1 de Março de 2025
Robert Bibeau
Por Khider Mesloub .
Numa contribuição escrita logo que a guerra entre a
Rússia e a Ucrânia eclodiu em Fevereiro de 2022, escrevi as seguintes linhas.
“Contrariamente às afirmações dos observadores cegos pelas suas concepções ideológicas do Terceiro Mundo de que existe apenas um imperialismo: o imperialismo ocidental, não é a Rússia que está a liderar o jogo, e muito menos a obter qualquer vitória no tabuleiro de xadrez internacional, mas sim os Estados Unidos.”
Actualmente, os Estados Unidos estão a obter êxitos imperialistas sem mobilizar soldados ou gastar quantias excessivas de dinheiro. Na verdade, a maior parte do fardo do financiamento da Ucrânia está a ser suportado pelos países europeus, em particular através da ajuda “humanitária” dada a cerca de 8 milhões de refugiados e deportados ucranianos - no início da operação militar russa na Ucrânia, 17 mil milhões tinham sido desbloqueados pela União Europeia para satisfazer as necessidades dos refugiados. Desde então, os fundos libertados aumentaram consideravelmente - e através da ajuda militar concedida ao Presidente Zelensky.
Além disso, o seu braço armado, a NATO, nunca foi tão prestigiado nem esteve tão operacional, estendendo a sua esfera de influência e controlo a quatro continentes, graças às suas 800 bases militares instaladas em 177 países. Além disso, na sequência da guerra na Ucrânia, a NATO - ou seja, os Estados Unidos - reforçou prodigiosamente a sua liderança, com a adesão de novos países, um aumento substancial do seu financiamento, um enorme aumento das encomendas de armas ao complexo militar-industrial norte-americano e a dependência económica e militar da Europa em relação a Washington. [...]
Para além da Rússia, os segundos perdedores desta guerra fomentada e alimentada pelos Estados Unidos são os países europeus, mais uma vez, como no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, diplomaticamente em perda de influência, obrigados a submeter-se ao Tio Sam e ao seu braço armado: a NATO. Vários países já decidiram aumentar substancialmente os seus orçamentos de armamento, nomeadamente a Alemanha, que anunciou a duplicação do seu orçamento militar, com a compra de 35 caças americanos F-35, para grande benefício dos Estados Unidos.
Além disso, ao criar o caos na Ucrânia, e ao estender esse caos a todos os países europeus afectados pelo fluxo de milhões de refugiados e pelo aumento dos preços da energia provocado pelas sanções económicas impostas pelo Ocidente, os Estados Unidos pretendem impedir o avanço da China em direcção à Europa, comprometendo a realização das “Rotas da Seda” que, supostamente, também passariam pelos países da Europa de Leste.
Assim, no âmbito da sua estratégia agressiva de contenção da China (um inimigo a combater e a destruir), depois de ter criado a aliança AUKUS em 2021 para torpedear as rotas marítimas chinesas na região do Indo-Pacífico, os Estados Unidos abrem uma segunda frente de desestabilização económica, obstruindo as rotas terrestres europeias utilizadas para o transporte de mercadorias da China. Em suma, os Estados Unidos terão desestabilizado a Rússia, a Europa e a China, tudo ao mesmo tempo.
Em última análise, a estratégia dos Estados Unidos, ao fomentar a política de terra queimada imposta à Rússia, hoje envolvida numa guerra interminável e desgastante, visa enfraquecer o seu poder militar e o seu potencial económico, reduzido ao mínimo. Mas visa também, ao perpetuar a guerra na Ucrânia, realinhar a Europa atrás da NATO, tendo em vista o conflito militar final contra a China. Foi nesta ótica que a antiga chefe da diplomacia americana, Hillary Clinton, para sublinhar a perniciosidade da China e, sobretudo, para alertar o Ocidente contra as ambições expansionistas da China, declarou recentemente: “A Rússia é uma ameaça a curto prazo e a China a longo prazo”.
É evidente que a eclosão desta guerra “americana” serviu para anular os esforços dos países europeus, nomeadamente da França e da Alemanha, para se emanciparem dos Estados Unidos, desenvolvendo uma cooperação mais intensa com a Rússia.
