10 de Fevereiro
de 2023 Robert Bibeau
Por Mike Withney. Em Ucrânia afunda-se. As
elites ocidentais estão a lidar com isso ?| Mondialisation – Centre
de Recherche sur la Mondialisation
O que torna o mais recente relatório da RAND Corporation sobre a Ucrânia tão importante não é a qualidade da análise, mas o facto de o mais prestigiado grupo de reflexão de segurança nacional do país ter tomado uma posição oposta à da classe política de Washington e dos seus aliados mundialistas na guerra. Isto é muito importante. Lembre-se que as guerras não acabam porque o público se opõe a elas. Isso é um mito. As guerras terminam quando uma clivagem crítica surge entre as elites, o que acaba por conduzir a uma mudança de política. O novo relatório da RAND Corporation, "Evitar uma Longa Guerra: A Política dos EUA e a Trajectória do Conflito Rússia-Ucrânia", representa precisamente esta ruptura. Diz que as elites poderosas quebraram a opinião dominante porque acreditam que a atual política está a prejudicar os Estados Unidos. Acreditamos que esta mudança de perspectiva ganhará força até que desencadeie uma procura mais forte de negociações. Por outras palavras, o relatório RAND constitui o primeiro passo para pôr fim à guerra.
Considere, por um minuto, este excerto do preâmbulo do relatório:
« Os custos e os riscos de uma longa
guerra na Ucrânia são significativos e superam os possíveis benefícios de tal
trajectória para os Estados Unidos. ».
Esta citação resume
efectivamente todo o documento. Pense nisto: Durante os últimos 11 meses,
foi-nos dito repetidamente que os EUA apoiarão a Ucrânia "o tempo que for
preciso". A citação acima assegura-nos que isto não vai acontecer. Os EUA
não prejudicarão os seus próprios interesses para perseguir o sonho inatingível
de expulsar a Rússia da Ucrânia. (Mesmo os falcões já não acreditam que isto
seja possível). Os membros racionais do establishement da política externa irão
pesar as perspectivas de sucesso da Ucrânia contra a crescente probabilidade de
o conflito sair do controlo. É claro que isto não serviria os interesses de
ninguém e poderia desencadear um confronto directo entre a Rússia e os Estados
Unidos. Os decisores políticos americanos terão também de decidir se os
crescentes danos colaterais valem a pena. Por outras palavras, será a ruptura
das linhas de abastecimento, o aumento da inflação, o aumento da escassez
energética e alimentar e a diminuição dos stocks de armas um justo retorno para
"enfraquecer a Rússia"? Muitos diriam: "Não".
De certa forma, o relatório RAND é apenas o primeiro de muitos dominós em queda. À medida que as perdas no campo de batalha da Ucrânia aumentam - e à medida que se torna mais claro que a Rússia controlará todo o território a leste do Dnieper - as falhas na estratégia de Washington tornar-se-ão mais evidentes e mais severamente criticadas. As pessoas questionarão a sabedoria das sanções económicas que prejudicam os nossos aliados mais próximos ao mesmo tempo que ajudam a Rússia. Irão perguntar porque é que os Estados Unidos estão a seguir uma política que precipitou uma forte mudança em relação ao dólar e à dívida americana. E irão perguntar por que razão os EUA sabotaram deliberadamente um acordo de paz em Março, quando a probabilidade de uma vitória ucraniana está próxima de zero. O relatório Rand parece antecipar todas estas questões e a 'mudança de humor' que elas irão gerar. É por isso que os autores apelam à negociação e a um rápido fim do conflito. Aqui está um extracto de um artigo publicado na RT:
« A RAND Corporation, um grupo de reflexão sobre segurança nacional de elite e altamente influente, financiado directamente pelo Pentágono, emitiu um relatório de referência alegando que a prolongada guerra por procuração está a prejudicar activamente os Estados Unidos e os seus aliados e avisando Washington para evitar um "conflito prolongado" na Ucrânia. (...)
