sábado, 24 de abril de 2021

Reorganização da guerra imperialista dos EUA no Afeganistão e Ásia Central

 24 de Abril de 2021  Robert Bibeau  

Por Patrick Martin Robert Bibeau

 O autor do artigo abaixo, Patrick Martin, escreve: "Em suma, depois de destruir o país, os americanos deixam a mesma situação que encontraram exactamente há vinte anos durante a invasão: o Talibã na porta do poder. Centenas de milhares de afegãos mortos ou feridos para supostamente libertar a mulher afegã da sua burca, lutar contra o "terrorismo" e apropriar-se da riqueza de petróleo e e reservas de gás no subsolo. Uma guerra desnecessária e desastrosa." (Veja a análise de Patrick Martin abaixo)

Esta agressão dos EUA (apoiada pela OTAN) matou, feriu e deslocou centenas de milhares de afegãos e destruiu um país já empobrecido. Pior, esta invasão imperialista parece ter sido inútil em termos de combate ao terrorismo (Talibã, Al Qaeda, Daesh). Para fazer um balanço desses vinte anos de guerras mortais impostas ao povo afegão, devemos entender os objectivos desta agressão de uma superpotência capitalista contra um dos países mais pobres do planeta sem qualquer riqueza natural (nem petróleo nem gás), excepto a papoula para produzir heroína vendida nos mercados ocidentais. O Afeganistão é um país subdesenvolvido que vive sob modo de producção e relações de produção feudais (não estou de acordo com esta perspectiva – o modo de produção e as relações de produção no Afeganistão, como no resto do mundo, são capitalistas e imperialistas – NdT).

O objetivo da invasão dos EUA, apoiada pela OTAN, não era erradicar o terrorismo, que os ianques têm financiado e apoiado há décadas, mas subjugar certos grupos terroristas (talibãs entre outros) afim de que eles aceitem fazer o papel de mercenários a soldo dos Estados Unidos na sua guerra global contra o crescente Império Chinês. Esqueça os modismos sobre a guerra de libertação da mulher afegã com véu, ou a erradicação da Al Qaeda que se tornará o Daesh e outras siglas publicitárias. Esqueça a guerra para estabelecer a democracia burguesa neste país de aristocracia do clã feudal que os Estados Unidos subsidiam generosamente. Nem esta guerra genocida visava apropriar-se do petróleo e gás afegãos inexistentes.

Através desta guerra assimétrica o poder americano queria fazer do Afeganistão geo-estrategicamente bem localizado, uma base militar avançada na estrada que liga a China ao Irão, ao Cazaquistão e à Rússia de onde os mercenários talibãs partiriam para minar e dinamitar as Novas Rotas da Seda Chinesas. https://les7duquebec.net/archives/263354

Há 20 anos, a China imperialista anunciou as suas intenções de se expandir para o Ocidente através das "Novas Rotas da Seda", um megaprojecto de infraestrutura de transportes que começa do coração da China (a fábrica do mundo) e se dirige por terra, por mar e ar para a Europa Ocidental o maior mercado do mundo (500 milhões de consumidores) e para o Irão e seu tão necessário petróleo para fazer expandir a China. O projecto imperial da China (investimento de US$ 1 trilião), ainda em andamento, inclui a construção de gasodutos, oleodutos, autoestradas, ferrovias, pontes, túneis de estações ferroviárias, cruzando a Ásia Central e o Afeganistão em direção ao Irão, Turquia e, em seguida, a rica Europa consumidora de todos os tipos. As Novas Rotas da Seda são o nome de código da estratégia da China na sua guerra comercial contra o velho Ocidente. https://les7duquebec.net/archives/261211 e aqui: https://les7duquebec.net/archives/260155

Para determinar se esta guerra mortal foi útil ou fútil para o Império Ianque, é necessário saber se o "acordo de paz" (sic) assinado entre o agressor americano e o vitorioso Talibã permite que os Estados Unidos usem o território afegão para espionar, atacar e destruir a infraestrutura chinesa construída perto deste país sem terra. Pessoalmente, aposto que sim, contra o pagamento de uma taxa. É por isso que o governo Trump, seguido pelo governo Biden, anunciou a retirada da maior parte das suas tropas e um subsídio anual para pagar os serviços de novos mercenários afegãos. O povo do Afeganistão não verá um dólar deste dinheiro mal obtido... nem a paz prometida. Os americanos asseguraram-se de que a guerra civil entre clãs continuaria nesta terra feudal de crimes e rapinas. (Robert Bibeau. Editor).

