segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

A escola dos asnos

 


 10 de Janeiro de 2022  Olivier Cabanel  

Muitos repararam que, virando de cabeça para baixo as primeiras letras da Escola Nacional de Administração, obtemos o nome de um animal cativante, com orelhas grandes e carregando uma má reputação, em grande parte imerecida.









Esta escola nacional é conhecida por proporcionar ao país uma boa parte das suas elites políticas, as mesmas elites a quem devemos grande parte do actual mau resultado social e económico.

Pode-se, de facto, questionar legitimamente a eficácia da formação ministrada aos alunos desta prestigiada escola quando vemos os resultados no terreno.

Hoje, os membros desta escola controlam em grande parte a vida política e económica da nação. link

O programa das matérias estudadas inclui saúde pública e segurança, riscos naturais, tecnológicos, urbanos, etc. link

De Valery Giscard a Lionel Jospin, via Michel Rocard, François Hollande, Edouard Balladur, Laurent Fabius, Ségolène Royal, Dominique de Villepin, Alain Juppé, Jacques Chirac, é difícil encontrar um ministro que não seja desta instituição. link

Fundada em 9 de Outubro de 1945, por uma portaria do governo provisório da República Francesa, então presidida por um certo Charles de Gaulle, o mesmo de Gaulle que queria, vários anos depois, dissolvê-la, treinou cerca de 6000 altos funcionários franceses, e é interessante tentar analisar os resultados obtidos por alguns deles.

Veja-se, por exemplo, Jean-Luc Haberer, notório enarque (aluno ou ex-aluno da ENA – Escola Nacional de Administração – NdT), à frente do Crédit Lyonnais, é responsável por um desperdício financeiro que ascendeu a 15 mil milhões de euros.

O Crédit Lyonnais,com os seus 4.365 balcões, é um dos bancos mais bem estabelecidos do mundo, e foi Haberer quem o levou à beira da falência.

Mais surpreendentemente, em vez de assumir a responsabilidade pelo desastre, este enarque tentou fazer-se passar por uma vítima, fingindo ser um "banqueiro de esquerda", tentando culpar o seu fracasso atribuindo-o "às suas tropas que não estavam à altura da tarefa". link

Em 23 de Fevereiro de 2005, foi condenado a 18 meses de prisão suspensa e a 1 euro de indemnização, na sequência dos balanços falsos que publicou para ocultar a extensão da catástrofe financeira. link

Vamos tomar outro enarque, Jean Marie Messier, JMM para os íntimos, que à frente da Vivendi deixou uma lista de 30 mil milhões de euros (link) enquanto outros dados, ainda mais pessimistas empurram a ficha ainda mais para além, evocando 72 mil milhões em perdas. link

A longa lista de erros do JMM está neste link.

No seu livro, "Qui a ruiné France Telecom?", JeanJérôme Bertolus, Jean-Michel Cedro e Thierry del Jesus (edição de Hachette 2003),(link) evocam outro enarque, Michel Bon.

À frente da France Telecom, entre 1995 e 2002, provocou um prejuízo de cerca de 8,5 mil milhões em 2001, enquanto o grupo obteve um lucro de 3,6 mil milhões no ano anterior.

Eventualmente, será responsável por uma perda de 68 mil milhõesde euros, o que não o impediu de ser nomeado oficial da Legião de Honra.

Escola estranha onde se aprende, entre outras coisas, a praticar a linguagem dupla mais eficaz, a manter-se fiel aos seus princípios, orgulhosamente levantando a cabeça, mesmo quando a justiça o condena por fraude.

Prova Loïc le Floc Prigent, outro enarque, considerado culpado de peculato.

CEO, entre 1989 e 1993, da gigante petrolífera francesa, foi considerado culpado de peculato de várias centenas de milhões de euros dos cofres do grupo Elf e foi condenado a cinco anos de prisão, acompanhado de uma multa de 375 mil euros. link

Levou a sua empresa à beira da falência com um buraco de 5,3 mil milhões de euros.

Alguns agora evocam uma "promoção do Titanic" na qual só se encontram campeões quando se tratam de perdas.

