quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

A morte anunciada do turismo de massas

 


 17 de Fevereiro de 2022  Robert Bibeau  


Por Khider Mesloub.

 

Após o sumptuoso longo período de turismo exótico, a breve era das férias luxuriantes, analisadas na nossa contribuição publicada na revista Web Les 7 du Québec em 25 de Março de 2019https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2021/05/a-experiencia-de-milgram-ilustra.html  chegou o momento para o adeus às viagens em massa. https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2021/07/convergencias-transcendentalmente.html

Graças à pandemia que tem surgido desde 2020, entramos na nova fase de confinamentos, prisão domiciliária, restricções de viagem, encerramentos de fronteiras, escassez de vistos. Ou mesmo o fim das férias remuneradas programadas pelo capital em crise. "Adeus bezerro, vaca, porco, ninhada", como diria o nosso amigo Jean de la Fontaine, que tem a arte de fazer o leitor viajar no mundo dos animais dotados de discurso moralizador, sem sair do seu quarto. O fim das viagens resultará no ressurgimento da leitura, este turismo de livros ao alcance de todos os orçamentos?

Em todo o caso, desde o surto da pandemia ladeado por medidas restritivas de viagem e confinamentos, a economia do turismo atravessa uma crise de magnitude sem precedentes em todo o mundo. Todos os continentes são impactados pelo declínio do número de chegadas de turistas internacionais.

Um relatório publicado conjuntamente pela ONU e pela Organização Mundial do Turismo (OMT) em 30 de Junho de 2021 estima, a nível internacional, as perdas financeiras para o turismo em quase 4 biliões de dólares ao longo dos anos 2020-2021 em comparação com os níveis de 2019.

No entanto, até 2019, tal como analisado acima, o turismo foi um sector que, durante meio século, nunca tinha sofrido uma crise. Pelo contrário, tinha crescido exponencialmente. Em termos de viajantes, o mundo tinha crescido de 25 milhões de chegadas internacionais de turistas em 1950 para 1,5 mil milhões em 2019.

Para o ano de 2021, depois de uma temporada já catastrófica em 2020, a OMT estima uma queda de 75% em relação a 2019. No entanto, não prevê o regresso ao volume de chegadas internacionais antes da crise até 2023 ou 2024, ou mesmo mais tarde (ou nunca?) De acordo com a OMT, as chegadas internacionais de turistas deverão manter-se "70 a 75% mais baixas" do que no período pré-pandemia. (Tantos empregos de baixos salários perdidos para a classe trabalhadora em hotéis de luxo. NDE)

Em Abril de 2021, o World Travel and Tourism Council (WTTC), um organismo mundial que representa o sector privado de viagens e turismo, reuniu-se numa cimeira em Cancún, México, para fazer um balanço da crise no sector do turismo. No final da reunião, o WTTC previu uma mudança no consumo de viagens: "Os viajantes deixarão de ir para os mesmos 20-30 destinos, preferem ir para pequenas cidades e comunidades rurais e reconectar-se com a natureza."

Em todo o caso, todos os especialistas preveem o fim do turismo de massas. Sob o pretexto da transicção ecológica, para não reconhecer a morte do turismo devido à profunda crise económica do capitalismo, responsável pelo empobrecimento generalizado das populações agora sem recursos, de forma a evitar supostamente a degradação de certos espaços causadas pelo turismo de massas, defendem um "turismo sustentável". Um turismo limpo mas devidamente caro, portanto reservado à elite. Este turismo verde (pago caro em greenbacks, ou seja, em dólares) suplantará o turismo de massas populista.