 


 

A Guerra Americana no Afeganistão: Um Crime Histórico

Por Patrick Martin

O presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou quarta-feira que a intervenção militar dos EUA no Afeganistão terminará em 11 de Setembro de 2021 e que o último soldado americano deixará o país algumas semanas antes do 20º aniversário da invasão e conquista dos EUA no país da Ásia Central em 7 de Outubro de 2001.

Biden é o terceiro presidente dos EUA a prometer acabar com a guerra no Afeganistão. Mesmo que os últimos 3.500 soldados americanos deixem o país, permanecerão milhares de agentes da CIA, mercenários e paraquedistas que apoiam o governo fantoche do presidente Ashraf Ghani. E o Pentágono continuará a lançar bombas e a disparar mísseis mais ou menos à vontade naquilo a que os Estados Unidos chamam de alvos "terroristas". Um novo envio de tropas de combate, como no Iraque, é bem possível.

Mas o anúncio de Biden é uma oportunidade para fazer um balanço da guerra mais longa da história dos EUA, uma guerra que produziu sofrimento incalculável para o povo afegão, desperdiçou vastos recursos e brutalizou a sociedade americana. De acordo com dados oficiais, mais de 100.000 afegãos foram mortos na guerra, o que é provavelmente uma grande subestimação.

Os Estados Unidos travaram esta guerra pelos métodos de "contra-insurgência", isto é, pelo terror: bombardeamentos de festas de casamento e hospitais, assassinatos por drones, sequestros e tortura. Em uma das atrocidades que encerraram a guerra, em 2015, aviões americanos realizaram um ataque de meia hora a um hospital dos Médicos Sem Fronteiras em Kunduz, Afeganistão, matando 42 pessoas.

As breves observações de Biden anunciando a retirada militar não fizeram referência às terríveis condições no país, pelas quais o imperialismo americano tem a principal responsabilidade.

A guerra, baseada numa distorção deliberada dos objectivos reais dos Estados Unidos, foi vendida ao povo americano como resposta aos eventos de 11 de Setembro de 2001, que nunca foram objecto de uma investigação séria. Foi, de facto, uma guerra de agressão ilegal, destinada a dominar e subjugar uma população historicamente oprimida em busca dos interesses predatórios do imperialismo americano.

Ninguém foi responsabilizado pelos crimes perpetrados pelos militares dos EUA no Afeganistão, incluindo funcionários da administração Bush, que lançaram a guerra, e a administração Obama, que a perpetuou. George W. Bush foi recentemente louvado como um homem de Estado porque ele é menos abertamente grosseiro e ditatorial do que Donald Trump.

Barack Obama é tratado pela media como uma celebridade quando ele é o único presidente americano a ter travado guerra todos os dias enquanto esteve no cargo. Os seus principais assessores, de Donald Rumsfeld a Hillary Clinton, desfrutam de reformas milionárias. O vice-presidente de Obama detém agora a Casa Branca. Esta guerra criminosa foi apoiada por todas os sectores do establishment político americano, republicano e democrata, incluindo o senador Bernie Sanders, que votou a favor.

A natureza desta ou de qualquer outra guerra, a sua natureza progressista ou reaccionária, é determinada não pelos eventos imediatos que a precederam, mas sim pelas estruturas de classe, fundamentos económicos e papéis internacionais dos Estados envolvidos. Deste ponto de vista decisivo, a acção atual dos Estados Unidos é uma guerra imperialista. O governo dos EUA iniciou a guerra na prossecução de interesses internacionais de grande envergadura da elite dirigente americana.

Qual era o principal propósito da guerra?

O colapso da União Soviética há dez anos criou um vácuo económico e, portanto, político na Ásia Central, lar do segundo maior depósito de reservas comprovadas de petróleo e gás natural do mundo. A região do Mar Cáspio, à qual o Afeganistão oferece acesso estratégico, contém cerca de 270 biliões de barris de petróleo, ou cerca de 20% das reservas comprovadas do mundo. Também contém 665 triliões de pés cúbicos de gás natural, ou cerca de um oitavo das reservas mundiais de gás.

A intervenção dos EUA no Afeganistão começou, não em 2001, mas em Julho de 1979, quando o governo Carter decidiu ajudar as forças que lutavam contra o governo apoiado pelos soviéticos com o objectivo, como disse o conselheiro de Segurança Nacional Zbigniew Brzezinski, de "dar à URSS a sua Guerra do Vietname".

