Capítulo 5
Marxismo, nacionalismo e lutas nacionais hoje
David Mcnally
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Nesta
secção do volume, reproduzimos o texto de David Mcnally, um militante canadiano
de esquerda que apresenta no “Marxismo, nacionalismo e lutas nacionais hoje”
uma excelente síntese da ideologia nacionalista esquerdista. Reproduzimos o
texto tal como foi publicado em 1996
como documento de discussão para O Novo Grupo Socialista, traduzido em francês
pelo Grupo A Esquerda. Ao longo do texto, apresentamos as nossas reflexões em
itálico, seguidas das letras NDLR.
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Primeira
Parte: o desafio do nacionalismo ao marxismo
1. O nacionalismo
domina a política mundial – e fá-lo com uma facilidade surpreendente. Abri não
importa que jornal, escutai as discussões no trabalho ou na escola, guardai ou
escutai não importa que emissão de notícias, examinai os cursos que se dão nas
universidades, e vereis que a divisão da população global em entidades nomeadas
nações é de maneira esmagadora tomada
em consideração. No momento em que escrevo estas linhas, os Jogos Olímpicos de
verão desenrolam-se em Atlanta. Todos os atletas destes Jogos são organizados
pelos Estados nações, representam o seu Estado, trazem a sua cor e a sua
bandeira. As medalhas ganhas por estes atletas pertencem ao seu país, são os
garantes da honra do seu país e do seu orgulho. Todos os dias, um quadro de
medalhas é aberto para cada nação e é difundido aos milhões de pessoas que
seguem este acontecimento.
Para a vasta maioria
das pessoas, não há nisso nada de bizarro, de insidioso ou de perigoso. Elas
dão por adquirido que são membros de um Estado nação, sentem-se orgulhosas
desta realização, sofrem quando a nação fica embaraçada ou humilhada
(lembramo-nos do caso Ben Johnson?). Raramente se diz, se é que isso tenha tido
lugar, que o sistema dos Estados nações é uma criação recente na história
humana, que a maior parte das sociedades humanas nunca teve um conceito de nação qualquer que ele seja, e
que a expansão do sistema dos Estados nações corresponde ao desenvolvimento
internacional do capitalismo. De mais a mais,muito raramente se acha no debate político o facto de que o sistema
do Estado–nação é a forma política que regula, controla e disciplina as pessoas
de maneira a facilitar a sua exploração pelo capital. A maior parte das vezes
vivemos num universo mental onde as discussões se conduzem em termos nacionais
– automóveis japoneses, aço canadiano, filmes americanos, atletas russos,
música jamaicana e assim sucessivamente – e fazem parte do senso comum que
organiza a nossa compreensão política e cultural do mundo. Mesmo a ascensão dos
nacionalismos étnicos virulentos – como os da ex-Jugoslávia ou os que matam
centenas de milhões de pessoas no Burundi ou no Ruanda actualmente, raramente
nos conduzem a questionar a ideia da nação ou o nosso próprio nacionalismo. De
modo esmagador examina-se o nacionalismo dos outros, que é visto como um
problema, e quase nunca o nosso.
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Que
há de extraordinário no facto de que, sob o modo de producção capitalista, a
ideologia burguesa seja dominante e cubra com a sua chapa de chumbo o conjunto
da sociedade e das classes sociais, de que controla a quase totalidade das
instituições e dos órgãos da comunicação social? Todavia contestamos a
afirmação do professor Macnelly no sentido de que o nacionalismo domina a
política mundial. O nacionalismo estiola-se docemente sob os assaltos das
actividades económicas internacionais do capital mundial. NDLR.
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2. Por todas estas
razões, o nacionalismo representa sem dúvida o maior desafio colocado ao
marxismo. “Os trabalhadores não têm pátria”, diziam Marx e Engels no Manifesto
Comunista. Neste espírito, o marxismo lançou o primeiro movimento
político que ensinou nos termos internacionais que procurava a emancipação da
humanidade à escala mundial e afirmava que a eliminação do Estado nacional era
o seu objectivo mais elevado. A Associação Internacional dos Trabalhadores
(mais conhecida como a Primeira Internacional), lançada em 1864, representava a
forma de organização que quadrava com esta concepção de um movimento político
internacional da classe operária. Mas durante quase todo o período de 150 anos
depois da publicação do Manifesto
Comunista houve um período durante o qual os movimentos da classe operária
tenderam (fora do interlúdio de 1917-23 ou perto disso) a tornar-se de maneira
cada vez mais esmagadora dominada pelo nacionalismo. Os movimentos operários
são quase todos organizações inteiramente nacionais. Pensam organizar os
trabalhadores de um dado país, tendo poucas preocupações com os seus irmãos e
irmãs de outros lados. Mais ainda: é que são dominados pelo nacionalismo:
tendem a sustentar os controlos das importações (e as outras formas de
proteccionismo nacional) a proteger os nossos empregos e o nosso modo de vida. Não será exagerado dizer que o nacionalismo de
esquerda é a ideologia dominante dos movimentos operários através do mundo.
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“ Sendo verídicas estas constatações, que
pensas delas? É preciso concluir que,
muito embora a classe operária
esteja desorientada – sem ideologia proletária revolucionária dominante
nas suas fileiras – sem organização proletária
influente, deverá baixar os braços e juntar-se ao nacionalismo burguês ,
às lutas de libertação nacional burguesa
para fazer sair a sociedade do
feudalismo e a fazer entrar no capitalismo e cumprir as duas revoluções
sucessivas como Lenine o propunha? Decerto que não, porque as duas revoluções
em cascata não são realizáveis, como o provam as revoluções russa, chinesa,
cubana e as outras. É preciso saber que estas análises pseudo-científicas da
economia política capitalista são falsas mesmo se os sindicatos, as
organizações de esquerda burguesa e os intelectuais esquerdistas as propaguem.
Cada revolucionário proletário deve
dedicar-se à tarefa e, em lugar de procurar encontrar entre esta
amálgama confusa esquerdizante a explicação mais “marxista “ –
frequentemente a mais dogmática –, deve
fazer um trabalho de pesquisa, de análise da realidade concreta, para difundir
os resultados e debater estas ideias com toda a gente.
Em resumo: recomendamos que os proletários revolucionários se afastem de
todo o partido político, de toda a organização de esquerda dogmática e
sectária, herdeira da II, da III e da IV Internacionais. É preciso quebrar o
cordão sanitário anti-proletário que a pequena burguesia sectária,
sindicalista, as ONGs subvencionadas, a sociedade civil altermundialista , ecosocialista, esquerdista
, oportunista e reformista ergueram à volta dos proletários”. NDLR.
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Se
bem que a influência do nacionalismo possa ser quebrada, as perspetivas são
verdadeiramente fracas para as políticas do internacionalismo socialista. É por
isso que a discussão sobre a questão nacional reaparece
de maneira recorrente no movimento socialista.
No que se segue, tento passar em revista, os elementos principais dos
debates marxistas sobre o nacionalismo, para examinar as suas forças e as suas
fraquezas e para aplicar algumas lições que se podem tirar deste estudo sobre
as questões nacionais no Canadá hoje em dia.
Segunda
parte: a questão nacional de Marx a Trotski
3. A persistência do nacionalismo e da
realidade das lutas nacionais forçaram os socialistas a voltar regularmente a
esse assunto. Mas sabe-se que generalidades não funcionam neste domínio. A
grande maioria dos socialistas adaptaram-se ou acomodaram-se ao nacionalismo;
eles viam o seu projecto como uma maneira mais humana e esclarecida de liderar
um estado nacional (e não a sua eliminação no curso de uma luta internacional contra
a "miséria do mundo"). Uma pequena minoria de socialistas
simplesmente tentou ignorar a realidade das lutas nacionais, constantemente
pedindo a unidade internacional dos trabalhadores do mundo que não mobilizavam
ninguém e que ignoravam questões nacionais reais e concretas. Existem algumas
situações importantes em que os socialistas têm lutado para encontrar um
caminho internacionalista vinculado às realidades da opressão nacional. A
atitude de Marx em relação à Irlanda na década de 1860 e a abordagem de Lenine aos povos oprimidos da Rússia
czarista são consistentes com essa visão. Antes de examinar esses exemplos, no
entanto, quero me deter por um momento nas duas tendências a que me referi.
A luta do proletariado
revolucionário contra o modo de producção capitalista não é uma cruzada, “ uma
maneira mais humana e esclarecida de dirigir o Estado–nacional” burguês. É uma
guerra que terá de ser levada até ao fim, onde o proletariado ou desaparecerá sob as bombas termonucleares do
capital decadente, que não terá de fazer desse capital um
capital vivo não valorizável; ou o proletariado substituirá o capital
nacional e internacional para dar capacidades de criar um novo modo de producção
revolucionário. Contrariamente ao que pretendiam os bolcheviques, não há
nenhuma alternativa reformista estadista socialista, nem de coexistência
pacífica entre o modo de producção capitalista e o modo de producção proletário
comunista. NDLR
4. O movimento socialista mundial adquiriu
um carácter de massas pela primeira vez na Alemanha no final da década de 1880.
Naquela época, a Alemanha era uma monarquia com um parlamento eleito por uma
pequena minoria da população adulta. Com o passar dos anos, mais e mais
trabalhadores tiveram o direito de votar e o partido da classe trabalhadora foi
organizado, o Partido Social Democrata (mais conhecido por suas iniciais
alemãs, o SPD), que se tornou uma força política de primeira importância. O SPD
rapidamente se identificou com a "tomada do controlo" do estado alemão
e não com o seu derrube. Isso levou os líderes do SPD a tornarem-se cada vez
mais influenciados pela ideia de interesse nacional. Gradualmente, os líderes
começaram a defender a idéia de um colonialismo alemão
"progressista". Eles alegaram que um governo do SPD não daria
liberdade às colónias alemãs; simplesmente os trataria melhor. A identificação
com o estado nacional foi tão poderosa, tão arreigada que a maioria da
liderança do SPD veio apoiar o governo alemão quando ele entrou na Primeira
Guerra Mundial. A maioria dos partidos da II Internacional (fundada em 1889)
seguiu rapidamente esse caminho.
