RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com a www.madaniya.info.
Por Mohamed Chérif Lachichi, (cortesia do autor). Este artigo é publicado por ocasião do 23º aniversário da nacionalização do petróleo argelino.
Homenagem a Messaoud Zeghar, Rachid Tabti, Cherif Guellal,
Mohamed-Chérif Lachichi, jornalista, começou por trabalhar no sector público antes de iniciar uma carreira de repórter na imprensa argelina nos anos 1990. Publicou o romance "La Faille" (2018, Ed. L'Harmattan). Colaborador do sítio Web do Livro melting Book https://www.meltingbook.com/author/mohamed/)
A 24 de Fevereiro de
1971, o Presidente Houari Boumédiène anuncia aos dirigentes sindicais da União
Geral dos Trabalhadores Argelinos a sua decisão de nacionalizar a indústria dos
hidrocarbonetos, na sequência da recusa das companhias petrolíferas francesas
em renegociar os preços.
"Seria mais
justo, em termos de investimento na investigação petrolífera, que os lucros
obtidos no nosso país fossem, pelo menos, aplicados localmente!" Estas
palavras, proferidas a 24 de Fevereiro de 1971 por Houari Boumédiène, marcaram
o início da "descolonização do petróleo", nas palavras de Benjamin
Stora, professor de história do Magrebe contemporâneo, no seu livro Histoire de
l'Algérie depuis l'indépendance (publicado por La Découverte, 1994).
Nessa altura, a tomada
de posse pelo Estado das infra-estruturas de transporte e de produção, bem como
de 51% dos activos das companhias petrolíferas francesas, conduziu a uma
inversão da relação de forças entre antigos colonizadores e antigos
colonizados.
Ao apoderarem-se do
petróleo e do gás do Sara, os argelinos passaram a ter acesso a recursos que
poderiam utilizar nos projectos de desenvolvimento do seu país. Para a França,
esta decisão significava a perda do monopólio que tinha imposto sobre as
jazidas do Sara aquando da descoberta de Hassi Messaoud em 1956.
Estas duas percepções
opostas do mesmo acontecimento, veiculadas pelos meios de comunicação social e
pelos responsáveis políticos, contribuíram para reforçar o conflito de memórias
e limitar a compreensão da história das relações franco-argelinas.
1 – Os homens nos bastidores por detrás do desafio
Boumédiène nunca teria tomado uma decisão de tal envergadura sem antes
tomar algumas precauções.
Alguns meses antes da data fatídica de 24 de Fevereiro de 1971, ocorreram
em 1970 alguns acontecimentos importantes que reforçaram a sua decisão. A nacionalização dos hidrocarbonetos, que
permanecerá sem dúvida a maior realização do reinado de Boumédiène, só foi
possível graças à contribuição de um certo número de personalidades tão talentosas
quanto dedicadas ao interesse nacional.
Tratando-se de um domínio sensível, com enormes desafios financeiros e
estratégicos, todos os meios de informação foram mobilizados para a ocasião. A
diplomacia secreta e paralela não ficou atrás. Neste caso, Boumédiène rodeou-se
de conselheiros discretos, sempre muito sensatos.
O Chefe de Estado argelino, ajudado pela engenhosidade destes homens, teve
acesso a informações em primeira mão. Por exemplo, a operação só podia ser
lançada depois de ter obtido um compromisso formal dos americanos de comprarem
o petróleo e o gás argelinos. A sua promessa de garantir a operação em caso de
recusa francesa foi também decisiva.
Foi graças às poderosas redes de Messaoud Zeghar e Chérif Guellal, nos
Estados Unidos, e de Rachid Tabti, em França, que Boumédiène conseguiu a sua
aposta.
Estes homens extraordinários, cujos nomes devemos recordar hoje,
desempenharam um papel decisivo para levar a ofensiva a bom porto e frustrar a
antiga potência colonial.
Os dois primeiros mencionados, cujos contactos eram procurados pela elite
de Washington, eram capazes de se movimentar a todos os níveis do poder nos
Estados Unidos. Seguindo as pisadas de lobistas de alto nível como M'hamed
Yazid e Abdelkader Chanderli, a guarda de Boumédiène, muito unida e com um ar
mediterrânico, será falada do outro lado do Atlântico durante muito tempo.
