quinta-feira, 26 de setembro de 2024

A táctica do anti-fascismo e da Frente popular (1934-38)

 


A táctica do Comintern (Parte 4, cap. 5)

Continuamos aqui a publicação e tradução para francês - até agora inédita, tanto quanto sabemos - do texto de Vercesi sobre as etapas da degenerescência da Internacional Comunista a partir de 1926 e da alternativa política de classe que a fracção de esquerda do PC italiano apresentava então ao proletariado e às outras oposições - aquela em torno da figura de Trotsky - e esquerdas comunistas - germano-holandesas. O capítulo que publicamos aqui, A tática do antifascismo e a frente popular, cobre o período de 1934 a 1938. Foi publicado em duas partes em Prometeo #6 de Março-Abril de 1947 e #7 de Maio-Junho de 1947. Fazemos o mesmo nesta edição. A segunda parte deste capítulo será publicada no nosso próximo número.


A táctica do anti-fascismo e da Frente popular (1934-38)

 

A

subida de Hitler ao poder (30 de Janeiro de 1933) não provocou uma mudança radical imediata nas tácticas do Comintern, que continuou a concentrar-se na fórmula do anti-fascismo analisada no Capítulo 4.

A Segunda Internacional propôs um boicote aos produtos alemães e convidou o Comintern a participar numa campanha internacional para despertar a indignação do “mundo civilizado contra a tirania nazi”. O Comintern recusou, mas não se opôs em princípio, o que dificilmente poderia ter feito, uma vez que em 1929 - numa altura em que a tática de aliança com a social-democracia ainda não tinha sido abandonada - tinha sido o Comintern a propor um vasto boicote internacional à Itália fascista. E, na altura, foi a Segunda Internacional que utilizou o expediente da tergiversação, fornecendo assim o pretexto para que o Comintern utilizasse o mesmo método após a chegada de Hitler ao poder.

O “boicote” aos produtos alemães, ao implicar a incorporação do movimento proletário no seio do capitalismo “anti-fascista”, inscrevia-se perfeitamente na lógica da política social-democrata que, desde 1914, apelava às massas operárias para que se lançassem na guerra entre os Estados capitalistas, fazendo causa comum com esta constelação imperialista que pretendia lutar “pela liberdade e pela civilização”. A classe que, no domínio da produção ou do comércio internacional, pode decidir se boicota ou não este ou aquele sector da economia mundial, é evidentemente a classe burguesa. O apelo da social-democracia a esta classe não é novo, mas a confusão que já reinava nas fileiras da vanguarda proletária deve ter sido evidente no apoio dado a esta campanha de boicote pelo movimento trotskista, que se encaminhava para a táctica descrita como “entrismo” - isto é, aderir aos partidos socialistas para reforçar a sua ala esquerda - e pelo S. A.P. (Sozialistische Arbeiter Partei), que nasceu da união das correntes de esquerda dos partidos comunista e socialista alemães.

Já dissemos que o Comintern não tomou uma posição frontal e de classe contra a proposta da Segunda Internacional. Isto era natural, dado que toda a táctica do “fascismo social” tinha sido, em última análise, uma táctica de apoio ao movimento nazi, e que o advento de Hitler significava uma melhor organização das trocas económicas entre a Rússia e a Alemanha. Ao mesmo tempo que aumentava a intervenção do Estado no domínio económico, Hitler previa uma garantia especial do Estado para os grupos industriais que recebiam encomendas da Rússia e tinham de esperar muito tempo pelo pagamento.

A nível internacional, a diplomacia russa actuou de forma convergente e Litvinov [1] reuniu-se com as delegações italiana e alemã na Conferência do Desarmamento de Genebra, para apoiar a tese “pacifista” do desarmamento por planos, a aplicar imediatamente, contra a tese francesa, igualmente “pacifista”, baseada na fórmula da preeminência da noção de segurança (isto é, a garantia do predomínio dos vencedores de Versalhes) sobre as noções de arbitragem e de desarmamento.

