RENÉ — Este texto é publicado em parceria com www.madaniya.info.
Testemunho para a história. Uma contribuição para a história da chamada sequência da Primavera Árabe, especialmente os combates internos na Síria que https://www.madaniya.info/ submete à atenção dos seus leitores por ocasião do 10º aniversário da guerra na Síria.
O Tríptico Mortal da Democracia no Oriente: Confessionalismo e Ódio Político
Parte 1: Democracia e o Pântano da Violência 1/3
2.
Parte 2: A Peste Confessional 2/3
3.
Parte 3: Ódio Político (Ódio Político
para compensar o Fracasso Político)
Por Haytham Manna
A intervenção do autor no Simpósio "Democracia no Leste do Mediterrâneo", organizado pelo Instituto Escandinavo de Direitos Humanos (SIHR) Genebra de 22 a 23 de Setembro de 2018. Adaptado na versão francesa por René Naba, director do site www.madaniya.info e membro do grupo consultivo do Instituto Escandinavo de Direitos Humanos (SIHR). Os sub-títulos e os links de reencaminhamento e referência são da elaboração de https://www.madaniya.info/
prólogo
Nota da redacção de Https://www.madaniya.info/'s
Numa reunião do alto comando militar sírio na sequência da revolta do Hamas, orquestrada pela Irmandade Muçulmana em 1982, cinco meses antes da invasão israelita do Líbano, a fim de trazer ao poder em Beirute o líder falangista Bashir Gemayel, oficiais sírios começaram a cantar os louvores do seu presidente, elogiando os seus méritos, as suas qualidades, a sua gestão da crise, a sua clarividência, Hafez Al Assad parou-os abertamente, dizendo: "Tudo isso releva da mastigação verbal que não tem lugar aqui. Estamos no poder porque aqueles que pensam substituir-nos são piores do que nós.
Parte 1: Democracia e o pântano da violência.
O terceiro milénio pareceu-me promissor, pois uma consciência colectiva, embora confusa para muitos, estava a emergir sobre a necessidade de mudança.
O sentimento predominante na época era que meio século de arbitrariedade,
autoritarismo era suficiente e que era legítimo que o povo desta parte do mundo
gozasse de liberdade, criatividade, a fim de compensar meio século de
obediência, humilhação, desamparo, abdicação e derrota.
Fóruns de discussão surgiram dentro e fora dos países árabes.
A "Comissão Árabe dos Direitos Humanos" que havia publicado a Breve
Enciclopédia Universal, logo após o lançamento da chamada sequência da
"Primavera de Damasco" havia iniciado três estudos complementares
sobre os seguintes temas
§
Sobre democracia e direitos humanos na
Síria"
§
Tunísia do Amanhã
§ O estado de emergência no Egito.
A- DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA NA SÍRIA.
Os editores do livro estavam plenamente cientes da necessidade de estabelecer uma relação entre democracia e direitos económicos e sociais, por um lado, e, por outro, a necessidade de uma transição pacífica de poder. A hipótese de intervenção estrangeira, de origem regional ou internacional, estava ausente das suas preocupações, pois essa ideia parecia ridícula para eles.
A ideia predominante que guiava a reflexão dos 18 participantes foi a de que
era importante encontrar um caminho sírio para a democracia. O discurso que
glorificava os benefícios do partido único tornou-se obsoleto, descrito como
retrógrado.
Não é indiferente notar a este respeito que a campanha de prisão que terminou
com a "Primavera de Damasco" cessou, em 9 de Setembro de 2001, dois
dias antes do ataque terrorista contra os símbolos da hiperpotência americana,
em 11 de setembro de 2001, de memória sinistra.
A eclosão do terrorismo islâmico à escala mundial pôs fim ao debate inter-sírio
entre os opressores no processo de evanescência e os oprimidos com um futuro
com contornos ainda incertos.
