quinta-feira, 11 de junho de 2020

CNBC maquilha gráficos para sustentar falsas alegações de retoma económica



Fonte : Moon of Alabama.

Ontem, após o anúncio-menos-mau-do-que-o-esperado, referente aos números do desemprego, a CNBC intitulou (ver link - titré): A recuperação do coronavírus apresenta-se na forma de V, de acordo com estes gráficos.
Um título melhor teria sido:
Acreditam que maquilhámos gráficos que mostram uma retoma em V ?

O artigo começa assim:
A economia dos EUA somou um número recorde de empregos em Maio, pois ela parecia recuperar das baixas da recessão devidas ao coronavírus, e agora o gráfico de ganhos e perdas de empregos está a começar a parecer um "V."


O gráfico é retirado directamente do manual (ver link -  manuelHow to Lie Graphics (Como fazer mentir os gráficos – NdT), ou de livros e artigos (ver link - articles) semelhantes. Uma enorme queda no número de empregados, seguida por um aumento muito menor, remendados num gráfico que de alguma forma mostra um V.


Um verdadeiro gráfico dos números do desemprego, aqui (ver link - ici) no blogue Calculated Risk, aparece muito diferente:


Sim, o Bureau of Labor Statistics (BLS) anunciou (ver link - annoncé)  um aumento no número de empregos:

O número total de empregos assalariados não agrícolas aumentou 2,5 milhões em Maio e a taxa de desemprego caiu para 13,3%, informou hoje o Bureau of Labor Statistics dos EUA.

No entanto, o BLS acrescentou uma advertência técnica que muitos meios de comunicação não reportaram. Os seus dados, baseados em inquéritos em domicílios e estabelecimentos, não apresentavam a categoria "Epidemia de Covid-19", o que levou a uma bizarra estatística:

Se os trabalhadores que estivessem registados como empregados, mas ausentes do trabalho por "outras razões" (para além do número de faltas por outras razões durante um Maio típico) fossem classificados como desempregados demitidos temporariamente, a taxa geral de desemprego teria sido de cerca de 3 pontos percentuais mais alta do que a relatada (numa base não corrigida).

Mesmo que esses números tivessem sido incluídos, o número real de pessoas que procuram trabalho é ainda maior. A categoria U-6 da estatística BLS (Tabela A-15 – ver link tableau A-15), que inclui todos os que procuram trabalho, mostra que havia 21,2 milhões de desempregados. Esse número é inferior em 1,6 milhões ao do mês passado.
Que o número de empregos tivesse aumentado  inesperado (ver link -  inattendu). Bill McBride, do Calculated Risk  (Risco calculado – NdT), sugere (ver link - suggère) esta explicação para o aumento:

Sendo dado como adquirido que a semana de referência incluía o 12 de Maio, era muito cedo para ver o impacto das "reaberturas" na maioria das regiões. Haverá mais para ver em Junho. Em vez disso, esse aumento no emprego deveu-se provavelmente à recontratação por empresas que deixaram muitas pessoas partirem em Abril  e porque certas empresas deviam readmitir para se qualificarem para o plano de assistência PPP (Plano de protecção da folha de pagamento].

No quadro do Plano de Protecção da Folha de Pagamento, as empresas podem aceder a empréstimos do governo que não precisam ser reembolsados ​​se mantiverem um certo número de pessoas na sua folha de pagamentos durante vários meses. As empresas que aderiram recentemente a esse programa podem ter que contratar novamente pessoas para se qualificarem.

Mas voltemos aos falsificadores dos gráficos da CNBC. Aqui está o segundo que eles mostram para apoiar a sua tese de recuperação em V:

Os dados sobre a mobilidade da Apple mostraram que os pedidos de autorização de mudança de residência haviam quase atingido o nível pré-pandémico no dia  1 de Junho. O aumento da procura de mudanças de residência também se estendeu aos vôos, com as principais companhias aéreas a anunciar nesta semana que retomarão os voos suspensos devido à pandemia.


Os dados (ver link - données) da Apple não mostram que "as solicitações de mudança de residência haviam quase regressado, até ao dia 1 de Junho, aos níveis pré-pandémicos". A Apple não fornece números absolutos. Indica apenas como o número de solicitações evoluiu. O gráfico mostra que o número absoluto de solicitações diminuiu rapidamente desde o início de Março, mas agora parou de cair. Os números absolutos ainda não aumentaram acima do fraco nível pandémico.  
O terceiro gráfico que a CNBC utiliza para a sua teoria de uma retoma em V é o dos mercados petrolíferos:

Os dados de mercado também mostraram fortes recuperações. Os preços do petróleo registam talvez o "V" mais espectacular, já que o comércio de petróleo ligeiro antes do vencimento do contrato para o West Texas Intermediate experimentou uma breve queda abaixo dos zero dólares pela primeira vez em Abril.

Esta venda pode vir a afigurar-se uma anomalia histórica, mas uma combinação de um aumento da procura de gasolina e cortes na produção reconduziu o preço de referência dos Estados Unidos para perto do seu nível no início de Março.



A queda do preço do petróleo WTI abaixo de zero foi, obviamente, uma bizarria que provavelmente não se repetirá. O preço do petróleo, actualmente ligeiramente em alta, não mostra uma recuperação económica. Isso mostra apenas que a OPEP e outros produtores reduziram enormemente a sua produção. A oferta agora corresponde à fraca procura.


Para demonstrar uma retoma em forma de V, a CNBC seleccionou um período de três meses. Mas o petróleo já havia caído no início do ano.

O preço do petróleo ainda está inferior cerca de 30%  do que estava no início do ano. A procura  mundial caiu desde o início da pandemia e não voltou. É por isso que a OPEP realizou hoje outra reunião e anunciou novos cortes de produção por um período mais longo.
No final do artigo da CNBC, descobrimos por que é que essas tabelas foram elaboradas:
Sexta-feira, aquando de uma conferência de imprensa, o presidente Donald Trump declarou: "Falámos sobre uma recuperação em forma de V" - é melhor que um V, "é um foguetão espacial". Dizem que os gráficos falsos apoiam a afirmação absurda de Trump.

O número de novos casos de Covid-19 no Texas, Califórnia e em vários outros estados continua a aumentar. A crise não acabou. As recessões têm consequências razoavelmente longas e a retoma  levará provavelmente anos.

 % de perdas de empregos durante as recessões desde a Segunda Guerra Mundial

 Como assinalava (ver link - remarquer) hoje Yves Smith a propósito dos números do emprego :

Cedo demais para abrir o champanhe. Eu esperava uma recuperação em forma de W, uma retoma inicial seguida de uma inversão, independente de uma segunda vaga. As taxas de infecção continuam a aumentar em muitos estados. Tendo em conta os caprichos no pagamento de fundos PPP aos empregadores, a maioria, se não a quase totalidade, encontra-se numa situação em que devem manter a sua massa salarial. Ouvi directamente dos empresários que esperam ter de cortar cabeças, de molde a que a carnificina comece em breve.

A economia dos EUA caiu 50% (ver link - baisse). Muitos dos empregos perdidos recentemente não retornam. Qualquer exagero de uma recuperação em forma de V apenas impede o Congresso de tomar as medidas necessárias, como o lançamento de grandes programas de infraestrutura, para ajudar os milhões de desempregados a retomar o trabalho.

Moon of Alabama














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