5. A marxista germano-polaca Rosa
Luxemburgo e o marxista russo V.I. Lenine estiveram na vanguarda da oposição
socialista à guerra. Ambos denunciaram a guerra como produto do imperialismo e
como consequência da competição entre as principais potências capitalistas para
dividir o mundo. Luxemburgo e Lenine desenvolveram as políticas da oposição
socialista internacional à guerra e argumentaram que os trabalhadores deveriam
recusar-se a apoiar as"suas" classes dominantes nacionais e que
deveriam trabalhar para transformar as crises sociais associadas à guerra em
guerra de classe dos trabalhadores contra o sistema capitalista.
6. Luxemburgo e Lenine deram uma
contribuição essencial ao movimento internacionalista e anti-imperialista
dentro do movimento socialista. Apesar de suas convergências significativas
nessa área, divergiram bastante sobre a questão da atitude socialista em
relação às lutas nacionais. Luxemburgo argumentou que na era do imperialismo e
do capitalismo totalmente internacionalizado, as lutas nacionais estavam
desactualizadas. A economia mundial estava tão desenvolvida que a idéia de um
Estado-nação economicamente independente tornou-se ridícula. "Em meados do século XIX", disse
ela, "as guerras nacionais irromperam velhos impérios e criaram novos
estados burgueses democráticos, e isso foi progressista. Mas desta vez acabou.
Na era do capitalismo internacional, é reaccionário apoiar a criação de novos
estados-nação. A tarefa agora era mobilizar a classe trabalhadora internacional
contra o capitalismo mundial”. Em tempos de capitalismo desenfreado, não
pode mais haver guerras nacionais, disse ela. As lutas nacionais "só podem
servir como meio de desmoralização", de engano das massas. A posição de
Rosa Luxemburgo tinha um ponto forte: o de um internacionalismo de princípios,
sua vigorosa oposição ao nacionalismo. Mas, segundo Lenine, ela tinha duas
fraquezas importantes. Em primeiro lugar,
negligenciava o caráter hierárquico das relações entre as nações - de facto, algumas são dominantes e outras
são oprimidas - e a sua posição pode levar os socialistas a uma posição de
indiferença ou neutralidade nas lutas entre nações opressoras e nações
oprimidas.
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“Detenhamo-nos
de novo nestes conceitos de “nações
dominantes, opressoras e exploradoras” e de “nações dominadas, oprimidas e exploradas “, hierarquicamente
diferentes, afirma o professor Macnelly. Convenhamos antes de tudo que uma
nação não é uma classe social, mas antes um agrupamento de classes sociais.
Numa nação, as pessoas têm uma ocupação – um ofício – condições de existência –
um vende a sua força de trabalho, a sua propriedade ou quase – a outra compra
meios de producção e força de trabalho para extrair a mais-valia, fonte da sua
riqueza, do seu capital em definitivo. Mercadorias que outros enfim vendem e
revendem aos proletários que aí delapidam os seus salários comidos pela
inflacção. Entre estas diferentes classes sociais não há nada de comum, nada de
mentalidade comum: o proletário tem necessidade da paz para se reproduzir, o
capitalista vem à guerra para assegurar a reprodução do seu capital. Por vezes,
até a língua é diferente de uma classe social para outra, o que em todo o caso
não cria uma opressão linguística de classe. Se a classe dominante capitalista
francesa e o seu Estado oprimem as classes camponesas e proletárias na Costa do
Marfim, não é a classe operária francesa que se aproveita desta exploração de
classe e não é a classe capitalista marfinense que é explorada e oprimida pelos
seus mentores franceses que, ao contrário, lhe atribui prebendas, contratos de
subempreitada e participação de acções das multinacionais do capital, que
erradamente se qualificou de multinacionais francesas, belgas ou americanas. Em
resumo: a nação francesa não explora a nação marfinense. Incidentalmente, após
algum tempo os milionários franceses e marfinenses cooptam-se no seio de
conselhos de administração na Costa do Marfim, em França e algures no mundo. Ultimamente,
anunciou-se que um primeiro milionário vietnamita comprou acções de uma empresa
química multinacional, a mesma que produziu o agente laranja, cujos efeitos
fazem ainda morrer as crianças vietnamitas, cujos pais se esfalfam nestas
fábricas exploradoras de mão de obra da morte propriedade de um milionário
vietnamita. Não há nações oprimidas e exploradas, tal como não há nações
opressoras-exploradoras, não há senão classes sociais oprimidas e classes
sociais opressoras, vivendo para as primeiras sob o tecto opressivo dos
governos nacionais e dos seus Estados, que cada clã nacionalista burguês
quererá controlar para seu benefício. Depois de um século, depois das vitórias
bolcheviques e maoistas, os comunistas e esquerdistas do mundo inteiro
propuseram-se substituir-se aos
burgueses nacionalistas apodrecidos e mutantes, a fim de realizar as revoluções
democráticas burguesas, esperando prosseguir até à revolução socialista em
marcha para o modo de producção comunista. Todas foram derrotadas não pela falta
de traidores revisionistas e oportunistas reformistas, mas porque as condições
económicas objectivas, o desenvolvimento das forças produtivas nesses países
atrasados, de um ponto de vista industrial exigem o desenvolvimento prévio do
capitalismo. Os chefes comunistas têm-se portanto colocado na posição de
quadros do capitalismo de Estado dito em marcha para o modo de producção
proletário comunista via a economia de mercado e o modo de producção socialista
que nunca foi outra coisa senão a via estática totalitária para o capitalismo,
e depois para o imperialismo, como o demonstraram a história da URSS e da China
comunista. Na história nunca houve luta de libertação nacional proletária,
nunca houve senão lutas de uma burguesia nacional ou de uma facção desta,
servindo-se das classes sociais camponesas e proletárias nacionais como carne
para canhão para a defesa das suas causas e das suas ambições assim como o
demonstram todas as guerras de libertação nacional burguesas onde o
proletariado se encontra hoje, após múltiplas guerrilhas e guerras para se
libertar dos seus novos carrascos nacionais. Sem libertação económica global, não há libertação política e
ideológica nacional. Pior: na época do imperialismo moderno mundializado é
impossível para uma secção nacional do proletariado internacional conduzir uma
revolução emancipadora num só, ou em dois ou três países. A revolução
proletária do futuro será mundial ou não será revolução. NDLR.
Em segundo lugar, a posição de Rosa Luxemburgo
substima a importância para os socialistas da defesa dos povos oprimidos até à
sua auto determinação como meio de desafiar o chauvinismo nacional que envolve
os trabalhadores e as nações dominantes. Segundo Lenine, o erro de Luxemburgo,
noutros termos, provêm do facto de que ela considera as lutas nacionais do
ponto de vista geralmente abstracto da economia mundial.Ao fazer isso, perde de
vista as dinâmicas políticas concretas, a maneira como os conflitos nacionais
estruturam o terreno da luta política e a consciência de classe da classe
operária. Se os marxistas devem ser realmente parte componente dos debates
políticos na sociedade, afirma Lenine, uma posição abstracta e intemporal desta
espécie “ todas as lutas nacionais estão
ultrapassadas”, não servem para
nada. Ao invés, os socialistas
revolucionários devem tentar compreender como é que as lutas dadas afectam o terreno geral da luta
política na sociedade e constroem a
partir daí o seu ponto de partida Lenine apresentou a tese que desenvoveu
neste domínio como uma elaboração da posição que Marx tinha tomado na luta pela
independencia irlandesa. De facto, a posição de Lenine era muito mais original
do que isso. Ele desenvolveu uma aproximação completamente nova de todo o
problema das lutas nacionais. Mas comecemos por examinar a posição de Marx
sobre a Irlanda e veremos o que fez Lenine.
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O
professor Mcnally penetra aqui no coração da teoria leninista. Mcnally explica
que Lenine efectou algumas piruetas e convida-nos a seguir o seu caminho: 1) constata que o
proletariado é influenciado pela ideologia burguesa hegemónica, pela ideologia
nacionalista chauvinista, nomeadamente. Com efeito, numa sociedade de classes,
a ideologia da classe dominante é hegemónica, já o escrevemos. 2) Lenine,
enquanto táctico pragmático, afirma que os socialistas devem tentar compreender
como as lutas nacionais dadas afectam o terreno
geral da luta política (…) é preciso construir um ponto de começo a
partir daí, sugere Lenine. Tereis notado que Lenine não propõe ainda que os
comunistas se apoderem da direcção das lutas nacionalistas burguesas, mas
simplesmente “que eles construam um
ponto de partida!?...” Sabe-se hoje que este ponto de partida consistirá, para
os partidos comunistas da III Internacional, nomeadamente, em se substituir aos
burgueses nacionalistas hesitantes ou então em pôr-se a reboque das burguesias
nacionais, a fim de assegurar a vitória das revoluções democráticas
capitalistas. 3) Lenine tenta, em seguida, encerrar o círculo de Rosa
Luxemburgo e dos internacionalistas revolucionários, chamando Marx em socorro.
Voltaremos a este ponto. NDLR.
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7) Marx e Engels tinham
em primeiro lugar dado pouca importância à luta da independência irlandesa face
à Grã-Bretanha. Em 1848, por exemplo, haviam afirmado que o movimento operário
de massa britânico deste período (conhecido como o (Chartismo) devia preocupar-se com este problema. Viam a questão
irlandesa como um aspecto verdadeiramente menor da luta da classe operária de
Inglatera e muitas vezes acusaram os nacionalistas irlandeses de não se aliarem
ao Chartismo .Depois do declinio do Chartismo,
como o sentimento anti-irlandês comecasse a desempenhar um papel mais
importante na política britânica e logo que o movimento Feniano pela
indepedência da Irlanda se desenvolveu de novo nos anos 60, a posição de Marx
mudou de novo. A tese de Marx exprimia-se como se segue: em primeiro lugar, afirmou que sendo dado que o sentimento
anti-irlandês conduziria os trabalhadores irlandeses a identificarem-se com as
classes dirigentes, esta realidade era o obstáculo mais importante a uma
política de independência da classe operária.
