17 de Janeiro de 2022 Robert Bibeau
Por Khider Mesloub.
"A velhice é um naufrágio." A degeneração do capitalismo
identifica-se com o afundamento do seu sistema sanitário, ilustrado pela sua
incapacidade de proteger a população de um vírus da gripe banal. A pandemia
covid-19 excessivamente instrumentalizada é uma recordação oportuna disso. No
final da vida, antes de se render, sob leis regressivas, vítima de um processo
neurodegenerativo, o idoso está a debater-se com a sua infância que lhe cai em
cima. Esta é a situação actual do capitalismo senil que recuou na infância,
materializada pelo regresso do trabalho a partir de casa, chamada com um tom
futurista de "teletrabalho", apontada como a panaceia da economia em
plena transformação tecnológica digital. Assim, o capitalismo evolui hoje:
avança para trás, arrastando a humanidade para a sua regressão, na era da
economia pré-industrial, no tempo dos mestres artesãos, viajantes e aprendizes.
Sob o pretexto da
digitalização da economia, o capital introduz novas formas organizacionais de
trabalho, ergue a casa como um workshop de produção, como no tempo da infância
do capitalismo ainda nas suas fraldas de fabrico. Graças à pandemia covid-19
politicamente instrumentalizada, são as relações sociais da produção que estão
prestes a ser redefinidas, o estado de trabalho e as condições de estudo
redesenhadas, tanto na fábrica como no escritório com a generalização do
teletrabalho, na sala de aula da escola, bem como na universidade com a
introdução da aprendizagem à distância, no comércio como nos serviços com o
desenvolvimento da venda à distância, e-commerce. Estamos a entrar na era do confinamento
do trabalho, agora em prisão domiciliária, o homólogo da prisão totalitária da
população, que se tornou a regra desde o confinamento da democracia. Sem
dúvida, a generalização dos trabalhos de casa está a desenvolver-se em todos os
países capitalistas, sob a alçada de uma crise económica sistémica. Esta
produção nacional generalizada, nomeadamente nos sectores terciário e da função
pública, na engenharia e na plataforma telefónica, está prestes a mudar a
relação com o trabalho.
Ressurgimento da produção de habitação
capitalista primitiva
O regresso da casa ao
coração da actividade produtiva é sintomático de uma crise do capital, em busca
de soluções para garantir a sua sobrevivência. Alguns falam da "quarta
revolução industrial". Com os avanços tecnológicos prodigiosos,
especialmente a impressora 3D, alguns futuristas preveem a difusão generalizada
destas impressoras em habitações. A casa, como no início do capitalismo,
voltaria a tornar-se uma micro-oficina de produção onde uma família inteira
trabalharia, como as antigas corporações compostas por viajantes e
aprendizes... e
uma parte do tempo de trabalho cujo tempo de trabalho é mão-de-obra
excedentária não remunerada.
Tal como no início da sua existência, o capitalismo, hoje no crepúsculo da
sua vida, voltaria à infância com a restauração do trabalho remoto? Não devemos
esquecer que, antes da sua fase industrial, o capitalismo esteve confinado
durante muito tempo a uma produção residencial.
Em toda a Europa, entre os séculos XVII e XVIII, a produção foi realizada
em casa, especialmente para actividades de tecelagem e fiação. Na verdade, a
obra foi essencialmente distribuída entre as residências da mesma aldeia.
Naquele tempo proto-capitalista, a Europa baseava-se numa economia de
subsistência, ou seja, numa economia onde o produtor consumia directamente a
sua própria produção. Com o desenvolvimento do capitalismo, os camponeses
seriam gradualmente transformados em trabalhadores, ou melhor, em camponeses-
trabalhadores porque o trabalho agrícola continuava a ser hegemónico. E o
trabalho pago em casa ainda era fragmentário, pontual. Durante dois séculos,
este sistema de trabalhos de casa era a norma de produção, tal como o salário
de peça era a forma predominante do salário emergente. Durante as épocas de
redução da actividade agrícola, a obra foi distribuída pelas casas da mesma
aldeia. Depois, as produções foram recuperadas pelos capitalistas mercantes
para remuneração.
Posteriormente, com a revolução industrial, os trabalhadores serão directamente
reunidos e concentrados nas novas fábricas, vastas oficinas mecanizadas. Com as
fábricas tornar-se-á generalizada a concentração maciça dos meios de produção
(energias, matérias-primas, maquinaria) e trabalhadores em unidades de produção
especializadas. Ao mesmo tempo, iniciar-se-á a desqualificação do trabalho, a
segmentação das competências, o trabalho fragmentado, na cadeia; e, acima de
tudo, o ritmo, a supervisão e o controlo dos trabalhadores aumentarão. Este
modelo de produção irá desenvolver-se ao longo do século XIX. No século XX,
tornar-se-á a norma dominante da organização do trabalho salarial, agora
codificada pela organização científica do trabalho.
