domingo, 29 de junho de 2025

Todos os impérios seguiram a mesma curva (Professor Richard Wolff )


Todos os impérios seguiram a mesma curva (Professor Richard Wolff ) 

Por Robert Bibeau  29 de Junho de 2025

Ver o vídeo no final deste resumo.

Este artigo é uma transcrição ligeiramente condensada de uma entrevista com o professor de economia marxista Richard Wolff, feita pelo escritor norueguês Glenn Diesen em 20 de Junho de 2024. Diz respeito aos Estados Unidos, onde o professor vive.

Professor Richard Wolff: Todos os impérios seguiram a mesma curva. Um império no auge da sua glória suscita inveja e todos os outros se unem geralmente contra ele para o derrubar. O Ocidente, que ignora a co-existência pacífica, move-se de império em império. A transição é geralmente caracterizada pela negação intransigente dos habitantes do império em declínio, pontuada por esforços para abrandar esse declínio, impedindo o progresso do que emerge em seu lugar.

Israel é uma espécie de anacronismo. Nos últimos 150 anos assistiu-se a lutas anti-coloniais e à descolonização do mundo. Como pode Israel, um Estado colonial de colonização, desenvolver-se num século XXI anti-colonial? Porque é a continuação do desesperado projecto americano de manter uma hegemonia que está a vazar por todos os lados. Mas desde o ataque de Trump às centrais nucleares do Irão, começamos a ouvir políticos americanos de ambos os partidos dizer: “Pagámos a nossa dívida para com Israel”, “Estamos livres das nossas obrigações para com Israel”, “Podemos agora distanciar-nos de Israel e concentrar-nos na China”. É ridículo, porque Israel nunca teve tantos inimigos, mas mostra que mesmo os americanos mais extremistas não querem ficar atolados no Médio Oriente.

No auge da sua potência hegemónica, os Estados Unidos estabeleceram uma economia liberal baseada nos dogmas do mercado livre e da livre circulação de pessoas e capitais, teorizados por Ricardo e unanimemente pregados em todas as grandes universidades ocidentais. Isto permitiu-lhes absorver todas as riquezas do mundo, uma vez que as suas indústrias e tecnologias eram as mais eficientes do mundo. Mas agora o neo-liberalismo é responsabilizado pelo declínio do Ocidente e rejeitado em todo o lado. Trump já não fala de mercados livres, mas de mercados justos (um termo emprestado da esquerda, que inventou o comércio justo para ajudar os países em desenvolvimento), e está a colocar barreiras em todo o lado (tarifas, muros anti-imigração, sanções e guerras contra concorrentes).

Sou professor universitário. Quando comecei, todos os meus alunos se tornaram professores noutras universidades. Agora, ou não conseguem encontrar emprego na universidade, ou têm de ter outro emprego, para além do trabalho académico, para poderem sobreviver. As universidades e os programas sociais estão a ser encerrados para aumentar o orçamento das armas. Mas ninguém faz a ligação com o declínio do Império. É um assunto tabu.

Um império em declínio precisa de bodes expiatórios para transferir as culpas

Nos últimos 40 anos, assistiu-se a uma enorme redistribuição da riqueza nos Estados Unidos, da base e do meio da sociedade para o topo e, em particular, para o espectacular 1%, como Elon Musk, Bezos, que acaba de privatizar Veneza para o seu casamento, etc... As principais vítimas desta concentração ascendente da riqueza foram os operários brancos sindicalizados. Perderam tudo com as deslocalizações e a desindustrialização para a indiferença geral, enquanto as costas leste e oeste festejavam o triunfo do neo-liberalismo. Além disso, munidos da sua arrogância e do seu ódio de classe, tentaram fazer crer a esses pobres infelizes que a economia americana estava a florescer, que tudo corria bem e que o único problema era que eles não eram suficientemente bons, adaptados, competentes, móveis, etc. Isto é uma verdadeira tortura mental! Bastava-lhes beber, suicidar-se ou drogar-se, e foi o que fizeram. Todos os anos, 100.000 pessoas destroem-se com opiáceos. Esta situação explica o sucesso de Trump.

Ao mesmo tempo, nos últimos 30 anos, tem havido um movimento de negros americanos, latino-americanos e mulheres que não querem continuar a ser cidadãos de segunda classe. E oportunistas como Trump estão a dizer aos brancos empobrecidos que a culpa é dos democratas que abriram a porta aos imigrantes. Eles votaram nele. Os imigrantes não votam e o único voto que lhe escapou foi o das mulheres. Esta estigmatização dos imigrantes sem documentos é ridícula. Há 330 milhões de americanos e apenas 10 a 12 milhões de imigrantes sem documentos. Trabalham arduamente, a sua taxa de criminalidade é inferior à dos americanos de origem e não têm poder.

Mas isso permite ignorar os verdadeiros culpados do empobrecimento dos operários brancos, ou seja, o sistema capitalista e os detentores do capital que optam por transferir ou investir o seu capital em países com mão de obra barata, em detrimento dos Estados Unidos, ou que trazem imigrantes para a América porque trabalham a troco de quase nada em sectores (restaurantes, pequenas lojas e serviços) que não podem deslocalizar. E, já agora, estamos a a dar um golpe duplo ao acusar os chineses de nos tirarem os empregos.

