O texto que se segue é a síntese de uma discussão contraditória que tivemos no nosso grupo sobre a utilização da Internet, dos fóruns e das redes sociais (como o Facebook) pela classe operária e, em particular, pelos grupos comunistas e seus militantes. Estes novos meios de comunicação - cujo principal objectivo é encorajar e acelerar como nunca a circulação de capital e de mercadorias - têm também a vantagem, para a ideologia burguesa, de fazer as pessoas acreditarem no advento definitivo da democracia, onde todos, cada indivíduo isolado, terá finalmente acesso ao conhecimento e à livre expressão da sua individualidade. A consequência desta mistificação é a destruição dos laços sociais de todos os tipos, sobretudo os laços colectivos de classe.
Neste sentido, a ideologia que acompanha estes novos meios de comunicação exerce a sua influência negativa nas lutas operárias - mesmo que não passe de um auxiliar que reforça as mistificações e a sabotagem das forças burguesas nas greves e manifestações.
Por outro lado, está longe de ser isenta de efeitos para os grupos comunistas, tanto ao nível da sua intervenção - devemos continuar a editar publicações e jornais regulares em papel e desenvolver a sua distribuição militante em lutas, manifestações, greves, assembleias, reuniões políticas, na rua, quando nos podemos contentar com a publicação num sítio da Internet? -Em termos de debates entre grupos políticos, por que não nos contentarmos com fóruns na Internet e redes sociais, tendo cada grupo a sua própria rede de apoiantes e “amigos” no Facebook? E, em termos de vida interna, porquê manter reuniões formais de grupo quando o correio electrónico e as ligações “milagrosas” via Skype ou outros meios parecem ser capazes de manter e desenvolver contactos e intercâmbios permanentes?
Para nós, a Internet só pode ser um instrumento técnico cujo controlo estatal, policial (vigilância) e sobretudo ideológico é ainda mais eficaz do que aquele que a burguesia podia exercer sobre o telefone - para dar um exemplo de instrumento técnico que pode parecer equivalente. Ainda que dificilmente possamos prescindir dele na sociedade dita “moderna” de hoje, tal como não podíamos prescindir da utilização do telefone, os comunistas devem limitar a sua utilização e, sobretudo, lutar contra a mistificação ideológica que acompanha o seu desenvolvimento, sob pena de nos perdermos e de liquidarmos uma grande parte dos contributos e ensinamentos do movimento operário, tanto do ponto de vista das lutas operárias como da luta pelo partido comunista de amanhã.
Convidamos os nossos leitores e os grupos comunistas a reflectirem sobre esta questão, a contribuírem - através da participação e da crítica - para a nossa reflexão, e a participarem na denúncia e na luta contra o democratismo em geral e a sua versão “internet” em particular. Entre as poucas contribuições sérias que conhecemos sobre o assunto, devemos mencionar o artigo que o PCint-TCI escreveu na sua revista italiana Prometeo #4 (2010), Libertà virtuale e catene reali - La battaglia per il controllo di Internet. Embora concordemos com muitos dos argumentos, temos mais reservas quanto à possibilidade de os comunistas terem de liderar “a batalha pelo controlo da Internet” e “opor-se (...) aos controlos e à censura nos fóruns da Internet” [“Dobbiamo opporci (...) ai controli e alla censura sui forum del web”]. Para além dos limites (e até dos perigos) de uma tal batalha, consideramos que o texto de Prometeo tende a ignorar a utilização política e ideológica destes novos meios de comunicação pelo capitalismo e pela classe dominante contra as lutas da classe operária e das suas minorias comunistas.