(O relatório) começa por afirmar que os combates representam "o conflito interestatal mais significativo em décadas, e que a sua evolução terá consequências importantes" para Washington, incluindo prejudicar activamente os "interesses" dos EUA. O relatório deixa bem claro que embora os ucranianos tenham liderado os combates, e as suas cidades tenham sido "arrasadas" e a sua "economia dizimada", estes "interesses" não são "sinónimos" com os de Kiev. ("Rand apela ao fim rápido da guerra", RT)
Embora o relatório não declare explicitamente que "os interesses dos
EUA (são) prejudicados", infere certamente que é esse o caso. Não
surpreendentemente, o relatório não menciona nenhum dos danos colaterais da
guerra de Washington contra a Rússia, mas certamente os autores devem ter
pensado nisso primeiro. Afinal, não são os 100 mil milhões de dólares ou o
fornecimento de armas letais que estão a custar tanto aos EUA. É a emergência
acelerada de coligações internacionais e instituições alternativas que colocou
o império americano no caminho rápido da ruína. Assumimos que os analistas RAND
vêem as mesmas coisas que qualquer outro ser senciente, que a conflagração mal
orientada de Washington com Moscovo é uma "ponte demasiado longe" e
que a reacção negativa vai ser imensa e excruciante. Daí a urgência de acabar
rapidamente com a guerra. Aqui está um excerto do relatório que foi afixado em
tipo negrito no meio do texto:
« Uma vez que evitar uma longa guerra é a prioridade
máxima depois de reduzir os riscos de escalada, os EUA devem tomar medidas que
tornem mais provável que o conflito acabe a médio prazo. ».
Curiosamente, embora o
relatório detalhe os principais riscos de escalada (os principais riscos são
uma guerra mais ampla com a NATO, o derrame do conflito noutros países da UE e
a guerra nuclear), não explica por que razão uma "guerra longa" seria
tão prejudicial para os EUA. Consideramos que esta omissão é intencional e que
os autores não querem admitir que o recuo das sanções e a formação de
coligações estrangeiras anti-americanas minam claramente os planos dos EUA de
manter o seu controlo sobre o poder mundial. Entre as elites, tal discurso é
proibido. Eis como Chris Hedges resume num artigo do Consortium
News:
« O plano de remodelação da Europa e do equilíbrio mundial de poder, degradando
a Rússia, acaba por ser o plano falhado para remodelar o Médio Oriente.
Alimenta uma crise alimentar mundial e devasta a Europa com uma inflação de
dois dígitos. Sublinha a impotência, mais uma vez, dos Estados Unidos e a
falência dos seus oligarcas no poder. Como contrapeso para os Estados Unidos,
nações como a China, a Rússia, a Índia, o Brasil e o Irão estão a romper com a
tirania do dólar como moeda de reserva mundial, o que irá desencadear uma
catástrofe económica e social nos Estados Unidos. Washington está a dar à
Ucrânia sistemas de armamento cada vez mais sofisticados e milhares de milhões
de dólares em ajuda numa tentativa fútil de salvar a Ucrânia, mas, mais
importante, para se salvar." ("Ucrânia — A Guerra
Que Correu Mal", Chris Hedges, Consórcio News)
Hedges resume perfeitamente. A intervenção tola de Washington abre caminho
para a maior catástrofe estratégica da história dos EUA. No entanto, ainda
hoje, a grande maioria das elites corporativas e bancárias apoia resolutamente
a política existente, ignorando os sinais óbvios de fracasso. Um exemplo
concreto: o Fórum Económico Mundial publicou no seu site uma declaração geral
de apoio à Ucrânia. Ali está ela:
« A essência da nossa organização é a sua crença no
respeito, no diálogo e nos esforços colaborativos e cooperativos. Por
conseguinte, condenamos profundamente a agressão da Rússia contra a Ucrânia, os
ataques e as atrocidades.
Solidamente solidários com o povo ucraniano e com
todos aqueles que sofrem inocentemente desta guerra totalmente inaceitável.
Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para ajudar e apoiar activamente os
esforços humanitários e diplomáticos.
