6 de Março de 2025
Robert Bibeau
Por Khider Mesloub .
Numa altura em que a administração dos EUA, através do Presidente Trump, anunciava a sua vontade de negociar um tratado de paz com a Rússia para redireccionar a guerra na Ucrânia, Emmanuel Macron convidava uma dúzia de representantes de partidos políticos e grupos parlamentares, incluindo o LFI e o Rassemblement National, para uma reunião à porta fechada no Palácio do Eliseu, na quinta-feira, 20 de Fevereiro, para formar uma união sagrada e confirmar o desejo do governo francês de acelerar a sua política militarista.
Macron utiliza a ameaça de uma invasão fantasiada da Rússia para justificar a economia de guerra e o rearmamento
No final deste Conselho de Defesa improvisado, o Presidente Macron declarou que era preciso “rever as nossas escolhas neste novo mundo” (sic). “Estamos em guerra algures” (como em 2020), martelou, em tom marcial. Algures ou em lado nenhum? Para já, em lado nenhum. Mas Macron está determinado a preparar os espíritos para um salto militarista, um assalto militar. Sobretudo contra a Rússia, continua a insistir.
Auto-proclamado senhor da guerra de um exército de papelão composto por majoretes tricolores, alguns dos quais foram expulsos de África como imigrantes ilegais, Macron voltou a falar da “ameaça que a Rússia representa para a Europa e para a França”.
Assim, para contrariar esta fantasiada ameaça russa, que alguns diriam ser desejada com volúpia masoquista, Macron defendeu a ideia de “um plano de defesa maciço e de investimentos maciços na Europa”. A palavra está a sair: “investimentos”. Macron está a usar a ameaça de uma fantasiosa invasão russa para justificar o investimento total no exército ou, para ser mais preciso, para legitimar o aumento exponencial das despesas militares.
Enquanto a actual Lei de Programação Militar (LPM) atribui 413,3 mil milhões de euros em sete anos à defesa, ou seja, 50,5 mil milhões de euros no orçamento de 2025, Macron planeia ultrapassar os objectivos da NATO em mais de 2% do PIB para atingir os 5% ordenados por Donald Trump.
Para justificar este aumento do orçamento militar, Macron afirmou: “Todos os países da vanguarda estão a gastar 4 ou 5% do seu produto interno bruto, enquanto nós estamos a 2%. Tínhamos valores assim nas décadas de 1960 e 1970 e na década de 1980. Depois o Muro caiu e investimos muito menos na nossa defesa. Isso acabou, vamos ter de reinvestir.”
E para garantir esse “reinvestimento” no rearmamento da França, Macron pretende aumentar a percentagem para um recorde de 5% do PIB. São quase 150 mil milhões de euros, três vezes mais do que as despesas militares do orçamento de 2025. “Não sei se 5% é o valor certo para a França, mas em qualquer caso, vamos ter de ir mais longe”, insistiu. Uma sorte para a indústria do armamento.
Macron está a preparar os jovens para a arregimentação e a militarização
Como tenciona Macron financiar estas despesas militares astronómicas, decretadas de forma discriccionária, numa altura em que o governo macronista, hostil e confrontado com um défice público abismal, defende o rigor económico e aprova orçamentos de austeridade, num contexto de leis de segurança e de políticas racistas e autoritárias?
Para financiar estes investimentos militares, ou seja, este plano de rearmamento maciço, o governo tenciona fazer cortes nas despesas públicas e sociais. Macron anunciou a sua intenção de “rever as escolhas (orçamentais) e as prioridades (nacionais)”, ou seja, de efectuar cortes orçamentais nas escolas, na saúde, na cultura e nos serviços públicos.
Macron também mencionou a possibilidade de pedir aos trabalhadores que contribuam, aumentando o horário de trabalho. Ou mesmo fazer com que toda a população contribua, nomeadamente através do lançamento de “produtos de poupança”, ou seja, poupanças populares para a indústria da guerra. Macron convidou “toda a nação a financiar certos programas de defesa”. “Cada um de nós deve perguntar-se o que pode fazer pela nação francesa e pela República”, insistiu.
Para além dos trabalhadores, Macron está também a preparar as mentes para a arregimentação dos jovens e a militarização da sociedade através da introdução de uma economia de guerra.
Sem mencionar explicitamente a questão da reintrodução do serviço militar para aumentar o número de efectivos do exército, Macron disse aos jovens que “vamos ter de pensar colectivamente em algo que a nação possa concordar, mas que permita aos nossos jovens, à nação como um todo, ser mais resiliente face a estas ameaças”. Mais resilientes? Por outras palavras, jovens prontos a sacrificarem-se no campo de batalha.
