Coloquei este artigo de 2009 online novamente, no momento em que a questão do valor refúgio se coloca novamente e os bancos centrais estão em plena intoxicação monetária. A questão que sempre se coloca sempre sobre o tapete é a de quando é que a moeda universal vai morder a poeira.
GB
“Com o desenvolvimento do sistema de crédito,
a produção capitalista busca continuamente levantar essa barreira metálica,
essa barreira material e imaginária da riqueza e do seu movimento, mas sempre
volta para bater com a cabeça contra essa parede. Durante crise, vemos esta procura manifestar-se: todas as letras de câmbio,
títulos, mercadorias devem poder ser repentina e simultaneamente conversíveis
em moeda bancária e todo esse dinheiro por sua vez em ouro. “K. Marx, Capital,
T.III, cap. XXXV .p. 607, ed. Moscou)
De acordo com as últimas notícias, enquanto o dólar cai de volta ao seu nível
mais baixo num ano, o ouro, a relíquia bárbara como Keynes o classificaria,
acaba de ultrapassar os 1.000 dólares a onça (1). Tudo indica que a relíquia
bárbara voltou a ser o valor refúgio mais seguro, um mal menor, em face da sua
sombra o dólar que não é mais do que "um pedaço de papel".
Se a referência ao ouro foi o maior sinal de riqueza de um Estado
durante a era do mercantilismo, uma era ainda sob o domínio das relações feudais e do capitalismo mercantil
e comercial; este foi gradualmente abandonado devido ao desenvolvimento do
capitalismo industrial, que exigia significativa liquidez para a sua expansão.
Mas esta não foi a única razão, as fraudes e alterações no peso da moeda-ouro
foram inúmeras. Na verdade, na sua função de meio de circulação, o ouro
tornou-se dinheiro e, a partir de então, foi cunhado de acordo com o padrão de
moeda corrente. As moedas de ouro eram postas em circulação com um certo peso
de libras esterlinas de ouro, xelins, etc., na forma de moeda. O Estado, que
acabava de emergir das franjas do feudalismo, decidiu cunhar a moeda. No
entanto, como mostra o texto abaixo, a contradição entre o ouro do tesouro e o
ouro em dinheiro será objecto de batota.
“Jacob estima que, como resultado da reprodução, dos 380 milhões de libras esterlinas existentes na Europa em 1809, em 1829, ou seja, em vinte anos, 19 milhões de libras esterlinas teriam desaparecido completamente (2.) Se, portanto, a mercadoria sair da circulação desde o primeiro passo que ela dá para nela entrar, o dinheiro, depois de alguns passos na circulação, representa mais conteúdo metálico do que ele contém. Quanto mais tempo o numerário circula, com a velocidade de circulação a permanecer constante, ou ainda, quanto mais a sua circulação se mantém activa no mesmo período de tempo, mais a sua existência funcional como dinheiro se separa da sua existência metálica de ouro ou de prata. O que resta dela é magni nominis timbra [a sombra de um grande nome]. O corpo da moeda não é mais uma sombra. Embora o processo a torne mais pesada na origem, agora tornou-a mais ligeira, mas ela continua a valer em cada compra ou venda a quantidade original de ouro. Tendo-se tornado um soberano fantasma, um ouro fantasma, o soberano continua a cumprir a função de moeda de ouro legítima. Enquanto os atritos com o mundo exterior fazem com que outros percam o seu idealismo, o dinheiro idealiza-se pela prática, o seu corpo de ouro ou prata torna-se pura aparência. Essa segunda idealização do dinheiro metálico, provocada pelo próprio processo de circulação, ou, ainda, essa cisão entre o seu conteúdo nominal e o seu conteúdo real, é explorada em parte pelos governos, em parte por aventureiros privados, que se entregam às mais variadas falsificações de dinheiro. Toda a história da moeda, desde o início da Idade Média até bem antes do século XVIII, se resume à história dessas falsificações de carácter duplo e antagónico e é em torno dessa questão que giram em grande parte os numerosos volumes da colecção dos economistas italianos de Custodi. "(K. Marx, Contribuição para a crítica da economia política, Ed. Social, P. 77-78)
Mas esta falsificação não devia bastar, ela vai mesmo aperfeiçoar-se em relação ao antigo regime, pois no antigo regime é necessário cobrar impostos de todos os tipos sobre o cidadão, procedendo ao eterno enfraquecimento da moeda. Com a nota de banco, a sombra do ouro como diria Marx, a alteração das moedas metálicas recuou um pouco. Não foi do ponto de vista moral ou religioso, mas simplesmente porque os governos encontraram formas mais sofisticadas de bombear o cidadão. Esse meio foi a substituição do dinheiro metálico pelo papel-moeda. Com o papel-moeda retiramos todo o valor intrínseco à moeda, em caso da sua sobre-emissão, tínhamos essa vantagem sobre o ouro de que o seu tecido e o seu valor monetário poderiam perder a totalidade do seu valor, enquanto que sob o metalismo o valor só se poderia depreciar pelo valor da diferença entre o valor intrínseco do seu tecido e o seu valor monetário, enquanto o papel-moeda pode perder todo o seu valor.