Ao “fabricar” esta guerra na Ucrânia, os Estados Unidos terão atingido com sucesso todas as suas agendas, a nível económico, imperialista, político, ideológico e outros. No plano imperialista, terão conseguido (re)vender a NATO a preço de saldo a todos os países europeus, incluindo países há muito conhecidos pela sua lendária neutralidade (Suécia, Finlândia e Suíça). No plano económico, subjugando uma Europa agora enfraquecida e, sobretudo, totalmente dependente dos Estados Unidos para o seu aprovisionamento energético e alimentar, comprado a preços exorbitantes.
No plano militar, a defesa europeia foi igualmente enterrada, com as consequências benéficas para os Estados Unidos da reorientação dos orçamentos militares europeus para a aquisição de armamento americano a coberto da NATO. No plano político, no contexto da nova polarização imperialista mundial e tendo em vista a preparação da guerra contra a China, a reactivação dos temas de propaganda “democrática”, essas armas de guerra ideológicas ocidentais, simbolizadas pelo desgastado hino atlantista: “defesa do mundo livre contra os regimes autocráticos”.
Não há dúvida de que a Europa, tal como o resto do mundo, irá sofrer uma nova aceleração da crise económica sob o impacto da guerra e do caos provocado pelos Estados Unidos.
Assim, a primeira potência imperialista do mundo, para manter a sua hegemonia, decidiu provocar o caos à escala internacional. E esta estratégia criminosa foi instigada por Joe Biden, o Presidente democrata. A armadilha do caos, montada pelos Estados Unidos, fechou-se sobre a Rússia, que está agora envolvida numa guerra desesperada, num conflito mortal, numa corrida cega e precipitada.
A guerra na Ucrânia está, sem dúvida, a inaugurar uma nova era de caos, desestabilização e destruição à escala internacional, excepto, como é habitual, nos Estados Unidos, que estão geograficamente afastados do teatro do conflito e são económica e energeticamente auto-suficientes. Esta guerra põe em causa a recuperação económica. A subida em flecha dos preços do gás, do petróleo e de outras matérias-primas (nomeadamente o trigo) penaliza sobretudo as populações trabalhadoras, as classes sociais pobres de todos os países. [...]
A ironia da história é que não só a Ucrânia está prestes a perder a guerra militar, como a União Europeia está em vias de perder a “guerra económica” que pretendia travar contra a Rússia através de sanções.
Como se recorda, Bruno Le Maire, o ministro francês da Economia (durante a guerra?), insistiu em que a França ia travar uma “guerra económica total” contra a Rússia. Para garantir a vitória da Ucrânia e, portanto, do campo ocidental, “vamos desencadear uma guerra económica e financeira total contra a Rússia”, insistiu o ministro da Economia, prometendo que as potências ocidentais iriam “provocar o colapso da economia russa”, proclamou sentenciosamente.
Agora, não só a Ucrânia está a perder a guerra militar - em condições dramáticas para os milhares de recrutas inexperientes que estão a ser enviados para a frente. Mas o Ocidente, e a França em particular, está a perder a “guerra económica” que pretendia travar contra a Rússia sob o pretexto da guerra na Ucrânia. [...]
Nesta guerra russo-ucraniana, as principais vítimas da guerra são o povo ucraniano. Vítimas duas vezes. Vítimas da destruição e do massacre. Mas também vítimas da histeria patriótica injectada pelos países atlantistas. Porque a sua luta pela pátria foi em vão. No final da sua guerra (vitoriosa ou perdida) para viver sob um Estado integrado na NATO e na União Europeia, os ucranianos herdarão um país arruinado, devastado, empobrecido, despovoado e provavelmente desmembrado. E não serão certamente as nações ocidentais, que actualmente prodigalizam ajuda em armamento dispendioso, a financiar a reconstrução do seu país, a Ucrânia.
Do mesmo modo, quando as armas se calarem e a paz for assinada entre os dirigentes russos e ucranianos, o povo ucraniano afundar-se-á certamente na pobreza e na miséria social, deixado à sua sorte, abandonado e ignorado pelos americanos. Por outro lado, o Presidente Zelensky, tal como os seus comparsas oligarcas, será sempre um opulento milionário.
