quarta-feira, 10 de junho de 2020

Globalização colocada à prova pela pandemia ; que nome se dava à globalização?


RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com www.madaniya.info.
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"A ditadura perfeita seria uma ditadura que teria a aparência de democracia: uma prisão sem muros, da qual os presos não sonhariam escapar. Um sistema de escravidão em que, através do consumo e do entretenimento, os escravos adorariam a sua escravidão ".

Aldous Husley «O Melhor dos Mundos»
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O autor dedica este artigo a todos os que se levantaram para dizer "Não à Penumbra" (Aimé Césaire), os contestatários do pensamento dominante aglutinados em torno do "círculo da razão": Julian Assange, Edward Snowden, Chelsea Manning, Yánis Varoufákis, Podemos, o movimento cidadão “Nuit Debout” defensor da convergência das lutas, bem como os “Coletes Amarelos”, os “Black Blocs”, “Ocupar Wall Street”, Attac… todos os alter-mundialistas e denunciantes anónimos e corajosos, que, com o risco de suas vidas, não cessaram de fazer soar o alarme, num oceano de palavras inúteis e de demagogia.

A pandemia do Covid 19, de uma escala sem precedentes na história moderna, provocou o confinamento de mais de 3 biliões de pessoas em todo o mundo, quase metade do planeta, e alimentou o maior movimento de êxodo populacional.
Na altura do 2 de maio de 2020, correspondente à sétima semana de confinamento decretada pela França, o balanço estabelece-se como se segue:

Desde o início da epidemia, 212 países ou territórios ou barcos (2) foram afectados pelo vírus, em 3.398.473 casos notificados, 239. 448 mortes; 1.080.101 curas e 2.078.924 pacientes em tratamento, incluindo 50.956 em estado crítico.

A Ásia, à excepção da Turquia, do Irão, do Japão, da Índia e do Paquistão, quase que saiu da pandemia.

Os Estados Unidos, que registaram a sua primeira morte relacionada com o coronavírus no início de Fevereiro, registaram mais de um terço dos casos de Covid do mundo, com quase 66.000 mortes, o balanço mais pesado no mundo , superando agora o dos soldados americanos mortos em duas décadas durante a Guerra do Vietname. Um total de 58.220 soldados americanos perderam a vida durante esse conflito (1955-1975), de acordo com o balanço oficial publicado pelo American National Archives. A essa avaliação, convém acrescentar mais de um milhão de casos de contaminação identificados desde o início da epidemia. O presidente Donald Trump suspendeu a imigração legal, enquanto, no plano económico,  22 milhões de americanos perderam o seu emprego.
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Em segundo lugar vem a União Europeia na seguinte ordem:

1.      Itália: Primeiro país europeu pela importância do seu balanço mórbido, a Itália ultrapassou a marca das 28.2367 mortes.
2.      O Reino-Unido, em surpreendente segunda posição, com um número total de óbitos que se eleva a 27.510 mortes. O número de contaminados é agora de 177.454.
3.      A Espanha 25.100 óbitos no total num total de 216.582 casos  recenseados.
Em quarta posição, a França, cujo último balanço assinala 24.594 mortes no total (15.369 falecidos em hospital e 9.225 em centros sociais e médico-sociais, incluindo os Ephad – lares de reformados, NdT) para 130.185 de casos recenseados. Com 24.594 mortes, a França ultrapassou assim o balanço da canícula de 2003 (19.000 mortes no território francês). «Muito mortífera», a pandemia matou agora « mais do que todas as epidemias de gripe sazonal, mesmo as mais severas, mesmo as mais prolongadas », tal como a canícula de 2003.

A China, o berço da pandemia, reabriu finalmente as suas portas, a meio de Abril, e milhares de pessoas deixaram a cidade de Wuhan após dois meses de confinamento. Wuhan acolhe uma população de 15 milhões de habitantes.

