3 de Abril de 2024 Robert Bibeau
Por Khider Mesloub.
No meu livro escrito no início da guerra russo-ucraniana (1), na Primavera
de 2022, escrevi: "Contrariamente às afirmações feitas por (alguns)
observadores cegos pelas suas concepções ideológicas do Terceiro Mundo (segundo
as quais existe apenas um imperialismo: o imperialismo ocidental), não é a
Rússia que está a liderar o jogo, e muito menos a obter qualquer vitória no
tabuleiro de xadrez internacional, mas sim os Estados Unidos. Actualmente, os
Estados Unidos estão a obter êxitos imperialistas sem mobilizar quaisquer
soldados ou gastar quantias excessivas de dinheiro. Na verdade, a maior parte
do fardo do financiamento da Ucrânia está a ser suportado pelos países
europeus, em particular através da ajuda humanitária prestada a cerca de 8
milhões de refugiados e deportados ucranianos (17 mil milhões de euros foram
libertados pela União Europeia para satisfazer as necessidades dos refugiados
no início da invasão da Ucrânia. Desde então, os fundos libertados aumentaram
consideravelmente), e através da ajuda militar (concedida ao Presidente
Zelensky).
Além disso, o seu braço armado, a NATO, nunca foi tão prestigiado nem tão
operacional, estendendo a sua esfera de influência e controlo a quatro
continentes graças às suas 800 bases militares instaladas em 177 países. Além
disso, graças à guerra na Ucrânia, a NATO - ou seja, os Estados Unidos -
reforçou prodigiosamente a sua liderança, com a adesão de novos países, um aumento
substancial do seu financiamento, um enorme aumento das encomendas de armas ao
complexo militar-industrial americano e a dependência económica e militar da
Europa em relação a Washington.
Como Saddam Hussein, que, em 1990, foi manobrado por Bush pai para invadir
o Kuwait sob a promessa de neutralidade de Washington, com o objectivo de
justificar a intervenção imperialista dos Estados Unidos no Iraque para
revitalizar a sua hegemonia mundial, ameaçada de aniquilação devido ao
relaxamento da disciplina no seio do bloco ocidental. Após o desmembramento do
bloco soviético, a Rússia foi encurralada pelo poder americano através da
multiplicação de provocações, materializadas pelo alargamento da NATO até às
fronteiras da Rússia. Mas, sobretudo, pela promessa da sua imparcialidade em
caso de intervenção russa na Ucrânia. Na altura, o Iraque tinha caído na
armadilha montada pelos Estados Unidos. Agora, também a Rússia está a cair no
truque dos Estados Unidos. [...].
Em suma, a Rússia, que desde há muito é uma potência imperialista rival dos
Estados Unidos, como o foi quando interveio militarmente no Afeganistão, na
origem do colapso da URSS, está agora condenada a ficar atolada numa guerra
destrutiva interminável que prejudica as populações ucraniana e russa, as principais
vítimas desta guerra bárbara. [...].
Para além da Rússia, os segundos perdedores desta guerra instigada e
alimentada pelos Estados Unidos são os países da Europa que, mais uma vez, como
no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, perdem diplomaticamente influência e são
obrigados a submeter-se ao Tio Sam e ao seu braço armado, a NATO. Vários países
já decidiram aumentar substancialmente os seus orçamentos de armamento,
nomeadamente a Alemanha, que anunciou a duplicação do seu orçamento militar,
com a compra de 35 caças americanos F-35, para grande benefício dos Estados
Unidos. [...].
Além disso, ao criar o caos na Ucrânia, e ao estender esse caos a todos os países europeus afectados pelo afluxo de milhões de refugiados e pelo aumento dos preços da energia provocado pelas sanções económicas decretadas pelo Ocidente, os Estados Unidos pretendem entravar o avanço da China em direcção à Europa, comprometendo a realização das "Rotas da Seda", que deveriam passar também pelos países da Europa de Leste. Ver :
Assim, no âmbito da sua estratégia agressiva de contenção da China (um
inimigo a combater e a destruir), depois de ter criado a aliança AUKUS em 2021
para torpedear as rotas marítimas chinesas na região do Indo-Pacífico, os
Estados Unidos abrem uma segunda frente de desestabilização económica,
obstruindo as rotas terrestres europeias utilizadas para o transporte de
mercadorias da China. Em suma, os Estados Unidos terão desestabilizado a
Rússia, a Europa e a China. [...].
