terça-feira, 11 de março de 2025

Comunicado do GIGC : Com Trump, a escolha é entre “pão ou armas”.

 


Com Trump, a escolha é entre “pão ou armas”.


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 evolução proletária ou guerra imperialista não cessamos de o afirmar. Esta é a alternativa, a única resposta, que pode ser dada à corrida frenética para a guerra que foi desencadeada, abertamente agora, desde a escolha do imperialismo americano para nomear Trump presidente. Desde que a burguesia americana decidiu apanhar toda a gente de surpresa, acelerando brutalmente os acontecimentos. Perante a guerra que se aproxima e que é urgente preparar, há uma questão que todas as burguesias vão ter de resolver: conseguir que o povo, e mais precisamente o proletariado, aceite os sacrifícios para preparar a guerra; e depois para a própria guerra.

“Sei que gastar mais na defesa significa gastar menos noutras prioridades. Mas é apenas um pouco menos. Em média, os países europeus gastam facilmente até um quarto do seu rendimento nacional em pensões, saúde e sistemas de segurança social. Precisamos de uma pequena fracção desse dinheiro para reforçar as nossas defesas e preservar o nosso modo de vida. Digam aos [cidadãos] que aceitem sacrifícios hoje para que possamos estar seguros amanhã.” (Mark Rutte, Secretário da NATO, 12 de Dezembro de 2024)

A nossa oposição de classe à guerra imperialista não se baseia num princípio ético, democrático ou pacifista, mas na realidade da luta de classes, ou seja, no facto de a burguesia ter de impor um aumento considerável de sacrifícios a toda a população e, em primeiro lugar, ao proletariado que produz quase toda a riqueza. As lutas e os confrontos entre as classes estão a ter lugar e continuarão a ter lugar, quanto mais não seja porque a burguesia as vai iniciar. A única questão que conta hoje na actual equação histórica é a da capacidade do proletariado, enquanto classe explorada e revolucionária, para se erguer, em primeiro lugar, depois para se opor, em segundo lugar, e finalmente para rejeitar, em terceiro lugar, os sacrifícios que o capital é obrigado a impor-lhe.

Trump não se enganou: já instalou unidades policiais nas principais fábricas de automóveis. E ameaça prender todos os que se lhe opuserem. Mark Rutte, antigo líder holandês e europeu, também é muito claro: temos de optar por cortar as despesas ditas “sociais” a favor das despesas militares. Os países da União Europeia, incluindo a Hungria de Orban, são unânimes em libertar milhares de milhões de euros para o rearmamento - 800 só para a União Europeia e o seu plano oficialmente chamado “Rearmar a Europa”.

Canhões em vez de manteiga” era o slogan nazi em 1936. É isso que está aqui em causa. O tumulto histórico que se está a formar dirige-se directamente para a humanidade a uma velocidade vertiginosa. A única questão que resta é: o drama histórico será imperialista ou de classe? A tragédia colocará as potências imperialistas umas contra as outras numa guerra generalizada, ou colocará o capitalismo contra o proletariado internacional numa guerra de classes?

A corrida ao rearmamento e à guerra está a começar

Porque, a menos que enterremos a cabeça na areia, é impossível não ver que os acontecimentos se têm desenrolado a uma velocidade vertiginosa desde a eleição e a tomada de posse da administração Trump. E todos eles estão a contribuir para esta dinâmica de confronto generalizado. A marcha para a guerra está a tornar-se a corrida para a guerra. O primeiro mês da administração Trump causou espanto e admiração entre a classe dominante e, sem dúvida, medo entre o povo. A burguesia americana escolheu tomar a dianteira perante uma situação que parecia estar a fugir-lhe das mãos e a ameaçar a sua supremacia mundial face aos seus rivais imperialistas, a começar pela China, mas também pelos países europeus. A declaração de uma guerra económica, tarifária e cambial total e as fracturas no seio da NATO, incluindo o abandono da Ucrânia, provocaram um verdadeiro pânico. É evidente no Canadá, ameaçado de anexação pelos Estados Unidos, tal como a Áustria foi ontem pela Alemanha nazi. É também evidente na Europa e na Ásia. Todos pensavam estar seguros sob o guarda-chuva nuclear americano.