Um breve lembrete histórico
Se em 1609 os bancos de Amsterdão substituíram o dinheiro metálico por
notas, que eram apenas certificados de depósito em ouro; estes não podiam ser
considerados como dinheiro, mas como simples título de propriedade de ouro.
Podemos dizer que a nota como moeda-símbolo teve origem realmente em 1656, uma
iniciativa de Johan Palmstruch, fundador em 1657 do Banco de Stockholm (Banco
da Suécia). Ele faz imprimir notas sob o nome "Kreditivsedlar", uma
unidade monetária de (papel de crédito). O banco rapidamente teve problemas com
a impressão de muitas notas. Palmstruch foi levado a tribunal, considerado
responsável pelos danos e condenado à prisão (o Madoff da época). Em França, a
falência do financeiro Law3 em 1720 e a experiência fraudulenta dos assignats da revolução, que haviam
penhorado os bens do clero que se haviam tornado bens nacionais, apenas
reforçaram a desconfiança no papel-moeda.
Essa desconfiança no papel-moeda, hoje o
dólar, explica a paixão pela relíquia bárbara, "verdadeiro dinheiro"
que, na realidade, só vale "o tempo
de trabalho socialmente necessário para a sua extracção". Isso
significa claramente que a alta vertiginosa do preço da onça de ouro, acima do
seu valor, terá uma aterrissagem brutal assim que um outro valor refúgio se
apresentar como mais seguro e rentável.
O aumento do preço do ouro é particularmente interessante para os estados
endividados, que podem de tempos em tempos vender ou alugar parte do seu stock de ouro a preços inesperados,
tomando cuidado para não baixar os preços, mas, ao manter uma flutuação em alta
destes, o Le Figaro não está a falar sobre uma onça de ouro a 2.000 dólares em
breve , quanto ao Gold Anti-Trust Action Committee (GATA) (Comité
de Acção Anti-trust do Ouro – NdT) diz que a estratégia do governo dos EUA em
manipular o preço do ouro começou a falhar. O GATA acredita que existe um plano
de supressão do preço do ouro, com o objetivo de encobrir a má gestão do dólar
norte-americano, para que este mantenha o seu estatuto de moeda de reserva
mundial.
Aparentemente, há alguma verdade no pensamento do GATA, mas a razão para
as vendas e empréstimos de ouro é muito mais motivada pelo desejo de que o
dinheiro traga dinheiro e de que no sistema capitalista não nos sentamos sobre
a sua pilha de ouro, procuramos valorizá-la constantemente. Portanto, é
perfeitamente normal que os bancos centrais vendam ouro quando há um pico no
preço da onça. Por outro lado, o que é mais original e instigante é o
"transporte de ouro" (« carry trade d’or » - NdT). Como todos os
"carry trades", trata-se de jogar com diferenciais, aqui um banco
central empresta o seu ouro a uma taxa muito baixa, para um banco amigo que é
responsável por colocar esse ouro no mercado. Sendo realizada a venda do ouro,
os fundos arrecadados são então colocados em fundos mais lucrativos (do tipo
empréstimos do Estado).
