quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

A intelligentsia : o eterno «Cerberus» dos mestres do mundo

 



Por Khider Mesloub.

 

Sim, senhores, esta é a guerra entre ricos e pobres: os ricos assim o quiseram; eles são de facto os agressores. Só eles consideram como uma acção nefasta o facto dos pobres oporem uma resistência. Eles diriam alegremente, falando do povo: este animal é tão feroz que se defende quando atacado. »Louis-Auguste Blanqui - 1805-1881.

Realmente, a história repete-se. E a intelligentsia anuncia cada vez mais ruidosamente o seu desprezo pelo povo trabalhador. Ela vomita sempre com maior repulsa o seu ódio contra as classes trabalhadoras, sobretudo em tempos de revoltas populares, em particular como durante a movimentação dos Coletes amarelos (ver link - Gilets jaunes). Ou, como actualmente, de forma mais tortuosa, contra os ativistas hirakis ridicularizados pela sua recusa em aceitar o compromisso da maioria da elite burguesa argelina com o novo poder reciclado trazido aos céus pelos "autoproclamados representantes dos Hirak" em busca de sinecuras e prebendas.  https://les7duquebec.net/archives/260545 

Os intelectuais orgânicos, esses parasitas de pluma elitista venal, não têm outra utilidade social senão tecer louros para aos seus senhores (as classes dominantes) e de se dirigirem com ódio contra as classes populares.

Com a revolta do movimento dos Coletes amarelos, https://les7duquebec.net/archives/241154, a media e os intelectuais orgânicos, essas vozes do dono, revelaram, com latidos retóricos enfáticos, num léxico mordaz para o povo e apreciado pelos poderosos, o seu papel de cão de guarda da ordem estabelecida. A sua aversão inveterada pelo povo. A sua propensão pavloviana em se colocar ao serviço das classes dominantes.

Ao longo do período de luta dos Coletes amarelos, jornalistas e intelectuais, esses clérigos dos tempos modernos, compartilharam com o mesmo fervor a escalada da propaganda de ódio contra o movimento, competindo em engenhosidade para o desvirtuar, desacreditá-lo e difamá-lo. Destilar as piores calúnias contra o movimento. Na Argélia, foi graças ao endurecimento do regime autoritário reciclado que as gentis e dóceis elites argelinas revelaram a sua hedionda figura “harkie” (1) contra o hirak, desfigurada pelos seus golpes de garras infligidos à maneira dos gatos domésticos famosos pela sua combatividade realizado no meio de miados de obediência.

Em França, na época da revolta dos Coletes amarelos, até o multimilionário Bernard-Henry Levy tomou a iniciativa de publicar uma coluna com o título evocativo "A Europa está em perigo". Em termos menos hipócritas, o capitalismo está em perigo. Inveterado defensor do capital, neste texto, este escriba de salão alarmava-se com o surgimento de "populismos", ou seja, dos movimentos sociais em luta na Europa, em particular o movimento dos Coletes amarelos, desdenhosamente rotulado de racista, de anti-semita, de homofóbico. Na sua cruzada contra os movimentos populares "anti-sistema", o rico Bernard Henry Levy recrutou cerca de trinta escritores famosos para realizar a sua campanha de propaganda e calúnia contra os povos rebeldes. Liderados por este desastroso filósofo com pensamento polemológico fluindo com sangue vampírico e actividade alimentada por macabros assuntos belicosos contra o pano de fundo de operações financeiras frutuosas, esses literatos pediram mobilização contra a "vaga" populista que ameaçaria a Europa. Noutras palavras, quem ameaçasse a estabilidade dos privilegiados na Europa, o reino das classes possuidoras.

Mais tarde, num programa de televisão "Não estamos a dormir", Bernard Henry Levy havia criticado o movimento dos Coletes amarelos, descrito como "mortífero" o movimento e os seus defensores de "populistas que se aproveitam do desespero, da miséria, para quebrar a República e atacar as instituições ”. Tradução: atacando o capitalismo.

