Rosa Luxemburgo contra o
feminismo
Apoiada pelos meios de comunicação social
e pelo aparelho de Estado em muitos países, a burguesia organizou grandes
manifestações feministas, nomeadamente em Espanha (e também na América do
Norte), por ocasião do Dia da Mulher, a 8 de Março de 2018. O evento foi
raramente repetido noutros países, como a França, por exemplo. Nesta ocasião,
os camaradas do Nuevo Curso publicaram o seguinte texto, que relembra a posição
do movimento operário sobre o feminismo, que se pretende acima das classes e
que, na verdade, defende o interclassismo, actuando apenas como um “movimento”
e uma ideologia totalmente burgueses, contra a unidade do proletariado.
Rosa Luxemburgo contra o feminismo (Nuevo Curso)
O feminismo surgiu em toda a Europa no final da década
de 1890 sob a designação de “sufragismo”. As sufragistas defendiam a extensão
do direito de voto às mulheres no âmbito do sufrágio restrito, ou seja, o
direito das mulheres das classes proprietárias a participarem na direcção
política do Estado e da sociedade estabelecidos. Na sua luta para abrir uma
porta de entrada na direcção das empresas e do governo para as mulheres
pequeno-burguesas e das classes altas, as sufragistas tentaram rapidamente
conquistar as mulheres operárias, muito mais numerosas e sobretudo muito mais
organizadas. As feministas propuseram uma frente interclassista de “mulheres”,
cujo objectivo seria obter deputadas burguesas no sistema de sufrágio restrito.
Prometiam representar os “interesses comuns das mulheres” que supostamente
uniam as operárias às mulheres burguesas do liberalismo radical inglês.
A ala esquerda da Segunda Internacional, com Rosa
Luxemburgo e Clara Zetkin à cabeça, opunha-se radicalmente. Um ano antes da
formação do primeiro grupo sufragista em Inglaterra, Zetkin tinha apresentado
em Gotha, o verdadeiro congresso fundador do Partido Socialista Alemão, um
relatório sobre A questão das mulheres e
as tarefas da social-democracia (The question of women and the tasks of social
democracy), que foi aprovado por unanimidade.
Desde então, os socialistas alemães dedicaram-se à organização e formação de
milhares de mulheres da classe operária, promovendo mobilizações de massas pelo
sufrágio universal para ambos os sexos. A partir do Congresso da Internacional
de Estugarda, a esquerda, com Zetkin e Luxemburgo à cabeça, levou a luta a um
nível mundial. Não contra o suposto sexismo dos dirigentes partidários, mas
contra as concessões ao feminismo por parte de alguns partidos, como o belga,
que tinha aprovado num dos seus congressos o apoio à extensão do sufrágio
restrito às mulheres das classes altas:
“O Congresso da
Segunda Internacional, realizado em Estugarda, comprometeu os partidos
sociais-democratas de todos os países a iniciar a luta pelo sufrágio universal
feminino como parte essencial e indispensável da luta geral do proletariado
pelo direito de voto e pelo poder, em contraste com as aspirações feministas.
“(Clara Zetkin)
Rosa Luxemburgo e a ala esquerda da Internacional contra o feminismo
A luta ideológica tornou-se cada vez
mais intensa com o passar do tempo. Na sua correspondência, Rosa Luxemburgo
partilha a sua rejeição íntima do argumento “moral e espiritual” do feminismo e
das invocações do “desenvolvimento da sua própria personalidade”, quando o que
as feministas exigiam era a igualdade entre homens e mulheres das camadas
sociais que detinham o poder dentro desse mesmo poder. Ela era clara ao afirmar
que as “mulheres” não são um sujeito histórico acima ou fora das classes
sociais e, por isso, rejeitava profundamente a luta por um pretenso “direito
das mulheres” que beneficiasse as operárias, separado da evolução do movimento
operário em geral e da luta contra o capitalismo.
Para Luxemburgo, as feministas tentavam
utilizar a rejeição da questão da opressão das mulheres pelos operários como
forma de fazer descarrilar a luta e consolidar um sistema cuja fase
historicamente progressista estava a terminar, da mesma forma que o
nacionalismo manipulava a resistência à opressão cultural-nacional:
“O
dever de mobilização e de luta contra a opressão nacional, que corresponde ao
partido de classe do proletariado, não encontra o seu fundamento em nenhum
“direito das nações” particular, nem a igualdade política e social dos sexos
emana de nenhum “direito das mulheres” a que se refere o movimento de
emancipação das mulheres burguesas. Estes deveres só podem ser deduzidos de uma
oposição generalizada ao sistema de classes, a todas as formas de desigualdade
social e a todo o poder de dominação. Numa palavra, eles são deduzidos do
princípio fundamental do socialismo.” (Rosa Luxemburgo, A Questão Nacional e a
Autonomia, 1906)
Em Die Gleichheit, o jornal editado por
Zetkin, ela deixou claro que o poder das mulheres que beneficiavam do sufrágio
restrito nasce da sua posição social na burguesia e na pequena burguesia e que
a reforma legal do direito de voto que propunham reforçaria esse poder; no
entanto, as mulheres operárias só poderiam afirmar-se através de lutas laborais
de mãos dadas com os seus camaradas de classe masculinos:
“Aqueles
que defendem os direitos das mulheres burguesas querem adquirir direitos
políticos para poderem participar na vida política. As mulheres proletárias só
podem seguir o caminho das lutas laborais, o oposto de se instalarem no poder
real através de estatutos basicamente legais.”