Em 24 de Fevereiro de 2025, três anos após
a eclosão da guerra na Ucrânia, a administração americana, não tendo conseguido
controlar o poder russo na sequência de uma derrota militar que era certa, com
o objectivo de neutralizar - por outras palavras, colocar o principal aliado
(militar) da China fora de acção ; Não tendo conseguido apoderar-se dos
preciosos recursos naturais da Rússia, quer para os explorar para as suas
próprias necessidades económicas, quer para os retirar ao regime chinês,
privando-o assim dos materiais energéticos indispensáveis à sua indústria, e
para pôr fim a esta guerra interminável, dispendiosa e infrutífera, a
administração americana decidiu mudar de estratégia, devido à crise económica.
Em vez de se apoderar da Rússia pela força, ou mais precisamente por uma guerra por procuração, para cercar e isolar a China, o seu principal alvo militar no conflito militar em preparação, Washington está agora a seguir a via pacífica da concórdia diplomática, ou seja, da parceria. Uma parceria americano-russa construída sobre as costas dos países da União Europeia, considerados insignificantes pela Casa Branca, sobretudo depois do seu colapso económico e do seu naufrágio governamental, exacerbados pela “guerra americana” desencadeada na Ucrânia.
Através da diplomacia, Trump parece estar a ser bem
sucedido na sua tentativa de separar a Rússia da China. Um objectivo que Biden, através da guerra,
não conseguiu alcançar.
Em última análise, os principais perdedores desta guerra por procuração na Ucrânia, instigada e alimentada pelos Estados Unidos, são os países da Europa. Em todo o caso, era esse o objectivo de Washington: criar o caos em todos os países europeus, a fim de neutralizar a sua concorrência e destruir as suas economias.
A armadilha do caos montada pelos Estados Unidos está a fechar-se definitivamente sobre os países europeus, que estão agora fora do jogo económico e diplomático.
Por conseguinte, está a formar-se um novo romance entre Washington e Moscovo, um caso de amor em gestação selado entre Trump e Putin.
Trata-se de uma aliança de oportunidade entre dois chefes de Estado que presidem aos destinos de países capitalistas em crise económica sistémica, mas também empenhados numa economia de guerra e na militarização (fascistização) das suas sociedades. Não esqueçamos que o Kremlin está exausto pelo esforço de guerra e pelas sanções económicas. Do mesmo modo, os Estados Unidos estão à beira da falência. Desde a viragem do século, no espaço de 25 anos, a dívida americana passou de menos de 700 mil milhões de dólares em 2000 para mais de 35.000 mil milhões de dólares actualmente. E os juros da dívida americana ascenderão a 1 140 mil milhões de dólares em 2024, ou seja, 76% de todo o imposto sobre o rendimento cobrado.
Por outro lado, a reeleição do imprudente e impudente Donald Trump terá revelado que os motivos por detrás da guerra na Ucrânia não foram para salvaguardar a democracia, mas para se apoderar dos recursos naturais da Ucrânia, particularmente minerais e terras raras (1). O que a camarilha mafiosa de Biden não conseguiu extorquir através da guerra, o bando de bandidos de Trump pretende obter “pacificamente” através da intimidação. “O governo dos EUA espera que Kiev lhe dê acesso a 50% dos minerais estratégicos da Ucrânia, como compensação pela ajuda militar e económica americana”, ordenou Trump ao pobre comediante Zelensky, esse ‘ditador sem eleições’.
Veja este artigo: https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2025/02/os-bandidos-disputam-divisao-dos-restos.html
A consequência desta surpreendente inversão de
alianças é que, com esta perigosa ligação entre Washington e Moscovo, a
fraternidade do “Sul Global” sofreu um golpe.
Para concluir
É da maior importância recordar esta verdade histórica. Sob o capital imperialista, na arena mundial,
todos os Estados estão ao mesmo tempo em colaboração (intercâmbio comercial) e
em competição comercial e rivalidades geo-políticas. Os aliados
capitalistas mundiais são simultaneamente associados cordiais e concorrentes
ferozes. Todos eles fazem parte de um jogo geo-político imperialista marcado
por rivalidades comerciais mundiais, jogos diplomáticos oportunistas e
reviravoltas surpreendentes de alianças, como as duas potências, EUA e Rússia,
acabaram de ilustrar.
Khider MESLOUB
Fonte: https://les7duquebec.net/archives/298252
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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