21 de Abril de 2021 Robert Bibeau
Entrevista com Mike Whitney
Questão 1- Nos últimos quatro anos, líderes democratas acusaram a Rússia de suposta interferência nas eleições de 2016. Agora, os democratas - que controlam todos os três ramos do governo - têm o poder de redefinir a política externa dos EUA e adoptar uma abordagem mais hostil a Moscovo. Mas será que eles vão fazê-lo?
Actualmente, cerca de 40.000 tropas dos EUA e da OTAN estão reunidas ao longo da fronteira russa para exercícios militares, enquanto dezenas de tanques e artilharia russos e cerca de 85.000 tropas russas estão agora a cerca de 25 milhas da fronteira leste da Ucrânia. Ambos os exércitos estão em alerta e prontos para responder a qualquer provocação súbita. Se o exército ucraniano invadir a região de língua russa da Ucrânia (o Donbass), Moscou provavelmente responderá.
Então,
haverá uma conflagração na Ucrânia na Primavera e, neste caso, como Putin reagirá?
Limitará a sua campanha ao Donbass ou irá prossegui-la até Kiev?
Israel Shamir - Se o exército russo cruzar a fronteira ucraniana, não vai
parar em Donbass. A guerra será breve e a Ucrânia será dividida em pedaços. Mas
isso vai acontecer?
O animal símbolo da Rússia, o urso, é um animal forte e pacífico que não se
deixa facilmente excitar, mas uma vez provocado, é impossível pará-lo. Os
governantes russos geralmente correspondem a esta imagem. Eles não eram
aventureiros, mas ponderados e cautelosos. Putin, que é a quintessência do
dirigente russo, está relutante em correr riscos. Ele não vai começar uma
guerra que nunca quis, mas agirá decididamente se for preciso. Vamos tomar o
exemplo de 2014, após o golpe ucraniano: o legítimo presidente ucraniano,
Yanukovych, correu para a Rússia e pediu a Putin para ajudá-lo a recuperar o
poder. Naquela época, o exército ucraniano era fraco e a Rússia poderia
facilmente ter retomado o país sem encontrar resistência significativa. Mas,
surpreendentemente, Putin não deu a ordem para tomar Kiev.
Putin é imprevisível. Ele ordenou a captura da Crimeia apesar do
conselho de seus conselheiros. Foi uma decisão inesperada, e funcionou como
charme. Ele também maltratou a Geórgia em 2008 depois de Saakashvili ger
invadido a Ossétia do Sul. Esta foi outra manobra inesperada que foi melhor
sucedida do que qualquer um poderia imaginar. Se os ucranianos tentarem retomar
o Donbass, o exército russo os vencerá simplesmente e continuará o caminho até
Kiev. A presença das tropas da OTAN não deterá Putin.
Quanto aos democratas americanos, eles podem pressionar Kiev a atacar, mas
eles eventualmente perderão a Ucrânia no processo. Se o objectivo é envenenar
as relações entre a Rússia e a Europa, eles podem tentar fazê-lo, mas se eles
acham que a guerra russo-ucraniana se vai arrastar, eles estão errados. E se
eles acham que Putin não vai defender o Donbass, eles cometeram um sério erro
de cálculo.
O recente telefonema de Biden a Putin sugere que o governo decidiu não
iniciar uma guerra, afinal. O relatório não confirmado de que dois navios
americanos se afastaram do Mar Negro é consistente. No entanto, não podemos ter
certeza porque o Kremlin se recusou a aceitar a proposta do senhor Biden para
uma reunião. A resposta do Kremlin foi uma "Vamos estudar a
proposta". Os russos acreditam que a proposta de cimeira pode ser um ardil
para ganhar tempo para fortalecer a sua posição. Conclusão: Não podemos ter
certeza de como as coisas vão acontecer no futuro.
Questão
2 - Acho difícil entender o que o governo Biden espera ganhar ao provocar uma
guerra na Ucrânia. Aproveitar-se do Donbass forçaria o governo a impor uma
ocupação militar cara e de longo prazo, à qual os falantes russos que vivem na
região oporão uma resistência feroz. Como é que isso beneficia Washington?