Desde então, toda a sociedade capitalista tem sido estruturada em torno da
centralidade do trabalho salarial. O trabalho é definido como o marcador essencial
da identidade social. Ao fazê-lo, com o desenvolvimento do sistema capitalista,
o trabalho tornou-se uma categoria geral de unificação de todas as actividades
devido à generalização dos intercâmbios de mercadorias, à transformação de tudo
numa mercadoria. Assim, ao instituir o trabalho como uma categoria unificada e
objecto de intercâmbio económico, o trabalho tornou-se a categoria central.
Tornou-se o coração da vida, o centro das ocupações sociais, o caso da produção
e reprodução, a estrutura da socialização porque o trabalho está no centro da
identidade das pessoas que se definem pelo seu trabalho. Sem trabalho, sem actividade
profissional, de um dia para o outro, cada trabalhador perde a sua identidade
social uma vez que a categoria de trabalho é central para a existência. Mesmo
com subsídios de desemprego confortáveis, muitos desempregados sentem-se
inúteis, afundam-se na depressão, às vezes suicidam-se.
No entanto, desde o início do século XXI, com a acentuação da crise
económica, materializada pela tendência descendente da taxa de lucro e da
contracção dos mercados, assistimos ao surgimento de uma economia digital, a da
desmaterialização, acompanhada da desconstrucção do modelo salarial clássico.
Esta mudança, ligada à digitalização do consumo de produção, tende a perturbar
o estatuto do trabalho, as antigas formas de organização social e salarial.
Assim, na sua atual fase regressiva, o capitalismo senil, numa tentativa de
recuperar a sua juventude, na sua busca frenética de reduzir os custos de
produção, está a reviver os seus métodos primitivos originais: transformar a
casa numa unidade de produção digital. Através da ascensão das tecnologias
digitais, está a preparar a transição para uma economia desmaterializada, a
produção remota. Favorecida pela digitalização, a produção parece agora, como
na era das oficinas-casas do capitalismo primitivo, a ser realizada à
distância, entre o patrão, o cliente, e o trabalhador, o operador de execução.
É o regresso à produção nacional, tendo como pano de fundo a domesticação de
colaboradores reduzidos ao trabalho, na solidão social e no isolamento
profissional, no seu nicho residencial.
Agora, sob o pretexto de combater a pandemia
Covid-19, o capital, através dos governos, impõe a generalização do teletrabalho,
pelo menos nos sectores terciário, distribuição, comunicações, serviços,
engenharia e administração. Para o efeito, para perpetuar estas mudanças
económicas e sociológicas, os Estados estão a trabalhar, com a aprovação das
centrais sindicais, num clima de terror sanitário e de espanto psicológico
deliberadamente mantido para demolir a moral dos trabalhadores, para
desmantelar a legislação laboral clássica e, ao mesmo tempo, introduzir novos
regulamentos salariais relativos ao teletrabalho, que estão a ser generalizados
em todas as actividades económicas. Digitalizado. Durante os respetivos
primeiros confinamentos decretados em muitos países, milhões de trabalhadores
tiveram de mudar para o teletrabalho de forma improvisada e precipitada.
Em França, mais de 8 milhões de trabalhadores,
ou seja, 30% da população activa, foram colocados a trabalhar remotamente. Tudo parece
indicar, para observar as medidas draconianas impostas pelo governo de Macron,
que o teletrabalho está prestes a tornar-se a nova norma no mundo do trabalho. Mesmo
que seja apenas pela apreciável economia que permite em termos de instalações,
equipamentos, energia, etc.
Para convencer os
trabalhadores relutantes dos benefícios de trabalhar a partir de casa, os
empregadores apresentam o teletrabalho como sinónimo de maior "liberdade" com horários
flexíveis, poupança de tempo nos transportes, vestuário, custos de acolhimento
de crianças, etc. Da mesma forma, no alargamento do modelo de organização da chamada
plataforma de produção iniciada nos últimos anos, em que o neoliberalismo,
na sua forma desenfreada de culto da empresa, se aplica a transformar cada
trabalhador num "empreendedor de si mesmo", o teletrabalho tende
também, sob o pretexto da modernização da produção e do trabalho salarial, a
difundir esta cultura da autonomia do trabalhador que trabalha livremente em
casa (o empresário independente que trabalha livremente em casa e se. Explora a
si mesmo em benefício do capital).