Para além de um elevado número de mortos, a crise do Covid-19 causou uma recessão económica nunca vista desde a Segunda Guerra Mundial. O desemprego está a explodir em todo o mundo. Mais de 3 biliões de pessoas foram afectadas pelo encerramento total ou parcial dos seus locais de trabalho. As trocas mundiais deverão registar em 2020 uma contracção entre 13% e 32% em 2020, segundo a Organização Mundial do Comércio. Em termos de emprego, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) estimou que 25 milhões de pessoas correm o risco de perder o emprego, aumentando o número de desempregados no mundo, estimado em 190 milhões. Da arte da recuperação na política:
Numa cruel ironia, Boris Johnson, o primeiro-ministro conservador britânico, hospitalizado em Abril de 2020, durante uma semana em cuidados intensivos por causa da sua contaminação com o Coronavírus, agradeceu ao sistema público de saúde NHS, criado em 1948 pelos seus rivais trabalhistas. As autoridades francesas congratularam-se elas próprias, com o facto de o sistema hospitalar francês ter resistido à pandemia tendo procurado, no entanto, comprimir a sua dimensão para reduzir os seus custos de funcionamento, ocultando o facto de que o sistema de saúde francês, na cidade como no hospital, confia na resiliência dos cuidadores há anos.

Na mesma linha que poderia ter definitivamente fechado o bico a Eric Zemmour, cf sobre a esse propósito "esses médicos estrangeiros que salvam vidas francesas", um artigo de Majed Nehmé, director do site da África na Ásia: https://prochetmoyen-orient.ch/dans-la-presse/

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Um estudo em duas partes:

1.      Que nome se dava à mundialização?
2.      Que nome se dava à pandemia do coronavirus?
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Que nome se dava à mundialização?

Uma ideologia de dominação.

Sob uma aparência de fluidez e a projecção no imaginário colectivo de uma imagem de comunhão universal, na exaltação da euforia, a mundialização provou ser uma ideologia de dominação, comparável pelos seus efeitos corrosivos aos da ideologia da colonização, da qual constitui a forma mais moderna e sofisticada de predação económica. Um neocolonialismo liderado sob a égide dos Estados Unidos e não da Europa, agora reduzida a um papel de servo dócil.

Neste contexto de mundialização, o desenvolvimento de grandes unidades económicas com bases regionais respondeu às necessidades da financeirização da vida pública internacional e do pan-capitalismo financeiro americano. Mas, se foram abolidas as fronteiras entre os Estados membros, para torná-los pontes de troca, ergueram-se barreiras em relação aos outros Estados não membros. Em suma, ilhas de prosperidade diante de um oceano de miséria.

O fim da bipolarização do mundo levou à destruição dos muros de separação da Guerra Fria.

A implosão da União Soviética causou a destruição do Muro de Berlim e a inclusão da Europa Oriental ex-comunista na esfera geopolítica da OTAN, paralelamente à constituição de uma União Europeia de 28 membros, depois 27 membros com o Brexit. 1979 marca a esse respeito um ano crucial, ao nível económico, com a chegada quase simultâneo poder, em 4 de maio de 1979, por uma década, de Margaret Thatcher no Reino Unido, secundada, no ano seguinte, pelo seu parceiro ideológico americano Ronald Reagan.

Tendo, como corolário, a ascensão em potência do neo-conservadorismo e do ultra-liberalismo, o triunfo da Escola de Chicago com o seu consenso em Washington e o seu equivalente europeu, o consenso de Bruxelas.
O início de uma década de globalização feliz, na expressão do cantor do pan-capitalismo financeiro Alain Minc, "plagiador servil", mas ainda assim, à época, presidente do Conselho de Supervisão do Journal le Monde e, a esse título, coqueluche da Tecno-estrutura francesa.
Para ir mais longe sobre Alain Minc, consulte este link: https://www.acrimed.org/Alain-Minc-plagiaire-servile-en-1999-serial-plagiaire-en-2013

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Multinacionais, paraísos fiscais e assassinos

de custos (cost killer – NdT).