Na verdade, não acho que seja esse o caso. Penso que o verdadeiro objectivo
é provocar Putin a exagerar, provando que a Rússia é uma ameaça para toda a
Europa. A única maneira de Washington convencer os seus aliados europeus a não
se envolverem em acordos comerciais críticos (como o Nord-stream2) com Moscovo
é provar que a Rússia é uma "ameaça externa" à sua segurança colectiva.
Está
de acordo com isso ou acha que Washington tem algo a ganhar ao iniciar uma
guerra na Ucrânia?
Israel Shamir - O que significa "reação exagerada"? Putin não
ameaça atomizar Washington, assumir o controle de Bruxelas ou invadir Varsóvia.
Mas seria perfeitamente razoável resolver o problema da Ucrânia nesta ocasião,
do seu ponto de vista.
Quando o regime de Kiev começou a preparar-se para a guerra há alguns
meses, eles pensaram que seria uma repetição de 2015, onde atacariam o Donbass,
o Donbass sofreria baixas, e então o exército russo interviria para evitar a sua
derrota. Eles viram-na como uma guerra limitada com uma boa chance de recuperar
o Donbass. Mas Moscovo disse que responderia a qualquer agressão desajustada
usando toda a sua força, esmagando o Estado ucraniano. Por outras palavras, o
exército russo não vai parar no Donbass, mas irá para as fronteiras ocidentais
da Ucrânia até que todo o país seja libertado.
É
uma "reação exagerada"?
Israel Shamir - Definitivamente não. O povo ucraniano seria salvo do regime
nacionalista e anti-russo, e o povo russo seria salvo de uma base da OTAN no
seu flanco ocidental. Esperemos que a UE entenda isso. Quanto aos Estados
Unidos, os russos já se decidiram: os Estados Unidos são inimigos. Houve uma
mudança tectônica na Rússia, e esta mudança é o resultado do cansaço da Rússia
diante do ataque por procuração dos EUA.
Os Estados Unidos gostariam que o Donbass fosse reintegrado no Estado
ucraniano, pois seria então elogiado como um "poderoso defensor de um país
do Leste Europeu contra a Rússia". Mas a Rússia teria então uma guerra
permanente de baixa intensidade na sua fronteira. De qualquer forma, as
relações da Rússia com a Europa seriam envenenadas e a UE provavelmente
acabaria por comprar o gás liquefeito caro dos Estados Unidos em vez do gás
russo, que é muito mais barato.
A decisão da Rússia de lançar um ataque à Ucrânia tornou todo o plano
irrelevante. Putin não permitirá que isso aconteça.
Os ucranianos são pessoas muito flexíveis. Actualmente, eles submetem-se ao
discurso nacionalista anti-russo, mas se o exército russo chegasse, os
ucranianos rapidamente lembrar-se-iam de
que foram co-fundadores da URSS, que são irmãos dos russos, e se livrariam da
dominação nacionalista. Os ucranianos são pessoas maravilhosas, mas adaptam-se facilmente aos novos líderes, sejam
eles a Wehrmacht alemã, proprietários de terras polacos, nacionalistas da Petlioura
ou comunistas. Eles também se adaptariam a uma parceria com a Rússia. Da mesma
forma, os russos abraçariam calorosamente os ucranianos como o fizeram em 1920
e 1945.
Questão
3- O exército russo não teria qualquer problema em tomar a capital, mas manter
Kiev poderia ser uma questão totalmente diferente. Suponha que as tropas russas
eram enviadas para Kiev para manter a paz enquanto um governo provisório se estabelecesse
para promover eleições livres. Qual seria a resposta dos EUA? Qual seria a
resposta da OTAN? Como é que essa manobra seria descrita na media ocidental?
Seria apresentada como uma "libertação" ou uma "ocupação por um
poder imperial implacável"? Ajudaria ou prejudicaria as relações de
Moscovo com os seus parceiros em todo o mundo, particularmente na Alemanha,
onde o Nord-stream-2 ainda está em construcção? E esse cenário não
encorajaria as agências de inteligência dos EUA a armar, treinar e financiar
grupos diferentes de extremistas de extrema-direita que travariam uma
prolongada insurgência contra as tropas russas em Kiev? Como é que isso é do
interesse da Rússia? Por que é que Putin se colocaria na mesma situação que os
Estados Unidos no Afeganistão, onde uma milícia heterogénea e mal armada tornou
impossível o governo, forçando os Estados Unidos a fazer as malas 20 anos
depois. É isso que Putin quer?