Os trabalhadores e ex-trabalhadores brancos sabem tudo isto. Compreendem que, na década de 1990, os Estados Unidos se concentraram nas finanças e na tecnologia, delegando a produção industrial na China, a fim de obterem mais lucros, mas foram abandonados pelos Democratas que se recusam a questionar o domínio dos poderes financeiros sobre a economia, excepto talvez Bernie Sanders. Por conseguinte, são obrigados a voltar-se para Trump.

A direita vai ter de se entregar a torpezas mais dramáticas para que isso mude. Mesmo o que fizeram no Irão não será suficiente.

Qual é a solução, se é que existe uma ?

Penso que tudo o que está a acontecer agora vai continuar até que a situação se torne absolutamente insuportável. Pergunto-me como é que os BRICS (sobretudo a China, a Rússia e o Irão) vão reagir a tudo isto. Segundo a Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA), os iranianos enviaram o seu urânio enriquecido para outro país antes do bombardeamento das suas instalações. Se isso for verdade, é de recear que o Irão decida adquirir uma bomba atómica. Quanto à China e à Rússia, estão cada vez mais conscientes de que já não há ninguém nos Estados Unidos com quem possamos discutir questões sérias. Portanto, a situação vai continuar assim, com cada vez menos tolerância para com o belicismo ocidental. Quanto mais o genocídio em Gaza, a guerra na Ucrânia e assim por diante continuarem, mais cresce a antipatia no resto do mundo contra os Estados Unidos, Israel e o Ocidente em geral.

A única esperança é a ala populista do Partido Democrata, Bernie Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez e assim por diante. Por acaso, aqui em Nova Iorque, onde vivo, estamos a meio de uma campanha para as eleições municipais. Ambos os candidatos pertencem ao Partido Democrata, mas um deles, Zohran Mamdani, descreve-se como um socialista e pode derrotar Andrew Cuomo, que é um pilar do centro democrata. É um sinal de mudança, para não falar do facto de já ter vários membros do Conselho Municipal que se dizem socialistas. Há 75 anos que isso não acontecia aqui! Se ao menos esta esquerda ousasse declarar que não pode permanecer num partido cuja prioridade é fazer as vontades dos seus doadores bilionários que dirigem o sistema político!

Lembrem-se que Trump, na sua tomada de posse, não tinha juízes e políticos atrás de si no estrado, tinha Elon Musk, Mark Zuckerberg, Jeffrey Bezos e a sua noiva, como se dissesse: "Eu sou o governo destas pessoas. Eles não produzem nada. São apenas financiadores. Mas Trump está preso a eles, e eles a ele.

Por isso, é altura de os populistas dizerem o que acabámos de dizer: o nosso império está em declínio e temos de enfrentar as evidências. Vamos sentar-nos com os iranianos, os chineses e os russos e discutir como podemos viver todos juntos neste planeta. E o nosso modelo será a Grã-Bretanha e os Estados Unidos do século XIX. Quando os Estados Unidos quiseram a independência, o Império Britânico decidiu entrar em guerra contra eles. E é esta guerra de 1776 que comemoramos todos os anos no dia 4 de julho. Para surpresa de todos, os britânicos foram derrotados. Em 1812, voltaram a tentar e perderam novamente. E durante a Guerra Civil, tentaram novamente interferir antes de desistirem. Mas, em meados do século XIX, tudo voltou ao normal. Os dois países concordaram em partilhar o planeta. Os Estados Unidos ficariam com a América Latina e a Inglaterra com o resto do mundo. E nunca mais haveria uma guerra.

É isso que é preciso fazer para que o mundo deixe de viver sob o terror das aventuras militares americanas. Isso significaria lançar o desafio e pôr em prática outro programa económico, outro programa político, outro programa militar. Reduziríamos as despesas militares, que actualmente equivalem à soma das despesas dos 9 países que nos seguem, para nos alinharmos com o resto do mundo.

O resultado de tudo isto seria a divisão do país, a divisão dos republicanos, e isto seria uma reorganização da política do país. Isso é possível? Sim. É provável? Não.

É pena, diz Glenn Diesen, porque algumas divisões dentro dos partidos teriam também o mérito de abanar o status quo, reduzir o peso da ideologia do mercado livre e sem restricções - tanto mais que o próprio Ricardo apontou o perigo da concentração do capital em muito poucas mãos - e trazer de volta mais pluralismo e criatividade para substituir as actuais estruturas corruptas e desacreditadas.

Sim“, acrescenta Richard Wolff, ”e fiquei impressionado com a facilidade com que Trump converteu os fanáticos do mercado livre ao proteccionismo e às tarifas. As pessoas mudam de ideias facilmente. É fácil convertê-las. Basta uma campanha bem organizada e mobilizadora para dar a volta à população, e a esquerda populista tem activistas suficientes para o fazer.

retranscrição Dominique Muselet


Fonte: https://les7duquebec.net/archives/300565

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice






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