Os Condenados da Terra
20 de Maio de 2025 Robert Bibeau
RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com www.madaniya.info.
Os Novos Condenados da Terra
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A Equipa Editorial
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10 de Março de 2025
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em Actualités
Última atualização em 17 de Março de 2025
Cortesia da revista Golias (publicada no Golias Hebdo nº 838 de 22 a 28 de
Agosto de 2024). Veja https://www.golias-editions.fr/https://www.golias-editions.fr/
Um estudo publicado na revista Nature faz
o balanço das desigualdades de trabalho e de remuneração no mundo. Revela que
os países do Norte beneficiam colectivamente de inúmeras horas de trabalho muito
mal pago nos países do Sul. Uma condenação severa após 30 anos de mundialização.
Os confinamentos dos anos 2020 e 2021 mostraram a amplitude da produção realizada pelos países do Sul, desde os produtos de baixa tecnologia, como as máscaras cirúrgicas, até aos produtos de ponta, como os componentes electrónicos. A Ásia tornou-se a fábrica do mundo, com a China a produzir sozinha 30% dos produtos manufacturados do mundo, em conformidade com a sua estratégia de desenvolvimento e de autonomia estratégica.
O reverso desta nova ordem pode ser visto nos protestos dos trabalhadores e trabalhadoras destas potências industriais do Sul, como a actual greve dos assalariados do enorme conglomerado coreano Samsung, que opera nos sectores da telefonia móvel, da construção, da venda a retalho, da energia nuclear e da construção naval. O movimento de protesto, que envolve tanto os trabalhadores de colarinho azul como os de colarinho branco, é histórico, dada a reputação da empresa pela sua tradicional política anti-sindical. As greves dos operários têxteis, cujas imagens passam regularmente nos ecrãs da televisão francesa, são ainda mais conhecidas.
Em setembro de 2010, por exemplo, dezenas de milhares de trabalhadores desta indústria entraram em greve no Cambodja para exigir melhores salários, paralisando 10% do sector local. Alguns anos mais tarde, outro movimento de protesto desenvolveu-se no mesmo país e no mesmo sector, que emprega uma maioria de mulheres que fazem longas horas extraordinárias para tentar compensar o miserável salário por hora que recebem. Desta vez, pelo menos duas pessoas foram mortas durante a repressão. Estas revoltas são frequentes nos países do Sul, seja no Vietname ou, mais recentemente, no final de 2023, no Bangladesh.
Neste último caso, apesar de uma paralisação de três semanas do sector, o movimento terminou com a recusa de quase todos os contratantes ocidentais de encorajar os seus fornecedores locais a pagar melhores salários.
Uma equipa de académicos quantificou o número de horas trabalhadas no Sul que beneficiam o Norte através da estrutura desigual do comércio em benefício dos países ricos. Pela primeira vez, este estudo analisou também os salários e os níveis de qualificação para cada sector de actividade. A equipa de investigadores foi dirigida pelo antropólogo britânico Jason Hickel e foi publicada no final de Julho na revista Nature.
“Avaliamos este fenómeno empiricamente, medindo o fluxo de mão de obra incorporada na economia mundial de 1995 a 2021, tendo em conta os níveis de competências, os sectores e os salários”, explica Jason Hickel.
20% dos salários para 90% do trabalho realizado
Em 2021, o último ano para o qual existem dados disponíveis, as economias do Norte apropriaram-se de 826 mil milhões de horas de trabalho dos países do Sul, “em todos os níveis de competências e sectores”. No mesmo ano, esta mão de obra importada de forma invisível representou 46% do consumo total de mão de obra no Norte. Esta quantidade de trabalho representa um valor salarial de 16.900 mil milhões de euros a preços correntes no Norte. “Esta apropriação duplica, grosso modo, a mão de obra disponível para consumo no Norte, mas priva o Sul de uma capacidade produtiva que poderia ser utilizada para as necessidades humanas e o desenvolvimento local”, lamenta a equipa de investigação.
Esta apropriação é possível graças a desigualdades salariais abismais. “Verificamos que os salários no Sul são 87% a 95% mais baixos do que os do Norte para um trabalho de igual competência”, continuam os académicos, acrescentando: “Enquanto os trabalhadores do Sul contribuem com 90% do trabalho que alimenta a economia mundial, recebem apenas 21% do rendimento mundial”. Estes são os dois números que resumem a situação do comércio mundial e nos incitam a questionar o modelo económico dominante, tanto mais que os autores do estudo também demonstraram que as diferenças salariais aumentaram ao longo das décadas estudadas.
O estudo contradiz uma outra ideia difundida pelos defensores da mundialização entusiasmada: a de que as diferenças salariais não podem ser explicadas pela presença de mão de obra qualificada e altamente qualificada no Norte e de uma massa de mão de obra não qualificada no Sul. Não é de todo o caso!
Desde 1995, a contribuição do Sul para a produção mundial não pára de aumentar em todas as categorias de qualificações, nomeadamente na categoria dos trabalhadores altamente qualificados. Nesta última categoria, a contribuição dos países do Sul passou de 66% do total mundial em 1995 para 76% em 2021. “O Sul contribui agora mais para a economia mundial em termos de mão de obra altamente qualificada (1124 mil milhões de horas em 2021) do que todas as contribuições de mão de obra altamente, média e pouco qualificada do Norte global combinadas (971 mil milhões de horas em 2021)”, salienta a equipa de investigação.
O estudo mostra que o desenvolvimento dos países ricos se baseia, de facto, numa economia de predação, que impossibilita os países pobres de “recuperar o atraso” em relação aos países do Norte. O desenvolvimento social e a erradicação da pobreza, bem como uma trajectória plausível de redução da desigualdade mundial, “requerem uma mudança no equilíbrio de poder entre o Norte e o Sul, para que o Sul possa recuperar a sua capacidade produtiva para satisfazer as necessidades humanas”, sublinha Jason Hickel. Para alterar a relação de forças, uma série de medidas está já a ser estudada por académicos de vários países. O repertório de instrumentos inclui a criação de salários mínimos internacionais. Da mesma forma, deveriam ser introduzidos preços mínimos para os recursos. A combinação destas redes, abaixo das quais as transacções não poderiam ter lugar, poderia “ajudar a reduzir as desigualdades de preços e limitar a transferência de valor” do Sul para o Norte.
Um novo movimento anticolonial
As desigualdades entre países pobres e países ricos exigem também o fim das políticas de ajustamento estrutural impostas por estes últimos aos primeiros através do FMI e do Banco Mundial. Isto, por sua vez, exige a democratização das instituições internacionais que dirigem a economia mundial, que actualmente representam sobretudo os interesses dos países do Norte, liderados pelos Estados Unidos. Para que os interesses dos países pobres sejam melhor tidos em conta, é preciso dar aos governos do Sul a liberdade, actualmente recusada pelos países do Norte, de aplicar políticas industriais, fiscais e monetárias com o objetivo de “prosseguir um desenvolvimento soberano e reduzir a sua dependência dos capitais do Norte”. Uma perspectiva que os governos dos países ricos e as grandes multinacionais sempre rejeitaram. Para os autores do estudo, mudar as regras do jogo da economia mundial exige uma “luta política (...) a uma escala semelhante à do movimento anti-colonialista do século XX”.
Ilustração
REUTERS/Samuel Rajkumar
Fonte: https://les7duquebec.net/archives/299950?jetpack_skip_subscription_popup#
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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