Face aos “coletes amarelos”, os porta-vozes da burguesia uniram-se unanimemente numa frente comum para os fustigar, qualificá-los de racistas, de fascistas, de homofóbicos, de facciosos. Mas também idiotas. “Coletes amarelos: a estupidez vai vencer?”, questionava-se  Sébastien Le Fol no Le Point (10 de Janeiro de 2019). Outro intelectual domesticado, jornalista do seu Estado, havia declarado no canal BFM TV: “Os verdadeiros 'coletes amarelos' lutam sem reflectir, sem pensar”. O seu confrade "de coleira" do Figaro Vincent Trémolet, escreveu em 4 de Dezembro de 2018: "Os instintos baixos prevalecem num desafio à civilidade mais básica". Aqui estão algumas outras pérolas jornalísticas cuspidas por esses escribas de serviço nos seus respectivos periódicos, mas certamente não respeitáveis: "Movimento de inteligência curta poujadista (união para a defesa de comerciantes e artesãos- NdT))  e faccioso" (Jean Quatremer), "dirigido por uma" minoria odiosa "(Denis Olivennes), semelhante a uma "onda de raiva e ódio" (Le Monde) em que "hordas de deserdados, de saqueadores" "tolhidos pelos seus ressentimentos como por pulgas" (Franz-Olivier Giesbert) libertam as suas "pulsões doentias" (Hervé Gattegno) .

Assim, por ocasião do surgimento deste inédito movimento de massa  dos Coletes amarelos, a intelectualidade havia revelado a sua verdadeira função de auxiliar intelectual servil da classe dominante. Jornalistas, intelectuais e membros da classe dominante, toda essa máfia oficial elitista, uniram-se para atacar o movimento dos Coletes amarelos. Os jornalistas, à custa de projeções de informações insidiosamente anti-coletes amarelos; o poder, à conta de projéteis balísticos debilitantes; os intelectuais, à custa de planos de mobilização do exército e de incitação da polícia a usar as suas armas letais contra os Coletes amarelos.

Na verdade, alguns apelaram ao governo Macron para mobilizar o exército para restaurar a ordem. À semelhança do intelectual orgânico, Luc Ferry, o fascista, irmão de armas de Bernard Henry Levy, o fascista, professor de filosofia e ex-ministro, que fez as manchetes ao convocar a polícia para usar as suas armas mortais . Luc Ferry, o fascista, pediu à polícia que disparasse munição real contra os Coletes amarelos durante as manifestações. “Basta que usem as armas uma vez”, declarou durante um programa de rádio intitulado “Espíritos livres” (Isto não se pode inventar. Espíritos livres ... para massacrar o povo quando ele se revolta contra a sua escravatura). Mas também instando o exército a intervir contra o movimento dos Coletes amarelos. Noutras palavras, para esmagar esse movimento com sangue. "Temos o quarto exército do mundo, ele pode acabar com essa merda", exclamou ele em num tom furioso cheio de ódio de classe do vassalo.

A denúncia genocida de Luc Ferry dos coletes amarelos não foi o delírio de uma mente perdida e psicopata, mas o pensamento profundo desses "espíritos livres" (lambe-botas da democracia dos ricos), da maioria dessa intelectualidade decadente, e dos seus mestres, a classe dominante burguesa. Esta última, incapaz de aplicar qualquer outra política para proteger os seus privilégios, em particular pela "redistribuição de riquezas", impossível neste período de crise sistémica, havia considerado oficialmente recorrer ao exército para suprimir e conter a revolta dos Coletes amarelos. . Além disso, numa emergência, havia blindado o seu regime repressivo aprovando leis despóticas (uma preparação para as leis de emergência sanitária que se seguiriam). A este respeito, é importante lembrar que o orçamento destinado à repressão do Estado aumentou de forma agressiva. Em França, os gastos com equipamentos e materiais para a polícia e forças de segurança aumentaram 181% entre 2012 e 2017, de 132,4 milhões de euros para mais de 372 milhões de euros. Desde disso, aumentou consideravelmente. O orçamento do Exército e da Polícia é o único que não foi afectado pela crise, como em todos os países, nomeadamente na Argélia.

Esse tom de ódio da elite contra o povo curiosamente lembrava o dos escritores da época da Comuna que se empenharam de forma enraivecida contra o movimento de revolta dos Comunardos. Na verdade, historicamente, essa explosão de ódio contra o povo revoltado já havia ocorrido durante a Comuna de Paris.

A Comuna é aquele evento histórico onde o povo parisiense tomou o poder. De facto, de 18 de Março a 21 de maio de 1871, o poder estava concentrado nas mãos do povo. Durante esta fase revolucionária, a Comuna governou na cidade de Paris. A Comuna havia organizado a sociedade no interesse exclusivo do povo. Foi o primeiro “estado operário”, a primeira experiência de autogestão popular. Durante esse período efémero de tomada do poder pelo povo, a classe dominante, refugiando-se em Versalhes, empregou todos os meios assassinos para recuperar as rédeas do seu poder. Até chegar a um acordo com a Alemanha de Bismarck, ainda na véspera combatido nos campos de batalha.

