Para os marxistas sempre foi claro que o Estado é um instrumento através do qual a classe dominante, em cada período da história, exerce a sua ditadura sobre as classes dominadas. Como escreveu Lenine: "O Estado é a organização da violência destinada a subjugar uma certa classe", neste caso o proletariado.
Nos últimos anos, graças à entrada do capitalismo na sua fase de crise económica e social sistémica e permanente, irresolúvel, acompanhada por levantamentos e insurreições populares cada vez mais virulentos – temporariamente interrompidos pela falsa pandemia de Covid-19 -, a única resposta que a burguesia capitalista e imperialista tem para dar aos operários e assalariados que se manifestam para reivindicar o seu direito a viver, é a mais brutal repressão militar.
Não restam quaisquer dúvidas de que, em todos os países assolados por revoltas sociais, o Estado continua a fortalecer o seu braço armado, a fazer valer o seu poder, a fortalecer a sua autoridade,a demonstrar a sua força esmagadora, a erguer barreiras para defender a ordem estabelecida da qual ele é o lacaio servil. Às múltiplas exigências socio-económicas ou políticas dos manifestantes, os governantes respondem, com cada vez mais ferocidade, com repressão. Quando a repressão policial não é suficiente para moderar os ardores reivindicativos das populações em luta, o Estado envia o exército para prosseguir com a pacificação do país, às vezes com o uso de munição real contra civis, como acontece, cada vez mais, por todo o mundo.
Vivemos uma época em que a repressão policial assume formas brutais. Além disso, as forças da “ordem” usam meios cada vez mais coercivos e repressivos, altamente sofisticados. De facto, a polícia conta com armas cada vez mais impressionantes e tecnológicas para defender a ordem estabelecida. Além da exibição assustadora de equipamento repressivo formidável, com tecnologia militar assassina terrivelmente desenvolvida, o Estado não hesita em mobilizar milhares de policias para um simples protesto pacífico.
Assistimos a formas cada vez mais terríveis de intimidar e aterrorizar os manifestantes. A militarização das funções policiais, ou seja, a aplicação de técnicas de treino e intervenção repressiva militarizada, induz inevitavelmente a uma lógica de violência. Existe uma correlação entre a introdução da força paramilitar como técnica de manutenção da ordem, em particular através da adopção de equipamentos militares (capacetes, escudos, joelheiras, armas letais, etc.) e o aumento do grau de violência usada em operações de aplicação da ordem. As forças policiais militarizadas, materializadas pelo desdobramento inigualável de técnicas e equipamentos militares, induzem a uma verdadeira lógica de guerra.
Em particular, em tempos de crise económica e social, propícios à turbulência social, onde o enfraquecimento do Estado providência é acompanhado por um endurecimento autoritário do poder. Cada vez mais constatamos que as fronteiras entre a administração policial e militar da lei e da ordem foram rompidas. A distinção entre os militares e a polícia está a ficar difusa. Estes dois corpos armados constituídos cumprem as mesmas missões bélicas de combate, indiferentemente contra o inimigo externo e o inimigo interno.
Paralelamente a esta
repressão musculada , poderemos
acrescentar os actuais confinamentos penitenciários mortais , decretados pelos
governantes maquiavélicos contra populações deliberadamente infantilizadas e
criminalizadas, que visam vacinar as populações contra as suas tendências
atávicas em se rebelar contra a exploração de que são alvo. Mas, a sua tentativa de erradicar o vírus da
revolta será em vão. Nenhuma política de vacinação ou acção repressiva burguesa
pode deter o gene da subversão ancorado no corpo social do proletariado
instintivamente sedicioso, ontologicamente revolucionário.
Adoptada em França em 1995, é cada vez mais frequente o uso do LBD, autêntica arma de guerra, supostamente para disparar balas de borracha, utilizada pela forças de repressão sobre os manifestantes. Alegadamente para proteger as polícias do risco de lesões graves ou fatais associadas às operações de neutralização directa. Baseando-se neste argumento, a burguesia passa um cheque em branco às suas forças de repressão, legitimando o uso generalizado desta arma – letal - , permitindo-lhes atacar os manifestantes à distância, sem incorrerem em riscos durante as suas operações repressivas.