“O trabalhador inglês ordinário odiava o
trabalhador irlandês como um concorrente que baixasse o seu nível de vida.
Nestas relações com os trabalhadores irlandeses o inglês via-se ele próprio
como membro da nação dominante e posicionava-se ele mesmo como instrumento dos aristocratas
e dos capitalistas do seu país contra a Irlanda,reforçando assim o seu domínio
sobre ele. Este antagonismo é o segredo da impotência da classe operária
inglesa.” ( Marx e Engels, a Irlanda e a questão irlandesa).
Em
segundo lugar, Marx defende agora que a luta nacional
na Irlanda era a chave que iluminaria a revolução operária na Inglaterra. Com
isso, Marx reconhecia que havia uma alteração da sua posição anterior. “Durante muito tempo, acreditei que seria
possível substituir o regime irlandês graças à subida da classe operária
inglesa. Um estudo mais aprofundado convenceu-me do contrário: a classe
operária inglesa não fará nada de decisivo aqui na Inglaterra, enquanto não
romper de maneira absolutamente nítida, na sua política para a Irlanda,com a
política das classes dominantes; enquanto não fizer não somente a causa comum com os irlandeses,
mas também não tomar a iniciativa da dissolução da união forçada de 1801 e da
sua substituição por uma confederação igual e livre.” (Marx e Engels, a Irlanda
e a questão irlandesa, página 294).
No
extracto precedente, Marx comete um erro perfeitamente compreensível neste
começo do movimento operário. Marx cria que o proletariado devia organizar-se
num vasto partido de massa e apresentar uma plataforma eleitoral às eleições
burguesas. Um programa de classe
compreendendo proposições como “a substituição da união forçada por uma
confederação igual e livre. Mais de um século de história eleitoralista dos
partidos operários no mundo ensina-nos que, de um ponto de vista revolucionário
não há nada a esperar destes partidos políticos eleitoralistas de massa, nem da
participação proletária nas eleições burguesas. Sabemos agora que o movimento
insurreccional e revolucionário espontâneo se desenvolve de outra maneira, nomeadamente,
reforçando o desprezo e a rejeição completa que de qualquer maneira o
proletariado desenvolverá instintivamente sem desprezo pelos candidatos da
“esquerda” face ao estado burguês e à
sua governação, face às mascaradas eleitorais e face ao nacionalismo
chauvinista. Nisso podemos afirmar que a
classe operária é a vanguarda da vanguarda”. NDLR.
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A experiência de
repensar a questão irlandesa foi de uma importância universal para Marx e
Engels. Ela conduziu Marx, por exemplo, a formular esta magnífica reflexão: “Toda a nação que oprime uma outra forja as
suas próprias cadeias”. A bem dizer , o que Lenine fez foi retomar esta
intuição e aplicá-la sistematicamente.
O imperio dos czares da
Rússia englobava dezenas e dezenas de comunidades internacionais oprimidas.
Tentando organizar o movimento da classe operária no império czarista, os
marxistas russos estavam inevitavelmente confrontados com as aspirações
nacionais. Muitos dos marxistas russos recusaram-se a isso e sugeriram que as
questões nacionais não teriam lugar num movimento marxista. Os primeiros
escritos de Lenine não davam atenção a estas questões. Mas com o tempo a
questão nacional acabou por desempenhar um papel cada vez mais importante no
seu pensamento. Com a Primeira Guerra Mundial, desenvolveu uma atitude muito
específica em relação a esta questão. As concepções de Lenine tomaram os
seguintes desenvolvimentos…
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Por que é que Lenine se
viu constrangido a desenvolver uma política nacionalista no decurso da revolução
Russa? Porque os bolcheviques não dirigiram uma revolução proletária
anti-capitalista, estando o capitalismo balbuciante e o proletariado pouco
desenvolvido na sociedade russa
semifeudal onde as massas camponesas formadas maioritariamente de mujiques
quase escravos, submetidos às relações de producção feudais, onde os
elementos constituintes de uma nação estavam em desenvolvimento. Não faltava
senão o Estado-nação capitalista que Estaline criou posteriormente. Para conduzir uma revolução proletária é
preciso um vasto proletariado educado, experimentado, empobrecido, consciente
internacionalmente e conectado com as outras facções do proletariado mundial.
Para conseguir a tal revolução democrática capitalista e abolir o modo de
producção feudal, Lenine e os bolcheviques tiveram de mobilizar e enquadrar as
massas camponesas atrasadas, analfabetas, numa vasta insurreição camponesa para “dar a terra a
quem a trabalha” (o que não durará muito tempo), no quadro de comunidades locais
ou regionais, e assim os leninistas consolidaram as nações burguesas de
todas as Rússias, ao mesmo tempo que construíram um capitalismo de Estado
vigoroso, assaz potente para enfrentar o capitalismo alemão. Não há nada de
revolucionário proletário em tudo isto. E a razão pela qual, na morte de
Estaline, Kruchov não teve dificuldade em consolidar o império nacional russo
sob o conjunto nacional soviético, sob o qual ainda hoje voga Vladimir
Putin. NDLR
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Em
primeiro lugar, a ordem do mundo imperialista
estabelece uma hierarquia entre as nações o que produz inevitavelmente revoltas
nacionalistas. Em segundo lugar, o
problema principal para os marxistas é como encontrar uma base
internacionalista num mundo dominado pelos conflitos nacionais. Em terceiro lugar, o problema
estratégico central é o de tentar levar
trabalhadores com sentimentos nacionalistas para sentimentos
internacionalistas. Em quarto lugar o maior obstáculo para fazer isso é o
nacionalismo dos trabalhadiores das nações dominantes ( como afirmava Marx a respeito
dos os trabalhadores ingleses no caso da Irlanda) o que os conduziu a
identificar-se com a sua classe dirigente, o que rerforçava o nacionalismo dos
trabalhadores das nações oprimidas (porque estes últimos não viam que os
trabalhadores da nação dominante simpatizassem de todo com as suas aspirações
de se libertarem da sua opressão
nacional). Em consequência, segundo Lenine, os marxistas devem sustentar o direito das nações oprimidas ao direito
da auto-determinação, inclusive o direito de formar um Estado independente.
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Por
que é que o facto do capitalismo se desenvolver a diferentes velocidades nos
diferentes países produzirá revoltas nacionais se não é porque as burguesias
desses diversos países são forçadas a afrontar-se pelos mercados? Que se deve
pensar destas observações de Lenine e da sua conclusão sob o direito das nações
à auto-determinação, ou seja, sobre o direito das nações a disporem de si
próprias? Em 1917, e nós acrescentamos em 1949, no momento da libertação
burguesa da China pela Revolucão da democracia nova, as condições objectivas e
subjectivas da revolução proletária
internacionalista não estavam ainda reunidas e desta maneira a revolução
proletária era impossível. Um
modo de producção não pode ser substituído, enquanto não tiver
desenvolvido todas as forças produtivas que é
capaz de conter e reproduzir o que estava longe de ser o caso para a indústria nascente na
Rússia czarista, e da mesma maneira para
a China Maoísta em 1949. É esta triste realidade que impulsionou as conclusões
oportunistas de Lenine, e depois de Mao, para justificar que os comunistas
dirigem estas revoluções democráticas nacionalistas burguesas. NDLR
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O ponto central da tese
de Lenine é a sua insistência sobre a política contrária de Rosa Luxemburgo,
que se apoiva sobre uma tese fundamentalmente económica. Lenine insiste que o
nacionalismo representa uma divisão política importante no interior da classe
operária. A aproximação marxista toma esta visão política como ponto de partida
do esforço para a ultrapassar. Nesta finalidade, a principal questão não é a da
viabilidade económica de um dado Estado- nação, mas quais as tácticas que serão
mais importantes para construir a solidariedade de classe e o
internacionalismo. E a resposta de Lenine é clara: minar o chauvinidsmo
nacional dos trabalhadores da nação dominante, fazendo campanha aberta pelo direito das nações oprimidas a determinar o
seu próprio fututo. Para ganhar os trabalhadores da nação oprimida, uma tal
posição deverá representar o principal golpe desferido sobre as identificações
nacionalistas.
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Este
raciocínio do senhor Mcnalli é o contrário do de uma aproximação materialista
dialéctica. As relações de producção decorrem do desenvolvimento das forças produtivas
e dos outros meios de producção, e não o inverso. O que tornará os proletários
internacionalistas não serão os sermões dos comunistas e de outras esquerdas
oportunistas, mas o próprio desenvolvimento do capitalismo mundializado e
globalizado, que forçará a internacionalização da classe operária, na prática,
seja política ou ideológica o que está hoje em vias de se cumprir. NDLR.
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Lenine
tornou muito claro que isso não significava que os marxistas quisessem ver cada
vez mais Estados nacões independentes. Ao contrário como internacionalista
marxista ele favorecia as federações que conduzissem os trabalhadores numa via
política comum. Mas tais federações deviam ser voluntárias. Não deviam opor-se
às federações políticas forçadas ou coercivas ou opressivas.” Se pedimos a liberdade de secessão para os
Mongóis, os Persas, Egípcios e todas as outras nações oprimidas sem excepção,
não é porque nós favoreçamos a secessão, mas somente porque defendemos a
associação voluntária e diferente de uma associação forçada.”
