Oslo, 30 anos depois de 3/4
René NABA / 18 de setembro de 2023 / em Décryptage
1 – Saddam Hussein, uma das principais
razões para o colapso árabe
Os dois intelectuais árabes, Assad Abou
Khalil e Issam Al Naqib, concordam que o comportamento belicoso do presidente
iraquiano Saddam Hussein foi um dos principais motivos do colapso árabe.
Ao iniciar uma dupla guerra contra os
seus vizinhos, primeiro o Irão (1979-1989) e depois o Kuwait (1990), Saddam
Hussein deu o pretexto para uma intervenção militar maciça dos Estados Unidos –
e do Ocidente – contra o Iraque; primeiro, para expulsá-lo do Kuwait (em 1991);
para invadir o Iraque e explorar as suas reservas energéticas (2003), numa
segunda fase. Com a consequente instalação de bases militares americanas nas
petromonarquias, prelúdio para a orquestração da sequência chamada «Primavera
árabe», no Outono de 2011, amplificando as guerras intestinas no mundo árabe.
2- A Primavera Árabe: O
"comportamento de grande selvageria" de grupos fundamentalistas
animados pelo pensamento "fascista" do Islão, teorizado pelo egípcio
Sayed Qutb.
A sequência conhecida como «Primavera
Árabe», no Outono de 2011, amplificou as guerras internas no mundo árabe. Esta
sequência foi marcada particularmente pelo «comportamento extremamente selvagem
dos grupos fundamentalistas animados pelo pensamento «fascista» do Islão teorizado pelo egípcio Sayyed Qotb,
apoiado por Issam Al Naqib.
No final desta sequência, três países
árabes (Iraque, Síria, Líbia) vivem uma terrível divisão geográfica, num
contexto de ocupação estrangeira, de deslocação maciça da população, com quase
toda a população a viver abaixo do limiar da pobreza, sem a menor perspectiva
de saída da crise.
Pior ainda, esta dupla década calamitosa
terminou com a destruição das duas antigas capitais da conquista árabe,
Bagdade, capital do antigo império abássida, em 2003, e Damasco, antiga capital
do império omíada, em 2013. Devido à aliança das petromonarquias do Golfo com o
bloco atlantista, uma aliança contra a natureza dos regimes mais retrógrados do
mundo com as «grandes democracias ocidentais», uma aliança islamo-atlantista.
Sem o menor benefício, nem para os
árabes, nem para os muçulmanos, em benefício exclusivo da sobrevivência de
tronos e dinastias criticados. Com a Rússia, no epicentro da zona de conflitos
do Médio Oriente, e o Irão, agora promovido ao estatuto de potência regional
importante, face a um mundo árabe desmembrado num campo de ruínas, numa
desorganização geográfica generalizada do conjunto árabe.
O balanço é eloquente: as seis «guerras
sujas» da era contemporânea estão situadas na esfera da Organização da
Conferência Islâmica (Síria, Iraque, Afeganistão, Somália, Iémen e Líbia),
gerando 600 milhões de crianças muçulmanas que sofrem com a pobreza, a doença,
as privações e a falta de educação, enquanto 12 países muçulmanos têm a taxa
mais elevada de mortalidade infantil e 60% das crianças não têm acesso à
escolaridade em 17 países muçulmanos.
3- As outras razões para a lentidão dos
povos árabes.
Entre os outros motivos da apatia dos
povos árabes, na origem do colapso:
A- A repressão e a censura:
Em vigor nos países árabes, tanto nas
monarquias (Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Kuwait,
Marrocos, Sultanato de Omã, Catar) como nos países de estrutura republicana
governados por uma burocracia militar (Egipto, Síria, Iraque, Líbia, Sudão,
Iémen, Argélia), a censura, aliada a uma repressão severa, baniu todo o
pensamento dissidente e esterilizou o debate público de qualquer pensamento
crítico, contribuindo grandemente para a
regressão árabe.
Assim, a título de exemplo, os Emirados
Árabes Unidos impõem a ordem e a lei na Federação dos principados do Golfo com
mão de ferro, silenciando toda a oposição. A aliança dos dois líderes da
contra-revolução árabe, o príncipe herdeiro saudita Mohamad Ben Salmane e o seu
homólogo do Abu Dhabi, Mohamad Ben Zayed, agora soberano e presidente da
Federação, resultou na normalização das relações entre o Abu Dhabi e Israel e
numa cooperação correlativa entre os serviços de segurança dos Emirados e a
Mossad, consequência do colapso do mundo
árabe.