Foi nessa altura que Mussolini concebeu a ideia do Pacto Quadripartido (França, Alemanha, Inglaterra e Itália); a ideia dos Quatro Grandes, retomada pelo arqui-democrata Byrnes em 1946 e apoiada pelo trabalhista Bevin, embora os actores tivessem mudado. O Pacto Quadripartido, assinado em Roma em 7 de Junho de 1933, afirmava: “As partes contratantes comprometem-se a consultar-se conjuntamente em todos os seus assuntos e a envidar todos os esforços para prosseguir, no âmbito da Sociedade das Nações, uma política de colaboração efectiva entre todas as potências para a manutenção da paz”. O pacto foi assinado por dez anos e previa a possibilidade de uma revisão do tratado. Esta hipótese já se tinha tornado realidade, uma vez que, após a moratória proclamada em 1931 por Hoover, na conferência de Lausanne em 1932 - e enquanto ainda existia um governo “democrático” na Alemanha - a Alemanha foi explicitamente libertada do pagamento de reparações.[2]

É sabido que Hitler desmantelou as cláusulas do Tratado de Versalhes, uma a uma, não através de consultas de tipo parlamentar, mas através de golpes espectaculares. Quatro meses após a assinatura do Pacto Quadripartido, Hitler abandonou a Liga das Nações e organizou um espectacular plebiscito. Esta política de “facto consumado”, de “punho na mesa”, estava totalmente de acordo com a necessidade de preparar as massas para a guerra, e Hitler foi forçado a isso pelo facto de a economia alemã não poder encontrar outra saída para a situação que não fosse uma intensificação imediata da indústria de guerra. E para que isso acontecesse, precisava do apoio das massas. As potências “democráticas” deixaram as coisas assim por enquanto, à espera que a situação internacional atingisse o ponto de saturação que esperavam antes do início da Segunda Guerra Mundial.

Mas a essência do Pacto Quadripartido era, acima de tudo, uma manobra para manter a Rússia afastada da Europa e, ao mesmo tempo, apoiar a Alemanha de modo a que esta se espalhasse não para o Ocidente anglo-francês, mas para o Leste russo e, em particular, para a Ucrânia.

É nestas circunstâncias internacionais particulares que amadurecem as novas tácticas do anti-fascismo e da Frente Popular do Comintern: a Rússia volta-se para as potências “democráticas”. No Outono de 1933, os Estados Unidos reconheceram a Rússia de jure e o Rundschau escreveu um artigo intitulado: “Uma vitória para a URSS - Uma vitória para a revolução mundial”.

Politicamente, o primeiro sinal desta mudança de táctica surge no processo de Leipzig, em Dezembro de 1933. O anarquista holandês van der Lubbe, que tinha incendiado o edifício do Reichstag em 27 de Fevereiro de 1933, um mês após a tomada do poder por Hitler, vai ser julgado nesse tribunal. O Comintern e a Segunda Internacional desencadearam imediatamente uma campanha obscena de demagogia: O fascismo, o nazismo, tinha destruído a sede sagrada da democracia alemã; um contra-julgamento seria organizado no epicentro do capitalismo mais conservador, em Londres; um “Livro Castanho” seria publicado pelos anti-fascistas e Hitler, que tinha compreendido magnificamente o verdadeiro significado desta imensa farsa mundial, acrescentaria novas notas à sacrossanta indignação universal contra o ataque à sede da democracia burguesa: a imprensa estrangeira seria admitida no julgamento em Leipzig, onde um dos réus, o centrista[3] Dimitrov, concluirá dizendo:

Peço, portanto, que Van der Lubbe seja condenado porque actuou contra o proletariado”. E os juízes nazis “vingaram” o proletariado, pois Van der Lubbe foi condenado à morte e, portanto, executado, enquanto os outros acusados centristas foram absolvidos e ilibados da “infame acusação”.

Entretanto, à sombra de toda esta agitação internacional, desenvolvia-se a feroz repressão de Hitler sobre o proletariado alemão. Enquanto a campanha em torno do processo de Leipzig atingia o seu clímax, apenas algumas linhas foram dedicadas ao processo contemporâneo de Dessau (28 de Novembro de 1933), que foi reduzido a um episódio insignificante nas notícias: “Dez sentenças de morte foram proferidas pelo tribunal de Dessau contra comunistas acusados de assassinar um soldado hitleriano.”

Vimos no capítulo 4, consagrado à táctica do “fascismo social”, que Hitler, ao contrário da táctica seguida pelo fascismo em Itália em 1921-22, tinha baseado a sua acção no plano essencialmente legalista do desmantelamento progressivo das instituições democráticas alemãs dos seus cúmplices sociais-democratas. Que bela oportunidade, então, para os revolucionários marxistas lançarem uma acção internacional para impedir que a mão do carrasco nazi caísse sobre o anarquista Van der Lubbe, responsável pelo incêndio de uma das instituições fundamentais do capitalismo, que tão bem tinha servido também para facilitar a subida de Hitler ao poder! Mas os revolucionários marxistas ficaram reduzidos ao círculo restrito da corrente da esquerda italiana que impunha a luta de classes tanto contra o nazismo vitorioso como contra a democracia sucumbente na Alemanha, enquanto os próprios trotskistas apoiavam a social-democracia, decidindo aderir aos partidos socialistas.