Assistiríamos à degradação do trabalho assíduo através do regresso ao
capitalismo pré-industrial? Observar o renascimento do primitivo modelo
organizacional de trabalho, aplicado durante a fase emergente do capitalismo,
sentir-se-ia tentado a acreditar nele. Mas a resposta tem de ser qualificada,
porque sabemos que a história nunca se repete duas vezes. Mesmo que a história
se repita, "a primeira vez como uma tragédia, a segunda como uma
farsa."
O teletrabalho é uma fonte de custos de
produção reduzidos
Após o longo período do capitalismo comercial, seguido do capitalismo
industrial marcado pela concentração dos meios de produção (incluindo
trabalhadores assalariados) dentro de imensas unidades de produção em que o
poder de trabalho e a organização da produção de acordo com as técnicas
científicas são planeadas e geridas, a grande empresa multinacional, esta instituição
social do capital, viveria as suas últimas horas como alguns defensores mantêm?
Ao observar a generalização do teletrabalho em casa poderiamos ser levados a
pensar que sim. No entanto, este não é o caso. Por outro lado, uma coisa é
certa: hoje em dia, na era do trabalho digital, assistimos a novas formas de
exploração. Por conseguinte, é da maior importância questionar os verdadeiros
motivos das decisões empresariais e governamentais para generalizar o
teletrabalho, neste período marcado por uma profunda crise económica num
contexto de pandemia instrumentalizada e dramatizada para aterrorizar o
proletariado com vista a deixar subjugar-se assustadoramente.
Em todo o caso, o teletrabalho é um ataque total por parte dos empregadores
contra os trabalhadores. O problema é simples: teletrabalho significa a redução
das despesas de capital constantes (edifícios, escritórios, salas, internet,
computadores, dispositivos de comunicação, equipamentos de reprografia,
papelaria, serviços de secretariado, manutenção-portaria, energia, etc.) e a
reducção das despesas de serviço para os trabalhadores (transporte, senhas de
refeição, seguros no trabalho, etc.). Pior, o salário de taxa por serviço (trabalho
à peça diziamos na época das “manufacturas”) e os empregos a termo (contratos a
termo) florescem ao abrigo da fórmula de contratos falsos de "auto-empreendedores".
A grande empresa global contrata trabalhadores independentes em contratos a
termo que supostamente são "independentes" em empregos precários.
No resto do tempo, o efémero e precário "associado" é o
desemprego forçado. Assim, o empregador evita contribuições para a Segurança
Social e não contribui para o plano de pensões destes "parceiros"
precários, atomizados (ocasionais ou regulares). Tudo isto para grande
benefício da empresa e dos seus accionistas. Esta forma de organização de
trabalho flexível permite também alargar as horas extraordinárias de trabalho
não remunerado (redução do capital variável e aumento do valor excedentário).
Esqueça os dias de trabalho de 7 horas. Bem-vindos aos longos dias de trabalho
de 10 a 12 horas de trabalho a partir de casa operados com meios digitais de
comunicação escravizados. Para manter a produtividade enquanto trabalham a
partir de casa, algumas empresas usam tecnologias de monitorização que
rastreiam os seus colaboradores, incluindo a partilha obrigatória de ecrãs,
monitorização de páginas web visitadas e cliques por minuto, e até mesmo
permitindo webcams ao longo do dia. Esta vigilância intensiva dos colaboradores
faz parte da política de vigilância da população estabelecida pelos Estados do
grande capital mundializado. O capital encontrou o processo de submeter o
trabalhador à ditadura da máquina de produção, que também se torna o seu
cerberu omnipotente e omnipresente. O paraíso da empresa just-in-time em
constante concorrência com empresas de fluxo constante. Sem mencionar que esta
fragmentação das unidades de produção e da mão-de-obra leva ao isolamento dos
trabalhadores, acentua a sua desfiliação, dessocialização, atomização. Cada
"parceiro" precário encontra-se sozinho na negociação do preço de
venda do seu poder de trabalho em concorrência com todos os outros
"parceiros" efémeros dos patrões unificados, como na época do
aparecimento do capitalismo.
Esta é a chamada
"Nova Ordem Mundial" que o grande capital está a preparar, iniciada
pelo chamado "Grande
Reset". Sem dúvida, a nova ordem em curso será um nado-morto porque será
sufocada na barriga estéreba da sociedade capitalista por uma sucessão
interminável de quebras no mercado de acções, períodos de hiperinflacção,
cascatas de falências corporativas e desvalorização cambial, explosão de
desemprego e angústia social, num cenário de insurreições populares
permanentes, e, provavelmente, de uma derradeira revolução emancipatória.