Não é de surpreender que, numa altura em que a França se afunda no sub-desenvolvimento e na terceiro-mundização, adopte uma atitude belicosa. A marcialização do discurso diplomático dos dirigentes franceses é a contrapartida da militarização da sociedade francesa, agora submetida à tirania das restricções às liberdades, à ditadura da segurança, trampolim para a arregimentação dos espíritos para a preparação da guerra.
A classe capitalista francesa está imbuída de uma lógica de guerra
Não há dúvida de que, neste novo contexto internacional, marcado pelo realinhamento das alianças e pela redistribuição das cartas geo-políticas mundiais entre as grandes potências, nomeadamente os EUA e a Rússia, a França é cada vez mais claramente marginalizada, ou mesmo excluída, dos novos pactos selados no seio do bloco atlantista (AUKUS). A nível internacional, isto explica o endurecimento da sua diplomacia, que se torna violentamente ofensiva, numa tentativa desesperada de manter o seu lugar no concerto das grandes potências. E, no plano interno, o carácter de extrema-direita das suas políticas, marcadas fundamentalmente por um racismo descarado e por uma agressão islamófoba descarada.
Desde há vários anos, mais do que nunca, o Estado francês está imbuído de uma lógica de guerra e uma guerra ideológica anti-árabe e anti-muçulmana. O intervencionismo militar é actualmente a principal ocupação do Estado francês. Nos últimos anos, o activismo militar da França tornou-a o país mais intervencionista do mundo ocidental, ultrapassando os Estados Unidos.
A belicosidade da política externa francesa (ilustrada recentemente pelas suas observações diplomaticamente ofensivas e vexatórias sobre a Argélia) deve ser correlaccionada com a crise sistémica do capitalismo francês, provocada, entre outras coisas, pela emergência da Ásia como novo pólo da economia mundial, que em breve representará 62% do produto interno bruto mundial.
As gesticulações militaristas da França têm como pano de fundo a crescente hegemonia da China no estrangeiro, nomeadamente em África e na Ásia. O domínio geo-estratégico da China é ilustrado pela instalação da sua primeira base militar no Djibuti e pelo seu investimento no desenvolvimento, gestão ou aquisição de portos estrategicamente posicionados.
As atitudes e posturas militaristas da França destinam-se a compensar a sua fraqueza económica e a sua marginalização diplomática. A braços com uma grave desindustrialização (2,5 milhões de empregos industriais foram perdidos em 30 anos), com o declínio económico e com a despromoção da sua população activa para a pobreza, a França viu-se reduzida a uma vã tentativa de recorrer a uma força armada fantasmagórica para adquirir os meios necessários à concretização das suas ambições de hegemonia mundial. É como se o desejo de envolvimento militar da França fosse o último programa político para preservar as suas posições geo-estratégicas e o seu estatuto de potência mundial em declínio.
O exagero militarista histérico dominou os media franceses
Na realidade, especialmente desde a invasão russa da Ucrânia, a França tem ameaçado constantemente enviar tropas para a Ucrânia, a fim de compensar o seu declínio económico, travar a sua decadência política e cultural e desviar o descontentamento social da sua população frequentemente rebelde.
Muito antes da operação militar russa na Ucrânia, a tendência para a militarização e o aumento das despesas militares tinha começado em França. Do mesmo modo, a retórica belicosa tinha invadido a política internacional das autoridades francesas, impregnando as mentalidades dos dirigentes políticos e das elites culturais e mediáticas.
Nos últimos três anos, a histeria militarista dominou os meios de comunicação franceses. Estamos a assistir a uma militarização escandalosa da informação. Nunca antes os meios de comunicação social franceses, nomeadamente os canais de televisão, foram tão colonizados por uma horda de generais televisivos fantasiados e maquilhados, que travam uma verdadeira guerra de informação, ou seja, que espalham o seu belicismo, nomeadamente contra a Rússia, como um vírus letal. Este belicismo mediático é inédito. Os canais de televisão franceses tornaram-se intoxicadores de intoxicação mental polemológica. O escritor Georges Bernanos, criticando a França decadente do seu tempo, escrevia em 1938, em Les grands cimetières sous la lune: “A cólera dos tolos enche o mundo”. E a França está cheia de dirigentes políticos e jornalistas irados e imbecis. A cólera da França burguesa imbecilizada baseia-se na amargura suscitada pelo seu declínio relâmpago.
A política de militarização da França (e, portanto, de guerra) foi confirmada pelo último Conselho de Defesa, que reuniu todos os partidos políticos, da extrema esquerda (LFI) à extrema direita (RN). Um Conselho de Defesa presidido por Macron, que ambiciona uma liderança militar da Europa digna de Napoleão.
Com a retirada dos Estados Unidos da Ucrânia, Emmanuel Macron pretende agora desempenhar o papel de polícia da Europa. Acima de tudo, ele espera garantir lucros para a indústria de armamento francesa. Uma indústria historicamente ligada ao governo. Um sector militar classificado como o terceiro maior exportador de armas do mundo.