Como já dissemos, as novas tácticas do Comintern foram definidas a nível internacional e em função dos interesses particulares e específicos do Estado russo. À fórmula do “social-fascismo” sucedeu a fórmula oposta do anti-fascismo, do bloco democrático, da defesa da democracia, da luta contra os sectários (fascistas), uma táctica que incluía a defesa do Negus da Abissínia, a luta anti-Franco e, finalmente, a instauração do voluntariado através dos movimentos de “Resistência” durante a Segunda Guerra Mundial Imperialista.

***


Na Rússia, em 1932, o primeiro plano quinquenal foi um êxito total. Executado em quatro anos em vez de cinco, tinha, na indústria pesada, ultrapassado os objectivos fixados à partida. No primeiro capítulo desta análise da táctica do Comintern, salientámos que, embora não se possa imaginar qualquer oposição entre os primeiros planos concebidos por Lenine em 1918 e as considerações de princípio que o levaram a fazer o recuo que tem o nome de NEP, existe uma oposição de princípio entre os primeiros planos económicos de Lenine, a NEP, e os planos quinquenais de Estaline. Seguindo as pegadas de Marx e dos seus diagramas da economia capitalista, a ideia de Lenine de planificação económica essencial baseava-se no desenvolvimento da indústria de consumo, à qual se devia adaptar o desenvolvimento da indústria de produção. A própria NEP baseia-se nesta consideração de princípio, e não teria sido necessário adoptá-la se o objectivo não fosse o de elevar as condições de vida dos operários; se o objectivo fosse puramente capitalista, de acumulação intensiva para o desenvolvimento da indústria pesada, Lenine não teria tido necessidade de fazer concessões aos camponeses e à pequena burguesia - elementos económicos e políticos que não eram úteis mas prejudiciais às colossais realizações industriais. Ele fez essas concessões a fim de manter a orientação da economia soviética na linha da constante melhoria das condições de vida dos operários. Estaline rompeu com os princípios marxistas de Lenine tanto no campo económico interno da Rússia, quando instituiu os planos quinquenais que só podiam atingir as alturas da industrialização intensificando a exploração dos operários, como no campo político, com a expulsão do Comintern de qualquer tendência que se mantivesse no plano internacional e internacionalista e se opusesse à teoria e à política nacional e nacionalista do “socialismo num só país”.

O primeiro plano quinquenal foi um êxito total. Seguindo as pisadas dos seus compatriotas capitalistas de todos os países, Estaline lançou-se no segundo plano quinquenal (1932-1936), declarando que se tratava agora de atingir objectivos que, na realidade, seriam completamente opostos aos que tinham sido declarados. Desde a sua chegada ao poder, o capitalismo sempre afirmou que a melhoria das condições gerais de vida dos operários dependia do desenvolvimento da economia e que quanto maior fosse a montanha de produção, maior seria a parte dos operários. Durante a preparação do segundo plano quinquenal, Estaline disse a mesma coisa: a indústria pesada tinha sido reconstituída, agora tratava-se de reconstituir os outros ramos da economia soviética e, consequentemente, melhorar o nível de vida dos operários. Foi durante o segundo plano quinquenal que apareceu a nova divindade Stakhanov; a essência do socialismo consistia agora numa corrida para a máxima eficiência do trabalho e no reforço simultâneo das capacidades económicas e militares do Estado soviético, no altar do qual todas as exigências salariais tinham de ser sacrificadas.

Esta orientação económica não encontrou qualquer reacção marxista no seio do Partido Russo e quando, no final de 1934, Nikolaev tentou assassinar o Secretário do Partido de Leninegrado, o “Centro de Leninegrado” foi alvo de uma feroz repressão”.[4] Estaline, antecipando os procedimentos que os nazis e os democratas iriam aplicar durante a Segunda Guerra Mundial Imperialista, recorreu a represálias. Não houve julgamento e 117 pessoas foram fuziladas. Entretanto, em Genebra, Litvinov juntou-se a uma moção que condenava o terrorismo e apoiava os argumentos “marxistas” de que o marxismo e o terrorismo eram irremediavelmente opostos. Para financiar o segundo plano quinquenal e obter matérias-primas essenciais, a Rússia teve de exportar cereais. Em 1 de Janeiro de 1935, o CC do Partido russo aboliu a carta do pão e o racionamento dos produtos agrícolas, com base na promessa de melhoria da situação dos operários. Os operários foram assim obrigados a aumentar o seu esforço de trabalho para que o seu salário lhes permitisse comprar no mercado livre, uma vez que o Estado “proletário” já não podia garantir - através dos armazéns do Estado - o controlo dos bens de primeira necessidade.