Na verdade, o grande capital mundial e os seus lacaios políticos instalados
no poder, acorrentados como estão ao modo de produção capitalista moribundo
cujas leis inevitáveis aplicam escrupulosamente, não conseguem criar uma nova
ordem mundial (um novo modo de produção social), porque o capitalismo está na
sua fase de degeneração avançada, mantida em sobrevivência com a ajuda de
sondas bancárias, por outras palavras, sob infusão de créditos.
Seja como for, a quimera do teletrabalho é claramente fácil de desmascarar.
Face à tendência de decréscimo da taxa média de lucro geral, os vários fundos
capitalistas mundiais são obrigados a reduzir os seus custos de produção. Em
primeiro lugar, foi, inicialmente, na década de 1970/1980, através da deslocalização
das suas unidades de produção para países com baixos custos de mão-de-obra.
Hoje, com o aumento dos salários nos países emergentes, o grande capital e os
seus lacaios governamentais caminham para o teletrabalho, a fim de produzir
mais valor excedentário a um custo mais baixo, transferindo parte dos custos de
produção e encargos sociais para a remuneração salarial, esta besta de carga
agora chamada de "associada", acorrida à sua própria alienação.
Graças aos sucessivos confinamentos, o Estado impôs o teletrabalho. Após
quase dois anos de experimentação, muitas empresas aproveitaram a oportunidade
para rescindir os seus contratos de arrendamento ou reduzir a sua área
arrendada. Através destas medidas, conseguem assim poupanças substanciais, uma
vez que as instalações representam a segunda maior rubrica de despesas após os
salários. Sem dúvida, o teletrabalho tende a ser sustentável, devido ao
encerramento de instalações ou à redução das áreas alugadas, agora incapazes de
acomodar todos os colaboradores ao mesmo tempo.
A generalização do teletrabalho faz
parte de um dos planos definidos pela agenda do capital
Tudo está de acordo: um dos programas definidos pela agenda do capital
ocidental em crise é generalizar o teletrabalho, através da instrumentalização
da pandemia, mediaticamente amplificada e estatisticamente falsificada, para
justificar a reconfiguração da ordem económica. No final, com esta "crise sanitária"
instrumentalizada, mesmo que o capitalismo ocidental tenha perdido milhares de
milhões de euros nos últimos meses, em resultado da diminuição da actividade
económica e do aumento exponencial do crédito, acabará por ganhar nos próximos
anos, graças em particular ao teletrabalho, factor de redução substancial dos
custos. Esta é a razão pela qual, particularmente em França, o governo continua
a manter um clima de psicose pandémica para forçar os trabalhadores que já
trabalham a partir de casa a perpetuar este modelo de trabalho, e o
recalcitrante a cumpri-lo. Mesmo que uma certa franja dos empregadores pretenda
opor-se ao teletrabalho, o grande capital, através do governo, está a
pressionar para o impor definitivamente. Ao fazê-lo, a pretexto de evitar o
confinamento, o governo, em vez de investir no aumento de camas e centros de
atendimento, aumenta a pressão sobre os trabalhadores para os forçar a adoptar o
teletrabalho. O que se prova por este artigo, retirado da BFM Business.
"Num e-mail dirigido aos seus membros, o Medef (organização sindical dos
empregadores) de Ile-de-France transmite a insistência da prefeitura de Paris
(responsável pela Ile-de-France) para relançar o teletrabalho. Porque se um confinamento
de fim de semana se tornar mais claro, o desafio é, acima de tudo, evitar confinar
a região durante a semana. Faça tudo para evitar fechar a primeira região
francesa. Enquanto a Ile de France é um dos territórios "sob
vigilância" face ao ressurgimento de casos covid-19. Num e-mail dirigido
aos seus membros, o Medef de Ile-de-France transmite o apelo da prefeitura de
Paris para reforçar o teletrabalho. "Estamos seriamente alertados pela
prefeitura regional sobre uma provável reconfinição nos fins de semana em
Ile-de-France", escreve Daniel Weizmann, presidente do Medef local.
"Para evitar medidas mais drásticas, o prefeito regional Marc Guillaume pede-nos
que consciencializemos as nossas redes para aumentar a mobilização de empresas
na região de Paris em teletrabalho." "Consciente dos esforços já
feitos pelas empresas, a autarquia regional apela às empresas que possam
reforçar o trabalho nas próximas semanas", insiste o e-mail. Há que dizer
que o teletrabalho sofreu um sério relaxamento nos últimos meses. Tanto que a
ministra do Trabalho bateu com o punho na mesa no início de Fevereiro, já não
hesitando em mencionar os sectores e os nomes das empresas que não iriam jogar o
jogo. A Inspecção do Trabalho emitiu 52 avisos formais desde Outubro. »
"Pelo menos 10 anos foram ganhos, graças à pandemia, para acelerar a
introdução do teletrabalho, em comparação com um processo normal", refere
um comunicado numa televisão por um economista. Assim, com a sua declaração,
"vendeu o pavio", divulgou o segredo da instrumentalização da
pandemia Covid-19.
