O crescimento eleitoral do Chega e do Iniciativa Liberal, que se começou a projectar nas eleições legislativas de 2019, confirma-se, agora, nos resultados eleitorais para a Assembleia Regional dos Açores.
Nada que o PCTP/MRPP não tivesse já analisado e evidenciado, ao mesmo tempo que indicava que os verdadeiros responsáveis pelo surgimento do populismo – de direita ou de “esquerda” – em todo o mundo são os partidos tradicionais burgueses que, tendo criado as condições para a deliquescência económica do modo de produção capitalista, acabaram por criar as condições para a decomposição política a que actualmente assistimos – também em Portugal e no mundo inteiro.
Tal como referia um anónimo em 1886, “Religião, costumes, justiça, tudo entra em decadência. A sociedade está-se a desmoronar sob a acção corrosiva de uma civilização decadente”.
Vale a pena, pois, em vez de entrarmos nas lamúrias paralisadoras, próprias dos partidos pequeno-burgueses, tentarmos perceber os fundamentos do fenómeno do populismo e qual a resposta que o sector revolucionário, marxista, da classe operária, deve articular.
De facto, nos últimos anos, a crise económica traduziu-se numa constante instabilidade política. O cenário político está totalmente perturbado. A tradicional alternância de dois partidos, em vigor desde o final da Segunda Guerra Mundial, foi feita em pedaços. A cena política é invadida por duas novas formas de força política e, em última instância, de governo: o populismo e o bonapartismo. Ambos a pretender estar acima das classes, mas de uma forma diferente.
O bonapartismo é um conceito marxista que designa uma forma de governo burguês autoritário, que aparentemente se coloca acima dos conflitos partidários para melhor manter uma ordem ameaçada. A França de Macron parece uma forma embrionária de governo bonapartista.
O conservadorismo neoliberal (responsável pela crise de 2007-2008) e o keynesianismo social-democrata (incapaz de financiar o seu Estado-Providência) estão em crise. De facto, essas duas correntes ideológicas falharam nas suas promessas políticas de erradicar a miséria do mundo. Modelos económicos liberais e social-democratas têm demonstrado a sua inépcia.
Eles estão em plena reconfiguração. Como corolário, os partidos clássicos do governo perderam toda a credibilidade. E os circos eleitorais não atraem mais multidões em massa para assistir aos espectáculos de palhaços políticos ou actos de prestidigitação demagógicos. Como se pode inferir das crescentes taxas de abstenção eleitoral.
A crise política é mundial. Que se trate do abalar total dos estados (Síria, Somália, Afeganistão, Iraque ou Sudão), do Brexit, da eleição de Trump ou do ressurgimento da extrema direita dos partidos islâmicos, todos esses novos fenómenos políticos refletem a decomposição do sistema capitalista.
A “comunicação social” mentirosa e os políticos, para analisar o fracasso do sistema político burguês, incriminam o "populismo", esse novo avatar da política. Com efeito, grande parte dessa turbulência política é atribuída ao "populismo". Na verdade, o populismo, sob qualquer forma, sempre ocupou a cena teatral política. Mas, tanto quanto os velhos partidos burgueses estabelecidos pudessem trazer esperança, ele estaria confinado à margem do jogo e das questões políticas. Por vezes, como um espantalho para fins de mobilizações em benefício dos partidos tradicionais “democráticos”.
No entanto, a configuração política mudou. Hoje, para a burguesia, "populismo" é sinónimo de ascensão de forças burguesas alternativas, ameaçando assim o sistema que o velho aparelho político clássico controla. Essas forças populistas não desempenham mais o simples papel de agitadores pestilentos da política. Tornaram-se formações activas com a auréola da respeitabilidade política e aspirantes ao poder do Estado. É verdade que as forças populistas estão a afirmar-se em todo o mundo. De facto, após uma longa estagnação económica, o surgimento de organizações populistas assumiu várias formas (a contrapartida do populismo em países de fé muçulmana é o islamismo e o separatismo). No Ocidente, o populismo divide-se em duas tendências localizadas nos dois extremos do espectro político da direita e da esquerda.
Como variantes do populismo temos, de um lado, o populismo de esquerda (Podemos, Syriza, Partido Trabalhista de Corbyn, "socialismo" de Sanders, La France insoumise, Itália, etc.), resultante do desmembramento dos velhos partidos de esquerda, da deliquescência dos partidos revisionistas e neo-revisionistas. Esse populismo tenta canalizar o crescente descontentamento dos trabalhadores através do mito da “transição pacífica para o socialismo”, mito assente no único meio pacífico que vislumbram, que é o da votação em eleições burguesas – cada vez mais rejeitado pelos trabalhadores –, na base de um programa completamente inofensivo, que de forma alguma coloca em causa o capitalismo. Este populismo, apesar de alguns sucessos eleitorais de curta duração, nomeadamente em Espanha e na Grécia, está a perder força. Na verdade, o seu fracasso é inexorável.