Sustentar
o direito das nações à auto-determinação tornou-se assim um elemento chave da
aproximação estratégica à construcção da solidariedade internacional dos
trabalhadores. Não para sustentar que este direito significa o alinhamento com
o nacionalismo dominante. Isto
significa que contentar-se com um
internacionalismo abstracto conduz a reconhecer a importância da experiência da
dominação ou o que Lenine chamava a psicologia que é tão importante no que
concerne à questão nacional.” ( Obras Completas, Volume XIX, página 499).
A solidariedade
internacional necessita, noutros termos, que os trabalhadores das nações
dominantes se tornem nos defensores mais consequentes dos direitos dos povos
oprimidos aos seus estados, à sua autodeterminação ( incluindo, à sua
separação)
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Mas
de onde provém esta ideia de que um povo oprimido possa autodeterminar-se e emancipar-se no seu
Estado nacional burguês? O Estado nacional burguês (capitalista classico ou
sovietico) nunca foi o estado de “todo um povo”, e sobretudo nunca foi do proletariado, mas é sempre o Estado da
classe dominante, que oprime esse proletariado. O Estado é o primeiro
instrumento de alienação da classe oprimida. Esta classe se deseja
emancipar-se deve começar por destruir o
Estado democrático burguês nacional e chauvinista. Assim na União Soviética,
após dezenas de anos de capitalismo de Estado, o nacionalismo, o chauvinismo, a
religião retrógrada e toda uma avalanche de ideias burguesas decadentes eram florescentes e explodiriam em
plena luz do dia no momento da Perestroica - Glasnost. As vozes pias dos
bolcheviques a propósito de abordar a auto-determinação nacional nunca permitiu
a um único povo, ou a uma única minoria étnica deixar as correias do Estado soviético.
NDLR
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Ao mesmo tempo, Lenine
defende uma tal oposição de princípio ao nacionalismo dominante e permite aos
trabalhadores das nações oprimidas caminhar do nacionalismo ao socialismo.
Enquanto que os socialistas das nações opresssoras defendem o direito das
oprimidas à auto-determinação, os socialistas das nações oprimidas “devem
conceder uma importância central à unidade e à aliança dos trabalhadores das
nações oprimidas com os das nações opressoras; de outra maneira, as Teses
destes sociais democratas sobre as questões nacionais e coloniais da
Internacional Comunista tornar-se-iam involuntariamente aliadas da sua própria
burguesia nacional.” Na mesma ordem de ideias, afirmam que mesmo concedendo
um apoio às lutas nacionais burguesas contra o nacionalismo, os socialistas
insistem sobre “ a independência de
classe do movimento proletário.”
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Em que
país já se viu os trabalhadores da dita “nação oprimida” caminhar do
nacionalismo para o internacionalismo comunista pela magia espontaneista da
libertação nacional de facto? É precisamente o contrário o que a maior parte
das vezes se observa. Os proletários indiferentes às ideias nacionalistas e
chauvinistas burguesas subjugadas pelas ideias reaccionárias, aprisionadas como
estão nas guerras nacionais fraticidas onde as suas casas são destruídas em
nome da Pátria. Da nossa parte, pensamos
que, no momento em que as condições objectivas da revolução proletária
mundial estiverem reunidas, a questão nacionalista burguesa já não será uma
questão importante, sobretudo para o proletariado internacionalista e isso não
será por falta dos comunistas. NDLR
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Esta análise reforçou
consideravelmente a capacidade dos
socialistas se empenharem com seriedade nas lutas nacionais em curso, sem
abandonar os seus objectivos socialistas. Por estas razões, podemos aprender bastante dos escritos de Marx sobre a Irlanda
e das discussões de Lenine sobre a questão nacional. Ao mesmo tempo, estes escritos já não oferecem nada senão
balizas. Acima de tudo, defender o direito de separação nada diz sobre as
condições em que se o defende. Mais do que fornecer uma fórmula que pode
simplesmente ser aplicada em todos os contextos, serão um ponto de partida para
guiar a nossa análise. Tentar utilizá-los não é um substituto para uma análise
séria. Antes de discutir como, devemos
utilizar estas análises na nossa aproximação às lutas nacionais no Estado
canadiano, e é importante examinar as jogadas do nacionalismo e do
internacinalismo conforme se exprimem após a morte de Lenine em 1924. O
movimento comunista internacional trepou do internacionalismo ao nacionalismo
sob o impacto da degenescencia da revolução de 1917 na Rússia e da ascensão do
estalinismo.
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A Revolução de 1917 foi, do
princípio ao fim, uma luta da libertação nacional das burguesias nacionais de
todas as Russias que se precipitaram
para aderir ao partido bolchevique enquanto a aristocracia corrompida migrava
em massa para a Europa ou ainda quando ela erguia as armas brancas para
defender o seu modo de producção feudal
decadente. O estalinismo não foi
o coveiro da revolução proletária russa, pois esta revolução proletária nunca
teve lugar – o pequeno proletário russo, fraco e inexperiente , era bem
incapaz de conduzir uma tal revolução sob o vasto continente russo atrasado e
pouco industrializado e ainda menos de a exportar para o mundo inteiro. Foi
então que Estaline fez a demonstração de que tinha compreendido a urgência
nacional soviética, que consistia em
construir rapidamente um capitalismo nacional e um Estado industrializado.
Rodeada de inimigos como se achava a Rússia bolchevique, o aventureirismo
pseudo- revolucionário de Trotsky, metia medo, e eis porque este intelectual
burguês foi afastado do Poder. Estaline não modificou a política nacionalista
bolchevique, aplicou-a simplesmente e
aceleradamente. Apoiando-se sobre este
nacionalismo, o “Pai” dos Povos pôde exigir os maiores sacrifícios
estacanovistas aos camponeses russos transformados em proletários e assegurar
assim a industrialização rápida do país lançando-o para confrontos com o
imperialismo alemão. NDLR
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Da mesma maneira que em
1923, a ideia de um “bolchevismo nacional” foi
desenvolvida pelo Partido Comunista Alemão. Uma vez que Estaline declarou que
era possível construir “ o socialismo num só país”, a porta
ficou aberta para a adopção da ideia de lutas nacionais distintas para o
socialismo, termos de referência dos nacionalismos dominantes. Assim, e por
exemplo, o Partido Comunista do Canadá descobriu rapidamente que o nacionalismo
canadiano era progressista, enquanto que os membros do PC do quebec, que
tentava promover uma compreensão mais deferenciada da luta nacional do Quebec
era regularmente expulso sobre o apodo de nacionalismo
burguês.
Uma das grandes
contribuições históricas de Leão Trotski foi o resistir à noção de luta pelo
socialismo como se fosse uma luta nacional e de se ater firmemente ao
internacionalismo marxista. Com todos os seus terríveis problemas, os grupos
trotsquistas desempenharam um papel importante na salvaguarda destas ideias
vivas à época, onde o nacionalismo dominava
a esquerda. A contribuição específica de Trotsty à época foi a sua
teoria da revolução permanente. Originariamente formulada como a
perspectiva estratégica para a revolução russa do futuro, nos fim dos anos 20,
Trostky reformulou-a como a teoria das relações entre as lutas de classes e as
lutas nacionais na época do imperialismo.
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8. A teoria da revolução permanente foi uma contribuição brilhante e
original para o pensamento marxista. Ao rejeitar a ideia esquemática, linear e
mecânica de que toda a sociedade deveria passar por certos estádios históricos
antes de lutar pelo socialismo, Trotsky defendeu que a análise concreta das
dinâmicas de classe numa dada sociedade deveria fazer-se no contexto das
relações com a economia mundial. Assim, enquanto que a maior parte dos
marxistas russos defendia que a Rússia deveria antes de tudo fazer uma
revolução democrática burguesa contra o czarismo, e então completar um
estádio do desenvolvimento capitalista antes de que a luta pelo poder operário
esteja na ordem do dia, Trotsky defendeu que a burguesia russa estava demasiado
assustada com o poder crescente do jovem proletariado russo para conduzir a
luta contra a monarquia czarista russa. Assustada de que o movimento
revolucinário pela democracia liberal pudesse transformar-se em greves de massa
e fizesse descer o proletariadio insurrecto às ruas, batendo-se pelas suas reivindicações
de classe particulares (o que de facto ocorreu em 1905), a burguesia russa
rapidamente abandonou uma tal luta, sustentava Trotsky. Daí resultou que a
direcção da luta anti-czarista passaria ao proletariado que imporia a sua marca
ao movimento, conduzindo-o em direcção à luta pela democracia operária. Tomando
de empréstimo uma frase de Marx, Trotsky descreveu-a como a revolução
permanente – que começa como um movimento revolucionário pela
democracia liberal e que se transforma
numa luta pela democracia socialista e pelo poder operário.
A teoria de Trotsky
(desenvolvida em 1905-1906) demonstrou uma profunda antecipação de dinâmica de
classe do processo revolucionário de 1917. Sob o impacto do movimento
revolucionário na China nos anos 20, Trotsky rapidamente estende a teoria da
Rússia ao mundo colonial em geral. Nas colónias, sugere ele que o mesmo modelo
deva ser aplicado: uma burguesia temerosa retira-se da luta anti-colonial, esta
última triunfará somente sob a direcção do partido revolucionário da classe
operária.Se bem que haja aí ensinamentos importantes a extrair desta análise,
existe o risco de uma sobregeneralização (sic) De mais a mais, na ausência de
uma classe operária auto-organizada e combativa, como a do movimento operário
russo de 1905 e 1917, por que é que os grupos burgueses e pequeno burgueses se
haveriam de retirar da direcção das lutas nacionais? E, com efeito, não se
retiraram.Em países como a Ìndia, a Argélia, o Paquistão, o Bangladesh e
dezenas de outros, os movimentos nacionalistas não foram dirigidos pela classe
operária e deram lugar ao aparecimento de Estados-nações independentes. Na
China, o dito partido comunista conduziu uma luta sem nenhuma actividade
auto-organizada da classe operária, e sem nenhuma aparição de órgão de
democracia operária.