O LBD, designação atribuída a esta arma que tem a precisão de uma arma de guerra, pode causar lesões graves irreversíveis e, até, a morte. Inicialmente, o LBD foi empregue pela Polícia de Intervenção que patrulhava os bairros populares dos subúrbios, essas cidades-dormitório onde as classes populares associadas às classes perigosas estão acantonadas.
Depois de testada em populações empobrecidas muitas vezes oriundas da imigração, o uso dessa arma de guerra foi generalizado, banalizado, "democratizado", já que foi massivamente utilizado durante as repressões policiais contra os manifestantes para pacificar as suas ardentes exigências, ensinarem-nas a serem dóceis, obedientes, submissas. Doravante, tanto em manifestações quanto em bairros populares ou fábricas e locais de trabalho, a polícia já não hesita em usar esta arma de guerra contra a multidão nas suas operações de contenção ou neutralização. Porque os LBDs têm a característica de induzir uma verdadeira lógica de guerra. Este arsenal visa mutilar e aterrorizar a população turbulenta ou revoltada.
O uso destas armas letais e outras técnicas de contenção – como o chamado golpe de mata-leão (placagem que pode sufocar o oponente que se deseja conter e imobilizar )- são regularmente responsáveis por centenas de "erros policiais". Esses crimes institucionalizados a que instituições como o IGAE – a polícia dos polícias (instituição opaca encarregada da protecção dos seus irmãos de armas, os bandidos da polícia)- e da Justiça, esta outra instituição de classe ao serviço da classe dominante , dão cobertura .
A este respeito, é
paradigmático o exemplo que vem de França, com o governo Macron a apresentar
recentemente um chamado projecto de lei de “segurança global” que visa proibir
a divulgação de imagens de policias no exercício das suas “funções pacíficas de
manutenção da ordem ”, garantida,
como todos sabem, no estricto respeito pelos cidadãos e manifestantes. Na
verdade, esta Lei de "Segurança Global" visa encobrir a violência
policial e erros graves, proibindo jornalistas e qualquer "cidadão"
de filmar os rostos dos espancadores policiais. Segundo essa lei maquiavélica,
esses filmes e essas fotos poderiam colocar em perigo os policias que cumprem o
seu “dever” de repressão. E qualquer infractor será condenado a 45.000 euros de
multa e a um ano de prisão. Se fosse aprovada – em França ou em qualquer outro
país, da Europa ou do mundo -, esta lei seria um verdadeiro cheque em branco
concedido à polícia, permitindo-lhe reprimir com toda a invisibilidade e
impunidade.
Testemunhamos a cada vez maior banalização da repressão e a generalização da violência policial. Os abusos e brutalidades não são de forma alguma uma excepção. Controlos e interpelações da polícia, sobretudo a jovens imigrantes, são acompanhados de insultos e comentários racistas e humilhantes. Num primeiro momento esta violenta repressão que foi levada a cabo apenas contra as “margens” da sociedade, as camadas pobres dos bairros operários e populares, em particular aos jovens abandonados a si próprios e sem perspectiva de integração profissional, rapidamente se alastrou a outras camadas de classe.
O Estado burguês passou,
assumidamente, a tolerar apenas a
organização de uma manifestação efémera, num percurso balizado por queixas banalizadas,
mas uma vez esgotado o limite de tempo da procissão reivindicativa, mas
inofensiva, é necessário que cada manifestante volte para sua casa, para evitar
qualquer reunião prolongada que possa pôr em causa a ordem estabelecida. Nesse
sentido, como podemos ver em muitos países, especialmente na Venezuela, Chile,
Egipto, Indonésia, Índia, além da repressão policial, o Estado mobiliza o
exército para esmagar com sangue todas as manifestações sociais consideradas
subversivas ... aquelas que perturbam.
