quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Carta Aberta ao presidente da república Emmanuel Macron

 


Carta Aberta ao presidente da república Emmanuel Macron

Maurice Buttin /1  DE oUtUbrO DE 2025 / EM Actualités

Por Maurice Buttin. Colaborador do site https://www.madaniya.info Ex-advogado da família de Mehdi Ben Barka, líder carismático da oposição marroquina, sequestrado e torturado por capangas marroquinos em Paris;  presidente interino do CVPR PO, membro dos conselhos de administração de «Pour Jérusalem» e «Amis de Sabeel-France», «Chrétiens de la Méditerranée» e da Associação França Palestina Solidariedade  do XIV arrondissement de Paris. (AFPS 14°)

• Se a luta contra o anti-semitismo deve ser permanente, a luta contra o sionismo deve sê-lo da mesma forma.

    Você ignora que o «7 de Outubro» é a maior vitória militar do Hamas e de outros combatentes palestinianos, que conseguiram romper tecnicamente uma barreira intransponível construída por Israel em 2008, que há dezassete anos transforma a Faixa de Gaza numa prisão a céu aberto.

Carta aberta ao presidente da república Emmanuel Macron

A França, através da sua intervenção em 22 de Setembro de 2025 na Assembleia Geral das Nações Unidas, acaba de reconhecer (finalmente) o Estado da Palestina. Esperei por este momento durante quase sessenta anos – tenho 96 anos. De facto, comecei a lutar pelo reconhecimento dos direitos do povo palestiniano em Junho de 1967, ao lado de Maxime Rodinson, Jacques Berque, Pierre Cot, o abade Moubarac e muitas outras personalidades.

É um momento histórico para o nosso país, mas ainda não para si, Senhor Presidente, com todo o respeito pelos seus aduladores.

Ignora nesta intervenção um ponto capital: a ocupação da Palestina desde essa época, como recentemente salientou Leïla Shahid, antiga embaixadora da Palestina em Paris, ou seja, cinquenta e oito anos de opressão, humilhação e, hoje, genocídio do povo palestiniano na Faixa de Gaza, sem esquecer o regime de apartheid em Israel desde a sua criação.

Vós mencionais os 48 reféns detidos pelo Hamas – o que é um crime de guerra quando se trata de civis, concordo consigo –, mas ignorais os cerca de 8.000 a 10.000 prisioneiros palestinianos em Israel, muitos dos quais foram detidos sem qualquer motivo, sendo, portanto, também reféns.

Vós mencionais a divisão do mandato britânico em 1947 (Resolução 181 do Conselho de Segurança) em dois Estados, um judeu e outro árabe, «reconhecendo assim o direito de cada um à auto-determinação». E cita o Estado de Israel, proclamado em 1948, «que conseguiu fundar uma bela democracia».

Mas esqueceis os 22% da população (os palestinianos israelitas) que ainda vivem sob um regime de apartheid! Da mesma forma, ignorais que, para aderir à ONU, Israel teve de aceitar a resolução acima referida e a 190 (regresso dos expulsos às suas casas – a Nakba), resoluções que Israel ignorou completamente, desprezando o direito internacional, esse «pedaço de papel» segundo os seus dirigentes.

Vós mencionais o «7 de Outubro de 2023, ferida ainda viva, evidência que se impôs a nós, quando o povo israelita sofreu o pior ataque terrorista da sua história». E vós especificais que «1224 homens, mulheres e crianças foram mortos, 4834 homens, mulheres e crianças ficaram feridos, 250 foram sequestrados como reféns». Mas vós ignorais que quase metade dessas mortes são de polícias ou militares e que boa parte das vítimas foi atingida por tiros de helicópteros israelitas que chegaram após o ataque do Hamas.

Vós evocais «a barbárie do Hamas e daqueles que contribuíram para esse massacre, que chocou Israel e o mundo». E acrescentais: «O dia 7 de Outubro é uma ferida ainda viva para a alma israelita, assim como para a consciência universal. Condenamo-lo sem qualquer nuance, pois nada pode justificar o recurso ao terrorismo.

Neste dia, pensamos nas vítimas e nas suas famílias. Expressamos a nossa compaixão aos israelitas e exigimos, acima de tudo, que todos os reféns ainda detidos em Gaza sejam libertados sem quaisquer condições».

Mas não condenais o terrorismo do Estado israelita contra o povo palestiniano desde 1948, nem exigis a libertação de todos os palestinianos detidos em Israel sem qualquer motivo, ou seja, reféns.

Evocais «a homenagem especial prestada pelos franceses, especialmente aos nossos 51 compatriotas assassinados nesse dia e a todas as vítimas do 7 de Outubro». E acrescentais: «Nunca o esqueceremos».

Mas, quando mencionais, em seguida, «as vidas de centenas de milhares de pessoas deslocadas, feridas, famintas, traumatizadas, que continuam a ser destruídas pelos israelitas», não especificais que nunca o esquecereis; nem referis o número – mais de 60 000 mortos, 150 000 feridos, 220 jornalistas mortos; nem dizeis que pensais neles e nas suas famílias, nem manifestais a sua compaixão por eles.

Você evocais a presença do primeiro-ministro israelita durante o «testemunho de fraternidade» oferecido pela França em 7 de Janeiro de 2015 às vítimas do «7 de Outubro».

