terça-feira, 11 de março de 2025

Marrocos no meio da tempestade árabe


11 de Março de 2025 René Naba

RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com www.madaniya.info.



https://www.madaniya.info/  dedica um dossier de duas partes às duas monarquias com responsabilidades específicas em relação à Palestina: Marrocos, cujo rei preside o comité Al Qods, e Arábia Saudita, na sua capacidade de guardiã dos Lugares Sagrados do Islão. Esses dois casos são tratados pelos melhores especialistas da área, cada um na sua área.

Por Marrocos, por Anis Balafrej, membro proeminente do activismo pró-palestiniano marroquino e filho de Ahmed Balafrej, líder do partido Al Istiqlal (Independência), líder da luta contra o protectorado francês sobre Marrocos

Para a Arábia Saudita, por Madawi Al Rasheed, neta de Mohammad Ben Talal Al Rasheed, o último emir de Hail (Arábia Saudita), especialista de renome mundial nos assuntos da Península Arábica, Madawi Al Rasheed é professora de Antropologia Social no Departamento de Teologia e Estudos Religiosos do King's College London desde 1994.

Marrocos na tempestade árabe

Por Anis Balafrej, engenheiro, formado pela École Centrale Paris, membro proeminente do activismo marroquino pró-palestiniano, Anis Balafrej é filho de Ahmed Balafrej, líder do partido Al Istiqlal (Independência), líder da luta contra o protectorado francês sobre o Marrocos.

Anis Balafrej é um colaborador do rmadaniya   https://www.madaniya.info

·         A lista das suas contribuições pode ser encontrada neste link:   https://www.madaniya.info/author/anis-balafrej

·         Para o falante de árabe, a versão em árabe deste texto está disponível  neste link .


Hoje é claro que, ao assinar o “Pacto de Avraham” em 2020, Marrocos ficou do lado dos colonizadores sionistas genocidas e dos seus aliados, do lado errado da história, contra a justiça e o direito inalienável do povo palestiniano à independência.

Isto só pode enfraquecer e minar a sua posição sobre o Sara, porque não podemos ser a favor da Lei que justifica a nossa legitimidade no Sara e violar essa mesma Lei na Palestina.

Como pode Marrocos, pioneiro na emancipação dos povos africanos contra a política francesa de assimilação e promotor do Grupo de Acra em 1958, que conduziu à Conferência de Casablanca em 1960, Marrocos presente na reunião do Grupo de Bandoeng em 1955, que esteve na origem do movimento dos não-alinhados, Marrocos, fervoroso defensor da causa palestiniana, que, desde a sua independência em 1956, Marrocos, fervoroso defensor da causa palestiniana, que proibiu as actividades sionistas em Marrocos, incluindo as da Agência Judaica, e a partida dos nossos concidadãos judeus para o Estado hebreu; Marrocos, que promulgou uma lei (1) que retira a nacionalidade marroquina a qualquer cidadão marroquino que se aliste no exército sionista. Como é que Marrocos chegou hoje a negar os princípios fundadores da sua independência, nomeadamente o não-alinhamento e a sua política externa anti-colonialista e anti-sionista?

Esta lenta evolução começou logo em 1960, após a dissolução do Partido Istiqlal, principal actor da política anti-colonialista desde 1944, e foi seguida pela morte súbita de Mohamed V, em Fevereiro de 1961.

É preciso dizer que as actividades sionistas foram redistribuídas em Marrocos na sequência destes dois acontecimentos.

A Mossad e depois a Agência Judaica voltaram a instalar-se, seguindo-se a partida maciça e organizada de marroquinos de religião judaica, sob o controlo discreto das autoridades marroquinas.

Marrocos perdeu assim quase 3% da sua população, entre 1961 e 1967, para o ocupante da Palestina, que os confinou perto das fronteiras egípcia, jordana e libanesa para servirem de carne para canhão.

Esta decisão do novo rei foi uma jogada estratégica para reforçar a jovem entidade sionista, que procurava recursos humanos judeus que pudessem ser trabalhados até à morte.

O novo reinado começou assim com uma forte mas discreta bênção sionista.

O que não impediu o Rei de manifestar posições pró-palestinianas e pró-árabes, de convocar a Conferência Islâmica de Rabat em 1969, após a tentativa de incêndio da Mesquita de Al Aqsa, de realizar Cimeiras Árabes em Casablanca em 1965 e em Fez em 1982, de reconhecer a OLP como única representante do povo palestiniano e de enviar contingentes das FAR para o Egipto e para a Síria em 1973.

O regime mostrou-se em simbiose com o povo marroquino, fervoroso defensor da causa palestiniana, o que lhe deu grande margem de manobra para reprimir os militantes da causa palestiniana e do progresso social.

As relações com a entidade sionista desenvolveram-se de forma sub-reptícia e envolveram a colaboração entre serviços secretos e a troca de informações sobre a oposição, de que se destaca o assassinato de Mehdi Ben Barka, em Outubro de 1965.

Qual foi o resultado desta colaboração discreta com os serviços secretos israelitas?

Duas tentativas de golpe militar passaram despercebidas à Mossad em 1971 e 1972.

A derrota árabe de Junho de 1967 terá sido devida a informações importantes e estratégicas transmitidas ao inimigo pela “toupeira” marroquina.