À sombra da "feliz globalização", os paraísos fiscais floresceram. Durante este período, o número de empresas transnacionais no mundo aumentou para 70.000, controlando quase 500.000 subsidiárias, dedicando-se a uma exploração desinibida do planeta. As multinacionais que monopolizam terras, recursos hídricos, geram poluição e desmatamento, controlando os direitos dos trabalhadores, afectando os meios de subsistência de numerosas comunidades. Em França, as 40 multinacionais que compõem o CAC 40 T~em hoje um peso de mais de 1.300 biliões de euros em facturação, mais da metade do PIB do país e os grandes grupos, originários de França, têm 16.000 subsidiárias no estrangeiro, incluindo 2.500 em paraísos fiscais onde deslocalizam os seus lucros.

 Melhor ainda: 10% das famílias detêm metade da riqueza total, consistindo principalmente em bens imobiliários e activos financeiros. E o salário médio dos chefes da CAC 40 disparou, enquanto a dívida pública ultrapassou os 100% do PIB no final de Setembro de 2019, segundo o INSEE.
Antes da pandemia, situava-se mais precisamente em 100,4% do produto interno bruto (PIB), ou 2,415 biliões de euros, 39,6 biliões acima do trimestre anterior.
Veja, a este respeito, “Os subterrâneos não tão chiques do CAC 40” Por Olivier Vilain https://www.golias-editions.fr/golias-hebdo/

.Contudo, durante este período, os malabarismos dos fracos rendimentos prosseguiram inexoravelmente com a flexibilidade do trabalho e o seu corolário a precariedade do trabalhador, o plafonamento das indemnizações do desemprego, a redução dos custos e a optimização da produção, a compressão dos serviços públicos e a reforma das pensões, a abolição da APL (Ajuda à Habitação) para estudantes e o congelamento das pensões para reformados.
Sob a influência de slogans enganosos concebidos pelas caixas de ideias de Sarkozystas, do género "Trabalhe mais para ganhar mais, para reflectir menos, o COST KILLER, ainda um dos principais provedores de desemprego em massa, será promovido ao posto de melhor da gestão económica.

Uma política de austeridade executada sem piedade, apesar de em contra-mão, o estilo de vida luxuoso do estado mantinha-se,  escandalosamente.
Todos os principais ministérios parisienses continuam a ter de facto um chef para a restauração dos membros dos gabinetes ministeriais há quase cinquenta anos, enquanto na Suécia toda a administração sénior é restringida à cantina, a preços variáveis ​​de acordo com o rendimento. O ideal republicano não é o mesmo na Suécia, que é uma monarquia, e na França, que aboliu a monarquia, mas manteve os seus privilégios para as suas elites.

O Consenso de Washington…..não tão consensual como isso.
Por uma questão de consenso, os Estados Unidos impuseram à América Latina o terrível "Consenso de Washington" - um conjunto de medidas de inspiração liberal relativas aos meios para relançar o crescimento económico, particularmente em economias em dificuldade devido à sua dívida com o aparecimento de fundos abutres.

Beneficiando do contexto de crise ideológica global ligada ao colapso do comunismo soviético, no final dos anos 80, a administração neo-conservadora americana vai generalizar esse consenso, impondo-o à União Europeia através do "Consenso de Bruxelas ”, seu cortejo de privatização, desregulamentação e deslocalização tendo, como resultado, uma destruição considerável do emprego na Europa, o surgimento dos“ tigres asiáticos ”(Índia, China, Coreia do Sul, Filipinas, etc. ) e a perturbação correlativa da geo-economia mundial.
A “aldeia planetária » e o « círculo da razão ».
A implosão do bloco soviético, na década de 1990, com a abolição dos contrapesos ideológicos, induziu uma sinergia capitalista entre a comunicação social e os grandes grupos industriais, tornando o primeiro o ornamento do grupo ou o seu lança-chamas de acordo com as necessidades da estratégia do conglomerado. Toldados pela sua euforia em comemorar o advento de uma "aldeia global" e o "Fim da História" decretados por Francis Fukuyama, os editocratas acabam por negligenciar os sinais de alerta de uma crise séria. Assim, calcarão com os seus pés os resultados do referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu, rejeitado em França e na Irlanda, e imporão à autoridade restrições orçamentais incompreensíveis, gerando uma multidão de sem-abrigo, de falhados da vida, excluídos da sociedade de abundância.