Esperamos apenas que , a longo prazo – a razão
prevaleça e que o espaço para a construção de pontes e reconciliação volte a
surgir. ». (Klaus Schwab e Børge
Brende, Fórum Económico Mundial)
Isto não deve surpreender ninguém. Naturalmente, os mundialistas estarão do lado da sua tripulação de destruição expansionista (OTAN) e não do maior defensor dos valores tradicionais, fronteiras e soberania nacional do mundo. Isto é evidente. Apesar disso, o relatório Rand sugere que o apoio à guerra já não é unânime entre as elites. E, uma vez que são as elites que acabam por definir a política, existe agora uma probabilidade crescente de que a política mude. Vemos esta "ruptura do consenso de elite" como a evolução mais positiva dos últimos 11 meses. A única forma de os EUA mudarem a sua abordagem na Ucrânia é se um número crescente de elites vier ao seu encontro e nos tirar da confusão. Esperamos que isto aconteça, mas não temos a certeza.
A secção menos persuasiva de todo o relatório está sob o título: "Compromissos americanos e aliados para a segurança da Ucrânia."
O problema é fácil de
compreender. Os autores querem chegar a acordo sobre um plano para garantir a
segurança da Ucrânia a fim de encorajar as negociações com a Rússia.
Infelizmente, a Rússia não permitirá que a Ucrânia faça parte de uma aliança de
segurança apoiada pelo Ocidente. De facto, foi por esta razão que a Rússia
lançou a sua invasão em primeiro lugar, para impedir a Ucrânia de aderir a uma
aliança militar hostil (NATO) ligada aos EUA. Esta é uma questão sensível que
será sem dúvida um obstáculo em qualquer negociação futura. Mas é uma questão
em que não pode haver "espaço de manobra". A Ucrânia - ou o que resta
dela - terá de ser sempre neutra e todos os extremistas de direita terão de ser
afastados do governo, do exército e dos serviços de segurança. Moscovo não escolherá
os líderes da Ucrânia, mas assegurará que eles não sejam nazis ou ligados a
qualquer organização nacionalista de extrema-direita.
O governo americano vai dividir-se em dois campos antagónicos?
Como dissemos anteriormente, acreditamos que o relatório RAND indica que as elites estão agora divididas sobre a questão da Ucrânia. Consideramos que se trata de uma evolução positiva que poderá conduzir a negociações e ao fim da guerra. No entanto, não devemos ignorar que mesmo a análise mais imparcial pode inclinar-se favoravelmente na direcção do grupo que financia. E isso também pode ser verdade aqui. Lembre-se que a RAND Corporation é um think tank apartidário que, de acordo com a ex-tenente-coronel Karen Kwiatkowski da Força Aérea dos EUA: "Trabalha para o establishement da defesa, e se o dinheiro se esgotar, o thinktank não existiria na sua forma actual. Serve e depende dos interesses do governo dos EUA." (Lew Rockwell)
Pode deduzir-se que o relatório RAND poderia representar as opiniões do
Pentágono e do establishement militar norte-americano, que acreditam que os EUA
estão a avançar a toda a velocidade no sentido de uma conflagração directa com
a Rússia. Por outras palavras, o relatório pode ser o primeiro ataque
ideológico aos neo-conservadores que dirigem o Departamento de Estado e a Casa
Branca. Acreditamos que esta divisão entre o Departamento de Guerra e o
Departamento de Estado se tornará mais visível nos próximos dias. Só podemos
esperar que a facção mais criteriosa do Pentágono prevaleça.
Mike Whitney
Artigo original em inglês:
A Ucrânia está a
afundar-se. As Elites Ocidentais estão a lidar com isso?
The Unz Review,
1 de Fevereiro de 2023
Tradução Réseau International
A fonte original deste artigo é The Unz Review
Copyright © Mike Whitney, The Unz Review, 2023
Fonte: L’Ukraine coule. Les élites occidentales s’en sortent-elles? – les 7 du quebec
Este artigo
foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
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