Com a militarização da Europa, as empresas francesas do sector do armamento pretendem multiplicar as suas vendas, graças, nomeadamente, ao aumento substancial do Fundo Europeu de Defesa.
Nas últimas décadas, a França utilizou a luta contra o terrorismo como pretexto para justificar as suas intervenções militares, mas agora que este álibi se esgotou com o seu uso excessivo, outros motivos estão a ser invocados para legitimar os seus planos de guerra, em particular a “ameaça existencial” representada pela Rússia.
Para a preparação de uma guerra de “alta intensidade”, para usar a expressão tricolor, o Estado francês criou vários grupos de peritos para estudar todas as eventualidades. Em particular, a questão da aceitação pela opinião pública de um elevado número de mortos, sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial. Os países visados por esta “guerra de alta intensidade” não foram nomeados. No entanto, todos os especialistas concordam que, para além da Rússia e da Turquia, um país do Norte de África será visado. Poderá ser a Argélia? Com a intervenção militar francesa, apoiada por Marrocos, e ajudada nos bastidores por Israel, um novo aliado do Makhzen, também ele em processo de militarização acelerada e de belicosidade declarada.
A França não dispõe de meios à altura das suas ambições militaristas gesticulantes
Um autor escreveu, com razão: “A guerra? Um fracasso constante. É esta a avaliação do fracasso que se pode fazer de uma França em ruínas, reduzida a fazer guerra nos campos de batalha estrangeiros para manter a sua posição à custa da destruição de países, em vez de trabalhar nos estaleiros da sua economia interna para construir o seu país.
Curiosamente, há quem elogie o pacifismo de Macron. No entanto, sob a sua presidência, as despesas militares terão aumentado 46%, passando de 32 mil milhões de euros em 2017 para mais de 50 mil milhões de euros actualmente. Ele pretende triplicar este orçamento para 150 mil milhões de euros até 2030. Por outras palavras, um aumento impressionante de quase 500%.
Longe da suposta renovação democrática apregoada por Macron, ele deu ao seu regime uma dimensão militarista, ao aumentar exponencialmente o orçamento do exército, confirmando a preservação da centralidade do complexo militar-industrial, o carro-chefe do imperialismo francês, e o endurecimento autoritário do poder, materializado pela militarização da sociedade, inaugurada pela repressão sangrenta do movimento dos Gilets jaunes (Coletes Amarelos), completada pela ditadura sanitário-securitária instituída graças à emergência da pandemia de Covid-19, exacerbada pelas suas declarações belicosas em relação à Argélia e à Rússia.
Em vésperas da Segunda Guerra Mundial, Hitler declara, para justificar a entrada da Alemanha na guerra, estrangulada pelo bloqueio económico imposto pelos “Aliados” e sedenta de espaço vital lucrativo: “A Alemanha deve exportar ou perecer”.
A França, em plena decadência económica, sem nada para exportar a não ser a sua tecnologia mortífera e as suas propensões intervencionistas atávicas, parece reavivar a sua velha agenda militarista: “A França deve lutar ou perecer”.
Mas será que a França tem hoje os meios para realizar as suas ambições militaristas?
Macron, o crista-de-galo, pensa que é Napoleão I: quer enviar tropas para a Rússia, ou mais precisamente para as suas fronteiras, para a Ucrânia, o berço da “Rus” de Kiev, do mundo russo. Para recordar, a campanha russa (ou “Guerra Patriótica de 1812”) foi a expedição militar conduzida contra o Império Russo pelo exército do imperador Napoleão I, que terminou com a derrota das tropas francesas, que foram esmagadas pelas forças russas.
Era como se a França estivesse em guerra com a Rússia. Dir-se-ia que era a França que tinha sido invadida. O medo alimenta-se da imaginação. A psicose apodera-se da população quando o sentimento de perigo iminente deixa de ser real e passa a ser imaginário. O Governo Macron está, portanto, ocupado a espalhar o medo obsessivo. O verdadeiro inimigo da senil burguesia francesa não é a Rússia, mas a classe operária francesa. O inimigo não está acampado lá fora, mas à espreita dentro.
Sem meios militares para fazer a guerra no exterior, o governo Macron trava uma guerra de propaganda belicista no interior do país, para reunir a nação ameaçada de deslocamento, para persuadir os trabalhadores a fazerem sacrifícios económicos, sociais e até políticos, suportando o endurecimento do autoritarismo e o enterro da democracia, em nome da ameaça imaginária simbolizada hoje pela distante Rússia. E, em breve, um novo país. Provavelmente a Argélia, país de que já se aproveitou lamentavelmente para desviar a exasperação política e a cólera social dos franceses.
Khider MESLOUB
Fonte: https://les7duquebec.net/archives/298339?jetpack_skip_subscription_popup
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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