quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Comité Intesa: um século de luta de classes

 


Comité Intesa: um século de luta de classes 

Há 100 anos, uma batalha travada dentro do Partido Comunista Italiano (PCd'I) sobre a direcção e as táticas adoptadas pelo partido: este foi o período da bolchevização. As manobras oportunistas do PCd'I e da Internacional Comunista (Comintern) foram criticadas pela esquerda do partido, que exigia uma posição revolucionária firme contra alianças com capitalistas e manobras políticas. Eles formaram um comité, o "Comité Intesa" ("Acordo") para defender as políticas revolucionárias dentro do partido, o que levou à sua expulsão. A plataforma deste comité não é relevante apenas do ponto de vista histórico, porque marca o início da esquerda italiana, mas também é relevante para nós hoje, porque lança as bases para a concepção da esquerda comunista sobre o papel do partido. Hoje, um século depois, as lições e políticas da luta do Comité do Comintern contra a degeneração fornecem lições claras para aqueles que desejam derrotar o capitalismo hoje.

Em 1925, a vaga revolucionária mundial desencadeada em Outubro de 1917 na Rússia estava em declínio. Em todo o mundo, a luta dos trabalhadores batia em retirada e o capital estava a lançar a sua contra-ofensiva. A classe operária alemã sofreu uma série de derrotas infligidas pelo SPD e pelo resto do estado capitalista. A República Soviética Húngara foi estrangulada no seu berço, e uma notável vaga de greves na América do Norte em 1919 também foi reprimida. Em Itália, o Partido Comunista não havia sido formado senão mais perto dos Dois Anos Vermelhos (1919-1920), marcados por ocupações generalizadas de fábricas, mas sem um programa político coerente. Quando os revolucionários se organizaram independentemente dos social-democratas, que simplesmente queriam reformar o capitalismo (Janeiro de 1921), eles foram repelidos tanto pelo estado "democrático" quanto pelos gangues fascistas de Mussolini. Na própria Rússia, os conselhos operários, o coração da revolução social, tornaram-se conchas vazias durante a crise económica e a guerra civil, com a população de Moscovo e Petrogrado a encolher em 50% à medida que os trabalhadores deixavam as cidades em busca de comida ou morriam na frente (de guerra – NdT)). Uma estimativa "moderada" do número de mortos no Inverno de 1921/1922 é de 5 milhões. O golpe final no poder soviético (ou seja, o controle democrático de baixo para cima através de uma vasta rede de conselhos operários) foi o esmagamento da revolta de Kronstadt e a subsequente proibição de facções dentro do Partido Bolchevique. Na época, no entanto, os revolucionários do Partido Bolchevique acreditavam amplamente que era uma questão de se agarrar ao poder até que a revolução proletária pudesse ser salva e revivida através do apoio de uma revolução vitoriosa da classe operária noutros lugares. Mas essa política foi uma faca de dois gumes. Permanecer no poder fazendo concessões e assinando tratados com as potências capitalistas obviamente implicava o risco de ceder e se juntar à rede dessas potências. Além disso, priorizar a sobrevivência do regime russo significava cada vez mais sufocar qualquer voz de oposição dentro da nova Internacional. Foi neste contexto histórico que os decisores políticos do Comintern pressionaram pela "bolchevização" do partido mundial, cravando assim os últimos pregos no caixão da vaga revolucionária e transformando cada vez mais a própria Internacional numa ferramenta destinada a garantir a sobrevivência do regime capitalista de estado em evolução na Rússia. Foram essas reversões oportunistas de táctica que aqueles que formaram o Comité Intesa deveriam lutar. A "frente única" e a palavra de ordem do "governo operário" eram verdadeiras negações dos princípios sobre os quais o Comintern havia sido fundado. O apelo inicial de Lenine por uma nova Internacional em 1915 baseou-se no claro reconhecimento de que a social-democracia havia rompido as barreiras de classe, com a maioria dos partidos da Segunda Internacional aliando-se aos seus próprios capitais nacionais durante a Primeira Guerra Mundial. Esse reconhecimento só foi confirmado quando os social-democratas participaram na ofensiva do capital, exemplificada pelo assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht pelo governo do SPD de Ebert. Depois de tudo isso, os dirigentes do Comintern pediram uma aliança entre o PCd'I e o Partido Socialista Italiano (PSI), do qual se haviam separado alguns anos antes. A frente única que os líderes do Comintern tinham em mente não era de unidade de classe independentemente dos partidos numa greve, como havia sido o caso antes da Revolução de Outubro, mas uma aliança parlamentar com a social-democracia. O governo operário que eles pediam era uma coligação parlamentar, não o derrube do Estado capitalista ou a supremacia política dos conselhos operários.

Os efeitos desastrosos da "bolchevização" em Itália talvez possam ser melhor compreendidos através da crise de Matteotti. Com a prisão de Amadeo Bordiga em 1923 e a renúncia do comité executivo do partido em protesto contra a directriz que impunha a fusão do partido com o PSI, os líderes do Comintern viram isso como uma oportunidade de instalar uma liderança mais favorável à sua linha, liderada por Antonio Gramsci. Embora o "centro" tenha sido colocado à frente do partido, a base do partido permaneceu firmemente ancorada à esquerda. Quando o deputado socialista Giacomo Matteotti foi assassinado em 1924 por fascistas, o governo de Mussolini, que ainda não havia consolidado totalmente o seu controle sobre o Estado italiano, entrou em crise. Quando os outros partidos burgueses deixaram o parlamento em protesto, horrorizados com a flagrante violação das normas da democracia liberal pelos fascistas, Gramsci ordenou que os deputados comunistas seguissem esses partidos burgueses, com o objectivo de criar um "parlamento anti-fascista". Mas esse baile parlamentar com os partidos burgueses não teve nada a ver com a consolidação de uma classe operária independente, que na época estava sob ataque massivo na forma de aumento do custo de vida e revogação do direito de greve. Quando o escândalo eclodiu, os reveses de Gramsci e a procrastinação da liderança do Comintern deixaram a classe operária no limbo num momento em que ela estava pronta para tomar as ruas, perdendo assim a oportunidade para o Partido Comunista recuperar o equilíbrio e partir para a ofensiva após quatro anos de retirada.