A mudança de táctica do Comintern foi, portanto, motivada pelas considerações inerentes ao Estado soviético a nível internacional e pela crescente oposição aos interesses dos operários russos.

A cruel derrota chinesa de 1927 tinha arrastado definitivamente a Internacional Comunista para o turbilhão da traição: só aqueles que queriam lutar pelo programa nacional e nacionalista do “socialismo num só país” podiam agora pertencer à Internacional Revolucionária. Os outros, os internacionalistas, foram primeiro expulsos e depois, na Rússia e em Espanha, massacrados; nos outros países, foram colocados na lista negra e, à medida que crescia a conivência dos partidos comunistas com o aparelho de Estado burguês, o “Estado democrático” foi convidado a provar as suas virtudes “anti-fascistas” abandonando toda a tergiversação e recorrendo à violência repressiva contra os “trotskistas”. Toda a gente era rotulada de trotskista se se opusesse à direcção contra-revolucionária da Internacional. Tal como no período que se seguiu à liquidação da Primeira Internacional, a cena política passou a ser ocupada por uma bandeira que não só multiplicava a dispersão e a confusão ideológica, como também tendia a polarizar a atenção dos poucos proletários revolucionários que tinham sobrevivido ao trágico massacre em torno de uma bandeira absolutamente inofensiva.

Em 1866-70, toda a gente era chamada de anarquista, incluindo Marx; e é sabido que a proposta de Marx de transferir a sede da Primeira Internacional da Europa para a América era uma resposta à sua convicção de que a nova situação histórica trazida pela derrota da Comuna não continha a possibilidade de manter uma organização internacional do proletariado. A sua manutenção só poderia favorecer a vitória das tendências anarquistas sobre as tendências puramente proletárias e revolucionárias. Depois de 1927, o epíteto em voga era “trotskista”. O pior de tudo é que o próprio Trotsky caiu nessa armadilha e permitiu que a Organização Internacional de Oposição se chamasse “trotskista”. Quando Marx tinha dito que não era marxista, queria indicar que a teoria e a política do proletariado se esclarecem no decurso da luta de classes, que constituem um método de conhecimento e de interpretação da história, e não um conjunto de versículos bíblicos a recitar depois de ter utilizado todos os sacramentos necessários para estabelecer a vontade do criador. E Trotsky - rompendo definitivamente com o que tinha sido a palavra de ordem de Marx, Engels e Lenine sobre o problema fundamental da construção do partido da classe proletária - observou que a vitória de Hitler anulava a possibilidade de “endireitar” a Internacional Comunista. Após uma análise da situação em que a forma deslumbrante da apresentação substituiu a compreensão marxista da realidade, lançou-se na aventura de trazer a Oposição para os Partidos Socialistas. Politicamente, era prisioneiro da hipótese histórica de que não era Estaline, mas Hitler, o super-Wrangel que centraria o ataque do capitalismo internacional na Rússia, levada à beira do colapso pela impossibilidade de executar os planos quinquenais. Enquanto este esquema político ia sendo totalmente desmentido pelos acontecimentos, a concentração da vanguarda proletária na defesa do Estado russo, conduzida ao desastre por Estaline, tornava totalmente inócua a posição política que Trotsky e a sua organização faziam ouvir em todos os países: Não só Estaline foi capaz, a partir do momento em que conseguiu impor uma exploração intensa ao proletariado russo, de levar a cabo os planos quinquenais, como o Estado soviético, incorporado no sistema do capitalismo mundial, iria conhecer não o desastre mas a vitória na guerra de 1939-1945. Ver em todo o lado - mesmo quando Mussolini atacava o Negus [5] – um episódio na luta do capitalismo mundial contra a Rússia, quando este Estado russo era agora - tal como os Estados democráticos e fascistas - um instrumento da contra-revolução mundial, Trotsky, que tinha sido um dos maiores líderes da Revolução de Outubro, tornou-se totalmente inofensivo para o capitalismo ; e o epíteto de trotskista que lhes foi atribuído a todos foi mais um elemento da confusão ideológica em que se encontrava o proletariado; tanto mais que Trotsky e a sua organização viam um êxito revolucionário crescente no facto de a sua mercadoria política gozar do êxito publicitário da grande imprensa.