 A Era do Adeus às Viagens em Massa

 Sem dúvida, assistimos à morte do turismo de massas. Tudo sugere que, devido à crise económica, ao empobrecimento generalizado e à mudança dos hábitos de consumo reduzidos para as necessidades básicas auxiliares, nos caminhamos para os velhos tempos em que o turismo estava reservado à elite, ou seja, às classes privilegiadas. Tal como nos dias da ausência de férias remuneradas antes da Segunda Guerra Mundial, o turismo tornar-se-á mais uma vez o privilégio de uma elite. E a maioria da população, agora sem recursos, privada de viagens, pode voltar a ler. Podia ler e reler de graça. [1], por uma viagem interior, o livro, paródia de histórias de viagem: "Voyage autour de ma chambre", publicado em plena Revolução Francesa (1794) por Xavier de Maistre. Livro para aconselhar nestes tempos de confinamentos recorrentes, onde, ainda que supostamente em tempo de paz, estamos em prisão domiciliária, presos pelos nossos próprios governantes, no nosso próprio paísProibição de sair de casa. Para viajar para o exterior. Agora, na noite do inferno da interminável crise económica (esta permanente guerra de trincheiras entregue às populações com a vida explodida pelo desemprego, inflacção, desnutrição e repressão), parafraseando o título do livro da escritora Céline, contando a história de um herói confrontado com a indigência e o vazio existencial, o capitalismo, na era das restricções de viagem e confinamentos, condena-nos à viagem ao fim do tédio, antecâmara da depressão, da decadência moral, mental, intelectual, física, numa palavra de suicídio em lume brando.

Uma coisa é certa: nos últimos dois anos, numa altura em que o coronavírus parece paradoxalmente viajar livremente de país para país, atravessando continentes sem dificuldade, sem passar por qualquer controlo fronteiriço (acreditar que beneficia de um livre-trânsito dos governantes – ao contrário das centenas de milhões de pessoas obrigadas a apresentar um passe sanitário – que o deixam vaguear como bem entender), o turismo internacional, por outro lado, está a ficar sem vapor, sufocando sob o peso da crise económica apoplética. Afectado pelo vírus das medidas governamentais restritivas, o turismo é condenado ao descanso total das camas, ao aleitamento materno financeiro parcial alimentado por subsídios estatais, ou seja, pelo dinheiro dos contribuintes, por esta vaca de capital.

Os profissionais do turismo, atingidos com força, sentem-se enganados pelas consequências catastróficas do encerramento das fronteiras. Porque estão à beira do precipício, levados à falência. Especialmente em Marrocos, este país de atracção neocolonial e distracção libidinal, há muito erguido como modelo pelos lambe botas do liberalismo libertário e libertino, onde o turismo exótico, como o turismo luxuriante, está em pleno andamento, por falta de clientes.

Além disso, os profissionais do turismo marroquinos estão de pé. Nas últimas semanas, milhares de pessoas manifestaram-se em várias cidades do país para exigir a reabertura de fronteiras.

Como relatam vários meios de comunicação, "mais de 200 operadores turísticos observaram uma reunião em frente à sede do Ministério do Turismo em Rabat. Para além da reabertura das fronteiras, os participantes no sit-in (manifestação em que os participantes se sentam no chão – NdT) reiteraram as exigências da Associação Nacional de Agências de Viagens de Marrocos (ANAVM), incluindo uma amnistia fiscal e a anulação de processos judiciais contra agências de viagens endividadas.

Conforme noticiado pela APS (Argélia Press Service): "Um relatório recentemente tornado público pela Organização Democrática dos Transportes Turísticos de Marrocos e pela Organização Democrática dos Restaurantes e Cafetarias observou que o turismo em Marrocos está entre os sectores mais afectados pelas restricções impostas às actividades relacionadas."

No entanto, o turismo representa 10% da riqueza de Marrocos. O sector do turismo é o seu segundo maior empregador, depois da agricultura. Juntamente com as transferências financeiras de marroquinos que vivem no estrangeiro, é uma das principais fontes de divisas do país. Hoje, após dois anos, com o encerramento das fronteiras, os profissionais do turismo marroquinos têm assistido com resignação ao esgotamento desta fonte financeira.

