sexta-feira, 31 de outubro de 2025

A frente ucraniana e o Comando Vermelho

 


A frente ucraniana e o Comando Vermelho

 

Por Daniel Kersffeld

 

Outubro 31, 2025 - 00:01

 

. Imagem: EFE

O poder de fogo e a capacidade de resposta rápida demonstrados pelo Comando Vermelho na operação policial e militar ocorrida no Rio de Janeiro no dia 28 de Outubro surpreenderam e, sobretudo, mostraram que, hoje, a Ucrânia é a melhor escola que as organizações criminosas têm para melhorar o seu treino e recursos militares.

Na verdade, não há muitos lugares no planeta onde hoje possa aprender a usar drones comuns ou mesmo caseiros, como ferramentas tecnológicas para uso militar e com eficácia mortal nos seus ataques.

A presença de mercenários estrangeiros na frente ucraniana é anterior ao início do conflito aberto contra a Rússia, que já dura desde Fevereiro de 2022. O influxo maciço de armas e munições dos Estados Unidos e dos seus parceiros europeus da OTAN foi relacionado com a crescente participação de milicianos de todo o mundo com uma aversão comum à Rússia.

Mas o colapso sofrido pelo exército ucraniano, especialmente no ano passado, levou a um agravamento na perda de combatentes, seja por morte ou deserção. Com isso, o número de mercenários aumentou e, além dos europeus, a Legião Internacional foi reforçada com um número maior de combatentes de outros continentes e regiões, como a América Latina.

Sem dados precisos, supõe-se que hoje as milícias ucranianas ainda contam com inúmeros voluntários de origem latino-americana, que se mobilizam atraídos por um salário que não costuma ser o promovido pela publicidade oficial, ou que são tentados pela futura aquisição da cidadania ucraniana, pensando na possibilidade, por enquanto bastante distante, que este país se tornará parte da União Europeia em algum momento.

Sejam ex-combatentes das FARC ou ex-membros das forças para-policiais desmobilizadas pelo processo de paz, os soldados de origem colombiana constituem hoje a principal minoria latino-americana nas fileiras ucranianas, com cerca de 2.000 combatentes.

Normalmente enviados para a linha de frente sem muita preparação para a guerra, o número de baixas entre os latino-americanos é bastante alto: apenas entre os milicianos colombianos (praticamente os únicos com formação militar na região) cerca de 500 mortes foram relatadas desde que o conflito aberto eclodiu há mais de três anos.

O recrutamento de traficantes brasileiros na Ucrânia teria sido realizado, numa primeira fase, através de mercenários colombianos, cujas organizações costumam trabalhar em aliança nos seus respectivos países.

Grupos dispersos, tanto do Comando Vermelho quanto do seu gangue rival, o Primeiro Comando da Capital, fizeram incursões nos campos de batalha ucranianos como uma rota de acesso privilegiada não apenas ao armamento mais moderno enviado pelas potências ocidentais, mas também como um campo de treino para novas tácticas de guerra de alta intensidade.

Estima-se que o número de brasileiros a lutar na Ucrânia actualmente varie entre 200 e 250 mercenários. A sua principal motivação é a capacitação técnica no uso de novas armas para posterior uso e exploração no Brasil.

Assim, os traficantes de drogas não estão a especializar-se apenas no uso de drones, mas também no uso de lançadores de granadas, metralhadoras pesadas e até artilharia anti-aérea. O horizonte da sua acção futura reconhece que no Brasil eles estão imersos numa guerra contra a polícia e os exércitos, contra a qual terão que recorrer a recursos tecnológicos cada vez mais avançados e estratégias de ponta.

De facto, o Comando Vermelho não foi a primeira organização criminosa latino-americana a usar drones como recurso militar ofensivo. Centenas de ataques com aeronaves controladas remotamente foram registados em toda a região e, aparentemente, os primeiros a usar implementos tecnológicos nos seus confrontos com a aplicação da lei foram membros do Cartel Jalisco Nova Geração, também com experiência directa de combate na Ucrânia.

O retorno dos mercenários brasileiros às suas organizações de base, após sua permanência no front ucraniano, funciona como uma bomba-relógio: não apenas pela experiência adquirida na guerra, mas também pelos contactos e redes que conseguiram estabelecer com outros gangues de drogas europeias e, mais ainda, com organizações criminosas dedicadas ao comércio ilegal de armas. aqueles que proliferaram graças à exportação maciça e descontrolada de recursos militares de todos os tipos para Kiev.

As conversações informais para pacificar o conflito contra a Rússia e as perspectivas de uma próxima entrada numa fase pós-conflito intensificaram o tráfico de armas para destinos cada vez mais distantes do raio da Europa, como a América Latina.

As ligações são múltiplas. No Brasil e noutros países da região, as apreensões policiais de diferentes gangues de criminosos descobriram de tudo, desde lançadores de granadas propelidos por foguetes (RPGs) até sistemas portáteis de defesa aérea (MANPADS), incluindo metralhadoras pesadas e espingardas de assalto, todos usados anteriormente na Ucrânia.

Em Setembro de 2024, um cabo da Marinha foi preso pela polícia e acusado de operar drones para o Comando Vermelho (que antes eram equipados para disparar granadas e diferentes explosivos), além de orientar traficantes em operações de fuga.

E no início e meados deste ano, as forças policiais brasileiras confiscaram armas anti-drone de membros do Comando Vermelho, encontrando em várias ocasiões um modelo fabricado pela empresa ucraniana Kvertus, especificamente o KVS G-6, um canhão electrónico que cancela o controle e os sinais de vídeo de drones a uma distância de até 6 km. Embora representantes da empresa estivessem no Rio de Janeiro em Abril para vender os seus produtos à polícia, a verdade é que a compra desse tipo de dispositivo militar geralmente é feita através do mercado negro, a partir de uma extensa rota com escalas no Leste Europeu e no Paraguai.

Hoje não há praticamente nenhuma dúvida de que o uso de drones se tornou uma táctica em larga escala e inédita no Brasil e, de forma mais geral, na América Latina, e que sinaliza uma escalada no poder do crime organizado ao combinar inovação tecnológica com disputas pelo controle do tráfico de drogas e, ultimamente, também com os confrontos cada vez mais recorrentes e violentos com as forças de segurança.

Por fim, é uma das muitas consequências mundiais de uma guerra distante e praticamente descontrolada e sem fim, que transformou a ofensiva de guerra contra a Rússia num laboratório especializado na formação de recursos humanos para o crime e na preparação de novas redes criminosas transnacionais.

Fonte: El frente ucraniano y el Comando Vermelho | Opinión | Página|12

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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