Para atrair a simpatia da opinião pública americana, salientaram as
semelhanças entre as revoluções argelina e americana. Graças à sua presença nos
Estados Unidos, Boumédiène podia continuar a apoiar todas as causas que
considerava justas, sem nunca alienar a hiperpotência americana.
2 – Dois ferros no fogo
Graças ao equilíbrio em que Zeghar se distinguiu, Argel, "a Meca dos
revolucionários", pôde continuar a receber os seus convidados, por vezes
incómodos, que regularmente causavam problemas à América.
Naquela época épica, todos os grupos revolucionários estavam representados
em Argel. Vindos de África ou de outras partes do mundo, muitos exilados
políticos acorrem a Argel, que se tornou um verdadeiro santuário para todos os
"malditos da terra", alguns deles verdadeiros fugitivos. Nesta terra
de Novembro, o apoio às reivindicações legítimas dos povos oprimidos e a
fidelidade aos compromissos militantes são uma evidência.
A transformação da antiga colónia francesa num Estado independente
conquistou o respeito e a admiração do mundo inteiro.
Graças a este prestígio, a diplomacia argelina apoiou todas as lutas contra
a dominação colonial, racial ou outra. Muito rapidamente, a nova nação passou a
acolher os dirigentes e os militantes de quase todos os movimentos de
libertação do mundo.
A independência argelina tinha forjado uma nova consciência política, não
só em África e na Ásia, mas também nos próprios Estados Unidos, entre os negros
americanos. Os Panteras Negras, cujo líder, Eldridge Cleaver, estava preso e
era procurado pelo FBI por assassínio, foram bem recebidos na Argélia e
instalaram-se confortavelmente em Bordj El-Kiffan. Enquanto os Yankees já não
tinham representação diplomática oficial em Argel, os Panteras Negras tinham a
sua única embaixada no mundo na rue Didouche-Mourad. Que audácia!
3- Dândis que são duplos espiões
Aquando da ruptura das relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a
Argélia, em Junho de 1967, na sequência da guerra israelo-árabe dos Seis Dias,
Chérif Guellal foi obrigado a abandonar o seu cargo de embaixador argelino em
Washington para se tornar o representante da Sonatrach nos Estados Unidos, com
amplas prerrogativas e importantes recursos financeiros. Uma forma de manter
contactos com a administração americana, incluindo a nível político.
Nesta qualidade, a Sonatrach dispunha de dois escritórios nos Estados
Unidos, um em Washington e outro no reduto petrolífero americano de Dallas, no
Texas.
Durante sete anos de ruptura diplomática com os Estados Unidos, Boumédiène
nunca quis cortar definitivamente as relações. Embora apoiasse a causa árabe,
não estava menos preocupado com as vantagens evidentes dos produtos alimentares
e agrícolas subsidiados dos Estados Unidos. Facilidades de que não podia
prescindir. Decidiu manter o diálogo, mas a um nível informal.
A dupla Zeghar-Guellal tinha uma vasta agenda de contactos de que o seu
país beneficiava muito.
Messaoud Zeghar, conhecido por Rachid Casa, "o único amigo que
Boumédiène teve", segundo o antigo chefe do SM, Kasdi Merbah, não tinha
qualquer papel oficial nos Estados Unidos, mas conseguiu obter empréstimos a
taxas preferenciais para a Argélia graças à sua amizade com o banqueiro David
Rockefeller.
Zeghar estava tão à vontade com o seu amigo argelino, o presidente
Boumédiène, como com os secretários de Estado americanos e outros chefes da
CIA.
Podia contactar o presidente americano pelo telefone, como qualquer outro
magnata dos media.
O mesmo se aplica a Chérif Guellal, o primeiro embaixador da Argélia em
Washington, que apresentou as suas credenciais a Kennedy em Julho de 1963,
antes de se tornar um dos amigos mais próximos do Presidente americano.
O diplomata argelino, um homem elegante e requintado, versado em eventos
sociais, tinha tudo para agradar. Figura do mundo do espectáculo, era o
companheiro de Yolande Betbeze, eleita Miss América em 1951 e herdeira abastada
da Twentieth Century Fox, a grande empresa de Hollywood. Por outras palavras, o
nosso primeiro embaixador nos Estados Unidos estava bem relacionado com as
altas esferas. Muito próximo dos irmãos Kennedy, Guellal continuou a manter
boas relações com a Casa Branca e, em particular, com o Presidente Lyndon B.