Para ir mais longe sobre este tema, veja
este link:
B - A extrema pobreza da população
constitui um segundo motivo de desmobilização, que leva a uma luta diária pela
sobrevivência.
C- O entretenimento, ou melhor, a
informação divertida, mais conhecida pelo termo inglês «infotainment». Uma
política fortemente sugerida pelos Estados Unidos às monarquias petrolíferas, a
fim de desviar a opinião árabe da causa palestiniana. Os petrodólares do Golfo
garantiram a lealdade, ou mesmo a servilidade, de um grande número de jornais e
jornalistas.
D- As redes sociais foram erigidas como
o meio de expressão supremo, dando ao digitalista a ilusão de que enviar um
tweet tem mais força do que uma manifestação de protesto em frente a uma
embaixada, a ponto de o activismo digitalista ter tido um efeito soporífero
sobre a população, tornando-se o substituto absoluto de qualquer forma de
contestação, mesmo que as redes sociais compensem amplamente a censura em vigor
em quase todos os países árabes.
E- Uma geração perdida.
O suicídio e os assassinatos aumentaram
dez vezes na Ásia Ocidental, produzindo uma "geração perdida",
particularmente na categoria masculina da população.
A violência custou a vida de 1,4 milhão
de pessoas em 2015 nos 22 países que compõem a Ásia Ocidental, incluindo
Afeganistão, Iraque, Irão, Paquistão, principados do Golfo ricos em petróleo,
Somália, Arábia Saudita, Sudão e Síria.
"144.000 pessoas morreram como
danos colaterais de guerras regionais. E a violência, arraigada e permanente,
produziu uma geração perdida, especialmente na categoria masculina da
população, especialmente jovens e crianças", continua um relatório da
International Public Health, que prevê "um futuro sombrio" para o Médio
Oriente se não for encontrada uma maneira de estabilizar a área com uma
população de 600 milhões de pessoas.
F- Suicídio e transtornos psiquiátricos
e psicanalíticos.
Finalmente, o relatório observa um
aumento constante no número de pessoas que sofrem de transtornos mentais e
mentais, incluindo esquizofrenia, paranóia, transtorno bipolar, depressão e
ataques de ansiedade.
O suicídio é proibido pela religião
muçulmana. Mas, apesar dessa proibição, o número de suicídios subiu para 30.000
em 2015, enquanto 35.000 morreram como resultado da violência cometida por
outros (morte, assassinato). Este é um aumento de 152% no último quarto de
século (1990-2015)
Para ir mais longe sobre este tema, veja
este link:
·
https://www.madaniya.info/2018/02/12/monde-arabe-generation-perdue-de-violence/
Conclusão do debate entre os dois intelectuais árabes:
A história é testemunha e a experiência
ensina: somente os povos, senhores do seu destino, são capazes de travar uma
luta vitoriosa contra os seus inimigos. (Nota do editor: Cuba, Vietname,
Argélia e os talibãs no Afeganistão deram uma demonstração clara disso).
O povo palestiniano, libertado das suas
amarras, assim como todos os povos árabes, são os únicos capazes de enfrentar o
movimento sionista e os seus aliados, numa luta de longo fôlego que deve ser
travada com lucidez, paciência e abnegação. É com essa condição que as novas
gerações árabes poderão reintegrar-se na História para forjar a sua própria
História.
Epílogo
O acordo do século
A transação do século teve como objectivo
desmantelar o mundo árabe. Os Estados Unidos opõem-se à constituição de uma
Unidade Árabe pelas seguintes razões:
Com uma superfície de 13,3 milhões de
quilómetros quadrados, ou seja, 3 vezes a superfície da União Europeia e 8,9%
da superfície terrestre do mundo, o mundo árabe assegura uma produção diária de
24 milhões de barris/dia.
Com uma população de 378 milhões de
habitantes, ou seja, tanto quanto os Estados Unidos, dispõe ainda de um poder
balístico da ordem dos 3 194 000 mísseis, ou seja, o dobro do arsenal balístico
americano, tanto quanto a Rússia e infinitamente mais do que a Coreia do Norte.