B- A INVASÃO AMERICANA DO IRAQUE (2003)
A invasão americana do Iraque causou uma primeira falha no raciocínio de uma transição política, uma transformação pacífica de dentro da própria sociedade. A oposição, massacrada pelas prisões e as perseguições empreendidas pela potência iraquiana, estava perante um dilema, o mais importante que teve de enfrentar desde a independência do Iraque. Desejar uma intervenção estrangeira ou lutar do dentro do país para provocar a mudança de regime.
Poucos opositores iraquianos eram inicialmente a favor da mudança de regime
através da intervenção militar estrangeira. Mas o pânico dos regimes árabes e a
sua violência renovada na repressão da sua população quebraram essa atitude. A
oposição então dividiu-se entre partidários e opositores da intervenção militar
estrangeira como a maneira mais segura de libertar o povo das garras dos seus
líderes.
Era óbvio que um movimento genuíno de
cidadania se havia manifestado realmente no início da chamada sequência da
"Primavera Árabe" e nenhuma operação de falsificação poderia
obscurecer esse facto.
C- 2010, A CENTELHA DA TUNÍSIA E OS TEMORES DE MOUNCEF MARZOUKI
No final de 2010, um movimento espontâneo da juventude tunisina emergiu das esferas da sociedade informal, a mais marginalizada, social e economicamente, que tomou a forma de uma revolta popular generalizada contra a ditadura de Zine El Abidine Ben Ali.
O constrangimento da França com este fenómeno prova que a revolta popular não
estava na agenda das chancelarias ocidentais. Na verdade, ele apanhou os dois
países ocidentais e a casta intelectual árabe de surpresa.
Lembra-me a noite de Ano Novo de 2011 que passei com Mouncef Marzouki, depois
de visitar a família de uma vítima da repressão do poder tunisino.
Mouncef Marzouki, na época um dos
principais opositores da ditadura de Ben Ali, então dolorosamente, confidenciou-me
o seu problema: "Em poucos dias, a validade do meu passaporte expirará. Então
tornar-me-ei cativo desse regime desprezível, que me transformará em ser com
mobilidade reduzida, privado de movimento."
Não está ao alcance de ninguém distorcer os factos. O hino da liberdade ressoou em todos os lugares. Em Kasserine, uma cidade no centro-oeste da Tunísia, prestei publicamente homenagem ao valor da juventude revolucionária tunisina pela sua conquista na operação de uma REVOLUÇÃO CIVILE PACÍFICA. Uma revolução profundamente enraizada numa relação dialética entre democracia e direitos económicos e sociais.
O eco da revolução tunisina espalhou-se para a Praça Tahrir do Cairo, antes que a juventude síria de Dera'a assumisse em nome do slogan simbolicamente mobilizador: "Liberdade, Liberdade, Projete-te do Egipto até à Síria".
De lá, estendeu-se até Sana'a (Iémen),
depois até à encruzilhada Al Lou'loua (a encruzilhada da pérola), local quente
de protesto do Bahrein em Manama, que desde então foi destruído pelas
autoridades, as palavras de ordem eram idênticas. A liberdade que abalou os
tronos de repente tornou-se o inimiga declarada de todos os tiranos.
D - LÍBIA E BERNARD HENRY LÉVY "O MAIS IMPORTANTE ACTIVISTA DOS
DIREITOS HUMANOS NA EUROPA".
A Líbia foi o ponto fraco desta vaga da juventude árabe. Neste estado de exaltação, a OTAN aproveitará a oportunidade para se envolver nela. E por uma boa razão: a Líbia, uma das âncoras russas no Mediterrâneo, produz cinco vezes mais petróleo do que a Argélia para uma densidade populacional infinitamente menor e o movimento democrático líbio é o mais fraco do Magreb.
Estado pendular da área, quem assumir o controle dela é capaz de derrubar o
equilíbrio em relação aos dois vizinhos fronteiriços, Tunísia a oeste e Egipto
a leste.