Após a eclosão da crise económica mundial em 1929, o Comintern inverteu os termos de uma manobra política que tinha levado à imobilização da classe proletária: primeiro uma aliança com os sindicalistas e Chang-Kai-Shek, depois uma luta contra o “fascismo social”. Os termos podem ter mudado, mas a substância era a mesma. E, durante estas duas fases da táctica de desmantelamento progressivo da classe proletária, tanto na Rússia como noutros países, o Comintern apoiou-se numa multiplicidade de órgãos subsidiários que favoreceram a dispersão ideológica e política do proletariado. Durante o primeiro período, estes órgãos periféricos polarizaram-se em torno da palavra de ordem do anti-fascismo, enquanto durante o segundo período - o do fascismo social - a polarização foi feita em torno da fórmula da luta anti-guerra e da defesa da URSS.

***

Após a vitória de Hitler, avançámos para tácticas de Frente Popular e os sociais-fascistas de ontem tornaram-se “democratas progressistas”. Mas as mudanças na situação económica e política significavam que tinha de haver um movimento correspondente para colocar as massas operárias sob o controlo do Estado capitalista. Até 1934, o Comintern encontrava em todas as organizações periféricas um veículo suficiente para fazer avançar as suas posições contra-revolucionárias; a partir de 1934, quando o mundo capitalista não encontra outra saída para a formidável crise económica que o assola senão a preparação do segundo conflito imperialista mundial, tem de ir mais longe e conseguir que as massas aceitem como objectivo a modificação da forma de governo da classe burguesa. O movimento de massas deve ser unido e soldado em torno do Estado capitalista. Esta é a nova táctica da Frente Popular, cujo centro experimental se encontra primeiro em França e depois em Espanha. E não é de surpreender que o Estado soviético, que rompeu decisiva e definitivamente com os interesses do proletariado russo e internacional em 1927, seja capaz de fazer mudanças tão radicais e contraditórias com tanta casualidade, e que a política do Comintern siga a mesma linha. Quando Mussolini se vangloriou, em 1923, de ter sido o primeiro a reconhecer o Estado russo de jure, já tinha deixado claro que isso não implicava a mínima alteração da sua política ferozmente anti-comunista. Hitler repetiu-o depois de chegar ao poder.

De facto, o ponto em que as políticas dos Estados burgueses se encontram é numa base de classe e, neste sentido, há uma conjunção perfeita entre a política anti-comunista de Estaline e a de todos os outros governos capitalistas para restabelecer relações “normais” com o Estado russo, tornando-se um Estado “normal” da classe capitalista internacional. O reflexo internacional desta política anti-comunista, que é comum aos Estados democráticos e fascistas, bem como ao Estado soviético, só formalmente se exprime de forma contraditória, enquanto que substancialmente a linha é unificada e tende para o desfecho do conflito imperialista em que todos os “ideais” serão soberbamente comercializados para encher os crânios e colocar os proletários dos diferentes países uns contra os outros.

Marx, na sua Crítica ao Programa de Gotha, refutou a ideia de Lassalle da existência de uma única classe burguesa reaccionária, porque o simplismo de Lassalle conduziu não só à impossibilidade de compreender o complexo processo social que o capitalismo conseguiu polarizar em seu benefício, mas também à união do movimento proletário com forças puramente capitalistas que não pertenciam à categoria descrita como “conservadora”. Aqueles que vão na direção de Lassalle, que concebeu um socialismo estatista baseado em Bismarck, são as forças políticas que afirmam querer “corrigir” os abusos do capitalismo quando na realidade estão a assegurar o sucesso dessas formas abusivas, as únicas com direito a cidadania na fase histórica da decadência do capitalismo imperialista e monopolista.

Se na Alemanha e em Itália estas forças se chamavam fascistas, enquanto em França se chamavam socialistas e comunistas, o programa político era o mesmo. E se Blum não o conseguiu, enquanto Hitler obteve sobretudo um inegável sucesso no intervencionismo estatal, isso deveu-se às diferentes caraterísticas dos dois Estados capitalistas e ao lugar que cada um ocupava no processo de desenvolvimento do capitalismo na sua expressão internacional.