A Comuna de Paris tinha dado imediatamente lugar a reações veementes. Tudo o que contava em França no que concerne escritores e intelectuais manifestou um ódio assassino pelo movimento e pelos seus protagonistas. Qualquer semelhança com a intelectualidade contemporânea desencadeada contra o movimento dos Coletes amarelos não é fortuita, como não é fortuita a iniciativa de difamação e torpedeamento político do movimento hiraki impulsionada por certos intelectuais argelinos devorados por ambições governamentais.

Contra a Comuna de Paris, a burguesia, assustada com o enfraquecimento da ordem social, imediatamente encontrou um poderoso aliado: a intelectualidade literária, que colocara a sua pena venal ao serviço das classes dominantes. Numa explosão de união de classes sagrada, a maioria dos escritores juntou forças com a burguesia para castigar a Comuna de Paris, para matar os revolucionários. A Comuna de Paris desencadeou imediatamente uma enxurrada de insultos e falsificações entre esses literatos.

Com a notável excepção de Jules Vallès, Arthur Rimbaud, Paul Verlaine, Villiers de l'Isle-Adam, partidários da Comuna, e parcialmente de Victor Hugo, que manteve uma certa neutralidade, todos os escritores da época estavam unidos num ódio inexpiável contra os Comunardos. Esses escritores ficaram furiosamente zangados com a revolução parisiense, "governo do crime e da demência" (Anatole France).

Para além das suas diferenças ideológicas, todos esses escritores tinham mergulhado as suas penas venenosas no tinteiro de Versalhes ensanguentado para anunciar a sua hostilidade assassina e belicosa contra a Comuna, para convocar o massacre dos Comunardos. Eles haviam transformado simbolicamente as suas penas em baionetas, prontas para escrever as suas obras criminosas burguesas em letras vermelho-sangue.

Todas as convicções políticas combinadas, de escritores conservadores como Maxime Du Camp e Gustave Flaubert, incluindo monarquistas como Alphonse Daudet, o conde de Gobineau, Ernest Renan, a condessa de Ségur, Taine e muitos outros, até os reaccionários Leconte de Lisle e Théophile Gautier, todos esses escritores trocaram os seus trajes de salão pelo uniforme de um mercenário ao serviço de Versalhes.

Além desses escritores do Antigo Regime, escribas da sensibilidade republicana, como François Coppée, Anatole France, George Sand, Émile Zola (sim, este escritor aclamado como um progressista era na verdade um partidário da nova República burguesa genocida e colonialista, ou dito de outra forma, da Terceira República nascida do massacre em massa da Comuna de Paris e da teorização pedagógica da política de extermínio colonialista ensinada pela escola de Jules Ferry), para citar apenas alguns dos mais famosos. Apesar de algumas nuances nas suas diatribes histéricas anti-comunardos, a denúncia dos comunardos foi unanimemente compartilhada por todos esses escritores (hoje ainda editada, publicada, ensinada na escola; enquanto escritores famosos dos anos 1900-1940 foram banidos do sistema escolar e das livrarias devido à sua colaboração com o regime de Vichy). Entre os propagandistas zelosos mais virulentos, alguns decidiram juntar-se ao chefe do poder executivo, Thiers, em Versalhes, o talhante da Comuna, para ajudá-lo nos seus preparativos para a repressão.

 Nas suas violentas campanhas anti-comunardos, esses escritores derramaram um odioso excesso verbal assassino, repleto de preconceito de classe. Toda essa geração literária unida numa aversão aristocrática das classes trabalhadoras. Para esses parasitas intelectuais, as classes trabalhadoras eram, acima de tudo, classes perigosas. Aos olhos injetados de ódio  desses escribas reaccionários, a Comuna era obra da "ralé", da "populaça", "movida pela inveja" (Macron foi a uma boa escola usando termos humilhantes contra os Coletes amarelos, conhecido como “multidão odiosa”).

Além disso, eles compararam o proletariado a uma "raça nociva", os trabalhadores a "bestas raivosas", a "novos bárbaros" que ameaçam a "civilização". Os Comunardos foram brindados com todos os qualificativos assustadores: "bandidos", "bárbaros", "Peles-Vermelhas", "canibais". Hoje, sob a pena dos cães de guarda da ordem estabelecida, retornam frequentemente os termos "escória" e "selvagem"  ​​para qualificar as classes populares agitadas.