De mãos dadas, a OTAN interveio na Líbia com o apoio do Catar e de outras petro-monarquias,
que compõem a maioria dos Estados membros da Liga Árabe,....A golpes de Fatwa
de Youssef Al Qaradawi, o mufti do Catar que pedirá repetidamente aos países
ocidentais que intervenham militarmente com o objectivo de liquidar Muammar Al Khadafi, o "Guia da Revolução Líbia". O zelo atlântico de Youssef Al
Qaradawi, um proeminente membro da Irmandade Muçulmana, de origem egípcia, rendeu-lhe
o apelido de "Mufti da OTAN".
Em tal contexto de desorientação mental, um diário do Catar "Ar Raya" chegou ao ponto de descrever Bernard Henry Lévy como "o mais importante activista dos direitos humanos na Europa", quando é do conhecimento geral que o filósofo do botulismo está a liderar a ofensiva da media israelita no teatro europeu.
Mancomunado com Nicolas Sarkozy, ansioso
por compensar o seu fracasso na revolução tunisiana, BHL trabalhará para
embelezar a intervenção militar da OTAN aos olhos da opinião europeia,
paralelamente com as iniciativas do Quai d'Orsay, em concertação com
Christopher Stevens, embaixador dos Estados Unidos na rebelião líbia, para
legitimar o "Conselho Transitório Nacional (NTC) como governo.
Sobre o jogo do par Sarkozy BHL na Líbia, veja: Líbia, ponto de evacuação da
disputa para-matrimonial entre Nicolas Sarkozy e Bernard Henri Lévy https://www.renenaba.com/bhl-l-homme-des-ides-de-mars/
Esta charada foi implantada com base numa
aliança híbrida entre jiadistas, sua matriz original, a Irmandade Muçulmana,
bem como alguns cidadãos líbios. Levou a uma montagem explosiva que transformou
a Líbia, outrora estagnada e amorfa, num barril de pólvora, a plataforma mais
importante do movimento jihadista no norte da África.
Para ir mais longe sobre a transformação
da Líbia, pós-OTAN, aceda a estes links:
§
Parte 1: https://www.renenaba.com/libye-an-iii-post-kadhafi-un-incubateur-de-dictateurs/
§
2 me parte: https://www.renenaba.com/libye-an-iii-post-kadhafi-le-projet-c-c-de-la-rand-corporation/
Realizado o seu trabalho sujo, Nicolas Sarkozy e BHL abandonaram o navio, em pleno naufrágio, enquanto a embaixada francesa em Trípoli foi alvo de um ataque simultaneamente com o assassinato do embaixador dos EUA na rebelião, Christopher Stevens, um agente pró-árabe da CIA. Desde então, o modelo líbio transformou-se num pesadelo que assombra o sono do mandante deste caos.
E - SÍRIA
A intervenção da OTAN na Líbia foi acompanhada por protestos populares na Síria, um país conhecido por ter uma forte oposição política, tendo subscrito o projecto democrático já em 1979;
uma oposição temperada pela terrível
experiência que teve diante da dupla violência que emananou do aparelho
repressivo do Estado sírio e da contra-violência do ramo sírio da Irmandade
Muçulmana. O confronto entre o governo sírio e a ala militar da Irmandade
Muçulmana da Síria (Sis), “At Taliha Al Moukatilla”, que culminou em 1978 e
depois em 1982, ofereceu ao governo a oportunidade de encher as prisões de
milhares de comunistas, democratas e sindicalistas.
Para avançar na guerra entre o poder
baathista e o ramo sírio da Irmandade Muçulmana, veja estas ligações:
§
https://www.madaniya.info/2014/09/01/freres-musulmans-syrie-et-organisations-takfiristes/
Em 1989, vinte anos após esses eventos,
a maioria dos prisioneiros havia recuperado a sua liberdade carregando as
cicatrizes da dupla violência sofrida durante esta guerra entre os dois lados
opostos. Muitos testemunharão isso, por escrito, da sua dolorosa experiência.
Diante dos protestos nascentes, o aparelho repressivo sírio recorreu à velha
série de demagogia, avançando com argumentos espúrios de que a democracia
requer tempo para ser estabelecida; que ela pressupõe uma forma de maturidade
política, enquanto que, paralelamente, os grupos erradicadores (takfiristas)
travaram uma verdadeira guerra santa contra a liberdade, a democracia e a
con-cidadania.