Precisamos urgentemente de nos rearmar. Precisamos de desenvolver indústrias militares e de “bens essenciais”, indispensáveis à defesa nacional, que não sejam dependentes do “estrangeiro”. Isto é verdade para a América. É verdade para os países europeus e asiáticos. Por seu lado, a China e a Rússia estão mais avançadas na economia de guerra - o capitalismo de Estado estalinista desenvolveu-se nesta base. Ao contrário do Ocidente, a Rússia e a China conservaram uma capacidade militar-industrial que lhes permite aumentar a sua produção de armas e munições. E é precisamente este atraso que a burguesia americana pretende compensar abandonando a Ucrânia e a Europa e concentrando-se em actualizar o seu aparelho produtivo e as suas forças armadas para o confronto com a China. Perante “a erosão do poder americano, Washington deve modernizar a sua frota de aviões, drones e mísseis. (...) O investimento no seu poder aéreo exigirá provavelmente orçamentos de defesa mais elevados. Mas esse pode ser o preço a pagar pela supremacia aérea americana[1]”. Com Trump, a burguesia está apenas a declarar o início da corrida à guerra generalizada. Não a guerra em si.

Porque é que a burguesia americana está a provocar uma tal ruptura?

Mas o que explica esta aceleração? Porquê um tal sentido de urgência, quando as políticas seguidas por Biden e a primeira administração Trump, iniciada por Obama, coincidem no seu objectivo fundamental: não deixar a China suplantar os Estados Unidos como a principal potência imperialista do mundo. Porque é que Trump está a usar abertamente e de forma provocadora métodos de gangster e de máfia? Por que razão ataca as agências federais que, para além de despedirem milhares de funcionários públicos, parecem estar a enfraquecer o próprio aparelho de Estado? Por que razão lança uma guerra comercial total, aumentando os direitos aduaneiros e, portanto, o proteccionismo, quando existe um risco real de que isso aumente a inflacção e abrande o comércio mundial, ou mesmo provoque uma recessão generalizada? Por que razão, no momento em que quer consagrar toda a energia do aparelho de Estado e do capital americano à preparação do confronto com a China, designa também a União Europeia como inimiga e faz tudo para a enfraquecer definitivamente, em vez de a transformar em aliada? Por que razão põe ele em causa o futuro da NATO e, portanto, da protecção americana da Europa contra a Rússia?

No editorial da nossa revista 29, utilizámos uma fórmula que pode parecer confusa ou imprecisa: “o mandato anterior [de Trump] e o de Biden tornaram, em grande medida, a América grande de novo”. Esta frase foi criticada no seio do grupo. Para além de ser uma tentativa estilística de tomar a posição oposta a Make America Great Again, baseava-se na reacção ao declínio americano que os mandatos de Trump e Biden já tinham, de facto, começado e que a guerra na Ucrânia e no Médio Oriente tinham encorajado - particularmente em relação à Europa, que foi obrigada a juntar-se aos Estados Unidos, e ao enfraquecimento do eixo Irão-Rússia-China no Médio Oriente após a guerra em Gaza, no Líbano e a mudança de regime na Síria.

Mas, embora pudesse ser correcto do ponto de vista político e imperialista, não era correcto em termos de substância, ou seja, da própria dinâmica do capital americano face aos seus rivais. Na medida em que podia contradizer, ou pelo menos não permitia compreender, o frenesim e a violência das políticas levadas a cabo pela burguesia americana desde Janeiro. De facto, por que razão seria tão urgente para a América destruir toda a ordem internacional se tivesse voltado a ser grande?

Por um lado, quer sob Trump ou Biden, o capital dos EUA não conseguiu inverter o seu crescente défice comercial. Pelo contrário, até acelerou, como mostra o gráfico seguinte:

Em segundo lugar, o défice orçamental agravou-se ao ponto de o serviço da dívida americana - pagamento de juros e reembolso pelo Estado - estar prestes a ultrapassar exponencialmente o orçamento da defesa.