Continuo a pensar que
a generalização do teletrabalho faz parte de um dos planos definidos pela
agenda do capital neste período de pandemia instrumentalizada. Por plano e
agenda, não devemos concluir conspiração. Esta "agenda de
teletrabalho" faz parte das implacáveis leis do capitalismo, da mesma
forma que no passado a robotização das fábricas, as realocações. No entanto,
certamente, estas são leis imparáveis do capital, mas conscientemente
executadas pelos seus agentes lúcidos, os grandes poderosos e os seus capangas
governamentais, não num espírito conspiratório, mas num processo impulsionado
por uma dinâmica interna do capital em transformação perpétua para superar os
obstáculos da sua valorização. O capital insiste em impor o teletrabalho, custe o que custar, mesmo à custa da
deterioração das condições de trabalho, da saúde dos trabalhadores, da
discriminação da legislação laboral.
Os Estados pretendem reduzir a ala
imobiliária, portanto, a massa salarial
Neste sentido, segundo os economistas, a transformação dos locais de
trabalho tende a acelerar no sector privado, mas também nos serviços públicos e
nas suas administrações. A longo prazo, as administrações públicas terão menos
escritórios e espaços colectivos dedicados a acolher o público (desde o início
da pandemia, em muitos países, os procedimentos são realizados apenas por
telefone ou online, um serviço agora chamado e-démarche. Inevitavelmente, esta
reorganização administrativa será perpetuada). É certo que os Estados pretendem
reduzir a ala imobiliária e, consequentemente, a massa salarial.
Para nos limitarmos ao caso da França, como salienta Alain Resplandy
Bernard, chefe da Direcção Imobiliária do Estado, durante a Rencontres autour
de l'imobilier public demain, organizada em 22 de Junho de 2021 pelo Ministério
da Economia e Finanças: com "97 milhões de metros quadrados mal
conservados apesar dos sete mil milhões de gastos anuais em rendas, manutenção
e investimentos, o Estado pretende reduzir a ala imobiliária e libertar metros
quadrados de escritórios." O objectivo definido: "reduzir o consumo
de energia em dois terços e adaptar os espaços de trabalho a uma menor ocupação
por parte dos funcionários públicos, que também passaram a um ritmo mais
sustentado de teletrabalho com a crise sanitária". O director de imóveis
do Estado promove o "escritório flex" tribal [escritório não
atribuído] por famílias de ofícios.
Além disso, a longo prazo, o teletrabalho terá consequências nos espaços
imobiliários, reduzidos ao mínimo, mas também terá impacto em empregos
qualificados. O aumento do teletrabalho levará a uma deslocalização
profissional massiva. Como resultado, com a difusão do teletrabalho, muitas empresas
em países capitalistas desenvolvidos poderiam recorrer a mão-de-obra mais
barata em países emergentes. Isto é o que emerge do estudo do Instituto Tony
Blair para a Mudança Mundial. De acordo com esta organização mundialista, a
amplificação do teletrabalho pode levar a um "movimento maciço de
deslocalização de cargos qualificados no sector dos serviços". De acordo
com este instituto liberal britânico, o reforço do teletrabalho pode
desencadear efeitos semelhantes à "perda de postos de trabalho na indústria
transformadora observados na década de 1970". No Reino Unido, quase 20% da
força de trabalho, ou 6 milhões de trabalhadores, realizam uma actividade
profissional no sector terciário potencialmente "relocável". Esta
deslocalização profissional diz respeito a engenheiros, contabilistas,
designers gráficos, desenvolvedores web ou gestores de marketing. Do outro lado
do Atlântico, os economistas estimam mesmo que 40% dos empregos americanos
altamente qualificados possam ser afectados pela deslocalização profissional,
conhecida como "telemigração", um conceito desenvolvido por Richard
Baldwin, economista do Instituto de Estudos Internacionais de Genebra.