Numa espécie de desabafo indiscriminado contra o movimento de libertação democrática, galvanizado pelos seus apoiantes externos, os erradicadores takfiristas decretaram "democracia, uma idolatria" e o "secularismo, uma apostasia".
Como hordas selvagens, eles realizarão o extermínio dos seus supostos inimigos, não fazendo nenhuma concessão, não tendo em conta nem religião, nem confissão, nem a nacionalidade dos seus alvos, massacrando indiscriminadamente, lutando para destruir o projecto de construir um Estado democrático cívico dotado da sua soberania plena. Mas a sociedade síria, no entanto, resistiu.
A violência política é compatível com um projeto democrático? Esta questão,
colocada nas décadas de 1970 e 1980 dentro dos movimentos de libertação
latino-americanos, retornou à Síria em 2011, quando a contra-revolução estava a
ganhar terreno devido a uma coligação heterogénea, consistindo num fluxo
islâmico que varre o país, impulsionado por potências regionais, com o apoio de
alguns liberais e ex-comunistas.
A palavra de ordem para a transformação democrática do sistema político da Síria foi relegada a um simples slogan numa operação de relações públicas destinada a ganhar a opinião internacional para a sua causa.
Acreditamos firmemente que só a violência promove a regressão na forma como
resolve o problema da pior maneira possível. Por isso, era imperativo encorajar
a vítima a usar a violência, por sua vez, para reproduzir um padrão idêntico ao
do seu carrasco.
A ditadura produziu, assim, o pior dos seus homólogos. Assim, à medida que a radicalização se generalizava, o comportamento dos protagonistas do conflito sírio evoluiu para uma menor humanidade para a colocar abaixo de toda a humanidade.
Nesse contexto, a imigração tornou-se um imperativo humano para a sobrevivência, ao mesmo tempo em que significava recusar-se a tolerar comportamentos opressivos e injustos.
Não é indiferente notar a este respeito que os dois temas de não-violência e luta cívica não foram de forma alguma mencionados no discurso político dos países da zona. Esses temas foram completamente obscurecidos apesar da nossa defesa por eles desde a queda do Muro de Berlim em 1989.
Consideramos e continuamos a considerar a luta cidadã como a arma mais importante e eficaz para derrubar as ditaduras árabes.
A observação foi clara: o grau de violência teve um impacto directo e total na natureza da transformação do Estado e da sociedade.
Noutras palavras, a natureza da transformação da sociedade dependia do grau de
violência que havia sofrido, uma vez que a violência exacerbada teve um impacto
negativo no processo de construcção de uma sociedade democrática.
R - O POSICIONAMENTO DA "COMISSÃO ÁRABE DE DIREITOS HUMANOS (ACHR)"
Assim, em 1996, um grupo de intelectuais árabes (advogados, pensadores, escritores, ativistas dos direitos civis) como Mouncef Marzouki (Tunísia), Violette Dagher (Líbano), Mohamad Hazef Yaacoub, Mohamad Sayyed Al Said e Haytham Manna (Síria) realizaram uma releitura crítica dos "princípios fundamentais do Estado moderno", com especial atenção a conceitos como Soberania, Acompanhamento, Desenvolvimento, Legitimidade, Renascimento, Direitos das Pessoas e dos Povos, a relação dialéctica entre direitos económicos, sociais, políticos, culturais e cívicos, bem como, por último e não menos importante, o conceito de Resistência Civil.
A primeira observação feita pela Comissão Árabe de Direitos Humanos (ACHR) focou-se no papel da violência na consolidação do sistema global e sua influência no processo de transformação num país , particularmente nos campos de confronto da OTAN e do Pacto de Varsóvia, no auge da Guerra Fria Soviético-Americana (1945-1990).
Os autores da ACHR concluíram que todo esforço deve ser feito para inovar novas formas de resistência não violenta na medida em que a economia da violência, o facto de restringi-la e contê-la, é essencial para limitar os danos humanos e materiais em países que, além disso, sofrem um duplo estupro: estupro interno em decorrência do poder, um estupro externo pelas grandes potências.