Quanto à expressão formal contrastante de um processo internacional e unitário, quanto ao facto de um Estado ser chamado fascista e o outro democrático, de a dominação burguesa ser exercida num país sob uma forma particular e noutro país sob outra forma, isto não apresenta qualquer dificuldade de compreensão para os marxistas. A classe burguesa é um todo do qual - a menos que se desvie do caminho recto do marxismo - nenhuma força pode ser separada do todo e condenada ou apresentada em oposição ao todo. No período do seu desenvolvimento coincidente com o final do século passado, viveu um confronto entre as suas forças políticas e sociais de direita e de esquerda (conservadores e democratas), mas na fase histórica da sua decadência, só poderá utilizar a velha divisão em direita e esquerda para as necessidades de propaganda e os interesses da sua dominação sobre o proletariado.

A França da Frente Popular e a Alemanha nazi estão ambas no mesmo plano imposto pela história do capitalismo. E se uma utiliza a ideologia anti-fascista e a outra a ideologia nazi, o objectivo é o mesmo: colocar as massas sob a disciplina firme do Estado e depois lançá-las no massacre da guerra. As relações entre os diferentes Estados burgueses não são fixas, pois dependem da sua evolução na cena internacional e da impossibilidade de intervenção de um elemento director consciente e voluntário das diferentes burguesias. Churchill é um exemplo de como é possível permanecer coerente e ferozmente anti-comunista, passando muito facilmente da luta à aliança com a Rússia ou a Alemanha.

Nesta evolução do processo unitário do Estado na fase imperialista do capitalismo, assistimos ao facto de certos Estados encontrarem nos Estados que se lhes opõem, na defesa dos seus interesses, o material político que facilita a mobilização das massas para os atrelarem à sua carroça e os desprenderem das suas bases de classe. Em Janeiro de 1933, quando Hitler chegou ao poder, a fórmula de governo que parecia mais à esquerda, dadas as contingências do momento, foi implementada em França, quando Daladier foi chamado ao governo por um parlamento que tinha ganho uma eleição de esquerda em 1932.

Quanto à política do Estado russo e à correspondente táctica do Comintern, ela era contra-revolucionária em toda a parte, mas adoptou expressões contraditórias ao longo do tempo. Por exemplo, com a política do “fascismo social” em 1930-33, porque o objectivo do capitalismo internacional estava então centrado na vitória de Hitler. Uma vez infligida esta terrível derrota ao proletariado alemão e mundial, e estabelecida esta vitória, a atenção voltou-se para outros países, nomeadamente para a França. O resultado foi a política que viria a ser enunciada na fórmula da Frente Popular, uma política que faria o negócio do capitalismo francês e alemão e de todos os outros países. E a ideia de pátria seria validamente invocada por ambos os lados, porque era evidente que de ambos os lados da barricada havia apenas um objectivo: ameaçar a “integridade nacional” através da guerra.

A essência da nova táctica consiste, portanto, em enquadrar o proletariado nos respectivos aparelhos de Estado, enquanto os objectivos internacionais alternativos do capitalismo determinarão o anti-fascismo ou o pró-fascismo do Estado soviético e a expressão formal da táctica do Comintern: aliança com a social-democracia, social-fascismo, Frente Popular.

(Continua)

 

Fonte : Révolution ou Guerre # 28 – Groupe International de la Gauche Communiste (www.igcl.org )

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice



[1]. O « Comissário do Povo para os Negócios Estrangeiros”, ou seja, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS de 1930 a 1939 (nota do GIGC)

[2]. As “reparações” de guerra impostas à Alemanha derrotada pelo Tratado de Versalhes de 1919 [nota do GIGC].

[3]. Isto é, o estalinista Dimitrov, dirigente da Internacional em 1933 e preso pelos nazis na Alemanha. Foi um dos arguidos no processo organizado pelos nazis sobre o incêndio do Reichstag [nota do GIGC].

[4]. O assassinato de Kirov, líder estalinista em Leninegrado, em Dezembro de 1934, foi o pretexto para os processos de Moscovo de 1936-1937, que viram antigos companheiros bolcheviques de Lenine serem fuzilados na sequência de “confissões” obtidas sob tortura. [Os leitores poderão consultar os artigos da revista Bilan, da Fracção de Esquerda do Partido Comunista Italiano: O assassinato de Rikov e Estaline ultrapassa Mussolini (Bilan nº 14 e 34).

[5]. A guerra da Etiópia lançada por Mussolini [nota do GIGC]




Sem comentários:

Enviar um comentário