Como é estranho. Os
Estados Unidos batem-se na Somália de forma intermitente desde o início dos
anos 90. (Quem, de uma certa idade, não se lembra do fiasco “Black Hawk Down”?) Quase 30
anos depois, quando o O Secretário-Geral, apoiado por dezenas de países,
sensatamente pediu um cessar-fogo mundial (ver link - appelé à un cessez-le-feu mondial) para que
a humanidade possa concentrar-se na "verdadeira luta das nossas
vidas", colocando o Covid-19 sob controle , os Estados Unidos ainda estão
em guerra lá. À medida que os navios da Marinha dos EUA se transformam em zonas
de pandemia (ver link - en zones de pandémie) e o
homem da Casa Branca denuncia repetidamente as "guerras sem fim
ridículas" (ver link -« guerres sans fin ridicules » ) - do país, a guerra do Pentágono na Somália
contra um grupo terrorista insurgente al-Shabaab de facto intensifica-se. Sem
brincadeiras.
Obviamente, se você não prestar atenção senão aos grandes
media, cheios de poucas notícias além dos coronavirais (e ainda mais virais
sobre o nosso presidente), você não o saberia. Talvez você não soubesse de todo
que as forças armadas dos Estados Unidos estavam envolvidas na Somália. Deve-se
ler o recente artigo de investigação (ver link - article d’investigation) de Nick
Turse, editor-chefe da TomDispatch,
no The Intercept, para descobrir que
os ataques aéreos dos EUA naquele país aumentaram acentuadamente nos últimos
tempos.
Durante os anos de
Obama, de 2009 a 2017, os Estados Unidos realizaram um total de 36 desses
ataques na Somália. Segundo o Comando dos Estados Unidos para a África, no
início de Abril de 2020, apenas quatro meses após o início deste ano
devastador, 39 desses ataques já haviam sido lançados, o que garante
essencialmente que o número anual de destruição será superior ao recorde de 63
ataques levados a cabo no ano passado. E não se esqueça que, neste mesmo
momento, o Covid-19 está a começar a semear a morte (ver link - à semer la mort) na capital
do país, Mogadíscio.
E isso, como o sublinha hoje Danny Sjursen, major do
Exército dos EUA na reforma e regular do
TomDispatch (ver link - habitué de TomDispatch), é apenas a ponta do iceberg de guerras sem fim
que os EUA conheceram no decurso deste
século. O facto de estarem agora a transformar-se em guerras pandémicas parece
ter pouca importância para Washington. É nesse espírito que Sjursen, cujo novo
livro, Patriotic Dissent: America in the
Age of Endless War, que será publicado este outono, investiga o futuro da
guerra americana num mundo Covid-19. Esperem.
Tom engelhardt
* * * *
O advento de uma versão socialmente distante da guerra
Covid-19, uma tragédia humana mundial em curso, poderia ter
pelo menos um ponto positivo. Ela levou milhões de pessoas a questionar as
políticas mais prejudiciais da América, dentro e fora do país.
No que diz respeito à política de guerra de Washington no exterior, houve especulações (ver link - des spéculations) segundo as quais o coronavírus poderia acabar com esses conflitos, quanto mais não seja para provar que ele é um artesão involuntário da paz- e por boas razões, já que um Pentágono em busca de dinheiro se revela impotente (ver link - s’est avéré impuissant) para combater o vírus. Neste meio tempo, tornou-se cada vez mais evidente que se uma fracção dos gastos em “defesa” (sic) tivesse sido investida em agências de controle de doenças cronicamente sub-financiadas (ver link - sous-financées) , a resposta deste país à crise do coronavírus poderia ter sido muito melhor.
Curiosamente, no entanto, apesar das queixas periódicas do
presidente Trump sobre as "intermináveis guerras ridículas" dos
EUA, o seu governo demonstrou notável relutância em aceitar (ver link - peu disposée à accepter) até
uma modesta retirada das ambições imperiais dos EUA. Em alguns teatros de
operações - Iraque, Irão, Venezuela e Somália (ver links - Irak, Iran, Venezuela et Somalie) em particular - Washington até
intensificou o seu militarismo (ver link - intensifié son militarisme) numa
onda de oportunismo macabro, em grande parte sob o radar da pandemia.
Mesmo assim, é óbvio que chegou a hora de perguntar se a
“guerra ao terror” travada pelos Estados Unidos durante quase vinte anos (o que
seria melhor considerar como uma série de guerras de terror) poderia realmente
terminar. Prever é um assunto delicado. No entanto, o lançamento do Covid-19
ofereceu uma rara oportunidade de levantar questões, questionar executivos e
examinar criticamente o que "terminar" a guerra poderia significar
para este país.
