sábado, 11 de fevereiro de 2023

A China quer que o cavalo "russo" saia por cima no confronto com a Ucrânia, mas daqui a algum tempo

 

 11 de Fevereiro de 2023  Robert Bibeau 

Duas teses se confrontam entre os apoiantes russófilos da guerra EUA-NATO na Ucrânia contra a Rússia, o aliado condicional da superpotência chinesa. Há a tese dos apoiantes incondicionais de Vladimir Putin que proclamam a unidade inabalável dos dois aliados asiáticos (China – Rússia) que, acreditam firmemente, vencerão este confronto. Há a tese daqueles que acreditam que a Rússia se envolveu sozinha no vespeiro ucraniano. Segundo eles, a China mantém uma atitude moderada – quase neutra – neste caso e a potência chinesa gostaria, na sua opinião, de um empate entre a Ucrânia e a Rússia... Por outras palavras, uma derrota do aliado russo. Esta segunda tese teve origem no Washington Post e é retomada por alguns analistas russófilos, incluindo Andrew Korybco no artigo abaixo que vamos analisar. Da nossa parte, acreditamos que a guerra na Ucrânia está directamente em consonância com a dinâmica da guerra multimodal, multiplataforma e total que a superpotência americana em declínio está a travar contra a "emergente" superpotência chinesa. Esta guerra geo-localizada na Europa, onde se concentram a maioria dos cúmplices e amigos dos EUA, visa enfraquecer o principal aliado da China, o seu fornecedor de energia e matérias-primas, a fim de completar o cerco à China e preparar as condições de guerra para Taiwan no Pacífico, onde o confronto final terá lugar. A vitória da Rússia é vital para a sobrevivência da "Rússia Santa" e indispensável para o Reino do Meio (China) nos seus preparativos para a guerra contra a Aliança Atlântica-NATO. 



 Andrew Korybko – 2 de Fevereiro de 2023. No The Washington Post enganou-se: a China não quer um vencedor na Ucrânia| O Saker Francophone  

Washington Post publicou um artigo de opinião no início desta semana por Max Boot declarando que "Xi Jinping não quer estar do lado dos derrotados na Ucrânia". Ele acredita, e com razão, que a República Popular prossegue uma política equilibrada em relação ao conflito ucraniano, na qual não apoia formalmente um lado ou outro, mas está errado em concluir que isso se deve ao facto de querer estar do lado vencedor. Na realidade, a China não quer que ninguém ganhe na Ucrânia. (sic)

Inicialmente, os EUA procuraram a "contenção" da Rússia em vez da China, porque previu erradamente que Moscovo iria capitular face à chantagem estratégica de Washington através da Ucrânia ou entrar em colapso rapidamente devido a uma guerra por procuração e sanções sem precedentes se interviesse militarmente para defender os seus interesses neste país. Em ambos os casos, esperava-se que a Rússia não fosse capaz de servir de válvula de pressão para a China como parte da campanha de pressão máxima que o bloco ocidental liderado pelos EUA estava a preparar contra ela.

Este conjunto de grandes resultados estratégicos teria permitido aos Estados Unidos reafirmar com êxito a sua hegemonia unipolar em declínio sobre as relações internacionais, atrasando assim indefinidamente a transicção sistémica mundial para a multipolaridade. No entanto, tudo se descontrolou, porque a Rússia não entrou em colapso no último ano, como os Estados Unidos previram. Pelo contrário, Kiev alerta para outra grande ofensiva num futuro muito próximo e o New York Times (NYT) acaba de admitir que as sanções falharam. (Não há "transição" para a "multipolaridade", um conceito cunhado pela China para desculpar a sua erupção espontânea como uma superpotência no palco internacional... )

A resistência da Rússia criou um dilema estratégico para os Estados Unidos, uma vez que o seu complexo militar-industrial (MIC) não consegue manter o ritmo, a escala e o alcance do apoio armado a Kiev sem que os países da NATO esgotem perigosamente as suas reservas abaixo do limiar mínimo necessário para manter a sua segurança nacional. Além disso, a perpetuação indefinida desta guerra por procuração consumiria quantidades incalculáveis de equipamento militar que poderiam ser usados para "conter" mais eficazmente a China no futuro. De facto... 

Esta é a razão pela qual a China prefere que o conflito dure o máximo possível sem um vencedor indiscutível, uma vez que isso degrada as capacidades militares do bloco ocidental e impede-os de serem dirigidos contra os seus interesses regionais na Ásia-Pacífico. Neste sentido, Pequim está relutante em dar um apoio significativo a Moscovo, porque a vitória do Kremlin poria fim ao cenário de uma guerra por procuração indefinida que serve os interesses da China, como acaba de ser explicado... que abandona os interesses da Rússia, que está esgotada (militarmente pelo menos) e corre o risco de ser um pobre aliado durante o grande confronto de Taiwan. 