B- O ENVOLVIMENTO DAS FIGURAS ISLÂMICAS ABDALLAH HAMED, JAWDAT AS SAID, EM
CONTRAPONTO DA POSIÇÃO DA IRMANDADE MUÇULMANA.
Democratas seculares não estavam isolados na sua luta. As principais figuras islâmicas partilharam as opiniões da Liga Árabe sobre os direitos humanos, incluindo o Dr. Abdallah Hamed, líder do "Movimento Constitucionalista" do movimento reformista da Península Árabe, bem como Jawdat As Said, que apoiou as teses da Liga na revista "Moukarabat" (Abordagem Comparada). Jawdat As Said não hesitará em celebrar a aliança entre ciência e razão, exclamando na sequência do lançamento da chamada "Primavera Árabe": "A Ciência e a Razão triunfaram".
C- A POSIÇÃO DA CONFRARIA DA IRMANDADE MUÇULMANA
Contra essa tendência, a Irmandade Muçulmana, por sua vez, tem-se manifestado a favor da violência armada, justificando o uso de armas em legítima defesa.
Tese difícil de aceitar, em que ceder à violência equivale a dar à violência a tarefa de decidir o curso dos acontecimentos, de acordo com a famosa máxima: "A guerra está morta. A ela só recorrem os ignorantes e hipócritas que se aproveitam da ignorância dos ignorantes."
Seria injusto nesta fase do raciocínio omitir a posição do Dr. Mohamad Ammar,
um dos fundadores do "Comité Nacional de Coordenação" quando
estabeleceu a relação entre violência e política no início de 2010, assegurando
justamente que "Quem trabalha para impulsionar os militares ao poder não o
saberia conservar sem o apoio desses mesmos militares, tornando-se assim
prisioneiro do seu poder e força".
D- O MANIFESTO DE MOAZ AL KHATIB E SEUS COMPANHEIROS
Na mesma ordem de ideias, é importante notar a posição do Imam Moaz al-Khatib e seus quatro companheiros - Khaled Tayfour, Khalil Al Asmar, Said Salem e Souleymane Al Zoubeiby - registada num manifesto publicado em 30 de Julho de 2011, quatro meses após a eclosão do protesto no sector Dera'a.
Moaz al-Khatib será o primeiro presidente da Coligação Nacional das Forças de
Oposição Síria, desde a sua criação em 11 de Novembro de 2012 até à sua
renúncia em 21 de Abril de 2013 em protesto contra a interferência do Catar nas
deliberações deste órgão. No seu manifesto, ele decreta o "tabu do sangue
e proíbe guerras internas, saques, estupros".
O documento pede "respeito ao
exército sírio" e "para garantir que ele não seja arrastado para o
ciclo da violência, que seja visto como o garante de uma solução pacífica para
o conflito"; Os signatários proclamam o seu compromisso com o protesto
popular pacífico, bem como a reafirmação da integridade territorial da Síria e
a unidade do seu povo, a rejeição do confessionalismo, e a considerar como
"sagrados os Direitos do Homem".
E - O PRINCÍPIO DOS TRÊS NÃO.
Paralelamente a este manifesto, os três maiores grupos cívicos que operam dentro da Síria adoptaram o princípio dos TRÊS NÃO: Não à violência; Não ao confessionalismo; Não à interferência estrangeira.
F - DA REVOLUÇÃO PACÍFICA À REVOLUÇÃO ANTI-ISLÂMICA.
Muitos opositores, sem dúvida cegos pela perspectiva de uma iminente queda do poder sírio, uma tese particularmente propagada pela media francesa, não perceberam que uma distribuição anárquica de um armamento, em grandes quantidades, sem o menor discernimento, visava, em primeiro lugar, não a ditadura síria, mas ao próprio princípio do protesto civil e seus objetivos.