De uma forma mais geral, a política de paz defendida por Marrocos em relação à entidade sionista, os encontros secretos com Shimon Peres a partir de 1986 e com outros dirigentes sionistas baseavam-se na visão real de uma aliança entre o “dinheiro do petróleo árabe” e a “tecnologia israelita” para configurar o Médio Oriente e permitir a integração de Israel no mesmo. 

E quanto à Palestina?

Israel aproveitou para neutralizar dois países árabes na linha da frente - o Egipto e a Jordânia - que tinham assinado tratados de paz com ele, e para ocupar o Líbano em 1982, a base de rectaguarda da resistência palestiniana, que foi obrigada a exilar-se na Tunísia e no Iémen e a formar os primeiros núcleos do Hezbollah no Líbano.

Depois do fracasso de Oslo, em que os palestinianos se contentaram com 22% do seu país para fundar um Estado, na chamada “solução dos dois Estados”, parece agora completamente irrealista prever a paz com os sionistas.

Tofane Al Aqsa, a 7 de Outubro, deixou claro o que estava em jogo:

Israel revelou ao mundo a sua verdadeira face, a que foi definida pelos seus fundadores, entre os quais Ben-Gurion, que se dizia socialista: colonizar toda a Palestina, expulsar a população árabe para além das suas fronteiras, se não mesmo exterminá-la, estabelecer uma “paz” com os países árabes, uma paz de dominação, porque os objectivos sionistas não se detêm na Palestina.

Este ponto de vista não é defendido apenas pela extrema-direita sionista, mas por um vasto sector da classe política.

Recentemente, o Knesset votou por larga maioria, tanto à direita como à esquerda, a rejeição da criação de um Estado palestiniano numa parte da Palestina.

Aos dirigentes árabes que alimentam no seu povo ilusões sobre “soluções de dois Estados” e “apoio ao povo palestiniano”, com quem querem fazer a paz? Com aqueles que estão a colonizar toda a Palestina e querem exterminar o seu povo ou expulsá-lo?

Nesse caso, a “paz” que estão a assinar é a de Ben Gourion e Netanyahu.

É preciso que isso fique bem claro!

Infelizmente, é este o caminho que Marrocos tomou, ao assinar os “acordos de Avraham (Abraão)” e uma aliança militar com o inimigo sionista.

No meio do genocídio em Gaza, as relações entre Marrocos e “Israel” prosseguem e o gabinete de ligação sionista em Rabat acaba de reabrir neste mês de Agosto.

Este facto agrava consideravelmente o fosso entre as autoridades e o povo.

Contrariamente ao que propagam alguns funcionários públicos zelosos e intelectuais a soldo, o povo marroquino está fundamentalmente ligado aos valores do Islão e do arabismo, bem como ao seu apoio inabalável à causa palestiniana.

Foram as dinastias amazigh que islamizaram e arabizaram Marrocos. A sua população é maioritariamente amazigh, com contribuições árabes, da África subsariana e da Andaluzia, formando um único povo muçulmano com uma minoria judaica.

Este povo desafiou o colonialismo e derrotou-o quando este tentou dividi-lo em Amazigh e Árabe com o “Berber Dahir” em 1930.

Para a França, os Amazigh não eram verdadeiros muçulmanos, pelo que podiam ser cristianizados e subtraídos ao poder legal do sultão.

Ao propagar ideias etnicistas e racistas, Israel afirma que o povo marroquino não é árabe, que a sua componente judaico-amazigh o predispõe a sair da esfera árabe-muçulmana.

Os mesmos esquemas levaram ao desmembramento do Sudão e à criação de uma república curda no Iraque.

Marrocos encontra-se numa encruzilhada.

Que lugar quer ocupar no mundo de amanhã?

Quer continuar sob a hegemonia americano-israelita, mesmo que isso signifique perder a sua independência e ver a sua margem de manobra política e económica reduzir-se a um mínimo?

Ou terá de enfrentar a inevitável resistência popular alargada contra a desigualdade social, a arbitrariedade, a corrupção, a ausência de democracia e a nova colonização sionista?

Ou quer salvaguardar a sua independência e uma certa margem de manobra que lhe permita defender melhor os seus interesses num mundo multipolar onde a hegemonia americana está em pleno declínio?

Esta escolha corajosa exige o reforço da frente interna através de uma política social avançada e da introdução de liberdades, da separação de poderes e da criação de um poder judicial independente.

São estas as reformas que Mohamed V e o partido Istiqlal se comprometeram a efectuar desde a independência, em 1956, mas que não passaram de letra morta.

Com estas reformas, o projecto de autonomia interna do Sara tornar-se-ia credível, facilmente aplicável e selaria definitivamente o seu estatuto, marcando ao mesmo tempo o início de uma era de progresso e de unidade no Magrebe.

Tudo aponta para esta última opção. As grandes convulsões do mundo actual, a ascensão da China, que em breve será a maior economia do mundo, liderando os países BRICS, e a criação de um banco de investimento e de desenvolvimento que dela depende, a desdolarização das trocas comerciais, o fracasso da NATO na Ucrânia face à Rússia, o impasse entre Israel e os Estados Unidos face à resistência palestiniana e libanesa, tudo isto deve ser tido em conta para reavaliar a estratégia marroquina e centrá-la nos interesses superiores de Marrocos e da causa árabe, e mudar de rumo para responder positivamente aos apelos e gritos de amplas camadas do povo marroquino.

(1) Dahir 1-58-250

 

Fonte: https://les7duquebec.net/archives/298220

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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