1) A
democracia burguesa e a pretensa igualdade dos indivíduos
A democracia burguesa baseia-se essencialmente numa
visão abstrata do indivíduo. Ou, mais comummente: um homem, um voto; todos são
iguais a todos os outros. O marxismo, teoria revolucionária do proletariado,
classe explorada e revolucionária, há muito que denuncia a mistificação da
igualdade entre indivíduos pertencentes a diferentes classes sociais; e em
particular, “pode haver igualdade entre o
explorador e o explorado? (...) No Estado mais burguês, não há igualdade entre
o explorado e o explorador. No Estado burguês mais democrático, as massas
oprimidas são constantemente confrontadas com a contradição gritante entre a
igualdade nominal proclamada pela “democracia” dos
capitalistas e os milhares de restrições e subterfúgios reais que transformam os proletários em escravos assalariados” (Lenine, A Revolução Proletária e o Renegado
Kautsky). Na realidade, “embora a
burguesia represente a minoria da sociedade, o Estado democrático representa o
sistema de força armada organizado com o objetivo de preservar as relações de
produção capitalistas”(Teses da Fracção Comunista Abstencionista do Partido
Socialista Italiano, 1920). Contrariamente à ideologia democrático-burguesa, o
marxismo não reivindica a igualdade entre os indivíduos, nem no quadro da
sociedade capitalista, nem mesmo no quadro do comunismo. É o capital que torna
os homens e as mulheres “iguais”, alienando-os do trabalho assalariado enquanto
proletários. E se os revolucionários são os primeiros a apresentar
reivindicações “igualitárias” nas lutas operárias, nomeadamente as
reivindicações salariais, não é por princípio, e muito menos por moral (ambas
seriam aqui abstracções), mas como meio de alargar e unificar a luta. “A sociedade socialista concebida como o
reino da igualdade é uma concepção francesa unilateral, ligada
à velha divisa “Liberté, égalité, fraternité”, concepção que foi outrora
legítima e oportuna como estádio de
desenvolvimento, mas que, como todos
os princípios unilaterais das velhas escolas socialistas, deve ser
ultrapassada, porque só confunde os espíritos e foram encontradas expressões
mais precisas” (Engels, Carta a Bebel, 18 de Março de 1875, sublinhado por
Engels).
A mistificação sobre a igualdade dos indivíduos na sociedade capitalista e no seu estado democrático conduz à mentira sobre a livre escolha política do “povo” através da afirmação de um voto maioritário, sendo que o “povo” entendido como a soma de indivíduos supostamente “livres e iguais” é outra abstração no capitalismo. “A divisão da sociedade em classes claramente distinguidas pelo privilégio económico retira todo o valor à decisão da maioria. A nossa crítica refuta a falsa teoria de que a máquina do Estado democrático e parlamentar que emergiu das constituições liberais modernas é uma organização de todos os cidadãos no interesse de todos os cidadãos” (O Princípio Democrático, Bordiga, 1922).
A mentira e a mistificação democráticas, que se baseiam numa noção abstracta, a-histórica, não material e, em última análise, metafísica do indivíduo, servem, antes de mais, para impor e obter a aceitação das massas exploradas, na primeira linha das quais está o proletariado, “ a República democrática [essa] forma última do Estado da sociedade burguesa (Marx, crítica do programa de Gotha, 1875) negando a realidade das classes sociais, especialmente a classe dominante burguesa e o proletariado explorado, e o seu antagonismo irreconciliável.
2) A
chamada “soberania” do indivíduo
Mas a mistificação burguesa não se limita apenas a
fazer crer na democracia política pura (eleições, parlamento, etc.), a apagar
da consciência das pessoas a realidade da ditadura de classe exercida pela
democracia burguesa e a negar a realidade da luta de classes. A ideologia
democrático-burguesa vai muito mais longe e tende a impregnar todos os momentos
e todos os domínios da vida social, em detrimento da visão e, sobretudo, da acção
e da reflexão colectivas, isto é, da classe operária, como o marxismo
incansavelmente demonstrou e defendeu. A ideologia democrático-burguesa tende a
fazer de cada indivíduo uma “unidade” autónoma em si mesma. “A unidade do indivíduo tem, sem dúvida,
sentido do ponto de vista biológico, mas não pode ser feita a base da
organização social sem cair em elucubrações metafísicas: do ponto de vista
social, com efeito, todas as unidades não têm o mesmo valor, e a colectividade
nasce de relações e agrupamentos em que o papel e a actividade de cada
indivíduo não constituem uma função individual, mas colectiva, determinada
pelas múltiplas influências do meio social” (O Princípio Democrático,
Bordiga, 1922).
O indivíduo “proletário” não é nada em si mesmo. Só o é dentro do colectivo histórico representado pela sua classe, a classe explorada e a classe revolucionária ao mesmo tempo. “Não se trata de ressuscitar o mito ilusório do individualismo, que pretende libertar o “eu” das influências exteriores, quando, pelo contrário, a sua dependência se alarga e diversifica, e a vida individual é cada vez mais difícil de distinguir da vida colectiva. Pelo contrário, o problema é colocado num terreno diferente: a liberdade e a vontade são atribuídas a uma classe destinada a realizar a unidade da espécie humana, lutando no final apenas contra as forças opostas do mundo físico exterior” (Teses apresentadas pela Esquerda no 3º Congresso do Partido Comunista de Itália, Lyon, 1926, sublinhado nosso).
