezes esta explosão lírica de uma intensa verdade ... as massas - o proletariado única classe objectivamente - imperativamente - revolucionária - forjará os seus conselheiros das suas fileiras e será forçada a conduzir a revolução proletária, de outra forma a nossa sobrevivência como espécie ficará comprometida. Marx escreveu isto antes de nós.

Agora, a única coisa que podemos dizer com certeza sobre essas revoluções do futuro é que elas não serão "marxistas". O marxismo, como estrutura revolucionária, está vivo. Não sairá mais do século XX , do que a pobre figura de Marx saiu do século XIX. E é precisamente porque as revoluções do futuro não serão "marxistas" que elas ... estarão mais do que nunca na história ...

Nota: Entendemos por "marxistas"  o que todas as velhas "esquerdas" do mundo capitalista, sedentas de poder, entoavam.

A "falência" da actividade revolucionária não é uma exlusividade milenarista


Fonte: https://les7duquebec.net/archives/256366

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