Israel Shamir- A comparação com o Afeganistão é absurda. A Ucrânia é uma
parte da Rússia que se tornou independente quando a União Soviética entrou em
colapso. Os ucranianos são uma espécie de russos. Eles têm a mesma religião, a
mesma língua, a mesma cultura e a mesma história. Sim, a CIA tentou armar a
insurgência ucraniana após a Segunda Guerra Mundial, mas com pouco sucesso.
Pode-se comparar a captura de Kiev com a captura de Sherman de Atlanta.
A independência e a separação da Ucrânia provavelmente não podem ser
revertidas imediatamente, mas em vez de um estado grande e difícil de lidar, a
Ucrânia pode ser transformada em algumas unidades independentes coerentes. É
provável que a Ucrânia Ocidental se junte à Polónia como um estado independente
ou semi-independente. O leste e o sul da Ucrânia podem tornar-se
semi-independentes sob a égide da Rússia, ou juntar-se à Federação Russa. E a
histórica Ucrânia ao redor de Poltava pode tentar seguir o seu próprio caminho.
Acho que os ucranianos ficariam felizes em reunir-se com o seu estado-mãe, ou
pelo menos para se tornarem amigos de Moscovo. Não será necessário enviar
tropas russas para Kiev ou para outro lugar. Há ucranianos suficientes para
governar e controlar a situação e enfrentar os nacionalistas extremistas
restantes.
Qual seria a reacção dos Estados Unidos e da OTAN? Como seria retratada essa
manobra na media ocidental? Provavelmente como no caso da sua resposta à tomada
de poder na Crimeia. Eles vão ficar zangados, descontentes, furiosos. O
problema é que eles já estão. Eles já impuseram sanções à Rússia e reinstalaram
a Cortina de Ferro. Eles já fizeram de tudo para se aproximarem de um confronto
militar. A Rússia está tão irritada com tudo isso que não se importa muito com
outra série de sanções.
Estou certo de que a Rússia não iniciará uma guerra na Ucrânia, mas se Kiev
o fizer, o exército russo derrubará o regime, assim como os Estados Unidos
derrubaram os regimes no Afeganistão, Iraque e muitos outros Estados. E, qualquer
tentativa de estabelecer bases militares dos EUA ou da OTAN na Ucrânia será,
sem dúvida, considerada um casus belli (declaração
de guerra – NdT).
Os russos acreditam que uma grande guerra é inevitável, por isso é
provavelmente melhor ter a Ucrânia sob o controle de Moscovo antes que esta
guerra ecloda. Os Estados Unidos são um inimigo, esse é o sentimento na Rússia.
Se os Estados Unidos querem mudar essa percepção, devem agir rapidamente.
Questão
4- Washington está realmente interessado na Ucrânia ou é apenas um passo na sua
guerra contra a Rússia?
Israel Shamir- Washington gostaria de iniciar uma guerra de baixa
intensidade entre a Ucrânia e a Rússia, uma guerra de longa duração que
drenaria os recursos russos e enfraqueceria as tropas russas; uma guerra que
desviaria a atenção da Rússia de outros pontos quentes, como a Síria ou a
Líbia. Assim, os Estados Unidos estão a abrir caminho para um confronto ainda
maior com a Rússia no futuro.
Putin aceitou a ruptura da URSS. Ele não tentou reconstruir o império
soviético e não estava particularmente interessado na Ucrânia. Por duas vezes,
permitiu que os inimigos da Rússia tomassem a Ucrânia: em 2004 e 2014. Ele
mostrou que prefere lidar com a Ucrânia o mínimo possível. Advogado por
formação, Putin tem uma mente legal. Ele acreditava que os tratados de Minsk
eram uma solução suficientemente satisfatória para todas as partes envolvidas.
Ele não esperava que Kiev ignorasse os tratados, mas foi isso que aconteceu.
Agora ele está preso entre o martelo e a bigorna. Não quer anexar parte da
Ucrânia, mas pode ser forçado a fazê-lo mais cedo ou mais tarde.
Nas últimas semanas, as relações EUA-Rússia deterioraram consideravelmente.