A situação é insustentável para o capital americano e extremamente explosiva para o mundo inteiro. Ao mesmo tempo, estão a surgir dúvidas sobre a capacidade do governo dos Estados Unidos de pagar o serviço da sua dívida. O risco de incumprimento da sua dívida, impensável até há pouco tempo, começa a surgir e diminui o apetite pelo investimento nos Estados Unidos e a compra de títulos do Tesouro americano, com o risco de

desencadear uma subida das taxas de juro que abrandaria o investimento no país. Se o charme e o encorajamento amigável já não são suficientes, então há que recorrer à ameaça e à força do dólar e da energia nuclear. Chegou o momento da extorsão total.

É verdade que o domínio internacional do dólar permite que o capital americano se endivide por vários meios, como a impressão de dinheiro - o dólar não é lastreado em ouro desde 1974. De facto, a dívida americana é financiada em grande parte pelo capital mundial, a começar pela compra de títulos do Tesouro americano pela China, pelo Japão e pelos países da União Europeia. Mas isto só funciona enquanto o soft power americano funcionar.

Mas a China e o Japão começaram a reduzir as suas participações em títulos do Tesouro americano, revelando a dificuldade com que se defronta o capital americano: o constante aumento do défice orçamental exige, para além de cortes drásticos nos sistemas sociais americanos e despedimentos em massa de centenas de milhares de funcionários públicos, a garantia de que o capital estrangeiro continuará a “comprar a dívida americana”, correndo o risco de a fazer entrar em incumprimento. Isso seria uma catástrofe financeira mundial, com a economia a parar, e a primeira vítima, se quisermos, seriam os próprios Estados Unidos. “A dívida mundial é actualmente mais de três vezes o PIB mundial[2]”.

Os Estados Unidos, em virtude do seu poder e do seu domínio mundial, concentram as manifestações mais extremas do capitalismo e dão assim ao mundo capitalista o La. A menos que aceite a ruína do país e o declínio catastrófico do seu poder, que pode envolver um bloqueio financeiro da sua economia, como um incumprimento de pagamentos ou uma crise da dívida, a burguesia americana é forçada a impor uma obrigação urgente aos europeus em particular de produzir nos Estados Unidos, chantageando-os com as tarifas que Trump ameaça impor. E, acima de tudo, ameaçam os Estados europeus e asiáticos que “beneficiam” da protecção nuclear dos EUA a comprar a dívida americana. Para simplificar, como a transmissão em directo da reunião Trump-Vance com Zelenski mostrou ao mundo, este já não é o momento para a diplomacia e a linguagem educada. Chegou a hora dos métodos expeditos e violentos da Máfia: que a Europa pague pela sua protecção, ou então...

Demos garaças a Trump. Ao falar de dinheiro, ele está a expor abertamente a realidade do capitalismo. Uma realidade baseada no princípio de que o homem é um lobo para o homem. Para todos os proletários que ainda têm ilusões, ou que desviam os olhos para outro lado, o véu mistificador da democracia burguesa foi rasgado por Trump. Escusado será dizer que qualquer revolta operária nos Estados Unidos ou em qualquer outra parte do mundo será tratada em conformidade.

O que as provocações e rupturas trumpianas mostram, portanto, não é a força do imperialismo americano, nem a do capitalismo como um todo, mas a sua fraqueza histórica; a profundidade e gravidade das suas contradições que significam que a guerra, como a expressão máxima das contradições do capitalismo e da sua crise, se tornou uma questão de sobrevivência para o capital e, acima de tudo, para a sua potência líder. Já tínhamos avançado a ideia de que a burguesia seria forçada a ir para a guerra, sem realmente ser capaz de o ilustrar em termos concretos. Trump deu-nos a resposta.

Rejeitar qualquer sacrifício para o rearmamento e a guerra

Esta corrida para a guerra só pode ser contida, abrandada e contrariada pelo proletariado internacional. Não há saída, não há ilusão no quadro capitalista. Ou na defesa da pátria, ou da democracia. Os proletários têm tudo a perder se se juntarem às fileiras dos anti-Putin ou anti-Tump, ou se caírem em qualquer tipo de anti-americanismo. Não é com base nisso que podem tentar defender-se e evitar o pior.

O terreno proletário e a saída estão na recusa de todos os sacrifícios que serão, e já são, impostos à classe operária para o rearmamento generalizado. Este é o primeiro passo. A segunda será tornar estas lutas operárias tão eficazes quanto possível, ou seja, impor ao capital um equilíbrio de forças suficiente, consoante o local, o momento e as circunstâncias, para que a burguesia recue, atrase ou, pelo menos, limite os seus ataques.