Qualquer um que proclamasse o seu apego aos princípios dos 3 NÃO (Não à violência, não ao confessionalismo, não à intervenção estrangeira) foi mantido sob suspeita, descrito como derrotista, até mesmo acusado de conspirar com a ditadura síria. O protesto pacífico foi, portanto, marcado pela obsolescência.
Através de sucessivos deslizes, o caso sírio transformou-se, assim, numa
estratégia de poder e influência regional e internacional dos diversos
protagonistas do conflito sírio, no contexto do financiamento exorbitante de
uma guerra psicológica de intoxicação, num contexto de exploração da miséria da
população e seu desespero. Na confusão, as vinganças multiplicaram-se, assim
como o acerto de contas.
Grupos islâmicos que operam na Síria
sequestrarão as palavras de ordem da revolução pacífica e desviar-se-ão do
curso da revolução, a fim de provocar uma contra-revolução liderada por um
grupo aprovado por países ocidentais e petro-monarquias, que forjará a sua
reputação pela frequência assídua de hotéis 5 estrelas, apoiados por uma rede
política mediática e financeira.
O esquema líbio era, portanto, aceitável aos olhos de uma fracção da população
síria sob o falso pretexto de destruir a ditadura e salvaguardar a revolução.
Ao fazê-lo, eles têm dificultado o protesto popular cívico, privando-o dos
meios para alcançar os seus objetivos: o fim da ditadura síria e a erradicação
da corrupção.
G - AGOSTO DE 2011, DATA DA TRANSICÇÃO EFECTIVA DO CONFRONTO PACÍFICO PARA
O ARMADO.
O governo sírio desencadeou uma violência multifacetada durante a primeira metade do protesto popular, levando a sociedade síria a renunciar a protestos pacíficos em favor do confronto armado.
Agosto de 2011 marcará a transição efectiva de um protesto autónomo pacífico
sírio limpo para um confronto armado, orquestrado do exterior e impulsionado
por uma campanha de mobilização da media, levando a uma militarização do
conflito. Essa mudança ofuscou as exigências da partida.
H – A RUPTURA ENTRE HAYTHAM MANNA E MOUNCEF MARZOUKI, DOIS MEMBROS FUNDADORES
DA "COMISSÃO ÁRABE DOS DIREITOS DO HOMEM" (VEJA MAIS ABAIXO NA CAIXA
SOBRE ESTE CASO)
Esse desvio da luta levou-nos a tomar a Liga Árabe e o Conselho Nacional Transitório Sírio (o grupo de oposição apoiado por petro-monarquias e países ocidentais) a fim de aproximar os dois componentes da oposição síria (a oposição interna, operando no terreno e a oposição externa).
38 dias de negociações para um acordo de 12 horas.
Após 38 dias de negociações, chegamos a um acordo com o TTC sobre a recusa de qualquer interferência estrangeira, considerando a resistência civil como a melhor maneira de alcançar uma transição pacífica para a democracia. O acordo durará 12 horas. Vai explodir devido a interferência externa.
A quebra do acordo levou os protagonistas fora da Síria (as potências estrangeiras OTAN e petro-monarquias) a tomar a iniciativa dos combates, às vezes agitando a possibilidade de um corredor humanitário, às vezes o desenvolvimento de uma zona de exclusão aérea na Síria, no contexto de um considerável fluxo de jiadistas de quase 40 países. Sem sucesso, tentamos parar o fluxo jihadista para a Síria. Este tema foi motivo para o rompimento entre Haythan Manna (Síria) e Mouncef Marzouki (Tunísia), dois adversários históricos do movimento democrático árabe, co-fundadores da "Liga Árabe para os Direitos do Homem".
(NDT: Contra todas as probabilidades Mouncef Marzouki formará uma aliança com
Rached Ghannouchi, líder do partido An Nahda da Tunísia, o ramo tunisiano da
Irmandade Muçulmana a concorrer à Presidência da República, tornando-se assim o
primeiro presidente pós-ditadura. Sob pressão dos seus patrocinadores
neo-islâmicos, sediará a primeira conferência de "países amigáveis à
Síria", um conglomerado internacional que serve como a espinha dorsal da
guerra dos jiadistas na Síria. Fim da nota).