O mundo posterior a 1945 foi testemunha de uma
sucessão de independencias nacionais nas quais os movimentos da classe operária
não desempenharam um papel significativo. Claro está que estas realidades
exigem que seja revista a teoria de Trostsky. Qualquer que seja a sua força,
não poderá ser utilizada como uma antevisão universalmente válida a respeito
das lutas nacionais na época do imperialismo. Certos trotsquistas procuram
discutir estes acontecimentos que estão claramente em contradição com a teoria
de Trotsky. Outros, todavia, continuam a defender dogmaticamente à letra os
escrotos de Trotsky. A maior organização
trotsquista americana ( Socialist
Workers Party) produziu um documento em 1964, por exemplo, que afirma: “ Na época imperialista, a burguesia
nacional nos países industrialmente retardatários trai a sua própria revolução
e as tarefas democráticas burguesas, e, inclusivé a realização da independencia
nacional não pode ser realizada senão através da revolução socialista.”
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9. Agora, o facto de
que esta pretensão seja evidentemente falsa ( isto é, que a independencia
nacional possa ser relizada sem revolução socialista) não parece ser tida em
conta. Foi Trotsky quem o disse e, por conseguinte, deve ser verdadeira. E um
grande número de trotsquistas que defende uma tal linha começaram a ver
revoluções socialistas e estados operários um pouco por toda a parte. Na
Argélia, no Egipto, onde um regime nacionalista progressista tomara o poder.
Apesar de tudo, se a independencia nacional não pode ser realizada senão por
uma revolução socialista, então a realização da independencia nacional deveria
querer dizer que uma tal revolução já tinha tido lugar. O facto de que nada de
semelhante a uma revolução socialista possa ser reconhecida – como milhões de
pessoas oprimidas, descendo às ruas e lançando as bases do exército, como
greves de massas e ocupação dos lugares de trabalho, como novas instituições
populares de auto-governo apareceram nos locais de trabalho e nas comunidades
não parecem importantes? Indo mais longe do que Trotsky foi, alguns grupos
começaram a defender que havia uma lógica escondida que conduzia as lutas
nacionais à revolução socialista. Mesmo que o não soubessem, os nacionalistas
burgueses e pequeno-burgueses conduzem actualmente revoluções operárias. A
primazia da auto-emancipação operária desapareceu rapidamente( como se a maior
parte dos grupos sociais pudesse construir o socialismo). E inevitavelmente, a
linha entre o nacionalisnmo e o socialismo rompeu-se. No fim de contas, se o
nacionalismo anti-imperialista se transforma automaticamente em socialismo,
então a linha entre os dois é verdadeiramente muito tenue. Certos trotsquistas
que defenderam tais concepções tornaram.-se eventualmente mais ou menos
acríticos e aderiram ao nacionalismo de feição progressista (Cuba, Nicarágua,
Granada) e abandonaram a ideia da revolução permanente e a sua insistência
sobre a independencia da classe operária e da sua organização socialista na
luta nacional. Foi neste sentido que evoluiu o SWP americano ( Socialist Workers Party).
(Recordei)Lembrei
estes elementos porque eles sublinham como é importante resistir às fórmulas
simples quando falamos de lutas nacionais. Não há lei geral ou da dinâmica das
lutas nacionais hoje (e aliás nunca houve) um dos erros de muitos marxistas foi
procurar uma dessas leis, em vez de tomar conta da tarefa, de longe mais
importante de desenvolver uma análise muito concreta da particularidade das
lutas nacionais numa conjuntura histórica determinada. Com esta preocupação na
cabeça, proponho-me rapidamente fazer algumas considerações preliminares sobre
as lutas nacionais no Estado canadiano. Mas antes disso, quero sublinhar os
sectores nos quais a aproximação marxista do nacionalismo permanece fraca e
devemos estar conscientes de que tais sectores devem ser sectores de trabalho
para desenvolver uma compreensão cada vez mais ampla do nacionalismo no mundo
moderno.
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Terceira
Parte : os Problemas da Teoria Marxista do Nacionalismo
10. Um
dos elementos fortes das concepções de Marx sobre a Irlanda num dos escritos de
Lenine sobre a questão nacional, é que eles fornecem uma maneira de sustentar
as lutas nacionais dos povos oprimidos sem se fazerem campeões de uma qualquer
forma de nacionalismo. É o que torna a sua herança uma herança das mais
importantes. Mas dito isto, devemos
estar conscientes que nem Marx nem Lenine nos forneceram realmente uma teoria
que nos permita compreender um dos problemas mais importantes que encontramos
neste domínio: o incrível poder e a persistência do nacionalismo e das identificações
nacionais. Mais do que uma diversão temporaria ou episódica de uma
consciência de classe mais desenvolvida o nacionalismo dominou e continua a
dominar os pensamentos da vasta maioria da classe operária e dos povos
oprimidos. Não pretendo ter todas as respostas pelas quais ele se tornou assim.
Mas deixai-me fornecer quatro explicações parciais sobre o que deve ser explodado e desenvolvido.
11. O primeiro sujeito é o que podemos chamar a atracção pela cidadania.
Lembremo-nos que nos primeiros movimentos da classe operária foram criados
nos contextos em que a vasta maioria da classe operária não votava. Por
esta razão, a luta pelos direitos democráticos, especialmente o direito de
voto, ocupava um lugar maior na agitação socialista. Com efeito, o socialismo-
habitalmente designado sob o nome social democracia – apareceu muitras vezes
para a inclusão da classe operária no interior da democracia capitalista. Isso
produziu toda uma tradição história onde a democracia socialista era criticada
nuito simplesmente por não ser sufucientemente inclusiva . Resultado: a questão
da forma do poder poítico capitalista – o
Estado-nação burguês – e os seus problemas inerentes ( burocratismo, definição nacional de
cidadania, separação do poder económico do poder político) raramente foram
ultrapassados. Isso significa que os movimentos operários procuraram geralmente
a plena cidadania no interior da democracia capitalista. Não se pode negar a
importancia desta luta. No fim de contas a luta pelos direitos democráticos
burgueses, a batalha para ser considerado como um membro de corpo inteiro da
sociedade tem um significado fundamental. Mas no processo, a classe operária
acaba muitas vezes ligada a esta especie de ideia, a de que tem poucas ligações
com as tradições políticas que avançam uma crítica radical dos limites
inerentes e das ligações da democracia liberal em si mesma. Assim, uma
definição liberal dos direitos e da cidadania enraizam-se historicamente e
profundamente nos movimentos oprerários - nos quais as pessoas são definidas
como entidades separadas chamadas individuos, que estão em competição económica
nos mercados que são regulados por leis que não reconhecem senão os direitos
dos individuos ( e das suas famílias) que são amplamente compradores e
vendedores de bens e de serviços( tudo isso é num certo sentido muitas vezes
definido como o reformismo ) Diz-se
que os marxistas não prestam suficiente atenção ao poder ideológico das noções
de cidadania, preferindo simplesmente sublinhar a corrupção e o carácter
vendido dos dirigentes que trairam o movimento socialista. Se devemos
desenvolver uma alternativea séria ao reformismo, será todavia necessário não
somente denunciar os dirigentes corrompidos
, mas o que é mais importante, de encontrar as maneiras de avançar uma crítica
da democracia socialista e da cidadania, reconhecendo a importância dos direitos quando fazemos uma crítica dos seus
limites, crítica que poderá ter assim eco na experiência da classe operária em
lugar de soar como slogans redutores.
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Todos terão notado que o
intelectual titula o seu capítulo “ Os problemas da teoria marxista e do
nacionalismo” indicando, com
isso que o objecto do seu estudo
não é o nacionalismo, como entrave à revolução proletária na prática
concreta da luta de classes, mas a teoria marxista em si mesma, a sua pureza e
a sua defesa contra a impureza desviacionista (sic), actividade que constitui
em si mesma um desviacionismo proletário. O intelectual nem sequer imaginou
que “a incrível persistência do
nacionalismo” chauvinista e reaccionário estivesse ligado à incrível
persistência do modo de producção capitalista
que nunca acaba de titubear e de se incrementar uma crise após outra. A
esquerda reformista que numa certa época se chamava “ oportunismo de esquerda”,
depois “revisionismo de direita” andou sempre errante na periferia da classe
proletária, procurando uma postura não demasiado constrangente pela qual
poderia vender as suas aspirações
visando conservar o regime nacionalista democrático burguês ou reformá-lo até o
tornar aceitável à classe operária. A pequena burguesia foi sempre a base
social do esquerdismo, do anarquismo e do terrorismo, que não são senão variantes
radicais do reformismo. A pequena burguesia, incluindo a sua secção intelectual, – classe social votada ao
desaparecimento sob a evolução imperialista do modo de producção capitalista -
agarrou-se desesperadamente às particularidades do capitalismo nacional que
asseguraram a sua subsistência, tal como o direito burguês, a representação
parlamentar, a governança “democrática” do imenso Estado burguês tentacular.