Em última análise, a estratégia dos Estados Unidos, ao fomentar a política
de terra queimada imposta à Rússia, que está agora envolvida numa guerra
interminável e exaustiva, visa enfraquecer o seu poder militar e o seu
potencial económico, que foi reduzido à mais pequena porção auto-suficiente.
Mas visa também, ao perpetuar a guerra na Ucrânia, realinhar a Europa atrás da
NATO, tendo em vista o conflito militar final contra a China. Foi nesta perspectiva
que a antiga chefe da diplomacia norte-americana, Hillary Clinton, para
sublinhar a perniciosidade da China e, sobretudo, para alertar o Ocidente
contra as ambições expansionistas da China, declarou recentemente: "A
Rússia é uma ameaça a curto prazo e a China a longo prazo." [...].
É evidente que a eclosão desta guerra "americana" terá arruinado
os esforços dos países europeus, nomeadamente da França e da Alemanha, para se
emanciparem dos Estados Unidos, desenvolvendo uma cooperação mais intensa com a
Rússia. [...].
Uma coisa é certa, com o "fabrico desta guerra na Ucrânia", os
Estados Unidos terão atingido com sucesso todas as suas agendas, nos planos
económico, imperialista, político, ideológico e outros. No plano imperialista,
terá conseguido (re)vender a NATO a preço de saldo a todos os países europeus,
incluindo países há muito reconhecidos pela sua lendária neutralidade (Suécia,
Finlândia e Suíça). No plano económico, ao subjugar uma Europa agora
enfraquecida e, sobretudo, totalmente dependente dos Estados Unidos para o seu
aprovisionamento energético e alimentar, comprado a preços exorbitantes. No
plano militar, a defesa europeia foi igualmente enterrada, com as consequências
benéficas para os Estados Unidos da reorientação dos orçamentos militares
europeus para a aquisição de armamento americano a coberto da NATO. No plano
político, no contexto da nova polarização imperialista mundial e tendo em vista
a preparação da guerra contra a China, a reactivação dos temas de propaganda
"democrática", essas armas de guerra ideológicas ocidentais,
simbolizadas pelo desgastado hino atlantista: "defesa do mundo livre
contra os regimes autocráticos". [...].
A guerra na Ucrânia está, sem dúvida, a inaugurar uma nova era de caos,
desestabilização e destruição à escala internacional, excepto, como de costume,
nos Estados Unidos, que estão geograficamente afastados do teatro do conflito e
são económica e energeticamente auto-suficientes. [...].
A ironia é que não só a Ucrânia está prestes a perder a guerra militar,
como a União Europeia está em vias de perder a "guerra económica" que
pretendia travar contra a Rússia através de sanções. Recorda-se que Bruno Le
Maire, o ministro francês da Economia (da guerra?), insistiu em que a França ia
travar uma "guerra económica total" contra a Rússia. Para garantir a
vitória da Ucrânia e, portanto, do campo ocidental, "vamos desencadear uma
guerra económica e financeira total contra a Rússia", garantiu o ministro
da Economia, prometendo que as potências ocidentais iriam "provocar o
colapso da economia russa", proclamou sentenciosamente. Ora, não só a
Ucrânia está a perder a guerra militar - em condições dramáticas para os milhares
de recrutas inexperientes que estão a ser enviados para a frente - como o
Ocidente, e a França em particular, está a perder a "guerra
económica" que pretendia travar contra a Rússia a coberto da guerra na
Ucrânia.
Não é a primeira vez que os governantes dos países capitalistas ocidentais,
confrontados com uma crise económica sistémica, a fim de desviar a atenção dos
proletários, se dedicam ao recrutamento militarista da população para a enviar
para se matarem uns aos outros nos campos de batalha em nome da defesa da
pátria ou da defesa da democracia burguesa. A guerra na Ucrânia está, sem
dúvida, a inaugurar uma era de barbárie e de caos mundial. [...]."