A morte do turismo de massas mundial ressuscita o turismo regional de elite

Actualmente, para justificar a destruição planeada do sector do turismo, as autoridades governamentais invocam a pandemia de emergência. Já em nome da defesa do clima, da biodiversidade e dos pontos turísticos, a emergência climática está insidiosamente estabelecida, o enésimo biombo para dar a última estocada ao sector do turismo de massas, que se tornou obsoleto do ponto de vista do grande capital financeiro. Com efeito, com as contracções previstas nos salários e nos rendimentos, acentuadas pelo aumento dos preços, as despesas culturais e de lazer tornar-se-ão um luxo inacessível devido à fraqueza dos orçamentos das famílias. (Tomando o exemplo da França, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos (INSEE), desde 1960 que os gastos das famílias em lazer aumentaram 5,5 vezes em comparação com 3,2 para o consumo total. No entanto, este aumento de volume é maior do que todas as outras rubricas das despesas, com excepção da saúde – está também na mira do capital, determinado a reduzir consideravelmente os orçamentos afectados a esta rubrica de despesas "improdutiva", dito de outra forma sem fins lucrativos. Este aumento exponencial do consumo cultural, turístico e atractivo foi fomentado pelos Gloriosos (anos) Trinta e pelo crescimento exponencial das "classes médias" – diferentes categorias da pequena burguesia, actualmente em processo de empobrecimento e proletarização. Hoje, a crise económica obriga, o grande capital ocidental, no processo de degradação, a reajustar a sua estratégia de recuperar o valor menos excedente gerado pela força de trabalho para evitar o seu colapso. É neste contexto de reestruturação da economia orientada para um consumo restritivo e limitado a produtos essenciais que a política de destruição dos chamados sectores não essenciais (restaurantes, cafés, cinemas, teatros, pavilhões desportivos e turistas), que se tornaram supérfluos do ponto de vista do grande capital nas garras de uma crise sistémica multidimensional.)

Hoje, para fortalecer o turismo de elite, alguns fazem campanha, sob o pretexto da transicção ecológica, para o "ecoturismo", o "turismo sustentável", respeitando o ambiente. Um turismo local, poupado pela promiscuidade. Turismo local, longe da multidão banal. Um turismo ecológico particularmente dispendioso porque sujeito a normas drásticas, programas de absorção de emissões de CO2, rótulo ecológico (que impõe medidas de poupança de água e energia, triagem de resíduos internamente, utilização de produtos de limpeza ecológica, bem como uma oferta de restauração orgânica ou local a preços proibitivos).

Um turismo ecológico que privilegia o Comboio e não o avião. Os aviões, já aterrados, não vão descolar. As ligações internacionais, impactadas pelas restrições de viagem, não estão prestes a reconectar-se com turistas agora confinados a uma existência caseira numa sociedade que se tornou um quartel ao ar livre governado por leis de emergência e pela tirania das proibições. Tanto mais que os voos domésticos são ameaçados de extinção. Com efeito, muitos países, no âmbito do chamado quadro da transicção ecológica, mas, na realidade, devido à profunda recessão económica, anunciaram a abolição de certas companhias aéreas nacionais. Recomendam a proibição de voos domésticos no caso de uma alternativa ferroviária directa de menos de 4 horas.

Ironicamente, a maioria dos turistas, muitas vezes atormentados pelo tédio, viajam para esquecer o (seu) mundo mais do que descobrir. No final, pela sua poluição mental, com as suas viagens impulsivas à deriva, contaminam as mentes dos habitantes do planeta.

Na verdade, como escreveu a Academia Francesa Jean Mistler, "o turismo é a indústria do transporte de pessoas que estariam melhor em suas casas, do que em lugares que estariam melhor sem eles".

O tempo cada um em sua casa, permitindo que se viaje dentro do seu Ser para descobrir, constituirá a última forma saudável de turismo pessoal imposta pela crise do capitalismo?

Nada substitui a viagem em torno do seu Ser explorado com paixão, a sua razão, em sua casa, fonte de revigoramento moral, para melhor admirar o mundo, amar a vida e os outros, longe das tribulações turísticas de outro modo tarifadas!

Khider Mesloub

[1] https://fr.m.wikisource.org/wiki/Voyage_autour_de_ma_chambre

 

Fonte: La mort annoncée du tourisme de masse – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




 

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