Por outro lado, o populismo de direita, recentemente impulsionado para a cena política pela crise económica e o surgimento do terrorismo islâmico patrocinado pelos Estados na Europa e no Médio Oriente. Ele surfa na onda do medo, da xenofobia. No entanto, não devemos deduzir que o populismo questionaria e enfraqueceria a democracia burguesa e o seu Estado (que a protege, apoia e mantém na reserva). Na realidade, hoje todos os sectores da burguesia são reaccionários.
O populismo, como expressão política, pertence à burguesia e está totalmente alinhado com a defesa dos interesses capitalistas. Os partidos populistas (islâmicos, Frente Nacional em França, VOX, Chega, IL, etc.) são facções burguesas, partes do aparelho capitalista de estado totalitário.
O que eles propagam é a ideologia e o comportamento burguês e pequeno-burguês decadente: nacionalismo, regionalismo, racismo, xenofobia, autoritarismo, conservadorismo cultural e religioso. Catalisam medos, expressam a vontade de se fechar sobre si próprio, rejeitam as velhas “elites” desacreditadas, para poderem substituí-las. Assim, o ressurgimento do populismo abalou o jogo político tradicional, resultando numa crescente perda de controlo do aparelho político burguês clássico no campo eleitoral.
Para salvaguardar as suas sinecuras e funções políticas, os partidos tradicionais tentam suavizar a sua imagem impopular, ao apresentar-se, apesar de tudo, como mais "humanistas" e mais "democráticos" do que os populistas. De modo geral, o populismo é o produto da decomposição do capitalismo. Expressa a incapacidade das duas classes fundamentais e antagónicas – a burguesia e o proletariado –, implementarem as suas próprias perspectivas (Guerra Mundial ou Revolução), gerando uma situação de “bloqueio momentâneo” e de apodrecimento da sociedade.
Evidentemente, nesta fase actual da degenerescência, a burguesia não é mais capaz de oferecer um horizonte político capaz de mobilizar e suscitar adesão. Inversamente, a classe operária não consegue reconhecer-se como classe social e, principalmente, como uma classe com uma missão histórica (abolir todas as classes sociais). Não desempenha nenhum papel verdadeiramente decisivo e suficientemente consciente. Isso levou a um impasse em termos de perspectivas políticas. Além disso, a falência dos regimes revisionistas e social-fascistas incentivou amplamente o refluxo da consciência de classe e do movimento operário. Permitiu que a burguesia mundial reforçasse a maior mentira do século XX, a saber, a identificação do capitalismo de Estado com o comunismo. E assim alimenta uma enorme campanha de matraqueamento ideológico para proclamar a "falência do marxismo" e a "morte do comunismo", "o fim da história" (sic).
Foi o que conduziu à ideia de que não existe nenhuma alternativa para opor ao capitalismo.
É neste contexto de recuo do movimento operário, de declínio dos velhos partidos revisionistas e social-democratas, dos ideais progressistas, que devemos recentrar o crescimento do populismo, dos comportamentos anti-sociais, do islamismo e dos fenómenos separatistas. O apagamento da classe operária da cena política, a desintegração dos partidos ditos socialistas e comunistas, o desmoronamento da cultura operária, o declínio da "moralidade" operária, deixaram o caminho livre à burguesia decadente e à sua ideologia mortífera.
Em conclusão, nesta fase contemporânea caracterizada pela ausência de qualquer perspectiva política, cresce a desconfiança de tudo o que releva da "política". Um fenómeno favorecido pelo descrédito dos partidos tradicionais da burguesia. Daí o sucesso dos partidos populistas que defendem como principal instrumento de propaganda a rejeição das "elites", dos políticos corruptos - exemplos paradigmáticos são Trump, nos EUA e Bolsonaro, no Brasil -, mas sempre no âmbito da manutenção do sistema capitalista. Daí também o sucesso das ideologias reaccionárias: sentimento generalizado de "nenhum futuro – nada no horizonte", a explosão das ideologias que propugnam o fechar-se sobre si mesmo (narcisismo pequeno-burguês), de um retorno a modelos reacionários arcaicos ou niilistas.
Os marxistas têm a obrigação de fazer um esforço organizativo para que a classe operária retome o processo de “consciência de si” como classe e, através do reforço da organização, da discussão e estudo político do marxismo, se comecem a preparar e a armar para o confronto que a oporá, de forma consequente, à burguesia e levará a que cumpra o seu devir histórico de acabar com o obsoleto modo de produção capitalista e, ao fazê-lo, criar as condições para a construção de uma sociedade sem classes, de homens e mulheres livres.
26Out2020
LJ
Retirado de: http://www.lutapopularonline.org/index.php/ensaio/2807-o-populismo-e-um-produto-da-decomposicao-do-capitalismo-1
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