3) O totalitarismo do Estado capitalista e a atomização dos indivíduos proletários
Com o período histórico de decadência do
capitalismo - ou período de imperialismo dominante - e o crescente
totalitarismo de Estado que o acompanha, esta ideologia democratizante e
individualista - a ideologia da classe capitalista - continuou a desenvolver-se
até ao nível caricatural que hoje conhecemos, nomeadamente com a utilização da
Internet e das redes sociais. Em muitos aspectos, o romance “1984” de George
Orwell, que seria errado limitar a uma simples denúncia dos Estados
capitalistas nazi e estalinista, tornou-se realidade. Com a Internet e os seus
cookies, o GPS e o Facebook, não só o Big
Brother nos vigia (Big Brother is
watching you...) como, sobretudo, cada um, enquanto indivíduo isolado, é
obrigado, de uma forma ou de outra, a submeter-se a esta ditadura permanente
que afecta todos os cantos da vida social: no trabalho, claro, com a ideologia
de gestão e as redes “internet-intranet”; nas viagens e nos transportes, com os
telemóveis e o GPS; em casa, na chamada “privacidade do lar”, com a Internet, o
Skype e as redes sociais. Se a televisão foi um dos principais factores de
desenvolvimento do Estado burguês e do totalitarismo democrático, e um dos
principais aceleradores da atomização social, pelo menos não era “interactiva”,
em que todos permaneciam passivos perante o meio. Hoje, o indivíduo isolado -
na maior parte das vezes um proletário assalariado ou desempregado - torna-se,
superficialmente, um actor dos meios de comunicação e da sua própria atomização
social - não de vez em quando, durante as eleições, mas todos os dias, a toda a
hora, em casa, nos transportes públicos, nos “tempos livres”, no trabalho...
Pior ainda, acabam por acreditar que o único espaço social que resta é o
virtual da Internet e das redes sociais: não é aí que os solteiros pagam para
encontrar a sua alma gémea e estabelecer relações amorosas? Para além do facto
de o capitalismo estar a transformar o amor e os sentimentos em mercadorias, o
espaço das relações sociais tão íntimas como o amor está a ser cada vez mais
reduzido à Internet e às chamadas redes “sociais” - as “redes sociais” são como
a nova linguagem de “1984”: são tão sociais como “a liberdade é a escravatura, a ignorância é
a força”.
Mas, mais perigosamente ainda, permitiu que a
ideologia democrático-burguesa adquirisse uma dimensão mistificadora particular:
todos, todos os indivíduos, podem “exprimir-se livremente” e à vontade, sem
meios financeiros particulares, jornais, relações sociais, etc... E, de facto,
é preciso dizer que este é o auge da democracia formal e abstracta, em que cada
indivíduo é finalmente igual ao outro: de um homem, um voto, a Internet
levou-nos a “um homem, um voto permanente (ou ‘posto’)”. Correndo o risco de
parecer “antiquado” face a esta modernidade - não houve quem, incluindo os
revolucionários, falasse da Internet como um factor de revolução? - é no
passado e na história da nossa classe que encontramos a denúncia teórica da
ideologia democrática e individualista de que a Internet se tornou o epítome:
“Esta concepção só pode parecer uma construção lógica sedutora se admitirmos à partida que o voto, isto é, a opinião, o parecer, a consciência de cada eleitor - podemos acrescentar hoje de cada “amigo do Facebook” ou participante num fórum - tem o mesmo peso quando se trata de delegar poderes para a administração de assuntos colectivos. O carácter irrealista e anti-materialista de uma tal concepção resulta já do facto de considerar cada indivíduo como uma “unidade” perfeita num sistema composto por outras tantas unidades potencialmente equivalentes e de, em vez de avaliar a opinião desse indivíduo em função das suas múltiplas condições de vida, isto é, das suas relações com os outros homens, a teorizar a priori na hipótese da “soberania” do indivíduo. Isto equivale a colocar a consciência dos homens fora do reflexo concreto dos factos e das determinações do meio, a considerá-la como uma centelha acesa, com a mesma equidade providencial, em todos os organismos, sãos ou degradados, famintos ou harmoniosamente satisfeitos em todas as suas necessidades, por um ser supremo indefinível que dispensa a vida” (O Princípio Democrático, já citado).