Johnson.
4- Nixon no bolso
Mas para melhor apaziguar o gigante Tio Sam, Zeghar encontrou o caminho
certo: servir de elo de ligação entre os EUA e o Vietname em guerra.
Em 1970, através da Sonatrach, convidou o astronauta americano Frank Borman,
comandante da missão Apollo 8, que em 1968 deu dez voltas à Lua, a vir a Argel
apresentar oficialmente a sua aventura espacial. Mas Borman era também o
embaixador especial dos Estados Unidos encarregado de negociar a libertação dos
prisioneiros de guerra americanos no Vietname.
O objectivo oficial da visita, organizada pelo próprio Messaoud Zeghar, era
um encontro científico, mas o objectivo era formalizar um pedido dos Estados
Unidos para que a Argélia intercedesse junto dos vietnamitas e lhes fornecesse
uma lista dos prisioneiros de guerra americanos que detinham.
Alguns dias mais tarde, o pedido foi feito: a Sra. Nguyen Thi Binh,
Ministra dos Negócios Estrangeiros do Vietname do Sul, entregou a referida
lista a um simples cidadão argelino que agiu por razões puramente humanitárias.
Este "simples argelino" era nada mais nada menos que Messaoud Zeghar,
que posteriormente recebeu felicitações pessoais do Presidente Nixon.
Um mês após a nacionalização dos hidrocarbonetos - e numa altura em que as
relações argelino-francesas estavam no seu ponto mais baixo - o próprio
Boumediène foi destinatário de uma carta pessoal tornada pública pelo
Presidente Nixon, na qual este anunciava que os Estados Unidos estavam
dispostos a "estabelecer relações diplomáticas normais com a Argélia
sempre que esta o desejasse". A dupla Zeghar-Guellal tinha voltado a
atacar!
No entanto, não podemos esquecer o papel fundamental desempenhado por
Rachid Tabti, conhecido por Richard ou Tony, nos acontecimentos que antecederam
o dia 24 de Fevereiro de 1971, quando permitiu o envio de milhares de
documentos confidenciais para Argel, incluindo o famoso plano de resposta
preventiva elaborado pela SDECE francesa em caso de tentativa de nacionalização
dos hidrocarbonetos argelinos.
Para tal, este advogado, pugilista, actor, duplo e sobretudo sedutor teve
de encantar Béatrice Halégua, secretária de Jean-Pierre Brunet, embaixador
francês, director dos Assuntos Económicos e Financeiros no Quai d'Orsay e director
da Entreprise de recherches et d'activités pétrolières (ERAP), uma instituição
pública industrial e comercial (Epic) cujo objecto social era a tomada de
participações em empresas energéticas a pedido do Estado francês e que se
encontrava, na altura, em plena negociação com a parte argelina.
Todas as instruções secretas dadas aos negociadores franceses eram do
conhecimento dos argelinos ainda antes de se sentarem à mesa das negociações.
As suspeitas de espionagem também estavam a crescer. É evidente que houve
uma fuga de documentos internos confidenciais da parte francesa. Rachid Tabti
foi posteriormente "denunciado" e detido pela DST, pondo fim às
negociações em 13 de Junho de 1970.
Tabti foi condenado a 10 anos de prisão por espionagem económica. Cumpriu
mais de 2 anos na prisão de Santé, em Paris, e na prisão de Melun. Mais tarde,
foi trocado por 35 cidadãos franceses detidos na Argélia, 11 dos quais pelos
mesmos crimes.
A nacionalização dos hidrocarbonetos não poderia ter sido realizada sem uma
preparação e um controlo perfeito da informação.
O Chefe de Estado argelino, com a ajuda destes homens dos bastidores, cuja
experiência de acção clandestina tinha sido forjada durante a guerra de
libertação nacional, estava em vantagem neste aspecto. Foi um lembrete de que a
inteligência económica, antes do seu tempo, estava longe de ser uma moda
passageira.
Para ir mais longe sobre a Argélia
§ https://www.renenaba.com/lhonneur-de-lalgerie/
Fonte: La nationalisation des hydrocarbures en Algérie (Naba) – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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