Quando se aproxima mais uma “época de incêndios”, não posso deixar de
assinalar que há mais de 40 anos que, ano após ano, quando o país arde, lá vêm
os sucessivos governos que à vez, sozinhos ou coligados – e relembro que,
praticamente todos os partidos do “arco parlamentar”, passaram pelos bancos do
poder – , e assessorados por um batalhão de “especialistas” de tudo e mais
alguma coisa, afirmar, por um lado, que a culpa foi dos incendiários ou da
natureza e, por outro, que agora, sim, irão ser tomadas medidas na direcção
certa que, segundo todos eles, é a prevenção.
Porém, ano após ano, o quadro não só se mantém como se agrava. E, a forma
de entreter o povo e iludir o fundo das questões é sempre a mesma: a protecção
civil não funcionou como devia, os bombeiros manifestam uma profunda
descoordenação e falta de meios, etc.
No entanto, a verdade é que, enquanto para a burguesia for mais rentável “combater” os fogos do que preveni-los, os incêndios serão uma chaga com a qual os camponeses pobres e envelhecidos, primeiro, e o povo em geral, depois, se terão de confrontar.
Uma autêntica máfia organizou-se em torno daqueles que podem ter influência e poder e o negócio de equipamentos e meios para bombeiros floresce como poucos sectores da actividade económica no nosso país. Como floresce o negócio das celuloses que impuseram o eucalipto – uma árvore oriunda da Austrália – no ordenamento florestal do nosso país, estando-se completamente nas tintas para o facto e a circunstância de, quando ocorrem incêndios, as projecções das folhas e casca destas árvores atingirem distâncias de 500 e mais metros!
Num país em que o processo de acumulação capitalista não chegou a uma
grande área da sua estrutura agrária, onde pontifica o minifúndio e a dispersão
habitacional, onde o campesinato pobre, imediatamente a seguir ao 25 de Abril
de 1974 não compreendeu – e até rejeitou – que a única aliança que permitiria
assegurar o seu futuro era a aliança com a classe operária, aceitando o
programa de colectivização dos meios de produção e a mecanização e modernização
da agricultura, os incêndios vão produzir o efeito que os caciques locais
induziram a estes camponeses quando lhes diziam que os comunistas – para além
de comerem criancinhas ao pequeno almoço – lhes queriam roubar as terras.
Claro que, quando refiro o programa defendido pelos comunistas para o sector da agricultura e pela defesa da aliança operário-camponesa, não me estou a referir ao PCP revisionista que há muito abandonou este ou qualquer programa revolucionário.
Vejamos! Quando o governo do PS, secundado pelas suas muletas do PCP/BE/Os Verdes, que deveria tutelar a política de ordenamento florestal, vem afirmar que o Estado é detentor, “somente” de 3% da área florestal e, simultaneamente, vem dizer que, num futuro próximo, vai propor e fazer aprovar na Assembleia da República, legislação que visa, num primeiro momento, reprimir e multar quem não proceda à limpeza da mata e acessos e, num segundo momento, caso essa repressão e imposição de multas não tenha sucesso, imporá a expropriação da propriedade dos “infractores”, o que é que esta ameaça representa?!
Representa que o poder está a dar uma indicação clara de que está disposto a dar, de facto, um primeiro, mas grande passo, no caucionar de um roubo que, afinal, não serão os comunistas a praticar, como afirmavam em 1974 os caciques locais, mas sim aqueles que visam facilitar a acumulação capitalista nos campos e transformar a agregação de várias parcelas de minifundio em grande propriedade onde, ao invés da economia de subsistência, se pratique uma agricultura extensiva e intensiva, incluindo a florestal, mecanizada e com recursos hídricos fornecidos por meios não naturais – via barragens ou redes de tranvazes e canais (como está a acontecer no Alqueva).
Ao fim de 40 anos de abandono e traição dos camponeses pobres do país, pensa a burguesia aproveitar a enorme tragédia dos grandes incêndios recentes – refiro-me a Pedrogão Grande, a Albergaria a Velha, Pampilhosa da Serra e muitos outros que, para além de mais de uma centena de mortos devastaram centenas de kms2 de área florestal e aldeias - para escamotear que foi por sua acção e vontade que os campos sofreram o abandono que hoje se regista. O campesinato pobre e os assalariados rurais, que representavam mais de 20% da população portuguesa em 1974, não representam mais do que 2 a 3% da população actual!
Ora, foi este abandono, foi este estrangular da agricultura, agravado pela adesão de Portugal – primeiro à CEE e depois à UE – a uma comunidade europeia onde os interesses dos grandes agricultores – sobretudo franceses – determinaram uma política de “quotas” que estrangulou definitivamente a exploração agrícola no nosso país, provocou um êxodo da juventude dos campos para a cidade e para a emigração e promoveu o envelhecimento da população dos campos.
Não existe solução para esta situação no quadro do modo de produção capitalista. Se alguém defender – como o fazem PCP, BE, Verdes e outras formações políticas oportunistas – que tal é possível, está evidentemente a trair a classe operária e os assalariados rurais. Isto porque, só a destruição do modo de produção dominante – o sistema capitalista e imperialista – e a instauração do modo de produção comunista poderão resolver a situação a favor de quem nada mais possui do que a sua força de trabalho.
Luis Júdice
23 de Março de 2021
Excelente artigo, pelo que sei, uma limpeza de um pequeno terreno está neste momento a ser cobrado por algumas centenas de euros, todos os anos...
ResponderEliminarTemos um Sistema criminoso. Quem tem duvidas? Quem quer Mudar? Que mudança? - Precisamos de Educação. Precisamos de Educadores. - Precisamos de Nova Escola Educação de Valores Fundamentais.
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