No ano passado, no início da introdução do teletrabalho, o Grupo de Estudos
Geopolíticos (think tank francês e europeu) tinha, numa nota, alertado para o
desenvolvimento deste fenómeno de "telemigração": "Embora os
trabalhadores qualificados tenham sido protegidos até agora dos efeitos da mundialização,
a situação poderia mudar, muitos freelancers competentes, especialmente dos
países do Sul, são agora capazes de competir com eles. Para o economista
Richard Baldwin, o aumento das tecnologias de comunicação remota está a
promover este fenómeno de "telemigração". Segundo ele, as ferramentas
tecnológicas na tradução acabariam por permitir que "centenas de milhões
de trabalhadores independentes talentosos e baratos, excluídos da
'telemigração' por falta de competências linguísticas, comunicassem em inglês
ou francês suficientemente bem ou em qualquer outra língua amplamente
utilizada". Este fenómeno irá aumentar com a implementação gradual e
massiva do 5G, que multiplicará as velocidades de transmissão em 100.
Assim, a instrumentalização da pandemia por parte dos governos visa, para
além da destruição dos chamados sectores não essenciais, considerados obsoletos
do ponto de vista do grande capital na fase de digitalização e
desmaterialização da sua economia, mas também o reforço do teletrabalho, fonte
de ganhos de produção substanciais. É neste contexto de reconfiguração da
economia que temos de inscrever a ofensiva dos governos dos países europeus, em
particular do bloco atlântico, em geral.
A narrativa covidal do governo mascara o
cenário de refundação do capital
Desde o início da pandemia politicamente
instrumentalizada, o capital fixou-se, não pelo espírito da conspiração, mas
pelas leis imparáveis inerentes ao modo capitalista de produção em luta
perpétua para travar o fracasso da sua valorização, o aprofundamento da sua
crise sistémica gerada pela tendência da taxa de lucro a cair e pela contracção
do mercado, três objetivos. Dois económicos, um político.
O primeiro visa a destruição da maioria dos chamados sectores não
essenciais, isto é, os estabelecimentos que recebem o público (cafés,
restaurantes, cinemas, teatros, pavilhões desportivos, discotecas, bares,
estâncias de esqui, estâncias balneares, etc.), que se tornaram, do ponto de
vista do grande capital, obsoletos; ou, mais precisamente, no contexto da
corrida ao fundo das condições de vida actualmente em execução, para
corresponder aos rendimentos futuros dos proletários, profundamente aplanados,
drasticamente reduzidos, e as suas necessidades essenciais para a sua
reprodução, reduzidas às necessidades estritas (pagar a renda, comprar
alimentos básicos), tornando impossível, devido à sua insolvência, qualquer
consumo superficial, incluindo as famosas despesas de lazer, dedicadas a
restaurantes, férias, viagens, lazer, cultura, etc., agora financeiramente
inacessíveis à maioria da população pobre e obscura.
O segundo visa acelerar a generalização do teletrabalho, reforçado por
razões de poupança de custos de produção, gerados por esta nova organização de
trabalho rentável para o capital.
O último trabalho é acostumar a população, cada vez mais sujeita a medidas
coercivas, à militarização da sociedade, à corporalização das mentes, à
vigilância em massa, ao rastreio electrónico, noutras palavras, para domar a
governança pelo terror, hoje favorecida pelo clima de psicose viral espalhada
pela população agora imobilizada pelo espanto e infectada com patologias
psicossomáticas, com o propósito de demolir psicologicamente e continuar
socialmente a escravizar o proletariado, a fim de remover qualquer indício de
revolta, e acima de tudo, porque é totalmente atomizado, dessocializado e
medicado, para levá-lo mais facilmente para o futuro inevitável de confrontos
armados do mundo em preparação, a flor com a arma, a bandeira a esvoaçar ao
vento e o hino nacional patrioticamente cantado.
Sem dúvida, o vírus tornou-se o melhor aliado do capital para vacinar o proletariado
contra a sua propensão doentia e subversiva, o seu temperamento instintivo
rebelde, a sua inclinação inata à insurreição. Só que o proletariado resiste a
todas as injecções propagandistas e injunções despóticas: nenhuma picada de
manipulação ou repressão pode enganá-lo, domá-lo.
Assim, desde o início do surto da pandemia, os Estados capitalistas têm
trabalhado em duas frentes. Enquanto ocupam as populações pela interminável
novela covidal escrita nos meios de comunicação, pontuada por reviravoltas catastróficas,
num cenário de propagação assustadora de psicoses susceptíveis de despertar
espanto, aniquilação psicológica, prostração moral aliada à prostração social,
os governantes estão a trabalhar, nos bastidores, para refundar o sistema
capitalista, tanto através da destruição de sectores obsoletos como da
construção de modelos de produção. digitalizada, objectivada em particular pela
generalização do teletrabalho, a transicção de uma sociedade consumista para
uma sociedade espartana baseada na austeridade e na destituição.
As últimas resoluções do governo de Macron fazem parte desta dinâmica de
aceleração do reforço do teletrabalho, considerada insuficientemente
operacional. Nas últimas semanas, a pretexto do surto da variante Omicron,
todos os Estados europeus se têm empenhado na ofensiva para impor o teletrabalho.