I - A ALIANÇA ENTRE A CORRENTE SALAFISTA E A IRMANDADE MUÇULMANA
A aliança entre a Irmandade Salafista e a Irmandade Muçulmana, a formação transnacional mais antiga do mundo árabe, foi selada pela Fatwa de 107 Ulemas do Mundo Muçulmano incitando soldados sírios à deserção, mesmo que essa deserção fosse "levar à morte do soldado recalcitrante". O primeiro comunicado conjunto da Irmandade Muçulmana e grupos salafistas era datado de terça-feira 15 Rabih Al Awal 1434 de Hegira, correspondente a 7 de Fevereiro de 2012.
Assinado pelas seguintes personalidades - Xeque Youssef Al Qaradawi, pregador do Catar, Rached Ghanouchi, líder do partido An Nahda, o ramo tunisiano da Irmandade Muçulmana, bem como dois pregadores sauditas, Awad Al Qarni e Salman Al Awda - ele convidou soldados sírios para desertar, arriscando as suas vidas.
Anexado está o texto completo do apelo: "Membros das forças armadas sírias, policias e outros seguranças não têm permissão para matar ou abrir fogo contra um membro do povo sírio. É responsabilidade deles desobedecer às ordens dadas a este respeito, mesmo que isso deva levar à morte do soldado recalcitrante. É responsabilidade deles desistir das suas posições e renunciar à missão.
"Não é permitido continuar a exercer responsabilidades de segurança e forças armadas nas circunstâncias actuais. É responsabilidade separar qualquer caso cessado. "Instamos o Exército Sírio Livre (SLA) a fortalecê-lo, a juntar-se a ele para ajudar a defender civis e cidades-alvo do poder, desde que estejam presentes.
"Apelamos aos muçulmanos e ao Mundo Livre para apoiar as formações do
Exército Sírio Livre por todos os meios materiais e morais para que ele cumpra a
sua missão em face do poder." A necessidade de apoiar os revolucionários
da Síria e fornecer-lhes toda a assistência material e moral para permitir que
eles realizem a sua revolução e recuperem a sua liberdade e direitos.
"Instamos os Estados árabes e muçulmanos a tomar uma posição firme contra
o regime sírio, expulsando os seus embaixadores e rompendo relações com ele.”
J-MOHAMAD MORSI DECRETA A JIHAD NA SÍRIA.
A aliança salafista-confrérica atingiu o seu clímax em 15 de Junho de 2013, menos de um ano depois, quando Mohamad Morsi, o primeiro presidente neo-islâmico do Egipto, declarou a jihad na Síria.
Esta decisão foi endossada por 500 ulemas num congresso realizado no Cairo sob a égide do presidente neo-islâmico do Egipto, com a participação de representantes dos islâmicos das petro-monarquias do Golfo (Catar, Arábia Saudita, Kuwait, Bahrein), bem como correntes islâmicas do Egipto, Iémen e Tunísia.
Grande falha estratégica que vai abruptamente encurtar o seu mandato, esta
decisão foi muito mal percebida pela hierarquia militar egípcia por causa da
irmandade de armas que ligava os exércitos egípcio e sírio nas quatro batalhas
que travaram contra Israel, em 1948, em 1956 (Expedição de Suez), 1967 e 1973,
(destruição da linha Bar Lev no Canal de Suez e recuperação de uma parte do
Golã pela Síria).
K - "O JIHADISTA NA SÍRIA É LINDO, NÃO IMPORTA O QUE ELE FAÇA.
Nem as personalidades seculares nem os líderes da "Primavera de Damasco" (2000-2001) se manifestaram contra a internacionalização do conflito. Diante desses desdobramentos, o governo iniciou uma operação de recuperação lançando um pacote de reformas que forjou à pressa uma nova constituição.
Nesta fase do conflito, neologismos, como estigmas, apareceram no exemplo de Chabbiha (orgulhoso das armas), ou pior Fourak al Maout (esquadrões da morte), aniquilando de um golpe décadas de luta democrática.