"É um erro pensar que, em todas as situações, expedientes e manobras tácticas podem ampliar a base do Partido, porque as relações entre o Partido e as massas dependem em grande parte da situação objectiva."

Foi nesse contexto de oportunismo e hesitação que o comité do Intesa foi formado. O comité afirmou sem rodeios que "[os líderes] consideram o problema de conquistar as 'massas' como um problema de vontade. No entanto, pouco a pouco, eles adaptam-se às circunstâncias e afundam essencialmente no oportunismo." Eles estavam certos em fazer essa divisão entre as duas concepções. Para a esquerda do partido, a revolução não poderia ser simplesmente desejada, muito menos decretada por uma declaração do Comintern, mas tinha que estar ligada à classe operária onde ela se encontrava objectivamente e no seu próprio terreno. O partido tinha que permanecer na vanguarda da luta dos trabalhadores contra os ataques económicos muito reais que a classe enfrentava, mantendo-se fiel ao objectivo final da classe operária e não se envolvendo em jogos parlamentares ao estilo de Gramsci. Na prática, isso significa trabalhar para a tomada do próprio poder político, e certamente não manobras parlamentares e fusões políticas destinadas a expandir numericamente o partido em detrimento do seu programa e posição de classe. O comité também estava correcto ao dizer que o problema não se limitava à Itália, afirmando que "a esquerda acredita firmemente que uma solução satisfatória para a questão do partido italiano é impossível sem uma solução para as questões internacionais". No entanto, nenhuma tentativa séria de avaliação ou reflexão foi realizada. De facto, o "problema" do Comité Intesa foi discutido ferozmente nas páginas do Unita (o jornal do partido criado pela liderança "bolchevique" de Gramsci na Itália), quase exclusivamente em termos do problema trotskista: um sinal de que as diferentes secções do Comintern simplesmente se tornaram um reflexo do que estava a acontecer dentro do partido russo. Finalmente, sob a ameaça de despejo e ordens para revistar as pessoas e casas das "facções", o comité concordou em dissolver-se, esperando em vão que alguma forma de debate ocorresse no próximo congresso. Isso foi seguido por expulsões do partido pelo "centro", prisões por Mussolini e a fuga para o exílio de muitos outros militantes. Já se passaram vários anos desde que a luta travada pela esquerda do partido através do comité do Intesa terminou, mas as suas lições permanecem valiosas para os revolucionários de hoje. Em primeiro lugar, o comité enfatiza que a revolução será internacional ou fracassará, e que os comunistas nunca devem perder isso de vista. A degeneração do Comintern tem a sua origem no refluxo da vaga revolucionária e no isolamento nacional que se seguiu à Revolução Russa. Nessa situação, a liderança russa tentou salvar o que pôde, tentando manter o poder, na esperança de formar "governos operários" amigáveis e concluir acordos comerciais com as potências capitalistas, em detrimento dos princípios sobre os quais a Internacional havia sido fundada. Em retrospectiva, era impossível manter uma Rússia revolucionária isolada num mundo capitalista, muito menos o declínio da vitalidade e do poder dos conselhos operários, mas o oportunismo que eles praticavam garantiu que nenhuma revolução emergente externa viesse em seu socorro. Em segundo lugar, o Comité demonstrou que o Partido Comunista não é um partido de coligações parlamentares e manobras políticas, mas um partido que luta pelo programa revolucionário no seio da classe operária, ou que ela se encontre objectivamente, quer em declínio ou em plena expansão. O partido também não semeia confusão nas mentes do proletariado ao envolver-se na política capitalista para alcançar o sucesso momentâneo. O partido não faz acontecer a revolução por sua vontade, mas age de acordo com o movimento histórico que está a ocorrer e de acordo com os seus princípios revolucionários.

Hoje, a nossa classe enfrenta muitos desafios e tem fraquezas óbvias. Em Itália, como fizemos há 100 anos, estamos mais uma vez a enfrentar uma crise de custo de vida. As várias nações estão a preparar-se para um confronto imperialista cujos horrores seriam inimagináveis. As lutas operárias que emergem muitas vezes estão confinadas aos sindicatos, isolados e fracos. Se a nossa classe quiser superar esse período sombrio, teremos que formar um partido revolucionário para lutar na linha da frente da nossa classe. Um partido com vocação internacional, firmemente ancorado nas lutas da classe e claro no seu objectivo final: a revolução operária e o futuro comunista. Tudo isso pode parecer distante, mas não será feito apenas pela força de vontade. Somente o verdadeiro trabalho dos revolucionários de hoje pode produzir o órgão indispensável à luta dos trabalhadores: a futura internacional revolucionária.

Klasbatalo

Terça, 7 de Outubro de 2025

 

Fonte: Comité d'Intesa: un siècle de lutte de classes | Leftcom 

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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