Em França, após o Conselho de Defesa de segunda-feira, 27 de Dezembro de
2021, o primeiro-ministro confirmou que o teletrabalho passará a ser
obrigatório: "A partir do início do ano letivo, o uso de teletrabalho será
obrigatório em todas as empresas e para todos os funcionários para os quais
seja possível por um mínimo de três dias e se possível quatro dias".
disse, numa conferência de imprensa. Para aprovar esta resolução governamental,
a ministra do Trabalho, Élisabeth Borne, é responsável por reunir os parceiros
sociais para implementar esta medida destinada a ser sustentável após a sua
aprovação por uma lei oficialmente integrada no Código do Trabalho.
Nesta perspetiva, especialmente em França, para dar um impulso ao
teletrabalho, o governo de Macron decidiu aumentar os controlos e sanções
contra empresas "que não querem aplicar teletrabalho quando podem".
Este endurecimento responde ao calendário do poder determinado a generalizar o
teletrabalho, antes do desmoronamento e descrédito da novela covidal, a desmistificação
da impostura sanitária.
O porta-voz do governo, durante as conferências de imprensa, num tom
apocalíptico, lembrou-nos repetidamente da necessidade de implantar o teletrabalho.
"O vírus está a precipitar-se em todas as brechas que deixamos. Um grande
número de infeções ocorrem no local de trabalho", disse, acrescentando que
"quase metade delas estão relacionadas com pessoas que têm trabalhado estando
sintomáticos". Assim, aliás, o governo francês – tal como a maioria dos
governos dos países ocidentais – reconhece que o local de trabalho é a
principal fonte de contaminação covid-19, seguida das escolas. No entanto,
apesar de ter ordenado a todas as empresas de serviços, no sector terciário e
na administração pública, que fechassem as suas instalações para recorrerem ao
teletrabalho, nunca forçou as outras empresas de produção, logística e
construção, que, no entanto, concentram centenas de funcionários por local, a
pararem a sua atividade para evitar a propagação do vírus. Estará o Governo
francês a agir por motivos médicos, caso em que teve de ordenar o encerramento
de todas as empresas para conter a propagação do vírus, ou por cálculo
económico, com o objetivo de generalizar o teletrabalho nos sectores terciário
e administrativo? Por que padrões duplos? Porquê entregar os trabalhadores da
produção, logística e construção ao chamado vírus perigoso mantendo-os no
trabalho? Paradoxalmente, nos últimos dois anos, apesar da abertura contínua
destas empresas, a promiscuidade nestes locais de trabalho supostamente como
vetores de contaminação do Covid-19, não testemunhámos nenhum massacre de
trabalhadores dizimados pelo vírus.
"A solução é o teletrabalho. Estamos a reforçar o teletrabalho,
estamos a encorajar as empresas a usá-lo. Temos uma exigência muito especial em
relação às administrações por razões sanitárias, mas também por razões de
exemplo. Vamos reforçar os controlos e sanções para as empresas que claramente
não querem aplicar esta medida", acrescentou o porta-voz do governo. Sem
demora, o Governo de Macron anunciou a promulgação de um decreto que poderia
permitir à inspecção-geral do trabalho, assim, sem passar por um processo
judicial, sancionar empresas recalcitrantes com uma coima administrativa até
1.000 euros por trabalhador, dentro do limite de 50.000 euros.
O capital está resolvido, sob a ameaça de um vírus da gripe banal, a
perturbar radicalmente a organização do trabalho através da generalização do
teletrabalho. Já, para citar apenas o caso da França, na sequência de
sucessivos confinamentos, o teletrabalho deu origem à celebração de muitos
acordos de empresa negociados com os parceiros sociais: 2.720 em 2021, segundo
dados do Ministério do Trabalho, depois de 1.980 para o ano de 2020.
No entanto, mesmo que o número de contratos de empresa tivesse subido quase
40% desde o ano passado, metade destes acordos prevêem apenas dois dias de
teletrabalho máximo por semana. No entanto, o objectivo do governo Macron, ou
seja, o capital, é aumentar substancialmente o número de acordos de empresa,
mas acima de tudo aumentar o número de dias de teletrabalho para 4 dias, e depois,
no final, para 5, ou seja, durante toda a semana.
Uma coisa é certa, de acordo com um estudo recente da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), transmitido pelo diário de
notícias económica e financeira Les Échos, com data de 29 de Dezembro de 2021,
a tendência para o teletrabalho deve continuar. Para apoiar as suas previsões,
a OCDE baseou-se na evolução das ofertas de emprego disponíveis na plataforma Indeed em 20 países. As
ofertas de emprego para teletrabalho estão a aumentar. Além disso, de acordo
com a OCDE: "O teletrabalho está aqui para ficar, especialmente em países
com elevados níveis de prontidão digital."