De acordo com a revista americana
«Global Fire Power», a classificação é a seguinte: Egipto 1.481.000 mísseis
balísticos, Síria 650.000 mísseis, Iémen 423.000, Arábia Saudita 322.000;
Argélia 176.000; Líbia: 100.000; Jordânia 88 000; Marrocos: 72 000; Iraque: 59
000. Esta contagem não inclui o arsenal do Hezbollah libanês, do Hamas
palestiniano, dos houthistas do Iémen ou da milícia xiita iraquiana Al Hached
Al Chaabi, nem as dezenas de milhares de drones equipados com cargas
explosivas.
Os Estados Unidos são hostis ao projeto
OBOR, a versão moderna da Rota da Seda, que combatem. Eles empenham-se em
desarticular o BRICS (Brasil, Índia, China, Rússia, África do Sul). Se existe
uma barreira natural com a China de vários milhares de quilómetros – o Oceano
Pacífico –, praticamente não existe nenhuma barreira com o mundo árabe, com
excepção do Mar Mediterrâneo.
Uma barreira irrisória
A unidade do mundo árabe servirá como
uma alavanca para a unidade do mundo islâmico. A conjunção da tripla ameaça da
China, Rússia e do mundo árabe-muçulmano pode comprometer a civilização
ocidental. Por essa razão, os Estados Unidos opor-se-ão a qualquer forma de
unidade árabe.
https://www.madaniya.info/2015/02/09/le-monde-arabe-face-au-phenomene-de-la-mondialisation/
A chuva de foguetes palestinianos que
caiu sobre as cidades israelitas, em 12 de Maio de 2021, ficará marcada na
história do conflito israelo-palestiniano pelo seu forte simbolismo e
intensidade, confirmando de forma inequívoca a centralidade da questão
palestiniana na geo-política do Médio Oriente e demonstrando, de passagem, que
o céu israelita se tornou um passador diante dos foguetes de fabrico artesanal,
colocando numa posição delicada a liderança sunita árabe após a sua rasteira
colectiva diante do Estado hebraico.
A viabilidade de Israel é questionada
diante das perspectivas demográficas da população palestiniana.
Israel realizou cinco eleições legislativas em dois anos, sem resultados conclusivos, sintomático da confusão em que se encontra o que os ocidentalistas qualificam como a única democracia do Médio Oriente. Este impasse político surge num contexto de previsões pessimistas sobre a viabilidade do Estado hebreu.
Um relatório publicado em Dezembro de 2016 pelo Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) indica que o número de pessoas que vivem em Gaza deverá mais do que duplicar nos próximos 30 anos.
Intitulado «Palestina 2030: Mudanças
demográficas: oportunidades para o desenvolvimento», o relatório examina as
mudanças demográficas e as oportunidades de desenvolvimento em todos os
Territórios Palestinianos Ocupados. O estudo do Fundo mostra que décadas de
ocupação e dependência da ajuda externa impediram o crescimento.
16,7 milhões de palestinianos viverão em
todo o Grande Israel até 2050. As taxas de fertilidade nos Territórios Palestinianos
Ocupados são duas vezes mais elevadas do que as dos países mais avançados da
região. Esta tendência deverá fazer com que a população passe dos actuais 4,7
milhões para 6,9 milhões em 2030 e para 9,5 milhões em 2050.
A taxa de crescimento demográfico mais
elevada deverá ocorrer na Faixa de Gaza, onde o relatório estima que a
população atual de 1,85 milhões de pessoas deverá passar para 3,1 milhões em
2030 e para 4,7 milhões em 2050.
Em Israel, a população atingiu, em 2019,
9.136.000 habitantes, dos quais 20,6% são árabes israelitas (1.750.000
habitantes, principalmente muçulmanos e uma minoria cristã), de acordo com o Gabinete
Central de Estatísticas de Israel. Árabes israelitas é um termo que, na
terminologia israelita, designa os palestinianos, os habitantes originais do
país da Palestina sob o mandato britânico. Cisjordânia (9,5 milhões) + Gaza
(4,7 milhões) + palestinianos do interior (2,5 milhões de árabes israelitas), o
que daria um total de 16,7 milhões de palestinianos a viver em todo o grande
Israel.
No plano militar
Desde 1967, Israel nunca mais obteve uma
vitória militar. Até essa data, o Estado hebreu travava guerras contra
exércitos governamentais árabes cujo principal objectivo era defender o regime
político dos seus países e não a libertação da Palestina.