É também, ao mesmo tempo, a negação de
qualquer colectivo social. Um exemplo aparentemente “neutro” em termos de
classe e de política: é hoje comum ver “pessoas” reunidas para uma noite com
amigos (um quadro social colectivo) isolarem-se durante algum tempo para enviar
ou ler mensagens de texto sem qualquer objecto ou urgência com outro indivíduo
que não está presente (ou por vezes mesmo presente) e assim esquecer, ou mesmo
negar, o acto social colectivo!
Esta gangrena “anti-social”,
anti-colectiva e individualista está a penetrar em todos os recantos da vida
social e a poluí-la, encorajada pela utilização ideológica da Internet e das
redes sociais - mas apenas encorajada, já existia antes como produto da
ideologia democratizante e individualista. A Internet apenas a agrava e acelera
a sua propagação.
De um ponto de vista de classe, ou seja,
de um ponto de vista político proletário, cada indivíduo, cada operário, cada assalariado,
cada desempregado, cada explorado, encontra-se permanentemente, e sobretudo
cada vez mais, sob vigilância e em concorrência com outros pelo capitalismo
totalitário através da Internet. Este novo meio de comunicação fornece a todo o
aparelho do Estado capitalista os meios de vigilância e sobretudo de repressão,
tanto na vida social em geral como no local de trabalho. Voltaremos a este
assunto mais adiante. Assim, a Internet e a sua utilização pelo capitalismo
estão a piorar as condições de vida e de trabalho da classe operária, tal como
a sua ideologia está a reforçar o domínio totalitário do capital sobre o
trabalho, ou seja, sobre os proletários.
4) A ideologia da Internet ajuda a
sabotar as lutas operárias
A ideologia democrática da Internet também polui e
enfraquece o movimento operário e comunista ao agravar ainda mais a ruptura com
as suas tradições e, em parte, ao procurar distorcer as condições de luta da
classe operária para a paralisar. A ideologia democratizante da Internet
favoreceu e participou no aparecimento dos movimentos de “indignados” e na
fetichização da auto-organização e das assembleias em que cada um podia e devia
falar durante 3 minutos, no máximo. Embora fosse muitas vezes proibido falar em
nome de um grupo político, não importava que cada um repetisse o mesmo que o orador
anterior. Esta democracia pura é uma armadilha do ponto de vista dos interesses
e objectivos da luta dos operários contra o capitalismo. O papel de uma
assembleia de operários não é dar a palavra a cada um dos presentes, mas
decidir sobre os interesses e objectivos imediatos da luta, a fim de
desenvolver a relação de forças mais favorável possível contra o capital. Em
geral, há um princípio orientador: a extensão e a unificação da luta a outros
sectores da classe operária. Diante dessa necessidade prática da luta e das
decisões particulares a serem tomadas de acordo com os diferentes momentos e
condições de cada luta, o importante é que as orientações políticas que afirmam
essa dinâmica de unidade e as que se opõem a ela se confrontem na assembleia. E
se apenas alguns oradores, ou mesmo apenas dois oradores, se fizerem portadores
destas orientações, estabelecendo os termos do “debate”, ou seja, assumindo e
levando a cabo o confronto político imediato, e se elas aparecerem claramente
aos olhos da assembleia - sem serem abafadas por uma enxurrada de discursos de
3 minutos sobre tudo e mais alguma coisa - então a “democracia proletária”, a
“democracia da luta dos operários” é posta ao serviço da luta de classes e dos
seus objectivos imediatos e a longo prazo.
É precisamente isto que a ideologia democratizante e
individualista - de que a Internet se tornou o veículo mais adequado - procura
eliminar, abafando os desafios e os termos dos confrontos que os operários, em
particular os mais combativos e conscientes, devem inevitável e
necessariamente assumir um papel nas lutas da classe operária contra as forças
políticas e sindicais burguesas que intervêm, e intervirão, inclusive no
período revolucionário, nas lutas e organizações unitárias da classe:
assembleias, manifestações, comícios, comissões, conselhos operários, etc.
Despojados do seu conteúdo e objectivo políticos - decidir a greve, definir as
reivindicações e os objectivos da luta e os meios para a sua extensão e
unificação para os primeiros; decidir e organizar a insurreição e depois o
exercício do poder para os conselhos ou sovietes - estes órgãos de luta caem
inevitavelmente nas mãos da burguesia, que se esforça por paralisá-los e
emasculá-los em nome da virtude supostamente democrática em si mesma,
supostamente “natural”, destes órgãos.