A "aldeia planetária" ou aldeia global é uma expressão de Marshall McLuhan, extraído da sua obra "The Medium is the Massage" publicada em 1967, na qual o sociólogo canadense (1911-1980) argumentou que a comunicação social de massa encontraria o conjunto de micro-empresas numa mesma "família humana", uma "única aldeia" onde "viveríamos ao mesmo tempo, na mesma proporção e, portanto, no mesmo espaço", significando assim a sinergia provocada pela mundialização entre medias e tecnologias da informação e da comunicação.

A "Fundação Saint Simon", imbuída da pretensão dos seus membros, chegará ao ponto de se felicitar por ter liderado a França, em marcha forçada, rumo à modernidade pela sua adesão à União Europeia. Cumprida a sua missão, decretará a sua dissolução, apesar de a validação da concepção tecnocrática da construção europeia ter sido desmentida em França pelo triunfo do NÃO no referendo de 1995 sobre o Tratado Constitucional. Sintomaticamente, nenhum dos pontífices da Fundação Saint Simon superará a sua culpa. O "círculo da razão" apareceu assim como uma instrumentalização elitista da razão, uma deriva antidemocrática da razão. Tantos eventos cujas consequências ainda hoje se fazem sentir.

Sobre a responsabilidade dos editocratas, neste naufrágio do pluralismo, veja este link  https://www.acrimed.org/Au-nom-du-pluralisme-taisez-vous

Desde o início da globalização, quando os edictocratas desfaleciam ante o advento de uma "aldeia global" e do "Fim da História", o planeta apresentou a conta pelo seu saque imprudente tanto no domínio da saúde quanto no domínio climático:

SIDA: 74,9 milhões de pessoas foram infectadas pelo HIV, incluindo 32,0 milhões de pessoas que morreram de doenças relacionadas com a SIDA desde o início da epidemia nas décadas de 1980 e 1990.

Onda de calor 2003: A onda de calor europeia de 2003, um evento climático de magnitude excepcional que ocorreu de Junho a Agosto de 2003, encurtou a vida de mais de 19.000 mortos em França e 70.000 na Europa de Junho a Agosto de 2003.
Tsunami 2004: o tsunami causou a morte de 225.000 pessoas em 24 de Dezembro de 2004, numa zona da Tailândia à Indonésia e ao Oceano Índico (Índia-Sri Lanka)

Crise do sub-prime de 2008: A crise do sub-prime causou a destruição de 25 triliões de dólares de capitalização bolsista, mais do que suficiente para reconstruir o planeta inteiro numa base ecológica e erradicar pandemias. Somente em França, o custo do resgate de estabelecimentos do hexágono elevou-se a 30 biliões de euros em 2008/2009.

Para aprofundar este tópico, consulte: Em 2008, um vírus financeiro que devastou a economia mundial: https://www.liberation.fr/france/2020/03/19/le-covid-19-agit-comme-une-metaphore-de-la-demondialisation_1782306 . A lista não é exaustiva e deve ser completada com os incêndios gigantescos na Califórnia e na floresta amazónica, Portugal e Espanha.
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2020: O coronavirus duplicou com uma guerra dos preços do petróleo.

A prova de força entre o presidente russo Vladimir Putin e o príncipe herdeiro saudita Mohamad Ben Salmane, dois dos principais produtores de petróleo, sobre o nível de produção após a desaceleração da economia mundial devido à pandemia de Coronavírus, causou uma perda de capitalização bolsista de cerca de 2,3 triliões de dólares, na segunda-feira, 9 de março de 2020, e a ARAMCO, a gigante petrolífera saudita, sofreu uma depreciação de 320 biliões de dólares.

Sem precedentes nos anais da economia mundial, o preço do petróleo atingiu uma cotação negativa, caiu para 0 dólares, ou seja, os produtores ofereceram um desconto aos seus clientes para aliviar os stocks consideráveis que acumularam em seis semanas de sobre-produção e sub-consumo.