É por isso que ela denunciou qualquer
organização “de mulheres” e qualquer “frente de organizações de mulheres”,
porque percebeu que organizar-se num espaço interclassista enganoso só servia
para aumentar o poder das camadas sociais pequeno-burguesas (e, como veremos,
nacionalistas) que apoiavam o feminismo e dividiam o movimento operário.
8 de Março contra o
feminismo
Luxemburgo é tão clara quanto ao facto de a
organização de grupos constituídos exclusivamente por mulheres não dever abrir
a porta ao colaboracionismo de classe nem à separação das classes que, quando
Clara Zetkin a convida para o primeiro congresso de mulheres socialistas, ela
troça numa carta a Luisa Kautsky: “Agora
somos feministas?”, escreve. Mas Luxemburgo sabia que, se Clara Zetkin
organizava grupos de mulheres socialistas, era pela mesma razão que a Segunda
Internacional criava grupos de jovens: para chegar a toda a classe operária e
não apenas aos operários que se concentravam nos grandes locais de trabalho.
Embora na Alemanha de então houvesse muitas mulheres nas fábricas, a maioria
das mulheres da classe operária dedicava-se ao trabalho não industrial, à
educação dos filhos e às indústrias baseadas no trabalho doméstico.
“Existe apenas
um movimento, uma única organização de mulheres comunistas - anteriormente
socialistas - dentro do partido comunista, juntamente com homens comunistas. Os
objectivos dos homens comunistas são também os nossos objectivos, as nossas
tarefas.” (Clara Zetkin)
A criação do dia 8 de Março como dia de luta, em 1910,
sob o nome de Dia da Solidariedade
Internacional das Mulheres Proletárias, uma proposta de Zetkin, insere-se
neste contexto. Trata-se de afirmar o carácter socialista e operário do
movimento pelo sufrágio verdadeiramente universal, ou seja, incluindo a
aquisição do direito de voto pelas mulheres. Ou seja, a criação do 8 de Março
inscreve-se na luta das mulheres de esquerda da Segunda Internacional pelos
direitos democráticos de todos os operários e contra a ideia feminista da
“união das mulheres” - “contra a qual
lutei toda a minha vida”, escreveria Rosa Luxemburgo.
O momento da verdade
O momento da verdade que demonstraria o contexto e a
razão da luta da esquerda da Segunda Internacional contra o feminismo chegou
com a primeira guerra mundial.
As sufragistas literalmente “exigiram” aos governos
que incorporassem as mulheres no esforço de guerra e no banho de sangue
capitalista. Em troca, o governo britânico concedeu o voto a oito milhões de
mulheres das famílias mais ricas em 1918, ainda longe do sufrágio universal. É
isso que a imprensa agora celebra como “conquista do direito de voto pelas
mulheres”, esquecendo-se de mencionar que essas mulheres eram poucas.
Pelo contrário, Zetkin e as organizações de mulheres
da classe operária convocaram a primeira conferência internacional contra a
guerra no meio da mais selvagem repressão dos internacionalistas por todos os
governos. Foi o primeiro acto político organizado por um grupo da Segunda
Internacional contra a guerra, numa altura em que Luxemburgo, Rühle e
Liebknecht estavam todos na prisão.
“Temos de levar
os proletários a libertarem-se do nacionalismo e os partidos socialistas a
recuperarem a sua liberdade para a luta de classes. O fim da guerra só pode ser
alcançado pela vontade clara e inquebrantável das massas populares dos países
beligerantes. Em favor da acção, a Conferência faz um apelo às mulheres
socialistas e aos partidos socialistas de todos os países: Guerra contra a
guerra”! (Declaração da Conferência Internacional das Mulheres Socialistas
contra a Guerra, 1915)
A manifestação de 8 de Março em Petrogrado - que, como
era tradicional, foi organizada por grupos de mulheres socialistas da classe
operária, mobilizando os operários independentemente do seu sexo e fazendo
reivindicações para toda a classe - tornou-se o detonador da Revolução Russa.
A guerra eliminou qualquer dúvida ou confusão: as
feministas “exigiram” que os governos fizessem parte do esforço de guerra e
participaram no recrutamento para a carnificina; o 8 de Março socialista de
Petrogrado foi o início da Revolução Mundial. [1]]
Nuevo Curso, Fevereiro de 2018, traduzido por Intransigence.
Notas:
[1] [.Este
último parágrafo não foi esquecido pela tradução da Intransigência, nota do
IGCL
2014-2025 Révolution ou Guerre
Fonte : Rosa Luxemburg against feminism - Révolution ou Guerre
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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