Deste ponto de vista, a ideologia democrática - à qual
as visões individualistas dão crédito e reforço - é a apóstola da fetichização
da “auto-organização”, muitas vezes hoje em dia do “assembléisme”, para melhor
esvaziar a organização da luta pelos próprios operários do seu conteúdo e do
seu potencial de classe. As nossas gerações de proletários, em particular os
mais jovens, foram influenciadas pela versão Internet da ideologia democrática
e habituaram-se a trocas individuais instantâneas de e-mails e “posts” nas
redes sociais, à ideia de que cada ideia ou comentário tem o mesmo valor que os
outros, etc. Consequentemente, tendem a confundir a “classe” com a “classe”.
Consequentemente, tendem a confundir os debates e o confronto de posições e
orientações de combate com a possibilidade material e temporal de cada
indivíduo ter uma palavra a dizer. Em vez de se dar prioridade aos interesses
da assembleia e da luta, ou seja, do colectivo de classe, em nome de uma
democracia formal desprovida de conteúdo político e de classe, dá-se prioridade
às expressões individuais do maior número.
Do mesmo modo, a utilização de smartphones para informar e convocar comícios ou manifestações improvisadas está agora a ser apontada como um exemplo a seguir. Cada pessoa avisa os seus amigos e conhecidos. Uma coisa é avisar alguém por telefone do local de uma manifestação improvisada - não temos nada contra isso em si. Outra coisa é substituir o uso individual de smartphones pelo envio colectivo de delegações em massa para procurar operários num determinado local de trabalho, para que se juntem à manifestação. No entanto, cada vez mais, verificamos que muitos participantes em manifestações de rua, mesmo quando são maciças - quer sejam ou não convocadas pelos sindicatos - vêm individualmente e não como parte de uma delegação ou de um cortejo colectivo. É claro que não temos nada contra o facto de os operários decidirem por si próprios vir a uma manifestação - é melhor do que nada - mas o facto é que isso exprime uma fraqueza e uma dificuldade da classe operária. E, como não devemos fazer da necessidade uma virtude, combatemos a ideia de que se trata de um exemplo a seguir e, mais ainda, qualquer apologia deste método dito “moderno”. Assim, o Facebook e o Twitter são-nos apresentados como ferramentas e meios da luta dos operários e do seu alargamento, substituindo as verdadeiras organizações de luta que reúnem física e politicamente todos os operários, como as delegações de massas e as assembleias operárias.
5) A
pressão do democratismo e do individualismo sobre os grupos comunistas
O oportunismo político exprime a penetração da ideologia burguesa no campo revolucionário, nas organizações comunistas de vanguarda do proletariado. O democratismo e o individualismo chegaram também a este campo, e ainda mais fortemente após um século de crescimento do capitalismo de Estado, em termos económicos, sociais e ideológicos. Pode mesmo dizer-se que este fenómeno se acelerou dramaticamente nas últimas décadas, inclusive, e mesmo particularmente, no seu interior, enfraquecendo-o ainda mais e favorecendo a dispersão dos grupos políticos (que a classe ainda não reconhece), a sua deserção e o individualismo. Não só os raros grupos políticos comunistas são poucos, como são sem dúvida mais numerosos os indivíduos que se declaram revolucionários fora desses grupos, e o justificam, do que os membros desses grupos. Consequências: em primeiro lugar, o individualismo no seio do campo proletário - ou seja, nos grupos e elementos que se dizem comunistas e pertencentes à sua tradição teórica, política e organizativa - é hoje teorizado [1] e desenvolve-se na medida em que estes camaradas rejeitam a actividade comunista, que só pode ser organizada e centralizada num organismo colectivo ; em segundo lugar, o democratismo estende-se, com estes elementos, à abordagem individualista que defende, em nome da liberdade individual de crítica e de revisão do programa e das posições do passado, que cada ideia ou expressão é tão válida, tão equivalente, como qualquer outra; e, em particular, tão válida se provém de um indivíduo ou de um grupo ou organização comunista. Para nós, não é esse o caso. Nem todas as “ideias revolucionárias” têm o mesmo valor, e um dos critérios para o avaliar, para além do seu conteúdo político, é o facto de serem apresentadas por grupos e organizações políticas ou por indivíduos não organizados. Ao contrário do indivíduo “revolucionário”, que é responsável apenas perante si próprio ou mesmo perante os seus “amigos”, o grupo político é responsável perante a história do movimento operário e perante a sua própria história em termos programáticos, teóricos, políticos e organizativos. Como tal, ao contrário do indivíduo, não é livre. Como tal, não pode considerar qualquer ideia como válida ou equivalente a outra. Têm também o dever de discutir, debater e combater outras posições e “ideias” de valor desigual que não partilham.
