De facto, o problema
que a linguística enfrenta hoje é um problema de constrangimento institucional.
A linguística não é uma actividade que sirva a produção económica e é, em
muitos aspectos, altamente ideológica. Nos domínios da medicina ou da biologia,
há motivações muito complexas, mas há também estímulos que orientam a
investigação. Mas, no caso da linguística, foram quase sempre factores externos
que levaram ao seu desenvolvimento. Nalguns casos, são a religião ou a
filosofia. Noutros casos, é o imperialismo.
(Antoine Culioli, Seminário de 1976)
YSENGRIMUS — Vou resumir aqui de
forma muito clássica, em doze teses, o programa de linguística dialéctica, seis
ontológicas e seis gnoseológicas.
1. O mundo objectivo é anterior à nossa consciência dele.
Isto é apenas um truísmo na aparência. Os desvios argumentativistas e
pragmatistas, por um lado, e os desvios logicistas, por outro, tendem a fazer
esquecer a referência ao mundo objectivo em toda a sua complexidade,
substituindo-o insidiosa e vergonhosamente por "mundos possíveis" ou
por uma verdade publicitária livre do equilíbrio de forças entre
subjectividades hipostasiadas que são individualismos que não dizem o seu nome.
2.
A realidade é infinitamente
polimorfa. Esta posição opõe-se ao escolasticismo dos modelos, ao qual os
epígonos só podem responder através da casuística e do bizantinismo. Recusa
também a sobreposição de uma (hipóstase) ou várias
(ecletismo) facetas do objecto. Põe mesmo em causa a pertinência científica do
modelo.
3.
O objecto concreto tem primazia
sobre a ciência que pretende dar conta dele. Inverter esta relação é cientismo.
Para referir e interagir, mexemos na linguagem porque a vemos como um organon,
sem complexos (e, no caso dos puristas, com complexos). Para dar conta da
linguagem, mexemos na teoria-organon. A posição oposta é mexer na linguagem
para a forçar a entrar no leito teórico procrusteano.
4.
A verdade é local. Isto significa
que a análise concreta do objecto concreto é essencial. Os estudos linguísticos
que melhor envelhecem são as monografias, enquanto a linguística
teórica está a tornar-se cada vez mais senil (cf. a obsolescência sucessiva da Gramática
Generativa Transformacional).
5.
O generalizável está no particular.
A linguagem é apreendida na e pela diversidade das línguas naturais e das
situações sobredeterminadas de interacção enunciativa. Tal como a procura do
generalizável, o empírico opõe-se ao empirismo: não pode haver
prática sem teoria.
6.
A essência da realidade resume-se a relações,
ou seja, a contradição como identidade e auto-desdobramento. As contradições
passam de uma para a outra. O estruturalismo e o seu equivalente heurístico, a
taxonomia, são inaplicáveis. Não estamos a trabalhar numa linguística de
estados, mas numa linguística de operações de interacção e de referenciação.
7.
Não existe um problema insolúvel ou
uma realidade incognoscível. Para já, há apenas incógnitas e,
sobretudo, problemas mal colocados. É esta a nossa resposta ao agnosticismo(pseudo-objectivismo
individual). Dizer que o conteúdo gramatical das estruturas profundas é
incognoscível impede-nos de perguntar se a estrutura profunda é de facto
constituída por um conteúdo gramatical... ou mesmo de perguntar se vale a pena
falar de estruturas profundas.
8.
As hipóteses não são convenções. São verdades. Verdades parciais,
inscritas na sócio-historicidade. São apostas. A neutralidade do
investigador é, portanto, uma ilusão, e o trabalho teórico é inseparável da
tomada de partido. O operador Iota é formal e pouco arriscado, a fléchage
(reserva - NdT) é uma hipótese aberta à crítica.
9.
Não existe uma teoria acabada,
porque o conhecimento exaustivo de um objecto tende para ele como uma curva
para a sua assímptota. O movimento da historicidade no pensamento teórico
funciona como uma sobre-sunção das realizações anteriores, que
nos obriga sempre a rever tudo de alto a baixo. Trata-se de uma resposta ao dogmatismo
(subjectivismo colectivizado) em que o marxismo, que inicialmente lutou contra
o agnosticismo (Engels-Lenine), caiu sob a pressão da história (Lyssenko/Estaline),
mas de que os linguistas não estão isentos.
10. O conhecimento é um reflexo da
realidade. Esta é complexa e muitas vezes mal interpretada, se não mesmo
sabotada. Assim, o pensamento burguês trata a "velha tese leninista da
reflexão" como um cão morto, sem se aperceber de que está a projectar nela
a sua própria concepção de reflexão: a reflexão num espelho de casa de banho,
ou seja, a contemplação individual passiva. Mas esta é uma actividade
colectiva. Isto tem implicações para os linguistas: compare-se o
linguista de escritório que forma exemplos fictícios no seu gabinete com aqueles
que constroem corpora e interrogam informadores.
11. O critério fundamental para avaliar a adequação do
conhecimento ao objecto é a prática. A riqueza e a profundidade
desta posição no que respeita ao conhecimento das línguas. A prática não se
reduz ao utilitarismo, mas sobrepõe-se a ele na sua totalidade.
12. A relação com o conhecimento prévio é fundamentalmente
uma relação crítica (auto-crítica). A crítica de uma teoria é por vezes
atenuada a partir de dentro sob a forma de uma estratégia escolástica, ou a
partir de fora nos compromissos tácticos do ecletismo. Há um elemento de
verdade em cada teoria, e o erro consiste muitas vezes em tomar
como absoluto o que é relativo, em hipostasiar uma tendência local... em tomar
o cosmos pelo universo ou o modelo pelo objecto.
Dialectar a linguística é também negá-la.
De facto, quando pensamos na energia feroz que a burguesia quebequense investiu
para manter a sua língua - o francês dos seminários e da televisão - sob o
pretexto de que é uma minoria no continente norte-americano, em detrimento dos
vernáculos falados neste vasto território pela maioria das pessoas e relegados
para o estatuto de vulgaridade, idiotice ou folclore, acabamos por dizer a nós
próprios que a língua, em última análise, não é grande coisa...
Das páginas
861-864 de :
LAURENDEAU, Paul (1986), Pour une linguistique dialectique – Étude de l'ancrage et
de la parataxe énonciative en vernacular québécois, Thèse de doctorat
dactylographiée, Université de Paris VII, 917 p.
Fonte : Douze thèses pour une linguistique dialectique – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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