Do lado árabe, o facto de confiar a gestão dos Fundos Soberanos Árabes a especialistas ocidentais, formatados pelo molde do FMI, causou uma perda de 1,5 triliões de dólares durante a crise bolsista de 2008, sem mencionar a aquisição de títulos do tesouro dos EUA no valor de quase 2.000 biliões de dólares (para Arábia Saudita e Kuwait). A isso adiciona-se a colocação em bancos americanos de quase 2 triliões de dólares. Tais quantias são subtraídas ao desenvolvimento económico árabe.

O dogma ultra-liberal em causa.
Se a crise do sub-prime resultante dos empréstimos tóxicos alocados a empréstimos hipotecários revelou a face hedionda do capitalismo selvagem, ao mesmo tempo que a farsa do ultraliberalismo com a injecção maciça de fundos públicos para o resgate de grandes empresas, ao contrário das virtudes reguladoras do mercado “Deixar Fazer Deixar Andar”, a pandemia de Covid 19 destruiu o espartilho orçamental da União Europeia, cuja severidade resultou em favorecer a austeridade sobre o renascimento do poder de compra .

Ah! esses famosos "critérios de convergência de Maastricht" que obrigaram os Estados membros a reduzir os seus gastos públicos em detrimento dos investimentos, garantias de desenvolvimento futuro; priorizar as economias de funcionamento em detrimento dos serviços públicos, e a retoma do consumo pelo poder de compra.


Golpe sobre golpe, os países membros do G20 anunciaram quinta-feira, 26 de março de 2020, a sua intenção de injectar "mais de 5.000 biliões de dólares" na economia mundial para "contrariar as repercussões sociais, económicas e financeiras da pandemia" do novo coronavírus. , durante uma cimeira virtual de emergência, uma reunião de videoconferência presidida pelo rei Salman da Arábia Saudita.

Na véspera, os Estados Unidos haviam implementado, em 25 de março de 2020, "o maior plano de resgate da história americana", adoptando um plano de recuperação de 2.000 biliões de dólares (1.800 biliões de euros) .

O Banco Central Europeu, à sua conta, libertou a quantia de 750 biliões de dólares para cobrir as despesas exigidas pela pandemia, enquanto a Presidente da União Europeia, Ursula Von der Leyen, anunciou sexta-feira 20 de março de 2020 a suspensão sem precedentes das regras de disciplina orçamental da UE, para dar aos Estados-Membros a oportunidade de investir de forma pesada na luta contra o coronavírus e responder às consequências sócio-económicas da crise. "Hoje - isso é novo e nunca foi feito antes - estamos a activar a cláusula derrogatória geral", disse ela numa mensagem de vídeo no Twitter. "Isso significa que os governos nacionais da UE podem injectar tanto na economia quanto o necessário", disse Von der Leyen.

Fazendo eco disso, Emmanuel Macron, descrito como o "presidente dos ultra-ricos" pelo seu antecessor socialista François Hollande, evocou timidamente a possibilidade de re-nacionalização de certas empresas francesas e suspendeu – renunciou? - a controversa reforma dos planos de pensão em França, prestando homenagem aos hospitais que o seu Ministro da Saúde Agnès Buzyn procurou desmantelar.

A mensagem subliminar dos países ocidentais ao resto do Mundo : « Sim aos capitais exóticos, não à imigração morena” . A mundialização geradora de barreiras de separação.
Em vez de provocar uma abolição de fronteiras no espaço planetário, a dinâmica da mundialização dos fluxos gerou no século XXI uma multiplicação de barreiras de separação, mesmo no seio dos estados associados; ou mesmo ao desmembramento de estados, contrariamente ao princípio da inviolabilidade das fronteiras resultantes da colonização (Sudão), anteriormente na Europa a URSS e a Jugoslávia e, em resposta, a Ucrânia, por anexação da Crimeia à Rússia .