De certo modo, as nossas guerras pós-11 de Setembro estão a diminuir gradualmente há algum tempo. Embora o número total de tropas dos EUA enviadas para o Médio Oriente tenha realmente aumentado (ver link -
Dito isto, nos últimos anos, mesmo as guerras inúteis e
impossíveis de vencer prolongaram-se de forma
extraordinária. Para se convencer, basta olhar para o eterno falcão da
guerra, a senadora Lindsey Graham, da Carolina do Sul. Dado o insucesso (ver
link - le manque de succès) das
várias campanhas realizadas pelo Comando Americano para a África, ou AFRICOM,
neste continente e a vontade expressa (ver link - la volonté affichée) do Pentágono em mudar de novo na competição
das grandes potências com a China e a Rússia, pouco antes de a pandemia atingir
as nossas costas, o secretário de Defesa Mark Esper anunciou (ver link - a annoncé) planos de
redução modesta das tropas em certas regiões de África. Consternado com
restrições menores, diz-se que Graham, à cabeça de um grupo de legisladores
bipartidários, confrontou Esper (ver link - aurait confronté Esper ) e ameaçou tornar a sua vida um
"inferno" se o Secretário de Estado reduzisse as forças americanas no
local.
Menos de dois meses depois, o AFRICOM declarou uma
emergência (ver link - a déclaré une urgence ) de saúde pública na maior base africana
do país, Djibuti, num contexto onde se temia
que mesmo as instalações
americanas muito menores e espartanas deste continente não dispunham do
equipamento médico necessário para combater a propagação do vírus. Resta saber
se a pandemia facilita as reduções previstas por Esper. (Um comunicado de
imprensa – ver link communiqué de presse - de meados de Abril da AFRICOM, que
reafirma que "a parceria de comando continua durante o Covid-19", não
é um bom presságio para essa transformação).
Entretanto, a doença teve certamente algum efeito. Assim
como a quarentena e o distanciamento social transformaram a vida e o emprego
das pessoas nos Estados Unidos, as operações de guerra de Washington sem dúvida
terão que se adaptar também. No mínimo, espera-se que o Pentágono realize
guerras (em grande parte ocultas da opinião pública) que exigem que cada vez
menos tropas lutem lado a lado com os aliados e menos ainda que morram fazendo-o.
Espera-se que Washington dê um mandato e que o Pentágono pratique aquilo que
poderia ser visto cada vez mais como uma guerra de distanciamento social.
Os soldados operarão em equipas cada vez mais reduzidas. Tal
como os líderes seniores nos aconselham constantemente (ver link - nous conseillaient), aos nossos
oficiais subalternos, nos maus velhos tempos, "colocavam um rosto
iraquiano entre você e o problema", os soldados de hoje e de amanhã farão
o possível para colocar drones ou vidas
por procuração (menos preciosas) entre eles e os inimigos de todos os
tipos. Enquanto isso, a enorme diferença já existente entre o público americano
e as guerras travadas em seu nome só aumentará. O que pode emergir desses anos
é uma versão da guerra tão irreconhecível que, embora seja sempre interminável,
não pode mais ser considerada uma guerra no sentido clássico.
Para entender como chegamos a uma versão socialmente
distante da guerra, precisamos voltar ao início deste século, anos antes de uma
pandemia como o Covid-19 estar na tela de qualquer radar.
As guerras
americanas não têm fim, elas evoluem
Quando, jovem tenente do exército de terra, depois capitão, aderi ao que designávamos então por "sursauts" (
surpresa/sobressalto – Nota do tradutor) no Iraque em 2006 e no Afeganistão em
2011, os soldados de infantaria convencionais como eu eram os principais
actores na zona. A doutrina da contra-insurgência, ou COIN, reinava então (ver
link -régnait alors) entre os líderes do Pentágono. A astúcia,
segundo os principais comandantes, consistia em inundar a zona de guerra com
brigadas de infantaria, garantindo o "centro de gravidade" (ver link
- « centre de gravité ») do conflito: os habitantes locais. Nos
bastidores, as unidades de operações especiais já estavam a assumir papéis cada
vez mais importantes. No entanto, havia muitas "botas no terreno" (ver
link - beaucoup de « bottes sur le
terrain ») e baixas relativamente elevadas (ver link - pertes relativement élevées ) em unidades convencionais como a minha.