Mas ignorais que Benyamin Netanyahu é, desde então, alvo de um mandado de detenção do Tribunal Penal Internacional; que o seu avião deveria ter sido interceptado quando, há alguns meses, a caminho dos Estados Unidos, sobrevoou o nosso país; e que ele o chamou recentemente de anti-semita. É o cúmulo!

Vós mencionais que, mesmo que «o Hamas tenha sido consideravelmente enfraquecido», a «negociação de um cessar-fogo duradouro é o meio mais seguro de obter a libertação dos reféns». Mas não especificais que isso também acabaria com o genocídio causado pelo exército israelita – supostamente o mais moral do mundo –, reconhecido por todas as grandes ONG, relatórios das Nações Unidas e até mesmo por muitas personalidades israelitas.

Vós mencionais uma «solução (o reconhecimento da Palestina) que «existe para quebrar o ciclo de guerra e destruição, o reconhecimento do outro, da sua legitimidade, da sua humanidade» e especificais que israelitas e palestinianos vivem numa solidão persistente, a solidão dos israelitas após o pesadelo histórico de «7 de Outubro», a solidão dos palestinianos exaustos nesta «guerra sem fim», e concluis que «este reconhecimento do Estado da Palestina é uma derrota para o Hamas, assim como para todos aqueles que alimentam o ódio anti-semita, nutrem obsessões anti-sionistas e querem a destruição de Israel».

Mas vós ignorais que o «7 de Outubro» é a maior vitória militar do Hamas e de outros combatentes palestinianos, que conseguiram romper tecnicamente uma barreira intransponível construída por Israel em 2008, tornando a Faixa de Gaza uma prisão a céu aberto há dezessete anos.

Vós ignorais que, se a luta contra o anti-semitismo deve ser permanente, a luta contra o sionismo deve sê-lo da mesma forma.

Vós também ignorais que o Hamas não menciona mais a destruição de Israel desde a sua nova carta elaborada em 2017 e aceita a solução de um Estado palestiniano reduzido a 22% do mandato britânico – solução que vós mesmo acabais de reconhecer.

Vós mencionais «objectivos concretos» (...): desencadear um mecanismo de paz que responda às necessidades de todos. Vós especificais que «a primeira etapa é a da urgência absoluta, a de associar a libertação dos 48 reféns ao fim das operações militares em todo o território de Gaza».

Mas vós ignorais a libertação paralela dos detidos palestinianos sem motivo em Israel. O senhor especifica que «a segunda etapa é a da estabilização e da «reconstrução de Gaza; que uma administração de transição integrando a Autoridade Palestina, a juventude palestiniana acompanhada por forças de segurança (...) terá o monopólio da segurança em Gaza; que ela implementará o desmantelamento e o desarmamento do Hamas».

Mas não especificais que Mahmoud Abbas e outros responsáveis palestinianos não foram autorizados a ir a Nova Iorque; que todos os palestinianos têm cartões de identidade com um número atribuído pela administração israelita. E ignorais o desmantelamento paralelo das forças israelitas na Palestina ocupada (Jerusalém Oriental, Cisjordânia e Faixa de Gaza).

Vós mencionais o compromisso do presidente Mahmoud Abbas, perante o príncipe Mohamed bin Salman e vós mesmo, de «condenar veementemente os ataques terroristas de 7 de Outubro de 2023»; «afirmar o seu apoio ao desarmamento do Hamas e excluí-lo da futura governação de Gaza, bem como de todo o território palestiniano».

Mas ignorais o facto de que «o Hamas se tornou a força dominante da sociedade e da política palestiniana» (1) com o seu ataque de 7 de Outubro, juntamente com outros combatentes palestinianos, operação que demonstrou a capacidade do povo palestiniano de resistir com sucesso ao ocupante. O senhor também não ignora que, de acordo com a pesquisa do Centro Palestino de Pesquisa Política e Pesquisas, publicada em Maio, apenas um em cada cinco palestinianos se diz satisfeito com a presidência de Abbas, e que 81% dos entrevistados desejam a sua demissão.

É nisso que está o problema, Senhor Presidente. O antigo porta-voz da OLP, Xavier Abu El, salienta, por seu lado, a partir de Ramallah, que «nesta fase, os palestinianos estão a fazer muitas concessões».

Por isso, Senhor Presidente, reveja a sua posição e receba os meus melhores cumprimentos.

1.      Excerto da entrevista de Amir Tibon, jornalista do Haaretz, no La Croix de 7 de Outubro de 2025.

 

Ilustração

O presidente francês Emmanuel Macron discursou perante as Nações Unidas em Nova Iorque para reconhecer o Estado da Palestina, na segunda-feira, 22 de Setembro de 2025. | LUDOVIC MARIN / AFP

 

Maurice Buttin

Maurice Buttin, nascido em 10 de Dezembro de 1928[1] em Meknès, Marrocos, é um advogado e escritor francês. Foi advogado da USFP e da família Ben Barka, encarregado de investigar o sequestro, o desaparecimento e o assassinato do opositor marroquino e líder do terceiro mundo Mehdi Ben Barka. Maurice Buttin frequentou durante muito tempo os militantes de esquerda marroquinos. Ele também apoia a causa palestiniana. É vice-presidente da Associação de Solidariedade Franco-Árabe (ASFA) de Louis Terrenoire desde 1974[6] e fundador da Associação França-Palestina, vice-presidente do Comité de Vigilância para uma Paz Real no Médio Oriente e vice-presidente das Amizades Franco-Iraquianas[7].

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Fonte: Lettre ouverte au président de la république Emmanuel Macron - Madaniya

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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