No entanto, a China também não quer ver a Rússia perder pela razão acima referida, nomeadamente que o Bloco Ocidental garanta que o seu vizinho não sirva de válvula de pressão para Pequim como parte da campanha de pressão máxima que o bloco está a preparar nesta nova Guerra Fria. Até ao momento, não há nenhuma indicação credível de que este cenário ocorra, especialmente tendo em conta a robustez global da resistência económica, militar e política da Rússia, apesar da pressão sem precedentes... Não acreditamos que a humanidade de 2023 esteja a embarcar numa nova Guerra Fria... no meio de uma guerra mundial. 

No entanto, no caso extremamente improvável de uma mudança decisiva na dinâmica estratégica contra a Rússia, espera-se que a China forneça um apoio mais significativo a Moscovo, a fim de evitar o colapso do seu vizinho e, assim, continuar a perpetuar esta guerra por procuração para o propósito que acaba de ser explicado. Uma vez que isso ainda não aconteceu e provavelmente nunca acontecerá, a China não vê qualquer interesse em dar à Rússia uma vantagem estratégica militar decisiva sobre o Bloco Ocidental, o que poderá desencadear também sanções incapacitantes contra ela.

É por isso que a República Popular está a cumprir tacitamente as sanções anti-russas dos EUA, tal como o Presidente Biden disse em Setembro passado, que não foi publicamente refutada por responsáveis chineses ou russos, como seria de esperar se tivesse dito uma mentira flagrante. Além disso, recentemente começou a explorar seriamente os parâmetros de uma nova détente com os EUA, a fim de normalizar as relações e atrasar – ou mesmo neutralizar – o seu plano de "contenção" anti-China. Adiar o plano de contenção sim é possível, mas neutralizar este plano é utópico. Como explicamos num artigo e como explica Emmanuel Todd aqui a III Guerra Mundial já começou  https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2023/02/a-3-guerra-mundial-comecou-escalada-na.html  

Não existe a chamada "aliança sino-russa", ao contrário do que o intelectual indiano C. Raja Mohan afirma no seu mais recente artigo de opinião, mas também não existe uma aliança sino-americana emergente. Pelo contrário, o que está a acontecer é que a República Popular está a tentar encontrar um equilíbrio hábil entre a Rússia e os Estados Unidos, a fim de aliviar ao máximo a pressão sobre ela das crises em cascata dos últimos anos que descarrilou a sua trajectória de superpotência... múltiplos acordos, tratados militares, associações e parcerias testemunham a aliança da China e as suas Novas Rotas da Seda com a Rússia e os estados do Médio Oriente e do Oriente https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2023/02/o-relogio-do-fim-do-mundo-foi-mudado-90.html  e  https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2022/08/samarkand-numa-encruzilhada-de-timur-ao.html  

A China precisa de acesso confiável a recursos russos com desconto para continuar o seu boom econômico, com essa confiabilidade ameaçada pela improvável derrota da Rússia no conflito da Ucrânia, quando os descontos acima mencionados evaporariam no caso de uma vitória indiscutível da Rússia.. Da mesma forma, a China precisa que os EUA permaneçam militarmente atolados na "contenção" da Rússia na Europa, a fim de aliviar a pressão que exerce sobre ela na Ásia-Pacífico, daí a nova détente destinada a reduzir a percepção de ameaça colocada pela ascensão da China.

Ao funcionar como uma das válvulas da Rússia contra a pressão de sanções do Ocidente por meio do aumento do consumo das exportações de recursos com desconto de Moscovo, enquanto se abstém de fornecer apoio significativo à sua operação especial, a China está a avançar na dimensão russa da sua grande estratégia. Da mesma forma, ao abster-se de fornecer o apoio mencionado na negociação de uma nova détente com os Estados Unidos, a China também está a promover a dimensão americana dessa estratégia.

Para ser bem claro, para que as ideias partilhadas até agora nesta análise não sejam mal compreendidas, não estão envolvidos juízos de valor nesta grande estratégia maquiavélica da China que acaba de ser descrita. Todos os países devem, com razão, dar prioridade aos seus objectivos nacionais, tal como concebidos pelos seus dirigentes, que é precisamente o que a República Popular faz. Os meios através dos quais avança esses mesmos interesses são, sem dúvida, os mais eficazes no complexo contexto mundial.

Os observadores devem ter em mente este modus operandi e as motivações que lhe estão associadas se aspirarem sinceramente a analisar a grande estratégia da China com a maior precisão possível. Algumas forças, tanto dentro da comunidade mediática alternativa como mainstream, têm um interesse investido em retratar falsamente a Rússia e a China como aparentemente inevitáveis "aliados" ou "rivais", ambos desorientados. A realidade é que cooperam de perto sempre que é mutuamente benéfico (ganhador-ganhador diria Xi), mas não vão muito além disso.

Andrew Korybko

Traduzido por Wayan, revisto por Hervé, para o Saker Francophone

 

Fonte: La Chine souhaite que le cheval « russe » sorte gagnant de l’affrontement en Ukraine mais dans quelque temps – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




 

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