Os tempos mudaram. Invasões em larga escala e ocupações de
longo prazo, bem como o COIN como remédio (ver link - comme remède) para a guerra
contra o terror, há muito caíram em desuso. Durante o segundo mandato de Barack
Obama, essas campanhas impopulares e dispendiosas foram abandonadas. No
entanto, mais do que repensar a eficácia do intervencionismo imperial,
Washington contentou-se em substituir
novos métodos, fazendo-os passar (ver link - les faisant passer) pela
última estratégia de sucesso.
No momento em que Donald Trump proferiu o seu discurso de
posse sobre a "carnificina americana", o fardo da guerra de
Washington havia-se invertido. Quando servi no Iraque e no Afeganistão, cerca
de metade da quarentena de brigadas (ver link - quarantaine de brigades) de
combate do exército eram enviadas (ver link - était déployée) para esses dois teatros regionais em qualquer
momento. As restantes estavam treinavam com vista às próximas rotações e já
estavam no "plano de execução" (ver link - carte de déploiement ), onde o logótipo de cada unidade
indicava a sua futura implantação prevista. É a vida sobre o tapete rolante
(ver link - le tapis roulant) da Guerra
Americana que uma geração de soldados como eu viveu. Em Janeiro de 2017, no
entanto, o número de brigadas convencionais implantadas na guerra contra o
terrorismo contavam-se pelos dedos de uma mão.
Por exemplo, a última série de destacamentos do exército,
anunciada em Abril passado (ver link -annoncée en avril dernier) ,
incluía apenas seis brigadas. Duas delas eram unidades aéreas e, entre as
forças terrestres, uma dirigia-se para a Europa, e uma outra para o Kuwait. Noutras
palavras, apenas duas brigadas de combate em terra foram planeadas para o
Iraque, a Síria ou o Afeganistão e uma delas era uma Brigada de Assistência às
Forças de Segurança (ver link - Brigade d’assistance aux forces de
sécurité) reconstituída - essencialmente uma equipagem reduzida de oficiais
e sub-oficiais destinados a formar e a aconselhar as tropas locais. Enquanto
isso, as forças de operações especiais do Pentágono, que tinham então ultrapassado os 70.000 (ver link - dépassé les 70 000) , um
número tão importante (ver link - si important) que podemos questionar-nos (ver link - se demander) se elas ainda
são "especiais". Os comandos americanos suportam hoje o fardo (ver
link - le fardeau) dos desdobramentos
de guerra eterna e (modestas)baixas.
Um sistema de guerra a dois níveis
Quando o vírus atacou, o Pentágono desenvolvia há muito tempo uma máquina militar de dupla finalidade, com dois papéis separados e amplamente distintos. Os comandos - com a ajuda de drones (ver link - de drones), paramilitares (ver link - paramilitaires) da CIA, mandatários locais e das empresas de segurança privada (ver link - entreprises de sécurité privées) - continuaram a travar a guerra contra o terror. Eles eram geralmente responsáveis por administrar a parte mais mortal da guerra americana, por lançar ataques aéreos, enquanto treinavam, aconselhavam e, às vezes, até dirigiam forças locais frequentemente violentas (ver link - souvent violentes).
As brigadas convencionais de
serviço activo - reduzidas para 32 (ver link - réduites à 32) - viram-lhes confiada uma tarefa muito
diferente: preparar-se para uma futura guerra fria revisitada (ver link - guerre froide remaniée) com a
Rússia e, cada vez mais, a China. Esse esquadrão - infantaria, brigadas
blindadas e esquadrões de porta-aviões da marinha - tinha a suposta
"nova" missão vital de controlar, conter ou desafiar Moscovo na Europa
de leste e Pequim no mar da China meridional. Os altos Generais e os almirantes
seniores estavam à vontade ( ver link - étaient à l’aise) com essas
tarefas do estilo Guerra Fria (a maioria delas designada nos meados da década
de 1980). No entanto, vistas da Rússia ou da China, essas missões pareciam cada
vez mais provocativas, à medida que mais e mais soldados, tanques e navios de
guerra americanos eram regularmente destacadas nas antigas repúblicas soviéticas
(ver link - anciennes républiques soviétiques)
ou, no caso da marinha, nas águas do Pacífico ocidental adjacentes à China,
tornando o risco de uma escalada acidental ainda mais concebível (ver link - encore plus concevable).