Sem dúvida, o teletrabalho está destinado a tornar-se generalizado e
sustentável. Por razões de economia, de redução dos custos da produção de
conhecimento, o próximo sector destinado a passar sob as garras do teletrabalho
é o sistema educativo. A aprendizagem à distância desenvolver-se-á. Os futuros
teletrabalhores serão os professores que vão dar as suas lições de casa para
estudantes, isolados em casa, instalados em frente ao seu ecrã, a sua única
ligação social virtual.
Os primeiros efeitos do aumento do teletrabalho começam a fazer-se sentir.
Desde a entrada em vigor da obrigação de teletrabalho, a 3 de Janeiro de 2022,
as cidades abrandaram, as ruas estão menos congestionadas, as lojas esvaziadas
dos seus clientes, cafés e restaurantes desertos, teatros e cinemas menos
lotados. Todos os sectores que acolhem o público estão a sofrer, a clientela
está extremamente desprovida. A introdução do passe vacinal, o reforço dos
controlos, a generalização do teletrabalho, esvaziaram estes estabelecimentos
eufemisticamente designados por não essenciais (do ponto de vista do grande
capital, claro está). "Temos uma queda média de actividade de 30%. Alguns
hotéis perdem 50% do seu volume de negócios. E tem a maioria dos profissionais,
restaurantes, cafés e bares que estão em declínio de 30% na actividade. Nas
áreas de negócio, estamos perto dos 50%". "Para mim, esta é a vaga de
fundo enorme economicamente para a nossa indústria. Nunca tive tantos
testemunhos de angústia. Um verdadeiro cansaço e um verdadeiro medo do
amanhã", lamenta Pascal Mousset, presidente do grupo de independentes de
Île-de-France.
É certo que o Ministro
da Economia anunciou novas medidas para ajudar as empresas. Mas, ao contrário
dos planos de apoio do primeiro ano da pandemia, em que a ajuda foi concedida
sem condições, sob o slogan macroniano demagógico "Custe o que custar", desta vez,
devido ao agravamento dos critérios de atribuição, apenas as empresas que
perderam 65% do seu volume de negócios seriam elegíveis para auxílios estatais.
Quando sabemos que 85% das empresas perderão, em média, entre 30 e 50% do seu
volume de negócios, ou seja, todas estas empresas não beneficiarão de qualquer
auxílio. Eventualmente, a maioria das instituições irá à falência. De acordo
com a União des métiers et des industries de l'hôtellerie (Umih): "79% dos
restauradores perderam pelo menos 30% do seu volume de negócios na penúltima semana
de Dezembro. Contatação não muito boa também para 85% dos cafés e bares que
evocam 30% dos cancelamentos de reservas".
Certamente, está a ser desenvolvida uma refundação profissional que é
benéfica para os patrões, mas prejudicial para os teletrabalhadores,
socialmente, financeiramente e psicologicamente.
Porque o teletrabalho, de acordo com muitos estudos recentes, incluindo o
da empresa Empreinte Humaine, faz explodir o burnout, materializado por depressões graves, distúrbios
psicológicos múltiplos, ideação suicida, deve tornar-se uma questão importante
de preocupação com a saúde pública para todos os trabalhadores, pelo que a luta
contra a degradação das condições de trabalho.
Actualmente, a pequena burguesia das empresas, dos serviços e do sector
terciário é a primeira categoria alvo de ataques patronais e governamentais.
Inevitavelmente, estas violentas medidas anti-sociais, que também são
psicologicamente destrutivas, conduzirão à sua precariedade, ao seu
empobrecimento e, a longo prazo, à sua proletarização. É certo que estas
categorias socio-profissionais devem organizar a sua resistência, mas não
contra as novas tecnologias, as aplicações digitais e o teletrabalho, mas
contra a deterioração das suas condições sociais, a queda do seu salário real; a
desterritorialização da sua actividade em países emergentes de baixo custo, portanto
a espoliação da sua força de trabalho; o seu isolamento profissional, vector de
deterioração do seu estado psicológico, de aniquilação das interacções sociais,
de deslocação das suas organizações de luta.
Uma coisa é certa: todos os trabalhadores terão interesse em apoiar a
resistência dos trabalhadores do sector terciário submetidos ao
"espoliador" e desumanizador do teletrabalho forçado despoticamente
decretado pelo capital para seu grande proveito.
Khider Mesloub
Este
artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
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