sábado, 31 de maio de 2025

O Fascismo no século XXI

 


O Fascismo no século XXI

31 de Maio de 2025 Robert Bibeau

Por Ali Ben Dris

Texto de Ali Bendriss, camarada argelino em França, aposentado, ex-sindicalista do sector de construção da CGT que acabou por o excluir.


GAZA: A humanidade nas garras dos animais-humanos.

Para lá das ruínas fumegantes de Gaza, um horror silencioso e um sentimento de impotência envolvem aqueles que ainda se recusam a ceder à indiferença. Isto não é uma guerra. Já nem sequer é um castigo colectivo. Trata-se de um esmagamento programado, de uma obliteração metódica, de um empreendimento de erradicação tornado legível pela transparência dos seus métodos e pela coerência das suas justificações.

Um genocídio racionalizado e digerido pelos media.

Talvez seja necessário inventar outra palavra para substituir “genocídio”, uma vez que esta última, por força do seu uso cerimonial, parece incapaz de descrever a barbárie nua e crua que se abate sobre a população de Gaza.

A Faixa de Gaza já não é uma prisão a céu aberto, como se diz muitas vezes. Tornou-se uma reserva, não no sentido ecológico, mas no sentido colonial. Uma zona de excepção onde o extermínio do Outro não suscita mais do que cansaço diplomático, indignação ritualizada e reportagens higienizadas.

De que outra forma se pode descrever o horror quando as bombas atingem hospitais, ambulâncias e campos de refugiados? Quando a electricidade é cortada, a água contaminada, o abastecimento de alimentos bloqueado? Quando as crianças são mutiladas e as suas mães se vêem obrigadas a apanhar os seus membros carbonizados em sacos de plástico?

E, sobretudo, quando tudo isto é justificado, legitimado e tornado inteligível por um aparelho político e mediático ocidental que, sob o pretexto de defender a entidade sionista, encobre um projecto colonial até à exaustão?

A este nível de violência, já não é apenas o exército israelita que actua. Trata-se de um Estado animalizado, movido por uma vontade de aniquilação que desafia tanto o direito internacional como o direito humano ou mesmo divino.


Benjamin Netanyahu e os seus aliados já não estão a gerir um conflito. Fazem parte de uma temporalidade messiânica, em que a eliminação de Gaza se torna o culminar de uma fantasia colonial que faz parte do projecto sionista desde o seu início: “um território sem povo para um povo sem território”.

Nesta reserva, a hierarquia antropológica inverte-se: aqueles que matam, mutilam e arrasam bairros inteiros conservam o privilégio da humanidade, da racionalidade e da segurança. Os que choram, gritam, fogem e morrem (mulheres, crianças, idosos) são relegados para as margens da humanidade. Não matamos pessoas, dizemos nós: eliminamos os terroristas, neutralizamos os alvos, reduzimos os “danos colaterais”.

A própria linguagem faz parte desta desumanização planeada.

Nesta lógica, a referência ao reino animal não é uma provocação. Torna-se uma grelha de análise. Mas também ela precisa de ser virada do avesso. Os leões do Serengeti e as hienas do Masai Mara só matam para se alimentar. Não exterminam a sua própria espécie. Não bombardeiam as suas tocas. O que estamos a ver em Gaza é a emergência de um novo tipo de figura: o animal-humano, esse ser biologicamente semelhante mas moralmente alterado, que mata sem necessidade, sem remorsos, com a frieza de um algoritmo militar e a convicção de uma cruzada.


A monstruosidade aqui não é instintiva. É racional. Calculada. Programada.

Mas o que seriam estes assassinos sem os sistemas que os tornam possíveis, ou mesmo necessários? Seria demasiado simples (e demasiado cómodo) ver nesta carnificina apenas o resultado da brutalidade israelita. Os cúmplices são muitos. Têm assento nas chancelarias, escrevem nos grandes jornais e ensinam nas universidades. São os redactores de editoriais que descartam qualquer crítica a Israel como suspeita de anti-semitismo. São os diplomatas que se escondem atrás da ambiguidade da lei. São os intelectuais que relativizam, contextualizam e anestesiam.

Temos de ousar dizer que esta guerra não é entre forças iguais. Coloca uma potência nuclear (porta-aviões dos EUA e da NATO) contra uma população sitiada. Não se desenrola numa zona cinzenta. Decorre à vista das câmaras, no meio de um turbilhão de análises frágeis, condenações vazias e justificações vergonhosas. Não suscita a reacção internacional que deveria suscitar, não por falta de provas, mas por excesso de cumplicidade e de hábito.

Por isso, não contem com o direito internacional: está em coma diplomático. Não contem com a ONU: ela chora os seus relatórios no vazio. Não contem com as democracias ocidentais: trocaram a sua bússola moral por acordos militares.

Em Gaza, não é apenas a vida que está a ser destruída. É a própria possibilidade de viver como um ser humano. É a nossa capacidade colectiva de reconhecer a dor dos outros como uma dor semelhante à nossa. Enquanto esta capacidade continuar a ser sufocada pela geo-política, pela memória selectiva e pelo racismo de Estado, continuaremos a viver num mundo dividido: de um lado, os plenamente humanos, protegidos e ouvidos; do outro, os que podem ser exterminados sem que o mundo trema. E a História também não esquecerá esta divisão.

É por isso que não nos podemos contentar com lágrimas tépidas, nem escondermo-nos atrás da ilusão de um equilíbrio entre opressor e oprimido. Não. Temos de dizer as palavras.

Todas as palavras.

O que está a acontecer em Gaza é uma infâmia. Uma desgraça histórica. Um genocídio, um crime contra a humanidade transmitido em directo, com legendas e banda sonora. E cada dia de silêncio, cada dia de ambiguidade, é mais uma mancha no nosso tempo.

Numa era de vigilância total, de feeds digitais instantâneos e de satélites que varrem todos os cantos do mundo, ninguém pode dizer “eu não sabia”.

Por isso, o silêncio é uma escolha. E aqueles que se calam estão deliberadamente do lado dos carrascos...

Mas um dia terá de haver uma Nuremberga do século XXI para julgar os filhos da Shoah que traíram a memória dos seus pais e os seus cúmplices ocidentais que, por cinismo ou cobardia, deixaram que isso acontecesse.

Ali Ben Dris

 https://ancommunistes.fr/spip.php?article7955

 

Fonte: https://les7duquebec.net/archives/300116?jetpack_skip_subscription_popup#

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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