A Rússia está profundamente ofendida com os acontecimentos recentes e não
voltará aos negócios como de costume. Entramos em águas desconhecidas e não há
como prever o que vai acontecer.
Questão
5- Ninguém nos Estados Unidos beneficiaria de um conflito com a Rússia; na
verdade, um confronto militar com Moscovo representa uma ameaça séria e,
talvez, existencial tanto para os russos como para os americanos. No entanto, a
corrida para a guerra continua num ritmo acelerado, principalmente porque os
militares dos EUA - com os seus milhões de tropas e armamento de alta
tecnologia - estão nas mãos de um establishement
que está determinado a controlar os vastos recursos e potencial de crescimento da Ásia Central, apesar das perdas e destruição que essa
estratégia certamente causará. O maior obstáculo para este plano é a
Rússia, e é por isso que - desde o colapso da União Soviética - os Estados
Unidos e a OTAN têm feito todos os esforços para cercar a Rússia, implantar
bases de mísseis nas suas fronteiras, realizar exercícios militares hostis no
seu perímetro, armar e treinar extremistas islâmicos para lutar nas suas
províncias (ver Tchetchénia). Agora que Joe Biden foi eleito presidente, espero
que as hostilidades contra a Rússia aumentem rapidamente na Ucrânia e na
Síria. Joe
Biden já mostrou que fará tudo o que o "Borg" da política externa lhe
diz para fazer, o que significa que a guerra com a Rússia pode ser inevitável.
Você concorda ou discorda com essa análise?
Israel Shamir- Há forças que querem controlar e governar a humanidade. Estas forças usam os Estados Unidos como executores. O partido de elite americano ligado a Trump quer que os Estados Unidos sejam os principais beneficiários de qualquer processo. A parte das elites americanas ligadas a Biden é mais orientada para o mundo. A Rússia está pronta para se adaptar a algumas das suas exigências (vacinação, clima) a fim de evitar um confronto final. Por outro lado, não sabemos bem o que essas elites mundiais realmente querem. E por que esse sentido de urgência? Por que essa falta de interesse no povo americano, nos russos ou nos europeus? Talvez Davos seja o novo centro do poder e eles estejam simplesmente chateados com a desobediência de Putin?
O que podemos dizer com certeza é que os imperialistas estão sempre à
procura de hegemonia mundial. A Rússia independente é um desafio para este
plano. Talvez as elites ocidentais pensem que podem fazer a Rússia conformar-se
totalmente com os seus objetivos jogando com prudência e apenas ameaçando
travar uma guerra? Talvez o que vemos na Ucrânia seja uma tentativa de
intimidar a Rússia, de fazê-la obedecer? O perigo é levar as coisas longe
demais e começar uma guerra que eles não podem gerir ou conter. Putin lembra-se do destino de Saddam e Khadafi. Ele
não vai jogar a toalha ou afastar-se. Ele não vai abandonar ou ceder.
Aos meus leitores americanos, eu diria que os Estados Unidos são muito
fortes e que o seu povo pode ter uma vida maravilhosa mesmo sem hegemonia
mundial; na verdade, a hegemonia não é de todo do interesse deles. O que eles
deveriam procurar é uma forte política nacionalista que cuide do povo americano
e evite guerras estrangeiras desnecessárias.
Biografia - Israel Shamir é um escritor e
jornalista especializado em questões internacionais, um pensador político
radical e especialista na Bíblia e no judaísmo. Os seus comentários sobre
assuntos actuais são publicados no The Unz Review, e nos seus próprios
sites www.israelshamir.net e www.israelshamir.com. Os seus
livros A
Outra Face de Israel, A Batalha do Discurso, Pardes, A Batalha da Rússia, Em
Nome de Cristo estão disponíveis na Amazon [e abaixo]. Shamir era um dissidente na
URSS e depois em Israel, onde exigia respeito pelos direitos dos palestinos. Ele
também é um dissidente mundial que pede o desmantelamento da Nova Ordem Mundial
e do Império Americano.
https://www.unz.com/mwhitney/flashpoint-ucrânia-não-poke-the-bear/
Junte-se ao autor: israelshamir@gmail.com
Tradução: Maria Poumier
Fonte: La guerre de la bourgeoisie ukrainienne contre la bourgeoisie russe – les 7
du quebec
Sem comentários:
Enviar um comentário