Desde o início do século XXI, mais
precisamente no ano 2000, que coincidiu com a retirada militar israelita do sul
do Líbano, sob pressão do Hezbollah, sem negociações directas nem tratado de
paz, Israel está encurralado, numa aliança de reversos, a norte, pela formação
paramilitar xiita libanesa, a sul, em Gaza, pelo Hamas e pela Jihad Islâmica,
que travam uma guerra assimétrica.
Em sobreposição, ao nível das alianças
regionais, os Estados Unidos, o principal aliado de Israel no Médio Oriente,
estão em fase de refluxo, enquanto os principais aliados do eixo de contestação
à hegemonia israelo-americana (China, Rússia, Irão) estão em fase de ascensão,
paralelamente ao destacamento vitorioso das forças paramilitares da zona: os
houthistas no Iémen contra a Arábia Saudita; Hachd al Chaabi, no Iraque contra
os Estados Unidos; o Hezbollah libanês, contra Israel no sul do Líbano e os
grupos terroristas sunitas na Síria. Um quadro tão sombrio poderia explicar a
súbita precipitação de quatro países árabes, dos quais três são monarquias
(Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos, Sudão) para normalizar as suas
relações com Israel no Outono de 2020, sem dúvida com o objectivo de evitar um
destino fatal.
A resposta balística do Hamas forneceu
provas da porosidade do céu israelita, revelou a nudez dos reis árabes, ao
mesmo tempo em que forneceu uma demonstração clara da impossibilidade de Israel
fundar uma democracia num regime de apartheid, à maneira da África do Sul
durante a era colonial ou dos estados confederados do sul dos Estados Unidos na
época da Guerra Civil… Assunto a seguir
Ilustração
Líder palestino Yasser
Arafat - Arafat encontra-se com o presidente iraquiano Saddam Hussein em 1988.
O líder palestiniano apoiou Hussein durante a Guerra do Golfo (Autoridades
Palestinas / Getty Images).
René Naba
Jornalista-escritor, ex-chefe do mundo
árabe e muçulmano no serviço diplomático da AFP, depois assessor do
director-geral da RMC Médio Oriente, chefe de informação, membro do grupo
consultivo do Instituto Escandinavo de Direitos Humanos e da Associação de
Amizade Euro-Árabe. De 1969 a 1979, foi correspondente rotativo no escritório
regional da Agence France-Presse (AFP) em Beirute, onde cobriu a guerra civil
jordaniano-palestiniana, o "Setembro Negro" de 1970, a nacionalização
de instalações petrolíferas no Iraque e na Líbia (1972), uma dúzia de golpes de
Estado e sequestros de aviões, bem como a Guerra do Líbano (1975-1990) a 3ª
guerra árabe-israelita de Outubro de 1973, as primeiras negociações de paz
egípcio-israelitas na Mena House Cairo (1979). De 1979 a 1989, foi responsável
pelo mundo árabe-muçulmano no serviço diplomático da AFP, depois assessor do
director-geral da RMC Médio Oriente, encarregado da informação, de 1989 a 1995.
Autor de "Arábia Saudita, um reino das trevas" (Golias), "De
Bougnoule a selvagem, uma viagem ao imaginário francês" (Harmattan),
"Hariri, de pai para filho, empresários, primeiros-ministros"
(Harmattan), "As revoluções árabes e a maldição de Camp David"
(Bachari), "Media e democracia, a captura do imaginário, um desafio do
século XXI" (Golias). Desde 2013, ele é membro do grupo consultivo do
Instituto Escandinavo de Direitos Humanos (SIHR), com sede em Genebra. Ele
também é vice-presidente do Centro Internacional Contra o Terrorismo (ICALT),
Genebra; Presidente da instituição de caridade LINA, que opera nos bairros do
norte de Marselha, e Presidente Honorário do 'Car tu y es libre', (Bairro
Livre), trabalhando para a promoção social e política das áreas periurbanas do
departamento de Bouches du Rhône, no sul da França. Desde 2014, é consultor do
Instituto Internacional para a Paz, Justiça e Direitos Humanos (IIPJDH), com
sede em Genebra. Desde 1 de setembro de 2014, é responsável pela coordenação
editorial do site https://www.madaniya.info e apresentador de uma
coluna semanal na Radio Galère (Marselha), às quintas-feiras, das 16h às 18h.
Fonte: Oslo, 30 ans
après 3/4 - Madaniya
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa
por Luis Júdice

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