A Internet e os seus derivados não estão na origem deste peso particular do democratismo e do individualismo no seio do campo proletário. No entanto, ela serve estas duas mistificações e torna-se um dos seus principais vectores, quer através da propaganda e das ilusões sobre a sua utilização, quer através da sua utilização “fácil” e quotidiana, que também esconde o vazio da acção real, isto é, de classe. Acima de tudo, a Internet e as redes sociais favorecem, e até privilegiam, a expressão individual em detrimento da expressão política colectiva e organizada, isto é, da organização e da expressão partidária.
Em vez de debates políticos e confrontos entre correntes e organizações políticas, há uma tendência crescente para ver e considerar apenas confrontos e disputas entre indivíduos. Deste ponto de vista, a utilização das redes sociais e da Internet, amplamente favorecida pela burguesia, não se limita, longe disso, a uma maior possibilidade de controlo e vigilância estatal e policial, mas também a poluir as mentes com uma visão individualista e práticas que distraem da acção ou reflexão colectiva e, em particular, da acção de classe, ao ponto de as negar e fazer desaparecer, inclusive no seio da vanguarda política do proletariado.
6) A
Internet e os seus derivados: um meio de repressão
Como qualquer instrumento técnico ou
meio de comunicação, a Internet é controlada e dominada pelos poderes
instituídos, neste caso os Estados capitalistas. Isto é verdade no plano
económico, que continua a ser a principal dimensão deste meio de comunicação e
que assiste a uma aceleração sem precedentes da circulação de capitais e de mercadorias
e à procura desenfreada do lucro capitalista em todos os cantos do planeta e da
vida social - até às relações sentimentais, como vimos. Mas também, pelo uso
ideológico e propagandístico de que é também vector, a Internet e os meios
técnicos que a acompanham tornaram-se o lugar privilegiado da vigilância e da
repressão dos Estados - sublinhe-se, de passagem. De salientar, aliás, que os
Estados democráticos são tão mais eficazes nesta repressão que não precisam, ao
contrário dos Estados ditos não democráticos, de cortar a rede e o acesso à
Internet (no entanto, no dia em que o considerarem necessário, não hesitarão em
fazê-lo imediatamente). Não voltaremos a falar das revelações do WikiLeaks e de
outros “escândalos” em torno das actividades dos serviços secretos e das forças
policiais, como a NSA americana. De facto, se pensarmos dois minutos e olharmos
para as muitas revelações da própria imprensa burguesa, não há dúvida sobre a
omnipresença e omnipotência da vigilância e repressão policial na Internet.
Infelizmente, as ilusões democráticas
entre os revolucionários, essa velha doença do movimento operário,
especialmente em países com uma forte tradição democrática que são, muitas
vezes, ao mesmo tempo, os centros históricos do capitalismo, continuam mais difundidas
do que nunca. Sem cair na ilusão de que a burguesia dos países democráticos
nunca mais repetirá o assassinato de Rosa Luxemburgo, ordenado e executado pela
social-democracia alemã - é sempre bom recordá-lo -, as nossas gerações de
revolucionários que não viveram uma repressão aberta e maciça - salvo raras
excepções - estão particularmente infectadas por este mal, ao ponto de
negligenciarem as medidas mais elementares de “discrição”. É claro que temos de
saber encontrar um equilíbrio entre a vantagem imediata que os meios modernos
podem proporcionar e a preocupação a longo prazo de proteger a actividade
comunista da repressão - e, portanto, de limitar a vigilância do Estado.
Quantas discussões políticas poderiam e deveriam ter sido evitadas se se esperasse
pela reunião do grupo? Ou pelo correio? Evidentemente, esta preocupação
política não proibia a utilização do telefone - por vezes indispensável ao bom
desenrolar da actividade quotidiana - mas
deveria ter limitado a sua utilização. Por um lado, face à vigilância do
Estado e, por outro, porque o seu uso excessivo implicava práticas,
nomeadamente debates, fora do controlo e da vida colectiva do grupo... e muitas
vezes de indivíduo para indivíduo. O mesmo se passa com a Internet, excepto que
é ainda mais vigiada e controlada pelo aparelho de Estado burguês, e pode ainda
mais facilmente - quanto mais não seja porque pode pôr mais de 2 pessoas em
contacto directo oral e visual - substituir as reuniões colectivas regulares do
grupo.