Indubitavelmente, é da maior importância histórica relembrar o resultado sangrento da Comuna de Paris. Na verdade, de 22 a 28 de Maio de 1871, a Comuna foi suprimida com sangue pelas tropas de Versalhes. Balanço dessa "semana sangrenta": quase 30.000 pessoas massacradas, 46.000 prisões, 10.000 deportações (entre os deportados enviados para as prisões da Nova Caledónia está a famosa revolucionária Louise Michel, que fará amizade com muitos argelinos cabilas também internados nessas prisões da Caledónia após a revolta dos El-Mokrani, uma insurreição monumental contra o poder colonial francês, que ocorreu na Argélia em 16 de Março de 1871, dois dias antes da eclosão da Comuna de Paris: as grande mentes revolucionárias reúnem-se).

A burguesia, sofrendo com o temor do seu provável desaparecimento, escandalizada pela audácia do povo de ter tomado os comandos do poder, de ter tentado quebrar as bases do sistema mercantil, pagou caro, por exemplo, esta "heresia" revolucionária aos comunardos (hoje, a sua descendente classe burguesa mundial faz com que as classes populares massivamente revoltadas nestes últimos anos, nomeadamente em França, na Algéria, em Hong Kong, no Líbano, no Chile, paguem caro pelas suas audazes insurreições, pela degradação das suas condições de vida, o amordaçar dos seus direitos de expressão, a restrição das suas liberdades colectivas, o esmagamento do seu espírito rebelde obtido através do estabelecimento generalizado do despotismo estatal, a militarização do sociedade, o terrorismo de Estado).

Edmond de Goncourt não se enganou no seu veredicto apologético celerado quando escreveu: “as sangrias como esta, matando parte de uma população em luta, adia a nova revolução por conscrição. São vinte anos de descanso que a velha sociedade tem pela frente.” (Actualmente, em 2002-2021, com o terror "covidatório", a carnificina económica e o massacre social, os governantes tentarm- ilusoriamente? – tirar-nos o gosto pela revolta por vinte anos, para nos confinar a uma existência de sobrevivência alimentada de obediência e submissão, recheada de repressão, saciada de detenções, recheada de encarceramentos). Quanto a Gustave Flaubert, por sua vez, a repressão não foi suficientemente cruel, porque ele tinha considerado "que devíamos ter condenado toda a Comuna  às galés e obrigado esses imbecis sangrentos a limpar as ruínas de Paris, acorrentados ao pescoço , como simples condenados. Mas isso teria ferido a humanidade. Somos bons com os cães raivosos, e não com aqueles que eles morderam.”  Propostas que poderiam ter sido escritas ou pronunciadas por Bernard Henry Levy ou Luc Ferry, pela confraria servil de intelectuais e pela corporação venal de jornalistas contemporâneos.

Assim, todos os escritores deram o seu apoio ao regime sanguinário de Versalhes. Eles haviam aprovado, apoiado e abençoado essa repressão sangrenta, esse genocídio da população parisiense (como hoje o conjunto da corporação médica, científica, intelectual e política apoia o genocídio social e o extermínio económico perpetrado pelos governantes, esses representantes de grande capital financeiro, sob o pretexto da crise sanitária do Covid-19).

Para esta espécie intelectual, a Comuna de Paris fomentou a eclosão de uma imaginação desenfreadamente odiosa anti-operária. Na verdade, essa elite intelectual havia escrito em prosa reacionária textos inflamatórios intercalados com metáforas animalescas,  médicas, com uma conotação degradante encharcadas de desprezo de classe. Ela havia usado termos cheios de medo e horror apropriados para suscitar entre a opinião pública o pavor e o terror.

Para a maioria desses escritores, a Comuna era a expressão de uma imperfeição biológica congénita, de uma depravação moral (sic). A Comuna foi a ilustração da "luta do Bem contra o Mal, da civilização contra a barbárie, da ordem contra a anarquia, da inteligência contra a estupidez, da cabeça contra o estômago, do dever contra o egoísmo, do trabalho contra a preguiça, da elite contra a espécie popular ”.

 Eis uma antologia dos textos desses escritores raivosos,  empenhados contra a Comuna

 “Que a humanidade é uma imunda e asquerosa espécie! Como é estúpido o povo!  Uma raça eterna de escravos que não podem viver sem uma matilha e um jugo. Portanto, não será por ele que lutaremos novamente, mas pelo nosso ideal sagrado. Que morram de fome e de frio, este povo, fácil de enganar, que em breve começará a massacrar os seus verdadeiros amigos! ”, havia exposto Leconte de Lisle.