O iFrap (Instituto Francês de Investigação em Administrações e Políticas Públicas) publicou a lista de enarques e montantes perdidos: de Michel Albert, a Bernard Attali, passando por Alain Minc, Michel Gallot, e tantos outros, a ordem de grandeza de perdas, dívidas ou transferência de encargos para o Estado é suficiente para deixar sem voz os cidadãos que agora são convidados a apertar os cintos. link

Não é de estranhar, por exemplo, que ainda hoje são atribuídos alguns créditos ao parecer dado por Jacques Attali, que é acusado de despesas sumptuosas, como o custo da construção da sede do BERD (Banco Europeu de Reconstrucção e Desenvolvimento), cujos excedentes orçamentais teriam sido superiores aos empréstimos totais concedidos pelo BERD aos países do BERD?

Vejamos outro caso, o de Jean-Michel Bloch-Lainé, inspector financeiro, que foi presidente do conselho de administração do Banque Worms entre 1984 e 1992.

Provocou um prejuízo de 2,29 mil milhões de euros e acabou por confessar "Não sabia nada sobre a gestão de um banco (...) Não fui feito para negócios", se se acreditar em Ghislaine Ottenheimer, no seu livro "Os Intocáveis". link

E poderíamos ignorar Jean-Claude Trichet, governador do Banque de France entre 1993 e 2003, que, segundo a IFRAP, é responsável por um desperdício de 1,5 mil milhões de euros por ano? link

Quanto a André Tarallo, colega de Jacques Chirac, apelidado de "M.Afrique", era suspeito de ocultar o abuso de bens sociais no valor de quase 50 milhões de euros: tinha criado um sistema de imposição em cada barril de crude comprado pela Elf, o que permitia que bons pactos aterrassem em contas offshore, geralmente no Liechtenstein.

Foi finalmente condenado a 7 anos de prisão a uma multa de 2 milhões de euros.

Acabou por cumprir apenas uma pena de dois meses de prisão, e alegadamente não pagou nada da sua multa, por razões desconhecidas. link

Pierre Blayau, era um engenhoso enarque.

Depois de St Gobain, tornou-se chefe de La Redoute, e depois CEO da Moulinex de 1996 a 2000.

Praticou a técnica das empresas de fachada para pagar aos gestores.

Depois de a Moulinex ter pedido falência e ter enviado 3300 trabalhadores para o desemprego, embolsou um bom cheque de 2 milhões de euros por "serviços prestados".

Foi finalmente indiciado em Julho de 2004 por "falência pelo uso de meios ruinosos e falência por apropriação indevida de bens" durante a falência do grupo, mas foi, no entanto, nomeado Cavaleiro da Legião de Honra, e Oficial da Ordem Nacional de Mérito. link

A lista de enarques que falharam poderia continuar ainda mais tempo,(link) mas não seria altura de mudar a situação, e de colocar em posições de responsabilidade mulheres e homens que mostram sabedoria, que têm conhecimento das dificuldades do dia-a-dia, que são realmente peritos em algumas matérias?

Felizmente, nos últimos anos, tem havido uma tendência que finalmente sugere que os enarques já não têm o mesmo nível de confiança.

Embora em 1995 representassem 20% da força de trabalho dos grandes patrões, eram apenas 10% em 2008, mesmo que ainda dominassem os quadros das maiores empresas e em 2006 ainda existissem 13 enarques entre os CEO, presidentes do conselho de supervisão e presidentes do conselho executivo do CAC em 2006. link

O canal Arte produziu uma ficção sobre o assunto, "a escola do poder" dirigida por Raoul Peck, inspirada na "promoção voltaire" (1980) e não é difícil de reconhecer sob os pseudónimos propostos, personalidades como De Villepin, Royal ou Hollande , mas é a opinião de um ex-membro desta classe, que deseja permanecer anónimo, que nos oferece a análise mais interessante, lamentando que este documentário tenha ignorado certos aspetos da formação de enarques, evocando "as permanentes humilhações do sistema, a falta de interesse nas matérias estudadas, e sobretudo a distância entre estes jovens brilhantes e as realidades da sociedade...". link

Um excerto do filme está neste link.

Durante algum tempo, a sua reputação tem, por isso, seriamente empalidecedo, considerados que são "inadequados para a empresa", "arrogantes", e tendo compreendido, como Christine de Messe, secretária-geral da ENA, "que sofrem de um verdadeiro desencanto na empresa, de um problema de imagem (...) passamos da reverência ao descrédito" (link),Jean-François Roquet, CEO da "François Sanchez Consultant" concluiu: "não só têm um ego alargado como consideram o sector privado como uma roda sobressalente".

Como dizia André Santini, polindo a educação do meu velho amigo africano, sobre os enarques: "aqueles homens desdenhosos que sabem coisas inúteis".

 

Fonte: L’école des ânes – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




 

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