As ilusões sobre a democracia burguesa e as concessões políticas e organizacionais que a acompanham, e que são reforçadas pela ideologia da Internet, têm efeitos negativos tanto do ponto de vista da vigilância e da repressão - incluindo a repressão indirecta, por exemplo, facilitando a manipulação e a infiltração da polícia - como do ponto de vista do próprio funcionamento e da compreensão teórica e política da organização, do grupo, da fracção ou do partido comunista.
7) Os
fóruns e as redes sociais liquidam os debates políticos
Para quê reunir-se quando pode conversar
e utilizar o Skype a partir do conforto da sua própria casa? Sem qualquer
esforço. Para quê organizar debates
internos e, se possível, redigir textos, quando se pode debater com toda a
gente, instantaneamente, com uma “resposta” imediata, nos fóruns e nas redes
sociais? A facilidade de utilização da Internet e dos seus derivados, cada um
em casa diante do seu computador, cada um dando a sua palavra e a sua opinião
sobre tudo e mais alguma coisa nos fóruns e nas redes sociais, desenvolve o
cancro do individualismo e a rejeição de qualquer actividade colectiva,
regular, organizada e centralizada; em particular de qualquer debate
argumentativo e contraditório colectivo, única arma, no entanto, que permite
esclarecer as questões políticas e reunir as energias revolucionárias num
quadro colectivo e militante; em suma, a ideologia democrática e individualista
da “Internet” visa liquidar toda a actividade comunista ou “partidária”.
De facto, em vez de um debate interno ou
externo no seio dos grupos políticos - no qual, por vezes, também podem
participar indivíduos ou simpatizantes desses grupos -, assiste-se a um
desenvolvimento sem precedentes de intervenções sobre tudo e mais alguma coisa
por parte de indivíduos, mais ou menos revolucionários segundo eles próprios,
muitas vezes isolados, a maior parte das vezes dominados por emoções imediatas,
muitas vezes guiados pelo seu ego e pelo seu desejo de “existir” como
personalidade, em fóruns da Internet. Em vez de debates organizados e centralizados,
cujo objectivo é clarificar posições políticas - por exemplo, através de
conclusões e decisões políticas práticas, ou seja, militantes - assistimos a
uma acumulação de pseudo-contributos de indivíduos que, muitas vezes, não
respondem uns aos outros ou, se o fazem, não se referem a nenhuma tradição
política ou, na melhor das hipóteses, às mais perigosas. É obviamente ainda
pior nas redes sociais como o Facebook. Aí, impera o imediatismo, a emoção, o
sentimento, a reacção, a ausência de reflexão e de argumentação, em suma, o
individualismo mais cru e mais sujo. Mas não critique sob o risco de o seu
“amigo do Facebook” cortar o “post”, o “chat”, depois de o acusar de o ter
insultado e de não respeitar a sua opinião, que é tão válida como a sua - e por
isso é indelicado e impróprio discuti-la! Em suma, é tudo menos um debate,
inclusive e sobretudo contraditório, com vista ao esclarecimento político e,
aliás, é tudo menos o verdadeiro respeito devido aos militantes operários e
revolucionários.
Mas o pequeno-burguês, marcado pelo
democratismo e pelo individualismo, ficará satisfeito; ter-se-á divertido: terá
exprimido a “sua” ideia e, sobretudo, afirmado a sua “personalidade”.