Estas linhas foram escritas na Primavera de 2022.
Hoje, no início da Primavera de 2024, estava a ganhar forma um acordo de
paz para pôr fim à guerra entre a Rússia e a Ucrânia. De acordo com várias
fontes, Vladimir Putin está disposto a negociar um cessar-fogo com a Ucrânia.
Entretanto, do outro lado da fronteira, a maioria dos ucranianos, cansados da guerra,
começa a instar o seu governo a negociar.
No entanto, este cenário de paz entre a Rússia e a Ucrânia é extremamente
perturbador para os planos estratégicos dos Estados Unidos. Como já referimos,
a estratégia dos EUA de fomentar uma política de terra queimada imposta à
Rússia, que está agora envolvida numa guerra interminável e desgastante, visa
enfraquecer o seu poder militar e o seu potencial económico, reduzido a uma
parcela de auto-subsistência diminuta.
O ataque do Daech à sala de concertos de Moscovo deve ser visto nesta perspectiva. Daech significa CIA. Se é obra do Daech, como se afirma, então o ataque foi ordenado pelo seu empregador: a CIA.
De acordo com as notícias, os Estados Unidos tinham conhecimento de ataques planeados pelo Estado Islâmico contra "grandes concentrações, incluindo concertos" em Moscovo. Mas como?
Por seu lado, o Presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, afirmou que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, informados da iminência de um ataque armado contra a sala de concertos de Moscovo, tinham apelado aos seus cidadãos para não irem aos centros comerciais no dia 7 de Março, através das respectivas embaixadas. "Isto significa que os seus próprios serviços secretos estavam a escutar certas conversas, a obter informações, e que sabiam que isto ia acontecer", disse o Presidente sérvio.
Como pergunta o meu colega Kamel M. no seu artigo intitulado "La CIA actionne son bras armé Daech en Russie pour provoquer le chaos mondial" (« A CIA actiona o seu braço armado Daech para provocar o caos mundial »), publicado no Algeriepatriotique a 24 de Março: " por que é que este grupo islâmico armado, que se diz sunita, é levado a cometer um ataque sangrento contra um país que, no contexto do genocídio em Gaza, defende com unhas e dentes os muçulmanos massacrados por Israel com a bênção dos Estados Unidos? Porque é que este grupo islâmico armado não atacou a entidade sionista?" De facto, a pergunta merece ser feita.
Só os Estados Unidos querem perpetuar o conflito armado russo-ucraniano, pelas razões acima expostas.
A Rússia não está disposta a sair do pântano em que os Estados Unidos a mergulharam, como reconhece Kamel M: "Os primeiros a sofrer com esta perigosa provocação dos americanos e dos seus vassalos europeus serão os ucranianos, que verão o exército russo passar a uma velocidade superior na Ucrânia, onde até agora se contentou em mordiscar o território sem recorrer à artilharia pesada - em proporção ao formidável poder de fogo da Rússia". É este o objectivo pretendido pela Casa Branca: a reactivação do conflito russo-ucraniano numa escala sem precedentes de derramamento de sangue e destruição. E as gesticulações belicosas e as elucubrações bélicas de Macron foram provavelmente sugeridas por Washington para atiçar as chamas do conflito russo-ucraniano. Para reavivar a máquina de guerra russa na Ucrânia até à sua exaustão.
Hoje, só Washington está a colher os benefícios da guerra russo-ucraniana, sem disparar um único tiro. Excepto através dos seus mercenários ucranianos e dos jihadistas do Daech. Entretanto, Moscovo está em chamas. E durante muito tempo. Para grande benefício dos Estados Unidos.
Khider Mesloub
1) Chroniques contre la guerre generalisée en cours,
Éditions L'Harmattan, 2022.
Fonte : La Russie entraînée par les États-Unis dans une guerre d’attrition et de
perdition – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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