6 de Setembro de
2024 Ysengrimus
YSENGRIMUS — Suponhamos que
o problema da linguagem é representado num plano tridimensional composto por
uma abcissa, uma ordenada e uma coordenada (eixo x, y, z): o problema da interacção ou da regulação, o problema
da referenciação
ou da representação e o problema colocado pelas próprias marcas linguísticas. Este esquema
simplifica um concreto muito complexo, que
começa por desintegrar (um novelo emaranhado com três fios de cores
diferentes continuaria a ser um modelo demasiado simples) e depois rotula. O
conceito mais fundamental é o de relação. Estamos perante uma das
causas/consequências da relação entre o enunciador e o mundo objetivo, e a
relação qualitativamente diferente entre o enunciador e o enunciado. Eis o que
é tido em conta na linguística (a dialética
materialistada linguagem). O que é levado em conta: a sócio-historicidade e o carácter já
sobredeterminado dos três planos (materialismo
histórico).
Se o ponto de vista do linguista privilegia o eixo das marcas linguísticas, podemos observar quer disciplinas que têm em conta os dois outros eixos sem os ter em conta (a fonética, por exemplo), quer desvios teóricos importantes, como os que caracterizam o bloomfieldismo (por exemplo), que evacua ao máximo a referenciação (o “sentido”) e reduz o interactivo ao que pode ser observado empiricamente, o comportamental. Note-se que o esquema aqui é absolutamente redutor: uma atitude absoluta neste sentido é impossível porque a dialéctica interna do objecto (bem como a crítica - NB) resiste-lhe constantemente. Estou a descrever tendências na apreensão do objecto.
Isto é pragmática. A sua ênfase na
interacção não é inocente. O que tem sucesso é verdadeiro, o que convence os
outros é verdadeiro (esquecendo a referência a um mundo objectivo).
Foco no sujeito e no seu ambiente, mas achatamento da sócio-historicidade.
Preocupação com a clareza, com a pureza da interacção (esquecimento do depósito
devido a marcas linguísticas, zaumnyj, pidginização,interlecto). Se a comunicação não for bem-sucedida, é porque o locutor violou uma regra de interacção. Ao
mesmo tempo, é um trovão no céu cinzento do estruturalismo
reificante. Esta tendência obriga-nos a abrirmo-nos ao enunciador. Note-se
que a concentração num só aspeto do problema é a sua distorção.
A lógica é fundamentalmente um
desvio para a referencialidade, que aplana e distorce
este problema. O referencial é reduzido à verdade
ou à falsidade, e a enunciação é
reduzida à emissão de verdades ou falsidades. Não há nada, até à estrutura do
juízo, que não reduza a actividade da linguagem à inclusão de um objecto num
todo. Os desenvolvimentos
(modalidades, mundos possíveis, etc.) surgem como
soluções para a resistência da realidade, sem se distanciarem do quadro adoptado.
Ao lado da pragmática, que era subjectivista,
surge o objectivismo. A evolução da lógica
para a construção de concretos formais autónomos confirma o seu carácter
profundo de ideologia do objecto.
A apreensão do objecto conhece muitas oscilações, deslocamentos, passagens.
Isto é o que pode ser extraído de um pensamento como a filosofia
analítica de John Langshaw
Austin e especialmente John Searle. A fórmula canónica F(p) é a
representação mais esquemática disso. Os pensadores da filosofia
analítica dificilmente se preocupam com os problemas da linguagem. Eles
constroem uma espécie de sutura entre o que guardam da tradição lógica (sobre referenciar e pregar) e a sua teoria
dos actos illocucionários. As maiores
repercussões deste pensamento são atribuíveis, a meu ver, à contribuição
representada pela tentativa de tomar conta, ainda que imperfeita, de pelo menos
dois eixos do problema da linguagem.
O caminho de um teórico como Robert Martin é representativo
de uma tendência que consiste em passar de um estruturalismo linguístico (no
seu caso, o pensamento Guillaumiano) para visões
mais lógicas sobre semântica. O objectivo:
encontrar um quadro satisfatório para abordar a tensão entre forma linguística
e referenciação. O logicismo na linguística,
por trás da sua parcialidade e ecletismo, revela um esforço para assumir de
forma moderna o velho problema obsessivo da oposição entre significante e
significado. Observaremos como, na obra de Robert Martin, o
"componente" interacional é emaranhado, por um lado, e como o logicismo reduz a actividade da
linguagem à de referenciação.