O negócio é particularmente suculento, quando o aluguer do ouro é deduzido, os retornos são de 3% a 4%, um bom pecúlio. Logo que o empréstimo de ouro é negociado por um determinado período (um mês a dez anos), no vencimento é preciso restituir o ouro físico. Se o preço do ouro triplicar quando chegar a hora de devolvê-lo, é óbvio que os nossos bancos enfrentarão uma dificuldade mais. Há rumores de que 15.000 toneladas de ouro foram emprestadas. Portanto, não é do interesse dos bancos deixar o preço da onça de ouro disparar além de um certo limite.
A partir daí é possível imaginar vários
cenários, quando o ouro emprestado fluirá de volta para os bancos centrais,
eles poderão vendê-lo novamente a um bom preço, baixando os preços de acordo
com a massa de ouro colocada no mercado, o que causará uma queda no preço do
ouro, para grande satisfação dos bancos tomadores de empréstimos e em
detrimento daqueles que acreditam que o ouro alcançará o nirvana.
Com o aproximar do G2O em Pittsburg, o ministro das finanças chinês
publicou uma carta aberta no “Wall Street Journal”, felicitando B Bernanke pela
sua recondução. Mas ultrapassadas as cortesias, a carta tem a aparência de um
aviso, acusando políticos irresponsáveis de querer monetizar a dívida. "Então, decidimos proteger os nossos activos
em dólares e comprar ouro ou commodities
cujos os preços vão subir se o dólar cair ”, indica a carta (ver The Tribune de 11 de Setembro de 2009,
p.9). Tudo sugere que estamos a entrar numa nova fase da crise da qual Marx
disse:
“Esta é a fase particular das crises do mercado mundial que chamamos de crise monetária. O summum bonum [o bem supremo] que, nestes momentos, pedimos aos gritos como a única riqueza, é o dinheiro, dinheiro contado, e todas as outras mercadorias, precisamente porque este são valores de uso, que ao pé dele parecem inúteis, trivialidades, guizos, ou mesmo, como diz o nosso doutor Martin Luther, simples adornos e regabofes. Essa abrupta conversão do sistema de crédito num sistema monetário adiciona o receio teórico ao pânico prático, e os factores de circulação estremecem perante o impenetrável mistério das suas próprias relações económicas. ”4 (K. Marx, Contribuição para a crítica da economia política, Ed. social, p.109)
G.Bad 19 09
2009
NOTAS
1. 1 onça de ouro
pesa 28.3499 gramas ou ainda 141.7498
carates.
2. W. JACOB : An Historical
Inquiry into thé Production and Consumption of the Precious Metals, Londres, 1831,
vol. IL chap. XXVI, [p. 322].
3. John Law, um protestante escocês que emigrou para França havia
emitido, desde 1705, a ideia de que o papel-moeda é muito superior aos metais
preciosos como instrumento de troca na condição de garantir a emissão sobre as
terras.
4. Boisguillebert, que gostaria de impedir que as relações de
produção burguesas de cavalgar diante dos próprios burgueses, mostra, nas suas
idéias, uma predileção pelas formas de dinheiro onde aparece apenas de forma ideal
ou de maneira fugaz. Assim o fez para os
meios de circulação. Assim o fez para os meios de pagamento. O que mais uma vez
ele não vê é a passagem imediata do dinheiro da sua forma Ideal para a sua realidade
externa, é que a medida dos valores, apenas imaginada, já revela o duro dinheiro
no estado latente. O facto, diz ele, de que o dinheiro é uma mera forma das
próprias mercadorias aparece no comércio em grande escala, onde a troca ocorre
sem a intervenção do dinheiro senão depois que "as mercadorias são
apreciadas". (O detalhe da França, ibid., P. 210.)
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