Durante esse tempo, esses operadores especiais da sombra
dirigiam as guerras mortais e outros conflitos em curso, que, embora recebessem
pouca atenção neste país, pareciam claramente contraproducentes (ver link - contre-productifs), para não dizer
impossíveis de ganhar. Para o Pentágono e os beneficiários do complexo militar-industrial,
entretanto,tais conflitos intermináveis, assim como uma nova concentração de
poderes, tornaram-se a galinha dos ovos de ouro ovo de ouro, um modus operandi de dois níveis para um
financiamento da guerra sem fim. Então veio o coronavírus.
Sangue- Frio
De certa forma, a guerra americana será, no futuro, mais e
mais frequentemente travada a sangue frio. À medida que o Covid-19 se espalha
viralmente pelo ar, a doença da guerra sem fim continua a ser transmitida pelo
sangue (mesmo que o sangue americano esteja cada vez menos presente), o que significa
que o combate do tipo distanciamento social do futuro pode tornar-se ainda mais
abstracto.
Além disso, os guerreiros pós-pandemia favoritos deste
futuro podem não ser soldados em uniforme, especiais ou não, ou necessariamente
americanos - nalguns casos (pensem nos drones e futuras armas robóticas) humanos.
Os combates americanos já estão cada vez mais privatizados. Muito recentemente,
Erik Prince, ex-CEO da empresa militar privada Blackwater, um influente aliado
(ver link -allié influent ) de Trump e irmão da secretária de educação
Betsy DeVos, apresentou (ver link - a présenté ) ao presidente um plano absurdo de
privatizar toda a guerra no Afeganistão. .
Donald Trump declinou a oferta, mas o facto de ela ter sido mesmo
considerada num nível tão alto sugere que o papel de empresários privados e
soldados da fortuna nas futuras guerras americanas pode continuar. Nesse sentido,
o recente fiasco (ver link - récent fiasco) de uma
operação armada liderada por ex-boinas verdes que se tornaram mercenários e que
têm como alvo o governo venezuelano de Nicolás Maduro pode ser tanto um
presságio do futuro (ver link - présage de l’avenir) quanto
uma farsa.
Quando membros dos serviços americanos em uniforme são
considerados necessários, a tendência para utilizar apenas um punhado para fazer
funcionar uma máquina de guerra cada vez mais por procuração irá provavelmente
acelerar. Essas equipas cumprirão bem as directrizes de saúde pública, limitando
as ajuntamentos a 10 pessoas. Por exemplo, estações de controle (ver link - stations de contrôle) no solo de drones,
essencialmente reboques móveis, requerem apenas dois operadores. Da mesma
forma, o último ramo da guerra cibernética do exército (formado em 2015) pode
não ser composto por hackers, tal como imaginado (ver link - tels qu’imaginés) por Donald Trump ("um tipo sentado
na cama que pesa 200 kg"), mas eles também trabalharão em pequenas equipas
no exterior e a longas distâncias. As forças especiais do exército (ver link - forces spéciales de l’armée),
compostas por 12 boinas verdes cada, levarão mais longe essas directrizes, o que
pode revelar-se uma nova versão americana da guerra pós-pandemica.
O mais inquietante é que os métodos americanos de guerra de
distanciamento social, sem dúvida, funcionarão razoavelmente bem sem que os
grupos terroristas sofram mais do que nas versões anteriores da guerra eterna,
nem que os conflitos etno-religiosos locais sejam resolvidos ou a vida de
africanos ou árabes melhorada. Como os seus predecessores, as futuras guerras
americanas conduzidas com sangue-frio fracassarão, mas com eficácia, do ponto
de vista do complexo industrial militar, de maneira lucrativa.
Eis, claro está, o paradoxo profundo e trágico de tudo isso.
Como o coronavírus nos deveria ter lembrado, as verdadeiras ameaças
existenciais (ver link - menaces existentielles) para os
Estados Unidos (e à humanidade) - pandemias, um possível Armagedão nuclear e
mudança climática - serão insensíveis às ferramentas militares usuais de
Washington. Não importa quantos navios de guerra, brigadas de infantaria e
blindados ou equipas de comando, nenhum deles terá qualquer hipótese contra
vírus mortais, aumento do nível do mar ou as precipitações nucleares. Assim, a profusão
de tanques, porta-aviões (eles próprios caldos de cultura – ver link -bouillons de culture - para
qualquer vírus) e as toneladas de dinheiro do Pentágono (que são extremamente
carentes noutros lugares) serão, no futuro, os monumentos de uma era de ilusões
americanas.
Um sistema racional (ou moral) com uma aparência de controle
legislativo ou participação genuína dos cidadãos poderia responder a essas
realidades gritantes repensando o paradigma de segurança nacional e encerrando
o estado de guerra. Infelizmente, se o passado imperial da América é um
precedente, o que nos espera é a continuação da guerra imperial do século XXI
até o fim dos tempos.
