Ao dissolver o Parlamento
após as eleições europeias de 9 de Junho, o Presidente francês Macron
surpreendeu toda a gente, nomeadamente as forças políticas do aparelho de
Estado e os seus próprios apoiantes. Acima de tudo, cometeu um erro político.
Nada o obrigava a proceder a esta dissolução. Mau estratega político, o seu
cálculo não era certamente o de que os partidos de esquerda, divididos entre socialistas
“moderados” e France insoumise “radical”, se uniriam imediatamente para
apresentar candidatos únicos em todos os círculos eleitorais. Mas não podia ser
de outra forma, sem arriscar o desaparecimento quase total dos eleitos de
esquerda, em consequência do sistema eleitoral maioritário - e não do sistema
proporcional.[1]
Sem dúvida que a esperança
de Macron era conseguir que os eleitores de esquerda mudassem para o seu
partido na segunda volta, face ao perigo da extrema-direita, e assim conseguir
obter uma maioria absoluta - de que não dispunha - no parlamento. Mas, para
além do seu cálculo mesquinho, o risco era que a primeira e, sobretudo, a
segunda volta das eleições registassem uma diminuição da afluência às urnas,
numa situação de raiva e desespero social. Uma situação deste tipo apresentava
toda uma série de incertezas, tanto no que se refere à “legitimidade” e à
autoridade do futuro governo, como no caso de uma eventual explosão das lutas
dos trabalhadores. As forças de esquerda estariam então muito enfraquecidas na
sua capacidade de as controlar.
Ao unir-se na noite da
dissolução numa “Nova Frente Popular” e ao apresentar um programa de esquerda -
abolição da reforma das pensões, aumentos salariais, etc. - a esquerda francesa
tornou possível a tomada do poder pelo novo governo. -A esquerda francesa
contribuiu para limitar as consequências do acto insano de Macron. Ao fazê-lo,
e ao concentrar-se no perigo de uma maioria de extrema-direita do Rassemblement
national de Marine Le Pen e ao apelar a uma “frente republicana”, a
participação eleitoral subiu de 47% em 2022 para 67%! Na ausência de uma esquerda unida, é muito
provável que o partido de extrema-direita tivesse obtido uma maioria absoluta e
formado o governo. Isso corre o risco de enfraquecer ainda mais a implementação
das políticas imperialistas e anti-classe operária imediatas do capitalismo
francês no actual período histórico. E, acima de tudo, tornar o terreno social
ainda mais vazio.
Hoje, Macron acabou por
nomear um primeiro-ministro de direita, cujo partido Les Républicains só obteve
6,5% dos votos na primeira volta e apenas porque o Rassemblement national de Le
Pen deu a entender que poderia não o censurar na assembleia nacional desde o
primeiro dia. A burguesia entrou, sem dúvida, num período de relativa
instabilidade governativa. Além disso, a sua capacidade e a sua credibilidade
internacional foram enfraquecidas, quando nos últimos meses, sob o impulso de
Macron, tinha conseguido recuperar um pouco de espaço e de iniciativa face à
guerra na Ucrânia e aos seus rivais europeus e americanos.
Por tudo isto, o que nos é
apresentado como uma crise política da burguesia francesa é, na melhor das
hipóteses, apenas uma dificuldade política face a um pessoal que se revela hoje
inadequado. Do ponto de vista do proletariado, falar de crise política
significaria que o proletariado é um actor directo da situação, o que está
longe de ser o caso. Por fim, como uma grande parte da classe operária vota no
RN, a expressão desta crise seria o aumento irresistível do voto no
Rassemblement National e o perigo do “populismo”. No entanto, uma parte
significativa da classe operária sempre votou na direita “dura” desde a Segunda
Guerra Mundial. O partido gaullista, tal como o partido republicano nos Estados
Unidos, obteve cerca de 30% dos votos da classe operária na década de 1960.
Que, na ausência de lutas massivas e de perspectivas proletárias, isto é,
revolucionárias, um terço dos indivíduos proletários menos “conscientes”,
isolados e sem esperança, inclinados a cair no bode expiatório dos imigrantes e
no racismo, votem num partido de direita com um discurso simultaneamente
“firme” e parcialmente de esquerda - o RN proclamando que anularia a reforma
das pensões se chegasse ao poder - não é surpreendente. E não altera em nada os
desafios e as perspectivas da luta de classes em si, a não ser o facto de a
polarização anti-Le Pen desviar o proletariado do terreno da luta colectiva
para o terreno político burguês.
Também não nos deve
surpreender que na actual situação histórica, devido à agudeza do impasse
histórico do capitalismo, as contradições do capital estejam a explodir a todos
os níveis, incluindo o político. Muito menos devemos ser levados a acreditar
que o poder da burguesia e do capital foi enfraquecido, ou está mesmo em
crise. A questão não é se as
contradições se manifestam. A questão é se a burguesia consegue ou não dominar
essas várias contradições e “surfar” nelas.
Macron acaba de se revelar
um surfista deplorável. Mas a burguesia francesa, no seu conjunto, está longe
de ter perdido o controlo da situação. É o que mostra o nível de participação
eleitoral. Ou a ocupação do terreno “social” e das ruas pela esquerda, pelos
esquerdistas e pelos sindicatos, nem que seja organizando manifestações para
“fazer valer o resultado das eleições e exigir um governo de esquerda”. A
recusa manifesta da France insoumise em deixar a esquerda “unida” aceder ao
governo explica-se também pela necessidade de manter uma força de esquerda,
mais ou menos “radical”, que possa ocupar o terreno social, as ruas, as lutas operárias.
E isto numa altura em que o novo primeiro-ministro Michel Barnier anuncia uma
política de austeridade para reduzir o défice e a dívida, agora abismais. Sem
tocar na explosão de 40% do orçamento da defesa, é claro.
Seja qual for a
longevidade do novo governo - ainda por vir no momento em que escrevo - a nova
configuração política garante à burguesia francesa a estabilidade das suas
políticas imperialistas e nacionais, mesmo que tenham sido um pouco enfraquecidas
pela iniciativa malfadada de Macron. Que os proletários não se enganem: a
maquinaria anti-operária que joga com falsas oposições, Le Pen-anti Le Pen,
direita-esquerda, esquerda moderada-esquerda radical, esquerda, continua em
vigor. E estão para vir ataques mais graves às suas condições de vida e de
trabalho, seja qual for o governo. Seja ele de esquerda, de centro, de direita
ou “populista”, vai obrigá-los a pagar a factura da defesa do capitalismo
francês e da preparação para a guerra.
RL, 15 de Setembro de 2024
Fonte : Révolution ou Guerre # 28
– Groupe International de la Gauche Communiste (www.igcl.org )
Este artigo foi traduzido para Língua
Portuguesa por Luis Júdice
[1]. Por exemplo, o Partido Comunista Francês, que apenas obteve 2% dos votos nas várias eleições (presidenciais, europeias, etc.), conseguiu manter um grupo parlamentar com nove deputados. Sem a união da esquerda, esta desapareceria e enfraqueceria ainda mais a capacidade do que restaria do PC de desempenhar um papel sabotador nas mobilizações dos operários.
Sem comentários:
Enviar um comentário