Algures, no que diz respeito aos Comunardos, Leconte de l'Isle denunciou assim "esta liga de todos os desclassificados, de todos os incapazes, de todos os invejosos, de todos os assassinos, de todos os ladrões, maus poetas, jornalistas falhados, romancistas de baixo nível ". Enquanto Alphonse Daudet via mais "cabeças de peão, armadilhas sujas, cabelos lusidios". " Para Anatole France, os Comunardos eram apenas "um comité de assassinos, um bando de canalhas, um governo do crime e da loucura".

Ernest Feydeau havia especificado que "não é mais a barbárie que nos ameaça, nem é mesmo  a selvageria que nos invade, é pura e simples a bestialidade". Théophile Gautier concordava: os Comunardos são "animais ferozes", "hienas" e "gorilas", que "se espalharam pela cidade aterrorizada com uivos selvagens".

Com metáforas médicas, a Comuna foi segundo Maxime Du Camp "um acesso de inveja furiosa e de epilepsia social", e segundo Émile Zola "uma crise de nervosismo doentio", "uma febre epidémica exagerando tanto o medo quanto a confiança, libertando a fera humana desenfreada, ao mais leve sopro ”.

Num tom paternalista, outro escritor, Maurice Montégut, falava solicitamente sobre os pobres: “A paz e a harmonia devem vir de cima, descer, não podendo subir. É dever dos compreensivos, dos fortes, estender a mão aos fracos, aos obscurecidos. Como culpar a multidão - já que nada se faz para esclarecê-la, para educá-la - por ter mantido o instinto atávico dos brutos pré-históricos, na época em que os ancestrais canibais, nas florestas monstruosas, não se encontravam senão para se devorar na soleira das cavernas? Com um pouco de gentileza, com muita caridade, apaziguamos os animais rudes que esticam as costas, submetem-se ao espanto de uma carícia ”.

Para alguns escritores, o espírito igualitário da Comuna ofuscava a sua concepção elitista e aristocrática de sociedade. Assim, Taine escreveu com ironia, num tom de brincadeira: "O patrão, o burguês, explora-nos, é necessário suprimi-lo." Eu, operário, sou capaz, se quiser, de ser empresário, magistrado, general. Com sorte, temos armas, vamos usá-las e estabelecer uma República onde operários como nós sejam ministros e presidentes ”. Renan, para quem a Alemanha era um modelo, considerava que “o principal é menos produzir massas esclarecidas do que produzir grandes génios e um público capaz de entendê-los”.

Da mesma forma, as mulheres "comunardas" não foram igualmente poupadas pelo ultraje verbal desses escritores sanguinários de Versalhes. Essas mulheres, também apelidadas de mulheres do petróleo (mulheres que, durante a Comuna, acendiam fogueiras com petróleo), eram comparadas a “lobos” ou “hienas”. Assim, Arthur de Gobineau escreveu: “Estou profundamente convencido de que não há um exemplo na história de nenhum tempo e nenhum povo com a loucura furiosa, o frenesi fanático dessas mulheres. "

Um outro escritor menos célebre, Ernest Houssaye, tinha declarado que quanto a ele: “Nenhuma dessas mulheres tinha rosto humano: era a imagem do crime ou do vício. Eram corpos sem alma que mereciam a morte mil vezes, mesmo antes de tocarem no óleo. Existe apenas uma palavra para a punição: horrenda. "

Na época da repressão sangrenta dos Comunardos, Anatole France exultava: “Finalmente, o governo do crime e da demência está a apodrecer agora que está nos campos de execução!”

Emile Zola mostrava-se, por sua vez, indulgente para com os Versalheses: “O banho de sangue que o povo de Paris acaba de sofrer foi talvez de uma necessidade horrível para acalmar algumas das suas febres. Vê-lo-ão agora crescer em sabedoria e esplendor. "

Decididamente, sob o reinado da dominação de classe ainda reina a abominação de classe, o extermínio social.

Assim que os trabalhadores, o proletariado, levantam a cabeça, o ódio da classe dominante desce sobre eles. Seguido, depois, pelas repressões, os internamentos e depois os massacres em massa, sempre perpetrados com o apoio político e ideológico da intelligentsia.

Khider Mesloub  

1-      Harki : Supletivo indígena argelino recrutado durante a Guerra da Argélia, ou seja, colaborador do colonialismo francês.

Fonte: https://les7duquebec.net/archives/260974



Sem comentários:

Enviar um comentário