Peter Frederick
Strawson, que Robert Martin encontra em
muitos pontos, deu a imagem do movimento oposto. Observamos, entre um grande
número de lógicos consistentes na sua abordagem, um verdadeiro movimento de
aspiração em direção ao problema das marcas linguísticas. A atitude normativa
de um Willard Van
Orman Quine é sempre o efeito inverso desta atracção. Querer
purificar a linguagem já é entender que há uma crise entre as marcas
linguísticas efectivas e o eixo referencial. A introdução do
artigo "Lógica e
Conversação" (Grice 1979) resume
muito claramente estes aspectos da crise.
O esforço para abrir um estudo das marcas linguísticas no eixo interactivo
manifesta-se no aparecimento total dos famosos "componentes pragmáticos", em modelos
inicialmente derivados do estruturalismo. Tem havido um
movimento nessa direcção dentro da Gramática
Generativa Transformacional, desde o famoso nó E de Ann Banfield. A bricolagem e o
ecletismo são particularmente salientes neste tipo de movimento. A linguística
da frase escrita em francês livresco não estava, obviamente, preparada para a
problematização enunciativa. Na falta de um enquadramento, preferiram virar o
rumo para Oxford ou reler Mikhail Bakhtin.
De forma mais sistemática, dois pesquisadores tentaram passar de um
problema pragmático ou interacional
para uma gestão de marcas linguísticas: Oswald Ducrot e Eddy Roulet. O segundo, Oswald Ducrot (a totalidade do
seu movimento poderia ser representada como um deslocamento do eixo referencial para o eixo
interacional, depois para as marcas:
pressuposição – actos de fala – argumentação na linguagem)
hipostatiza uma faceta da interacção, a argumentação em formas
linguísticas. Quanto a Eddy Roulet, o seu pensamento
está enraizado na teoria actual dos actos de
fala. Um jogo dialéctico revelador: estes dois investigadores, altamente
sensibilizados para o oral, deixam-se conquistar pelo conceito bakhtiniano de polifonia, conceito discursivo
que, depois de um percurso no textual, regressa – não sem riscos – ao
discursivo (uma complexa variedade de aspectos textuais da crise do objecto que
esta estranha polifonia tem).
Com Émile Benveniste, o meu pequeno modelo
descritivo revela a sua fraqueza... ou mostra que os problemas se tornam mais
complexos à medida que a apreensão se torna mais refinada. Estruturalista que conhece bem
as línguas, por um lado, e possui, por outro, uma hipótese relativamente
desenvolvida sobre a referenciação (nomeadamente
com a aplicação dos conceitos de
semântica e semiótica e com a sua cautela face à lógica), Émile Benveniste faz um gesto
inaugural colocando uma questão muito simples: "Qual é o significado da
palavra I?» A problemática
enunciativa acaba de aparecer na linguística (tentamos deslizar o plano dobrado
em ângulo recto em direcção ao terceiro eixo). De forma muito
significativa, Émile Benveniste é lembrado pela
riqueza e meticulosidade dos seus estudos empíricos.
A partir da
lógica e da argumentação, Jean-Blaise Grize desenvolve uma
reflexão sobre a lógica natural, ou
seja, sobre o que chamei de tensão dialéctica entre esquematização (resumo objectivo)
e diaphora (enriquecimento
subjectivado). Também aqui a referência torna-se
comovente e sujeita à acção de um sujeito enunciador em interacção. Uma decisão
importante foi tomada por Jean-Blaise Grize, a de abrir a sua
pesquisa para a linguagem oral. Vejo isto como uma mudança no sentido de
assumir o comando do eixo das marcas linguísticas. O trabalho de Jean-Blaise Grize
centra-se na documentação rica e concreta.
Dando continuidade ao trabalho de Émile Benveniste e baseando-se nas
realizações da psicolinguística, Antoine Culioli desenvolveu o
problema da referenciação enunciativa e da relação dialéctica entre marcadores
e operações linguísticas. O enunciador, para ele, tornou-se o parâmetro de um
cálculo baseado numa reflexão onde o ajuste e a calibração na interacção
assumem um lugar de destaque. No seu trabalho recente, Antoine Culioli desenvolve ainda
mais o problema da referenciação, em particular
trabalhando o conceito de domínio nocional e o organon topológico. As reflexões de Antoine Culoli baseiam-se num
vasto corpo de trabalho empírico sobre uma grande variedade de línguas
naturais.
De pp 849-860 de:
LAURENDEAU, Paul (1986), Pour une linguistique dialectique – Étude de l'ancrage et
de la parataxe énonciative en vernaculaire québécois, Tese de
doutoramento dactilografada, Universidade de Paris VII, 917 p.
Fonte : Les grands acquis tendanciels de la linguistique descriptive et théorique – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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