Muralha na fronteira entre os Estados Unidos e o México para conter a migração ilegal, embora os Estados Unidos e o México façam parte do NAFTA. A mensagem subliminar que melhor resume as intenções dos países ocidentais em relação ao resto do mundo é definida por esta fórmula concisa: "Sim para os capitais exóticos, não para imigração morena (referência aos migrantes africanos, asiáticos e da América Latina – NdT)".
O deslocamento da Líbia da zona ocidental e a desestabilização do Mali, por causa dos seus aliados petro-monarcas, através dos seus acólitos Ansar Eddine na sequência da dita "Primavera Árabe", revelarão a futilidade de tal princípio.

A chegada de mais de um milhão de migrantes e refugiados à Europa deriva dos grandes princípios. Cinco anos após a Primavera Árabe, a Europa estava a pagar o preço da sua demagogia e do seu belicismo. Uma nova "Cortina de Ferro" abatia-se sobre a Europa, para usar a expressão do ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill.

Para se prevenir contra o transbordar dos povos morenos, a União Europeia garantiu que a Grécia não se transformasse num gigantesco campo de refugiados no território da Europa, ao longo das linhas da Cisjordânia e de Gaza na Palestina.

Procedeu ao encerramento da “Rota dos Balcãs”, promovendo a Turquia, o principal fornecedor de jihadistas para a Síria e refugiados para a Europa, para o posto de vigilante da fortaleza da Europa diante de uma nova invasão bárbara . Uma iniciativa que constituiu de um só golpe um prémio à duplicidade turca e uma concessão ao populismo crescente da opinião de um continente em crise sistémica.

Como contrapartida pelo seu papel de guarda de fronteira, o Presidente Recep Tayyib Erdogan obteve vantagens consideráveis ​​para consolidar a sua postura autocrática e atentatória da liberdade. Ajuda financeira significativa (cerca de 6 biliões de euros), levantamento da exigência de visto para os turcos e retomada das negociações de adesão à União Europeia. Uma aval, apesar do facto de a Turquia continuar a ocupar a parte norte de Chipre e de o sultão de Ancara desprezar as liberdades de imprensa e a justiça do seu país.

A colonização a maior convulsão demográfica do planeta.
Uma leitura diacrónica da actualidade, combinando uma análise que abrange o espaço e o tempo dessa sequência, levaria a essa conclusão surpreendente de que a Europa foi o coveiro da sua própria causa, vítima das suas turbulências passadas e presentes, de que o fluxo migratório do hemisfério sul do século XXI, particularmente o flanco sul da Europa, aparecerá retrospectivamente como o longínquo e último avatar do "fardo do homem branco".
Houve um tempo, não muito longínquo, em que o "limiar da tolerância" não era páreo para a fúria colonizadora da Europa, a sua necessidade incompressível de assumir "o fardo do homem branco" e a sua “carga de primogénito”, com vista a cumprir a sua missão civilizadora. Cinquenta e dois (52) milhões de pessoas saíram do “Velho Mundo” em pouco mais de um século (1820-1945) para descobrir os novos mundos, precursores distantes dos trabalhadores imigrantes da era moderna.

À taxa de 500.000 expatriados por ano, em média, durante 40 anos, de 1881 a 1920, 28 milhões de europeus abandonaram a Europa para povoar a América, incluindo 20 milhões nos Estados Unidos, 8 milhões na América Latina, sem contar com a Oceania (Austrália, Nova Zelândia), Canadá, continente negro, Magrebe e África do Sul, bem como os limites da Ásia, os pontos de venda de Hong Kong, Pondicherry e Macau.

52 milhões de expatriados, o dobro da população estrangeira total que residia na União Europeia no final do século XX, um número aproximadamente equivalente à população francesa. Principal provedor demográfico do planeta durante 120 anos, a Europa logrou a proeza de moldar à sua imagem dois outros continentes, a América nas suas duas vertentes, assim como a Oceania e impor a marca da sua civilização no mundo à Ásia e a África.

"Mestre do mundo" até ao final do século XX, o Ocidente fará do planeta o seu polígono de tiro permanente, a sua própria válvula de segurança, o trampolim da sua influência e expansão, a saída para todos os seus males, um aterro sanitário para a sua população excedentária, uma prisão ideal para os seus criadores de problemas, sem limitação além da imposta pela rivalidade intra-europeia para a conquista de matérias-primas.