Após a invasão soviética de Dezembro de 1979, a CIA trabalhou com o Paquistão e a Arábia Saudita para recrutar fundamentalistas islâmicos para viajar para o Afeganistão e travar uma guerra de guerrilha, uma operação que trouxe Osama bin Laden para o Afeganistão e criou a Al Qaeda.

Os talibãs também são o resultado de armas e treino paquistaneses, financiamento saudita e apoio político americano. Embora o grupo fundamentalista tenha emergido dos campos de refugiados no Paquistão como uma espécie de "fascismo clerical", um sub-produto de décadas de guerra e opressão, o governo Clinton aprovou a sua tomada do poder em 1995-96 como a melhor perspectiva para restaurar a "estabilidade".

De 1996 a 2001, as relações dos EUA com o Afeganistão giravam em torno de projectos de oleodutos para trazer petróleo e gás da Bacia do Mar Cáspio por uma rota que contornaria a Rússia, o Irão e a China. Zalmay Khalilzad, o eterno enviado americano para a região, e Hamid Karzai, o primeiro presidente afegão apoiado pelos EUA, ambos trabalharam para a gigante petrolífera Unocal.

A administração Bush ameaçou tomar medidas militares contra o Talibã várias vezes em 2001. Os ataques terroristas de 11 de Setembro, longe de serem eventos que "mudaram tudo", desencadearam um ataque há muito planeado. E há amplas evidências de que as agências de inteligência dos EUA permitiram que os ataques de 11 de Setembro ocorressem a fim de fornecer o pretexto necessário.

A rápida conquista do Afeganistão e o colapso do regime talibã foram analisados como um evento que revelou a ferocidade criminosa do imperialismo americano, uma vez que milhares de pessoas foram mortas em bombardeamentos americanos e milhares de outras foram massacradas por milícias apoiadas pelos EUA.

O regime estabelecido em Cabul

Era uma aliança instável de ex-líderes talibãs como Hamid Karzai, líder de uma tribo Pashtun, e a Aliança do Norte, baseada nas minorias tajique, uzbeque e hazara. A invasão dos EUA teve um efeito não menos desestabilizador na geopolítica, já que todos os estados vizinhos, incluindo Irão, Rússia, China e Paquistão, viam a enorme força expedicionária dos EUA, que chegou a 100.000 em vários momentos durante as administrações Bush e Obama, como uma ameaça permanente para lá das suas fronteiras.

A administração Bush então cometeria um acto ainda mais sangrento de barbárie, com a invasão do Iraque em 2003, que criou as condições para uma desestabilização mais ampla de todo o Médio Oriente, agora devastado por guerras civis e intervenções imperialistas na Síria, Líbia e Iémen. As administrações Bush e Obama combinaram orçamentos militares recordes com medidas de última geração dentro do país, fortalecendo a vigilância e a austeridade económica: cortes orçamentais, cortes salariais e deterioração dos padrões de vida para a maioria dos trabalhadores.

Fim da fase da "Guerra do Golfo" e início da fase do "ataque à Rússia"

A guerra no Afeganistão foi parte de uma invasão do imperialismo americano, começando com a Guerra do Golfo de 1991, com o objetivo de compensar o declínio económico dos Estados Unidos por meios militares.

O último quarto de século de guerras desencadeadas pelos Estados Unidos deve ser visto como uma cadeia de eventos interligados. A lógica estratégica da vontade americana para a hegemonia global vai além das operações neo-coloniais no Médio Oriente e em África. As guerras regionais em curso são elementos constituitivos da escalada rápida do confronto entre os EUA e a Rússia e a China. https://les7duquebec.net/archives/263533

Uma das principais considerações subjacentes aos planos de Biden de retirar as forças militares dos EUA do Afeganistão é concentrar os recursos militares dos EUA na escalada do conflito com a Rússia e, mais importante, a China. Nas últimas semanas, Biden supervisionou uma série de acções cada vez mais provocativas no leste da Ásia, e os militares dos EUA consagraram na sua doutrina oficial a necessidade de se prepararem para um "conflito entre grandes potências". https://les7duquebec.net/archives/263153

Fonte: Réorganisation de la guerre impérialiste américaine en Afghanistan et en Asie centrale – les 7 du quebec

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