Tudo isso conduz a subclasse pequeno
burguesa a aderir a todas as lutas para a defesa dos direitos democráticos
burgueses (gentrificação, feminismo, LGBT, direitos dos animais, comunitarismo,
laicidade, justiça social, defesa dos assistidos sociais e dos SDF,
escolaridade, cuidados de saúde, ambiente, agricultura humana, ecologia,
consumo e sobreconsumo, pobreza voluntária, caridade pelo terceiro mundo,
descolonização, nacionalismo, pacifismo, anti-racismo, direitos dos detidos,
ciclismo urbano, naturismo, nutrição, etc), tudo e não importa o quê,
exceptuadas as lutas da classe proletária que ela julga demasiado radical, por
vezes violenta, e que não são publicitadas pelos órgãos de comunicação social
populares e pelos tablóides. A pequena burguesia é muito sensível a este aspecto de visibilidade
mediática e do efeito da moda. Isto está ligado à sua prática social e
cultural. A pequena burguesia tem por função principal assegurar o serviço da
reprodução da população, sob todos os aspectos. O pequeno- burguês concebe a luta de classes como uma missão e um
benevolência onde deve consciencializar e fazer progredir a vontade dos
oprimidos que o pequeno-burguês crê incapazes de compreenderem a sua opressão e
a sua miséria. Para o pequeno-burguês,
se ele consegue convencer suficientemente as pessoas de uma causa, elas
vencerão pela petição porque a pequena burguesia crê sinceramente na democracia representativa burguesa, na
democracia cidadã do número – forçosamente é o seu ganha-pão. O pequeno-burguês
não compreende que para conduzir uma revolução social, deve existir uma
conjuntura revolucionária que mobilizará espontaneamente os efectivos
requeridos – não haverá nada a fazer por isso – a crise económica lá chegará. A
verdadeira questão será então – não quantos operários serão mobilizados – mas
para que objectivos são eles dirigidos? Pela sua luta quotidiana na frente
económica, nomeadamente a classe proletária conhece a pusilanimidade dos “direitos-privilégios”, das aquisições
sociais efémeras arrancadas temporariamente apesar da ditadura do grande
capital. A classe proletária sabe que a ditadura burguesa é “ fecha a boca”, enquanto que a democracia burguesa é “
discute sempre”. Nada senão a
mobilização da classe operária como carne para canhão nas guerras de libertação
nacional burguesas se relacionará com o proletariado, - a mobilização da classe
operária nas guerras burguesas para a defesa da liberdade, da democracia, do direito de negociar e os
pseudo-direitos e aquisições sociais não lhe dizem qualquer respeito, senão a
experiência de luta e das decepções . Sob a crise económica sistémica do capitalismo
não há nenhum programa de reforma que valha. É a substituição do Estado burguês
e a abolição do modo de producção capitalista e a sua substituição não pela
economia socialista mas pelo modo de producção proletário-comunista que são os
objectivos da revolução social proletária. NDLR
12.
Ligado com este elemento, há um segundo problema:
as versões do socialismo centradas na questão do Estado dominaram o século XX.
Durante todo este período histórico, a parte mais importante da esquerda
apresentou a propriedade estatal como a essencia social e económica do
socialismo. Marx colocou no centro da sua crítica do capitalismo o que chamou
as relações sociais de producção, o que significa as relações de domínio, de
controlo, de alienação e de exploração induzidas pela maneira como a riqueza é
produzida na sociedade capitalista. O que decorreu desta aproximação foi a
ideia de que o socialismo conduz ao desenvolvvimento de novas relações de
producção, baseadas sobre formas não alienadas de controlo e de auto-gestão da
producção pela classe operária. O controlo operário sobre a produção e de novas
instituições governamentais auto-gestionárias estão no centro de uma tal
perspectiva.
Durante
a época em que os partidos comunistas estalinistas dominaram a esquerda
(1925-1980 ou à volta disso), estas aquisições perderam-se. A propriedade
estadual dos meios de producção e a
economia planificada eram apresentadas como a essência da nova sociedade. A
despeito das melhores intenções, numerosos trotsquistas também colocaram a esse
nível o seu ponto essencial. Resultou
que a ideia de propriedade de Estado é em si mesma progressista, seja em si socialista ou se tenha tornado
largamente partilhada pela esquerda. Isso contribuiu para as políticas
centradas sobre o Estado, onde as ideias de regulamentação estadual e de
planificação do Estado foram elavadas a uma posição de primeiro plano na
propaganda socialista. Uma das
consequências disto foi que a natureza opressiva inerente ao Estado nação
raramente foi atacada. De facto, até hoje, muita gente na esquerda continua
a defender tais concepções e parece esquecido da hostilidade das massas para
com as burocracias estaduais centralizadas, que se desenvolveram- por boas
razões-, nas fileiras da classe operária na maioria dos locais do mundo.
O
que estas políticas socialistas estatistas (a que podemos chamar socialismo de
cima) esquecem é que o Estado nação se desenvolveu com o desenvolvimento do capitalismo pelas
classes burguesas, que procuram integrar a marcha nacional por um sistema
uniforme de leis e de taxas, numa língua comum, numa governação unificada e num
exército nacional para defender e avançar as suas pretensões contra os
capitalistas estrangeiros ( e esmagar as revoltas domésticas quando
isso se torne necessário). Assim se perdeu o sentido próprio da forma
democrática inerente à democracia burguesa (como o sublinhou Marx em A Guerra Cívil em França). Enfim, as
versões estatistas do socialismo tendem a perder de vista o facto de que as
estruturas nacionais e as instituições do Estado- nação perpetuam a divisão do
mundo entre um nós ( que pertence a
uma dada nação) e um eles ( os
estrangeiros, os de fora). As consequências do socialismo estatista são o
reforço do nacionalismo à custa do internacionalismo.
_____x_____
Contrariamente
ao que pretende Mcnally, não é o socialismo
que conduz ao desenvolvimento de novas relações de producção baseadas em formas
não alienadas de controlo e de auto-gestão da producção pela classe operária,
mas sim o modo de producção comunista que não pode impor-se senão após um longo
e considerável desenvolvimento das forças produtivas sob o capitalismo liberal,
totalitário ou socialista. Incidentalmente, a classe operária tem então vocação
a desaparecer (sob o comunismo). A contradição fundamental de um modo de
producção (qualquer que ele seja) reside sempre no processo de producção e não
nas relações sociais de producção. Assim, o que desqualifica o modo de
producção capitalista é que o capital produtivo já não chega a valorizar-se em
grande quantidade para assegurar a sua reprodução alargada, o que desencadeia a
implosão das relações sociais de producção, provoca tumultos sociais, envenena
as lutas de classes antagónicas até à insurreição e potencialmente até à
revolução. Não decorre dos revolucionários
proletários criar as condições objectivas da crise económica, politica e
depois social, tudo isso será espontâneo, mecânico e incontrolado. O que será consequência da
revolução dos revolucionários proletários será estimular e inflectir este
movimento popular insurrecional espontâneo, até fazê-lo cumprir a sua missão
histórica, destruir o antigo modo de producção capitalista, para em seguida
transformar esta insurreição popular em revolução proletária, o que
significa construir o novo modo de producção proletário- comunista. Dito isto,
o professor Mcnally tem razão em sublinhar que daí resulta entre os socialistas
que a ideia da propriedade do Estado é em si progressista (….) uma consequência
disso foi que a natureza opressiva inerente ao Estado nação raramente se viu atacada….” Pela esquerda
reformista nacionalista. NDLR.
_____x_____
13. Tudo isto nos conduz a um terceiro ponto: a política do espaço.
Os marxistas têm curiosamente ficado indeferentes quanto às questões do espaço,
especialmente no que diz respeito às idendades dos povos que têm pontos de
referência espaciais e geográficos. Mesmo as memórias pessoais têm
invariavelmente dimensões espaciais : Nós pensamo-nos a nós mesmos como tendo
nascido num certo local, vivido , crescido, trabalhado, ir à escola em
diferentes sítios, e assim sucessivamente. Até agora, para a maior parte da
história da humanidade, as relações de espaço não têm nada a ver com pertencer
a uma nação. De facto, as pessoas pertencem a grupos que têm espaços mais pequenos ou maiores.
Mas o capitalismo construiu aquilo que Benedict Anderson descreveu como comunidades imaginárias. As nações são
assim, em parte, construcções imaginárias, - organizadas à volta de símbolos
como as bandeiras, os hinos, as cores nacionais, os mitos e as histórias em
grande parte artificiais ligadas às unidades administrativas nomeadas Estado
nação. Nós não temos necessidade senão de observar um fenómeno como os jogos
olímpicos para comprender o poder de atracção das comunidades imaginárias.
Milhões de pessoas que nunca encontraram Silken Launnaum ou Donovan Bailey ajem
todavia como se “fossem sua carne e seu sangue”, glorificando-se das suas
vitórias e mortificanco-se das suas derrotas. Digo isto não porque pense que
tudo é inevitável no que respeita às identificações nacionais, mas pelo
contrário. Mas sem a compreensão socialista revolucionária de que tais
identificações respondem a uma necessidade real – o desejo de pertencer a uma
comunidade com outros, de ter objectivos comuns – substimaremos a necessidade
para os movimentos socialistas de massa no futuro ajudarem a desenvolver
os sentimentos internacionalistas de uma
comunidade que está ligada às experiências locais e mundiais. Não bastará ter
uma vanguarda
que poderá dizer que o nacionalismo é o seu inimigo; será necessário
favorecer com novas experiências de espaço baseadas em formas de organização
que criam nova solidariedade e novas identificações, forjadas na luta comum, e
que ultrapassa o Estado nação.
_____x_____
14.
E isto leva-me ao meu quarto ponto: a subida do nacionalismo na era da
mundialização. A globalização económica desencadeou-se; nenhuma parte do
planeta ou quase foi poupada pela ascensão considerável das empresas
transnacionais e pelos mercados financeiros globais.A maior parte dos Estados
nações são economicamente mais pequenos do que as grandes empresas
transnacionais e os mercados monetários mundiais ultrapassam somas todos os
dias que excedem em muito tudo quanto possui um banco central qualquer ( ver o
meu artigo O Fim dos Estados Nações, New
socialist, n.º 3, Maio-Julho de 1996). Estas entidades económicas mundiais
causam razias na vida dos povos: as empresas que encerram, as comunidades que
são destruídas, os serviços sociais que são desfeitos: os hospitais
comunitários, as escolas, os escritórios de correios que desaparecem, tudo em
nome da globalização. Em tais circuntancias, o nacionalismo torna-se o primeiro
e mais simples meio de compreender e de resistir a estas forças. Lembremo-nos
que um governo nacional pode parecer como mais próximo e mais compreensível que
os transnacionais ou o mercado monetário electrónico e global centrado no
ciberespaço. Mas pedir ao Estado nacional que nos proteja contra o capital
global conduz inevitavelmente a ver o problema em termos nacionais. Os
estrangeiros ( e o que é estrangeiro) tornam-se inimigos da nossa segurança e
do nosso bem- estar. Os políticos perigosos e sem escrúpulos tornam-se
rapidamente os adeptos que nutrem e manipulam tais sentimentos. Assim, Os
Trabalhadores Unidos do automóvel empenharam-se no afastamento dos automóveis
japoneses, os jovens sem-emprego na Alemanha lançaram bombas incendiárias
contra os hotéis cheios de trabalhadores imigrantes de origem turca, pessoas da
Califórnia sustentaram protestos contra os ilegais do México, os canadianos-ingleses
denunciaram os do Quebeque. Os Servos, os Croatas, os muçulmanos opuseram-se
uns aos outros na ex-Jugoslávia. Os Hutus e os Tutsis afrontaram-se em
conflitos sangrentos no Ruanda e no Burundi – e a lista poderia alongar-se.