O temperamento introvertido americano

Intervencionista a todo custo, com a invasão do Iraque em 2003, depois contra regimes com uma estrutura republicana árabe durante a década de 2010 (Líbia, Síria); unilateralista frenético com a sua dupla retirada do acordo climático e do acordo nuclear iraniano, bem como com o reconhecimento unilateral de Jerusalém como capital de Israel, os Estados Unidos  barricam-se atrás de novas fronteiras que eles desejam  herméticas. Potência militar planetária, os Estados Unidos têm mais de 800 bases militares fora do seu território nacional, servidas por quase 200.000 soldados, representando 10% do total dos efectivos militares globais americanos numa rede global. Mas, paradoxalmente, numa abordagem comportamental introvertida, a ponta de lança da mundialização assim como os seus vassalos barricaram-se atrás dos muros de separação, particularmente no mundo árabe, onde o desafio da sua hegemonia está entre os mais vividos, apesar da presença de um bom número de estados vassalos:

§  Muralha de segurança em Bagdad ao redor do antigo palácio presidencial de Saddam Hussein, a famosa zona verde, a sede da embaixada americana, espaço de demarcação entre os libertadores americanos e os seus supostos aliados, os ex-oponentes de Saddam Hussein.

§  Muro de apartheid entre Israel e a Palestina à volta de Jerusalém
§  Muralha  de segurança entre a Arábia Saudita e o Iraque e o Iémene. A Arábia Saudita construiu um muro anti-imigração de 75 km na fronteira com o Iémene e um outro de 965 km isolando-o do Iraque. Em 2010, o Irão começou a construir um muro de 700 km na fronteira afegã.


Se o Da'ech, o Estado Islâmico, quis abolir as fronteiras herdadas do acordo de Sykes Picot que desmembrou o Império Otomano, após a derrota da tríplice durante a 1ª Guerra Mundial (1914-1928) ), as suas antigas incubadoras criaram réplicas de muros de separação.

Passa-se o mesmo no norte da África, onde os projectos de muros de separação estão se multiplicam: a Tunísia anunciou que deseja construir uma muralha na fronteira com a Líbia. E o Marrocos, que já ergueu 6 muros para repelir a independência do Sara Ocidental, também está em processo de construção de outra para se separar da Argélia, sem mencionar a cerca de arame farpado do enclave espanhol de Melila, que o separa do Marrocos.
Europa: O retorno à guerra fria com o mega projecto do "Muro Europeu".

Inconsolável pela perda da Crimeia devido à sua torpeza, a Ucrânia está de facto a construir um muro na sua fronteira com a Rússia para "tornar visível a exclusão da Rússia da Europa". O processo de confinamento da Rússia desenvolvido pelos membros da OTAN na Europa Oriental vai até à construcção de um muro de separação que nos remonta ao tempo da Guerra Fria com o Muro de Berlim. No total, da Arábia Saudita aos Estados Unidos, 40.000 quilómetros de muros. O número de barreiras que deveriam proteger as populações de uma ameaça suposta ou real aumentou de há  trinta anos para cá: chegando às setenta em todo o planeta.

Terrorismo e migração são, além disso, os dois espantalhos agitados pelos líderes que estão a trabalhar para transformar os seus países em castelos fortificados. É em nome dessas duas "ameaças" que a Europa está a caminho de se transformar num vasto "portão comunitário" do tipo dessas residências fechadas, onde se barricam os ricos.


Esse conceito, que apareceu nos Estados Unidos e na América Latina, tende a propagar-se para todos os países marcados por uma crescente diferença de riqueza. Desde 2007, o Brasil também trabalha para construir muros com todos os seus vizinhos para travar migrantes e traficantes. Talvez, a curto prazo, as muralhas sejam contornadas por traficantes, contrabandistas e migrantes clandestinos... à maneira da escola dos pés descalços dos alunos impertinentes. Como um desprezo aos poderosos e aos seus clichés.












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