8) A
Internet e a atividade comunista
É claro que os grupos comunistas, tal como os proletários
na sua vida quotidiana, são obrigados a utilizar os novos meios de comunicação
que o capitalismo controla e impõe. Podem até achar que isso lhes traz
vantagens imediatas, como no caso da utilização do telefone, por exemplo. Seria
insensato, porque seria praticamente impossível, não utilizar o correio electrónico,
ou utilizar as possibilidades oferecidas pela criação de um sítio Web. Mas
trata-se de os considerar como ferramentas técnicas modernas que os comunistas
devem pôr ao seu serviço na medida do possível - sabendo que a burguesia mantém
e manterá o controlo desta ferramenta que pode interromper a qualquer momento
enquanto mantiver o poder de Estado. A criação de um sítio Web justifica a
cessação de toda a publicação revolucionária regular? Pensamos que não. Pelo
contrário. Em primeiro lugar, porque a burguesia, enquanto o seu poder de
Estado não for destruído e substituído pelo poder do proletariado
revolucionário, a ditadura do proletariado, poderá interromper e silenciar o
sítio a qualquer momento - mais facilmente ainda do que a imprensa escrita. Mas
também porque acreditamos que é a frequência e a regularidade de um jornal ou
de uma revista que define a organização, a apresentação e a actividade do site
de um grupo comunista - e não o contrário. É por isso que nos recusamos a
utilizar o nosso sítio como um blogue, com artigos que vão aparecendo uns atrás
dos outros à medida que são escritos. O sítio Web de uma organização comunista
deve também ter uma dimensão militante; ou melhor, deve exprimir a dimensão
militante do grupo comunista. E, em particular, deve apresentar as suas
posições, folhetos, comunicados de imprensa, artigos, etc., de forma
hierárquica e prioritária - e não uns a seguir aos outros. Também neste
sentido, não há igualdade entre posições. Nem todas as posições são iguais, e a
sua disposição é determinada por prioridades e orientações políticas.
Por isso, longe de nós sugerir um regresso à era
pré-digital, mesmo que o domínio da burguesia sobre o mundo digital permaneça
intacto. Mas devemos estar permanentemente preocupados e lutar contra o
ressurgimento de ideologias e mistificações democráticas e individualistas que
a Internet e as redes sociais tornaram possíveis.
Para isso, para essa luta, não estamos a inventar nada. Contentamo-nos, modestamente e sem dúvida de forma incompleta - aguardamos críticas -, em tentar basear-nos na crítica teórica feita pelo marxismo em geral, e mais particularmente aqui por Bordiga e pelo Partido Comunista de Itália, à ideologia e à mistificação democráticas, há quase um século. Parece-nos ainda mais actual e válida hoje, face aos novos meios de comunicação, a Internet e o Facebook, e à ideologia que os acompanha:
“Partir da
unidade do indivíduo para daí tirar
ilações sociais e traçar planos para a sociedade, ou mesmo para negar a
sociedade, é partir de um
pressuposto irreal que, mesmo nas
suas formulações mais modernas, não passa, no fundo, de uma reprodução
modificada dos conceitos de revelação religiosa, de criação e de vida
espiritual independentes dos factos da vida natural e orgânica. A cada
indivíduo, a divindade criadora ou uma força única que rege os destinos do
universo conferiu essa investidura elementar que faz dele uma molécula
autónoma, bem definida, dotada de consciência, vontade e responsabilidade, no
seio do agregado social, independentemente dos factores acidentais decorrentes
das influências físicas do meio ambiente. Esta concepção religiosa e idealista só se modifica em aparência na
doutrina do liberalismo democrático ou do individualismo libertário: a alma como centelha do Ser Supremo, a
soberania subjectiva de cada eleitor, ou a autonomia ilimitada do cidadão da
sociedade sem lei são todos sofismas que, aos olhos da crítica marxista, pecam
pela mesma puerilidade, por mais resolutamente 'materialistas' que tenham sido
os primeiros liberais burgueses e os anarquistas” (sublinhado nosso).
Não se trata de uma crítica particularmente aguda e incisiva à ideologia democrática da “Internet”, uma ideologia que a classe revolucionária (e sobretudo as suas organizações políticas) deve combater com todas as suas forças?
O
GIGC.
Início
Notes:
[1] .
Veja-se o movimento em torno de círculos como Controverses ou Perspectives
internationalistes, ou de ex-membros de grupos políticos como o CCI.
Sumário
·
"Charlie
Hebdo", a manifestação de Paris de 11 de Janeira e o Syriza no poder na
Grécia...
·
Non au
terrorisme, non à l’État capitaliste !
·
Luttes operárias no mundo ouvrières dans le monde
·
Reagrupamento dos revolucionários
A importância
actual dos grupos da Esquerda comunista
·
Debate no campo proletário
Democracia burguesa,
Internet... e a por assim dizer igualdade dos indivíduos.
·
Luta contra o oportunismo político
Reedição da
brochura sobre a moral proletária redigida pela FICCI en 2008.
2014-2025 Révolution ou Guerre
Fonte: Démocratie bourgeoise, Internet... et la
soi-disant égalité des (...) - Révolution ou Guerre
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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