_____x_____
Partindo
de um mau diagnóstico o professor propõe um mau remédio. A “globalização
económica” não é um espectro que se desencadeia, repentinamente nem o fruto de
uma má política liberticida e neoliberal, cujo Estado burguês cumplice poderia
protejer o proletariado. O Estado burguês não é cúmplice é o artesão da globalização e não pode
em caso algum ser a solução para o modo
da economia capitalista e ainda menos da sua vítima proletária. A classe dominante e o seu Estado nacional
não controlam nada no aprofundamento da crise do capitalismo. Quem é esse nós,
que os reformistas utilizam? O nós cidadão-eleitor-consumidor-colaborador
do Estado, transcendem os interesses das classes. É contra este tipo de
reformismo pequeno- burguês que o proletariado se deve prevenir. O Estado
nacional, burguês, renovado e tenso, última masmorra isolada da louca fortaleza
capitalista, não é o último refúgio para a classe proletária revolucionária
que, ao contrário, deve investir para destruí-lo e não fazer dele um Estado
socialista. Sabemos que o espírito de capitulação pequeno-burguês já contaminou
a mentalidade dos proletários desamparados, sabemos que os burocratas sindicais
de negócios, que os mercenários da indústria das ONGs e outras associações da
sociedade civil a soldo já se alastraram fortemente nas fileiras
proletárias e que a lista dos seus crimes se irá alargar; todavia, o dever dos
revolucionários proletários é o de apontar sem cansaço o nosso inimigo implacável, a classe capitalista e o seu Estado burguês nacionalista -
classe contra classe - porque o proletariado não tem pátria, tal é a nossa
divisa. NDLR.
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Não é por acaso, se neste período de reestruturação feroz do capital, os
antigos e os novos nacionalismos levantam a cabeça – e que muitos de entre eles
se tornem violentos e virulentos. Muito raramente temos escutado o grito de clarim dos
nacionalismos anti-colonialistas depois dos anos 50 e 60, visto que a maior
parte de entre eles ficaram desacreditados pela incapacidade de responder às
nossas esperanças de desenvolvimento. E num contexto de raiva e de desespero,
quando a esquerda e o movimento operário apareciam enfraquecidos, os
nacionalismos étnicos de direita retomavam a iniciativa política. Mas, ainda
uma vez mais, não havia nada de inevitável.
Seria contudo imprudente subestimar a subida do nacionalismo de que
temos sido testemunhas neste período de globalização. E devemo-nos lembrar que
a necessidade, para os socialistas, de
colocar à frente das suas posições nacionalistas é talvez mais urgente do que
nunca, agora que a maioria da esquerda adoptou o nacionalismo em 1914. Para o fazer teremos necessidade de análises
da tradição do socialismo internacional e de as desenvolver em relação às
questões políticas do espaço, dos Estados nação, da globalização económica, e
da crítica da forma do Estado nação burguês a partir de uma perspectiva do
socialismo vista de baixo.
Quarta Parte: as Questões Nacionais no Canadá
Hoje
15. O Canadá é um produto da expansão imperialista das potências
europeias. Estabelecido como colónia de povoamento, o Canadá baseou o seu
domínio na opressão e no domínio dos povos autóctones e nos habitantes
franceses que tinham povoado a Nova- França e outras partes do Canadá
conquistadas pelos Britânicos em 1759. O Canadá formou-se sob a opressão destes
grupos: por esta razão, as políticas canadianas foram modeladas por duas lutas
nacionais principais: as dos povos autóctones (ou as primeiras nações) e as dos
Quebequenses.
16. Porque os povos autóctones eram economicamente marginais,
politicamente não-libertos e terrivelmente oprimidos pelos políticos do
apartheid da Lei dos Índios perderam muito tempo a encontrar as alavancas para
exercer as suas pressões políticas. Foi precisamente no meio da explosão de
protestos sociais dos anos 60 e 70 que os movimentos autóctones politicamente
organizados deixaram a sua marca. Inspirados por grupos como o Black Panther Party e l’Americaine Indian Moviment dos Estados
Unidos, os militantes autóctones começaram a conduzir lutas mais militantes e
mais coordenadas.
Depois das insurreições do fim dos anos 60 e do princípio dos anos 70,
houve tentativas de profissionalizar o movimento autóctone para fazer dele o
movimento de pressão mais ordinário. Na vanguarda deste deslizamento esteve a
direcção da Assembleia das Primeiras Nações. A APN centrou o seu trabalho nas
mudanças constitucionais, em especial a tentativa de obter o reconhecimento do direito inerente ao autogoverno para os
povos autóctones inserido no Acto Constitucional (AANB). É essencial que os
socialistas apoiem esta reivindicação. Dado que os povos autóctones nunca mais
aceitaram ser governados pelo Estado canadiano, o direito inerente a escolher
qual seria a forma de autogoverno que desejavam deve ser reconhecido e
defendido.
Da mesma maneira, devemos reconhecer que toda uma camada de militantes
autóctones (muitos de entre eles formaram a jovem geração dos dirigentes da
APN) rejeita a insistência sobre as mudanças constitucionais e as reclamações
territoriais por intermedio dos cursos de Justiça que dominam a corrente
principal dos políticos autóctones.
Estes militantes foram a vanguarda das formas de acção directa de
desobediência civil como os bloqueios de estradas e autoestradas e as ocupações
de terras antigas como vimos em Oka, Gustafen, Lake e Ipperwash. É essencial
que os socialistas, do mesmo passo que defendem as reivindicações de um grupo
como o APN, tentem também organizar a solidariedade com estas formas mais
militantes das lutas autóctones. Devemos tornar claro que sustentamos a
auto-actividade e a auto-organização militante dos autóctones e que denunciemos
as práticas colonialistas do Estado canadiano para todas as violências que se
produzam.
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É talvez essencial que os “socialistas”
sustentem as aspirações à autonomia dos chefes das tribos das Primeiras nações
que desejam administrar fundos e doações de caridade, concedidos pelos governos
aos grupos autóctones, com o fim de
obter a sua adesão à exploração dos recursos das reservas, mas isso não
é um combate para os proletários autóctones que desejam sobretudo concentrar os
seus esforços sobre a substituição do modo de producção capitalista em
concordância com os seus camaradas
proletários canadianos. NDLR
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17. A questão nacional que domina
a política oficial do Canadá é a dos Quebequenses. Isso tem a ver com o facto
de que, querendo aproveitar o desenvolvimento da agricultura e do comércio da
Nova-França, desejam que os agricultores franceses continuem a trabalhar a sua
terra, não tendo os colonizadores britânicos interesse em expulsar as pessoas
da colónia. Enquanto os autóctones são cada vez mais empurrados para a margem
da vida económica as coisas ficam mais complicadas para os habitantes
franceses. Em primeiro lugar, os Britânicos tentaram suprimir a igreja católica
e a língua francesa. Todavia, deram-se rapidamente conta de que tinham
necessidade de uma aliança com a elite francesa – os senhores, o clero e alguns
capitalistas – se realmente queriam governar a região. Daí resultou o
encerramento da Nova- França nas relações de domínio colonial pelas autoridades
britânicas em lugares que tinham feito concessões: tolerância para a língua
francesa, para a igreja católica e para o código civil francês. Quando o
movimento para a integração das colónias britânicas da América do Norte teve
lugar, nos anos de 1860, o Quebeque obteve uma outra concessão: a restauração
da sua própria assembleia legislativa. Daí resultou que uma entidade política
foi criada (a província de Quebeque) onde se encontrou a segunda mais
importante população do país, cuja vasta maioria era francófona, - e onde se
acharam alguns dos mais importantes centros agrícolas, manufactureiros e
comerciais. O que quer dizer que os agravos do Quebeque eram habitualmente
negociados por uma classe dominante que falava antes de tudo inglês.
Enquanto que as pressões nacionalistas vindas regularmente do Quebeque (
e isso era muito frustrante para eles em período de guerra) e enquanto a igreja
católica dominava a vida cultural e política, o nacionalismo do Quebeque não
parecia particularmente ameaçado pela classe dirigente do Canadá. Tudo isso
mudou nos anos 60 com a ascensão de uma classe média laica e um novo movimento
operário em ruptura com o movimento da igreja e aparição de um novo movimento
nacionalista (que se cristalizou finalmente com a criação do Partido
Quebequês). A revolução tranquila dos anos 60, a crise de Outubro de 1970 (na
qual o governo de Trudeau utilizou o exército e a polícia para esmagar a frente
de libertação do Quebeque), a greve geral militante de 1972 e a eleição do
governo do PQ sob a direcção de René
Lévesque em 1976, tudo isso conduziu a colocar a questão do Quebeque no poscénio do debate político.
E isso continuou assim pelo período de uma trintena de anos. Contudo, a
obsessão dos políticos federais para resolver a questão do Quebeque foi
explorada pelos políticos de direita que sugeriam que no meio das provações, os
quebequenses procuravam obter um tratamento especial.