Ora, qualquer
política repressiva dos governantes contribui para a radicalização da cólera do
proletariado, para o fortalecimento da sua resistência, para o fortalecimento
da sua determinação de prosseguir o seu combate contra a degradação das suas
condições sociais, de vida e de trabalho, apesar da repressão. Na verdade, a
repressão policial só pode encorajar a raiva popular. Além disso, os
manifestantes, vítimas da violência policial, tendem inevitavelmente à
radicalização militante, devido à consciência da verdadeira natureza do Estado:
estar ao serviço da classe dominante e governar pela coerção, pela repressão e
pelo encarceramento. Além disso, a oposição do povo oprimido e do proletariado
à violência policial certamente promove a unidade das suas forças, a
organização da sua resistência, e também contribui para a convergência da sua
luta.
Ironia da história, um golpe de bastão ou gás lacrimogéneo pode aguçar mais facilmente a consciência política do proletariado do que anos de activismo militante. A repressão policial acelera o surgimento da consciência de classe mais depressa do que anos de campanhas eleitorais. Na verdade, os apelos ao voto, a colocar em urnas anónimas, após campanhas que se transformam cada vez mais em mascaradas eleitorais – como foi o último acto eleitoral que levou à reeleição do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa -, produzem o efeito oposto: elas contribuiem para a atrofia da consciência de classe, para a fragmentação do corpo social assalariado em confrontos citadinos, pelo desvio da luta colectiva.
Uma coisa é certa: a
repressão governamental permite ao proletariado e aos assalariados entender a
real função da polícia e do exército numa sociedade de classes. A polícia tem
apenas uma missão de soberania, como dizem os políticos burgueses: e certamente
não é circular ou lutar contra a delinquência (aliás produzida pela sociedade
de classes porque a pobreza gera inevitavelmente criminalidade). A principal
função da polícia é conter as revoltas para manter a ordem estabelecida, ou
seja, garantir a protecção da classe dominante, quer no plano económico, quer
no plano político e ideológico.
Na verdade, porque a sociedade capitalista se baseia na exploração e opressão da maioria da população trabalhadora, a manutenção da ordem burguesa requer uma repressão sistemática de todos aqueles que contestam esta exploração e opressão, de qualquer movimento social que represente uma "ameaça" à ordem estabelecida. Seja como for, o aumento do uso da força contra os oprimidos é uma admissão de fraqueza da classe dominante, incapaz de perpetuar o reinado da sua dominação sem repressão sistemática.
Com o aprofundamento da crise económica e social, acompanhada pela sua parcela de desemprego e miséria, os governos não ignoram que os proletários nunca ficariam inactivos. A sua resposta iminente será igual à sua angústia social: radical. O aproveitamento que foi feito pelas autoridades da pandemia Covid-19 para acentuar o seu componente repressivo em bairros, espaços públicos, transportes, manifestações, está a começar a ter um retorno indesejado para a burguesia, expresso em manifestações massivas em todo o mundo, e em particular na Europa.
Após a fase de militarização da repressão executada com instrumentos de neutralização tecnológica rudimentares, entramos agora na fase da repressão militar realizada com meios materiais e humanos excepcionalmente sofisticados e mortíferos. Agora, a militarização do estado fascista e da sociedade burguesa deve-se ao medo real de uma explosão social. Actualmente, na maioria dos países, a militarização da sociedade manifesta-se pelo armamento da polícia, pela proliferação de câmeras de videovigilância em locais públicos, pela modernização de todo o arsenal repressivo: armas, veículos blindados, informações, digitalização. Para a decadente burguesia mundial, trata-se de adaptar o seu aparelho repressivo às lutas sociais futuras. Com efeito, com o agravamento da crise económica, o aumento exponencial da miséria e do desemprego, o proletariado e as suas jovens gerações sacrificadas não terão outra escolha senão empenhar-se na luta pela defesa das suas condições de vida. Inevitavelmente, esses proletários irão confrontar-se com as forças repressivas do Estado em futuras manifestações.
Para os marxistas sempre foi claro que o Estado é um instrumento através do qual a classe dominante, em cada período da história, exerce a sua ditadura sobre as classes dominadas.
ResponderEliminarComo escreveu Lenine: "O Estado é a organização da violência destinada a subjugar uma certa classe", neste caso o proletariado.