Guerra post-pandémica
No entanto, o Covid-19 poderia significar o fim da guerra
americana, tal como ela é imaginada classicamente. As futuras batalhas, mesmo se
amplamente dirigidas a partir de Washington, podem ser apenas vagamente
"americanas". Poucos cidadãos em uniforme poderiam participar, muito
menos morrer.
Durante a longa fase final das guerras que realmente nunca
terminam, as baixas militares americanas certamente continuarão a ocorrer em
situações ocasionais - geralmente em locais remotos onde poucos americanos
percebem que o seu país está a bater-se (como aconteceu com aqueles quatro
soldados americanos mortos numa emboscada no Níger em 2018 e o soldado do
exército e dois contratados particulares mortos no Quénia – ver link - Kenya - no início deste ano).
Tais baixas americanas minúsculas, na verdade, darão a Washington mais liberdade
para intensificar discretamente os seus ataques com drones, o seu poder aéreo, as
suas incursões e assassinatos, como aconteceu na Somália (ver link - Somalie), com supostamente sempre menos
vigilância ou atenção por parte do público. Como no Corno de África nos últimos
tempos, o Pentágono nem precisa de se preocupar em justificar (ver link - même pas besoin de se donner la peine)
a escalada das suas guerras. O que suscita uma espécie de enigma "se uma árvore
tomba na floresta e não está lá ninguém ...": se os Estados Unidos matam morenos em todo o mundo, mas ninguém se
apercebe disso, o país ainda está em guerra?
No futuro, os decisores políticos e o público poderão tratar
a guerra com o mesmo grau de legitimidade e abstracção que uma encomenda feita à
Amazon (especialmente numa pandemia): Clique num botão, aguarde a entrega de um
pacote a toda a velocidade e não pense no que esse clique provocou nem no sacrifício
que requereu para o acto.
Somente em tempos de guerra, pelo menos uma coisa permanece
constante: muitas pessoas fazem-se matar. O povo americano pode deixar as suas
guerras para "voluntários" profissionais não representativos (ver
link - non représentatifs),
liderados por uma presidência imperial incontrolável (ver link - présidence impériale incontrôlée)
que os subcontrata cada vez mais em máquinas, mercenários e milícias locais.
Uma coisa é garantida, no entanto: algumas pobres almas encontrar-se-ão sob as
bombas e de frente para os canos das armas.
Nas batalhas contemporâneas, já é excepcionalmente raro um
americano de uniforme se encontrar nessa situação. Estamos a meio de 2020 e
apenas oito soldados americanos foram mortos por fogo hostil no Iraque e no
Afeganistão juntos. No entanto, vários milhares de pessoas continuam a morrer
lá. Ninguém quer que as tropas americanas morram, mas há algo obsceno - e
moralmente preocupante - na enorme disparidade de vítimas implícitas no
desenvolvimento do modo de guerra
americano do século XXI, aquele que, num mundo Covid-19 está cada vez mais a ser
combatido de uma maneira socialmente distante. Levados a um extremo
inimaginável, os americanos terão que se preparar para um futuro em que o seu
governo matará e destruirá em todo o mundo sem que um único membro das forças
armadas morra em acção. Noutras palavras, após a pandemia, falar em
"acabar" com as guerras eternas do país não passaria de um exercício
semântico.
Danny Sjursen
Danny Sjursen é um oficial aposentado do Exército dos
Estados Unidos e editor associado do Antiwar.com. O seu trabalho foi publicado
no NY Times, LA Times, The Nation, Huff Post, The Hill, Salon, Popular
Resistance e Tom Dispatch, entre outras publicações. Ele serviu em unidades de
reconhecimento no Iraque e no Afeganistão e depois ensinou história à sua alma
mater, West Point. Ele é autor de um livro de memórias e de uma análise crítica
da guerra no Iraque, Ghostriders of Baghdad:
Soldiers,
Civilians, and the Myth of the Surge (Soldados, civis e o mito do
surto – Nota do Tradutor). O seu próximo livro, Patriotic
Dissent : America in the Age of Endless War já está disponível
para pré-venda.
Traduction « guerres ?
quelles guerres ? » par VD pour le Grand Soir avec probablement
toutes les fautes et coquilles habituelles
URL de cet article 36232
https://www.legrandsoir.info/la-fin-de-la-guerre-telle-que-nous-la-connaissons.html
https://www.legrandsoir.info/la-fin-de-la-guerre-telle-que-nous-la-connaissons.html
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