Para tornar efectivas as lutas operárias é necessário ter a vontade e a dinâmica de alargar, generalizar e unir as diferentes lutas operárias, ditadas pela perspectiva de uma greve de massas. E exige também combater todos os falsos amigos que, no seio das próprias lutas, se opõem e sabotam essas tentativas de extensão e generalização, nomeadamente os sindicatos e a esquerda do capital.

As lutas operárias têm, portanto, inevitavelmente uma dimensão política, independentemente do seu desenvolvimento ou dos seus limites geográficos, pelo simples facto de os sindicatos e os partidos de esquerda que procuram dividi-las e asfixiá-las serem tão órgãos do Estado burguês como os partidos de direita ou outros.

Se o carácter político de qualquer luta operária deve ser assumido pelos “próprios trabalhadores”, a classe proletária como um todo tem à sua disposição minorias políticas comunistas que são - por definição, mas exigindo ser verificadas na realidade da luta de classes - uma ferramenta indispensável para esta dimensão política. Em particular, estas minorias são chamadas a constituir o partido comunista internacionalista cuja tarefa e responsabilidade histórica crucial é assumir a direcção política das lutas proletárias, e em particular da insurreição operária, da destruição do Estado burguês e da instauração da ditadura do proletariado. Só assim se abrirá o caminho para a sociedade comunista, ou seja, para uma sociedade sem classes, sem exploração, não mercantilista e, portanto, sem guerra.

As minorias políticas revolucionárias de que o proletariado se está a dotar e a sua luta pelo partido internacionalista de amanhã são, portanto, também um elemento, um factor, na equação histórica que deve resolver a questão da guerra imperialista generalizada. No entanto, de um ponto de vista fotográfico ou estático, parecem hoje ainda mais dispersos e enfraquecidos do que o próprio proletariado. É provável que o partido que terá de construir só surja com um certo atraso e, o que seria ainda pior, no próprio calor dos acontecimentos. A revolução alemã de 1918-1919 ensina-nos que isto pode ser fatal.

Apesar disso, o proletariado e as suas minorias devem lidar com a situação real e não com uma situação sonhada ou estabelecida com base num plano abstracto. Mesmo que dispersos, mesmo que com muito pouca influência nas fileiras proletárias, mesmo que ainda longe de poderem formar um partido, observámos uma certa convergência entre a maioria dos diferentes grupos do campo proletário. Muitos de nós concordam que a questão da preparação para a guerra generalizada é a base fundamental para compreender a evolução da situação.

Esta convergência assinala a possibilidade de trabalhar desde já na constituição da vanguarda política internacional como partido político mundial do proletariado. Os revolucionários não devem esperar pela mobilização espontânea da classe operária para resolver velhos debates. Devem antecipar-se e procurar estar prontos com a principal arma para a emancipação da classe operária, o partido, antes que os acontecimentos os ultrapassem. Devem começar hoje a árdua tarefa de consolidação política, iniciando um processo de debate e confronto semelhante às conferências da esquerda comunista dos anos setenta. Com um partido constituído antes das muito prováveis mobilizações de massas em resposta aos preparativos para a guerra, a nossa classe tem muito mais hipóteses de se opor com êxito à marcha para a guerra.

Os acontecimentos sucedem-se rapidamente, criando um sentimento de urgência não só para a burguesia e o capitalismo, mas também para o proletariado. Para o proletariado, é urgente recusar qualquer sacrifício suplementar, defender as suas condições de vida e de trabalho contra os ataques e lutar contra qualquer intensificação da exploração em preparação para a guerra. Para isso, é fundamental que se informe sobre a propaganda, as palavras de ordem e as orientações dos grupos comunistas, para que se possa orientar nas batalhas e situações que se avizinham. Por fim, continua a ser urgente dotar-se de minorias comunistas consequentes e de um partido político próprio.

 

Le GIGC, le 10 mars 2025

 

[1]. Foreign Affairs, 10 de Março de 2025 – no dia em que adoptamos este comunicado de imprensa.

[1]. https://www.aa.com.tr/en/economy/world-debt-soars-50-in-a-decade-exceeding-gdp-growth/3501922



 Este comunicado foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice

 

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