18. Antes de tudo, a atitude dos socialistas deve ser clara: o Quebeque é uma nação oprimida no Estado
Canadiano. Conquistado primeiro pelo imperialismo britânico, o Estado
canadiano continua a negar os direitos democráticos do Quebeque à
autodeterminação, incluindo a secessão da Confederação Canadiana (o que não
significa aceitar o direito do governo do Quebeque a negar o mesmo direito às
nações autóctones). Mas a partir daí as coisas complicam-se. Como o sublinhei
mais acima, não há regras gerais ou de direito universal que digam aos
socialistas se eles devem defender ou opor-se à separação ou à secessão. Para
escolher temos necessidade de uma análise concreta.
No fundo, a atitude socialista deve assemelhar-se à atitude de Marx a
respeito da Irlanda. Se um movimento operário poderoso, unido, demonstra
capacidade de abordar os problemas da opressão nacional, então a separação
nacional não é necessária. Marx pensava que era o caso da Inglaterra durante o
período do Chartismo que culminou em 1848. Mas se o chauvinismo em relação à
nação oprimida se tornar um meio contínuo de bloquear o desenvolvimento da
independência política de classe da classe operária, então será sensato
defender a independência como uma maneira de acabar com o antagonismo nacional
que podem defender os políticos de esquerda. O que quer que se diga a respeito
do passado, creio que um bom exemplo pode ser extraído das consequências dos
debates sobre a Lei 101 e da Lei 172 (as recentes leis linguísticas do
Quebeque), sobre os acordos do Lake Niich
e de Charlotte Town e da enorme
hostilidade que gerou em todo o país a ideia de garantir o reconhecimento do
Quebeque como uma sociedade distinta;
O chauvinismo anti-quebequense funciona da mesma maneira que o chauvinismo
anti-irlandês nos anos de 1860: uma maneira de ligar os trabalhadores
anglófonos com os seus próprios dirigentes e as tradições do seu Estado
canadiano. Todas as tentativas de responder às reivindicações nacionais do
Quebeque reencontram em breve uma poderosa oposição de uma parte considerável
das pessoas comuns de língua inglesa. No meio deste tecto anti-quebeque a
identidade nacional da classe operária unida
atrás das tradições do Estado canadiano afirmou-se. Podemos pôr a
questão de saber como defender uma Nova
Confederação livre e igualitária, o que Marx propunha no caso da Inglaterra
e da Irlanda, de modo a defender a nossa posição neste caso.
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Foi um erro da parte de Marx propor aos
operários assumirem uma problemática nacionalista burguesa. Isso demonstra a
sua inexperiência política, reflexo da imaturidade da consciência da classe
operária britânica no princípio do capitalismo industrial. Não é de modo algum
da alçada do proletariado solucionar os problemas constitucionais, legislativos
e parlamentares entre duas burguesias nacionalistas e entre dois Estados
capitalistas em guerra. O proletariado não quereria podê–lo fazer, pois que não
possui por único poder e única riqueza senão a sua força de trabalho para
vender sem sequer ter a possibilidade de
recusar . O proletariado britânico desse tempo, como o proletariado
canadiano de hoje, não devem alimentar nenhuma ilusão desta natureza, não
haverá nova confederação dos sovietes realmente livres e igualitários entre os
proletários da terra senão no dia em que a ditadura do proletariado se imporá
sob o modo de producção comunista
proletário. A superestrutura legal repousa sobre a infraestrutura fundamental,
jamais o inverso. Longe de afastar o proletariado duma nação ou de uma outra
futilidade nacionalista, a atitude oportunista da esquerda social-nacionalista
não fez senão semear a confusão de acreditar o mito da opressão nacional e de
uma possível liquidação política nacional, fora de uma fundamental emancipação
económica da classe proletária. NDLR.
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Pretendo deixar bem claro neste ponto que a minha sugestão de que
os socialistas deveriam naturalmente
defender a independência do Quebeque não tem nada a ver com o pensamento de que
um novo Estado do Quebeque seria em si mesmo progressista, ou que a luta por
ele deveria inevitavelmente desencadear um movimento social radical. Ao invés,
contrariamente aos camaradas da Esquerda
Socialista , penso que o Quebeque burguês independente realizado sem
sublevação maciça é uma possibilidade muito real. Dela resultaria um Estado do
Quebeque independente com os controlos de imigração, das práticas racistas e
uma hostilidade contra os povos autóctones, o que me parece muito possível. De
facto, penso que os camaradas da Esquerda Socialista se enganam quando sugerem
que os nacionalistas burgueses do Quebeque (como Lucien Bouchard) não querem
realmente um Estado independente e que os socialistas deviam tentar abordá-los
enquanto mais soberanistas do que os
soberanistas. De facto, penso que uma tal posição corre o risco de não ser
suficientemente crítica do nacionalismo quebequês e do estado nacional como
forma política
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O professor Mcnally resume perfeitamente o ponto de vista da
inteligência proletária burguesa, tanto da esquerda como da direita, a
propósito da questão nacional quebequense. Contudo, o ponto de vista
materialista dialéctico do proletariado revolucionário é muito diferente. Nós
já o explicámos longamente: uma nação não é nunca oprimida, uma nação não é
nunca opressora. Sob o modo de producção capitalista, a classe social dominante
explora e oprime, em primeiro lugar, a classe alienada da sua própria nação, e
se esta classe capitalista está à cabeça de uma infraestrutura industrial,
comercial e de negócios, multinacionais, ela captura e oprime também a classe
proletária dos países estrangeiros. A classe operária canadiana não tira
nenhuma vantagem da exploração dos proletários da província do Quebeque ou dos
proletários autóctones vivendo nas
reservas ou fora das reservas e neste sentido pode dizer-se que esta
classe operária alienada não explora as facções quebequenses ou autóctones da
classe proletária internacional. Ademais, a secção quebequense da classe
capitalista canadiana obteve todos os poderes políticos e jurídicos que lhe
foram requeridos para assegurar o seu desenvolvimento, enquanto secção da
classe dominante no seio do conjunto federal canadiano.
Podemos portanto afirmar que a classe capitalista quebequense não é oprimida
pela classe capitalista canadiana de que faz parte e à qual fornece vários
palhaços políticos nacionais. A emergência de vários milionários de negócios do
Quebeque na cena internacional é disso uma manifestação evidente. Tudo se jogou
aquando das negociações do Acto da
América do Norte Britânica (AANB). Nessa ocasião (1867) a burguesia
nacional quebequense obteve o controlo do seu próprio aparelho de Estado
burguês, logo que a oportunidade de participar na governação do aparelho de
Estado burguês canadiano assegurou também o seu desenvolvimento. Melhor,
contrariamente às pretensões da esquerda e da direita burguesas, o governo do
Quebeque alertava contra o direito de secessão (separação – autodeterminação –
direito de dispor do proletariado quebequense). À prova, o governo nacionalista
chauvinista do Quebeque fez dois referendos sobre a questão nacional (1980 e
1995) e se ele tivesse vencido um ou outro desses referendos, o Quebeque seria
hoje um Estado capitalista soberano assegurando a exploração da classe
proletária quebequense multiétnica e a exploração do proletariado destes
países. O capital quebequense enquanto segmento do capital canadiano atingiu o
patamar do desenvolvimento imperialista da economia capitalista. Como em toda a
parte, a dita luta de libertação política nacional do povo do Quebeque, sem
libertação económica da carapuça capitalista internacional ter-se-ia saldado
para os operários pela consolidação da posição dos seus carcereiros
quebequenses. A crise sistémica do imperialismo internacional bateria mesmo
assim duramente o proletariado quebequense multiétnico como o proletariado
canadiano multiétnico, que teriam ambos a missão histórica internacionalista de
substituir a sua classe capitalista e destruir o seu respectivo Estado, a fim
de erigir o modo de producção proletário-comunista. As classes proletárias
quebequense e canadiana recusaram jogar este jogo nacionalista chauvinista e a
cada referendo quebequense ou canadiano a classe operária internacionalista
recusou deixar-se enlear nas peias
grosseiras dos capitalistas e dos seus comparsas da esquerda aburguesada. Verdadeiramente a
classe proletária canadiana não precisou de uma vanguarda nacional-socialista
de rectaguarda. NDLR.
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19. Uma outra
referência deve ser feita no que concerne às questões nacionais do Canadá. A
maior parte das pessoas de esquerda que entretêm estas questões vêm de um
período em que os imigrantes e os povos de cor não estavam ainda politicamente
organizados. Muitas vezes esfalfavam como se existisse uma entidade homogénea
chamada Canadá Inglês, de maneira que parecia não ter o carácter multiétnico e
multiracial do país. Resultou daí que o carácter sistematicamente racista
do canadiano era subestimado ou ignorado.
Isto deve ser corrigido. Os socialistas não devem privilegiar as questões
autóctones ou quebequenses de uma maneira que ignore a opressão racial das
pessoas de cor no Canadá. Por esta razão, o apoio consequente ao anti-racismo
deve ir de par com um apoio de princípio aos direitos dos povos autóctones e
quebequenses à autodeterminação.
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20. As questões
nacionais tornar-se-ão mais importantes na política mundial nos próximos anos.
Os socialistas revolucionários têm obrigação de tentar encontrar as maneiras de
fazer face aos debates e às crises que daí decorrerão. Isso nem sempre será
fácil. Se se pode utilizar as contribuições históricas dos marxistas do passado
para guiar as nossa análises, devemos permanecer em guarda contra as respostas dogmáticas
e simplistas que aparecem a prestar justiça à complexidade dos fenómenos
implicados. E apoiando o direito das nações oprimidas a determinar o seu
futuro, não devemos perder nunca de vista que um dos traços essenciais do
socialismo de base é o empenhamento por uma comunidade mundial sem Estado
nação.
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