Muitos populistas têm sido desmascarados por slogans de grande demagogia como "O jihadista na Síria é bonito, não importa o que ele faça" a ponto de que nos círculos liberais e até mesmo nos círculos religiosos, uma perda do sentido de interesse nacional tenha sido observado, especialmente no que diz respeito ao Golã (planalto sírio ocupado por Israel desde 1967) que alguns por uma busca desesperada pelo poder estavam prontos a vender- lhes.
A responsabilidade por este lamentável estado de coisas cabe ao governo e à oposição.
Os partidários do confronto armado não conseguiram colocar os militares sob a autoridade política; para libertar os combatentes da sua rotina sectária, alistando apenas combatentes pertencentes à mesma capela da religiosidade como a sua; para chegar a uma visão comum tanto em termos de estratégia quanto no objectivo final da sua luta.
Com profundos temores sobre a operação de destruição planeada sendo realizada,
consciente ou inconscientemente, parecia convincente estabelecer uma clara
demarcação entre o projecto democrático pacífico e as várias formas de luta
sectária, acompanhamento político e financeiro.
Uma clara demarcação entre guerra e revolução, enfatizando a necessidade de aderir a uma visão do futuro da Síria e não se preocupar em pagar os passivos do regime, pois é tão fácil que uma revolução degenere em guerra interna, além da guerra regional.
A guerra civil foi indubitavelmente uma lufada de ar fresco para o governo em
vigor, que, no entanto, tem um pesado histórico de crimes contra a humanidade.
A AUTOCRÍTICA TARDIA DE OKAB YAHYA
Um dos que contribuíram muito para este deplorável estado de coisas, Okab Yahya, queria absolver-se dessa responsabilidade, confessando que "a militarização do conflito mudou os objectivos da revolução como resultado do enfraquecimento da política em benefício dos militares; neutralização da participação popular, bem como a do Exército Sírio Livre (FSA), composto por soldados sírios dissidentes, em benefício das forças islâmicas impulsionadas por outras questões e que não escondiam o seu desprezo pela democracia, considerando-a uma apostasia.
A Irmandade Muçulmana também não se opôs às teses islâmicas na sua nova versão exacerbada, considerando que elas eram uma extensão própria. Esse desenvolvimento borrou a imagem da Revolução entre grandes sectores da população." Fim da citação.
Okab Yahya, em "Os obstáculos ao retorno da revolução à democracia",
19 de Maio de 2018. Apesar dessas críticas, o opositor sírio tem permanecido no
seu posto no seio da oposição, retirando todo o crédito pelas suas propostas.
M - AS CONSEQUÊNCIAS DA MILITARIZAÇÃO DO CONFLITO: DESTAQUE PARA OS
PARTIDÁRIOS DA "JIHAD GLOBAL"
A militarização do conflito trouxe à tona a "jihad global" ou "violência revolucionária", projectando centenas de milhares de cidadãos pacíficos anteriormente fortemente envolvidos em protestos pacíficos, no caminho do êxodo e do exílio (refugiados deslocados, prisioneiros, vítimas) em áreas predominantemente curdas da Síria.
N - COMBATENTES CURDOS.
As Forças Democráticas Sírias, abreviatura de SDF (ou QSD em curdo/árabe) são uma coligação militar formada em 10 de Outubro de 2015 durante a guerra civil síria. Activa no norte da Síria, o principal objetivo das SDF é expulsar o Estado Islâmico da área. Em grande parte dominada pelos curdos das Unidades de Protecção popular (YPG), as SDF também incluem rebeldes árabes próximos do Exército Sírio Livre, tribos locais como o Exército de Al-Sanadid. As SDF são activamente apoiadas pela coligação internacional, incluindo os Estados Unidos e a França, que lhes fornece treino (através de conselheiros militares – NdT), armas e apoio aéreo.
Com 40 anos de experiência na luta contra a Turquia, as Forças Democráticas Curdas emergiram como a única força de combate no ROJAVA.
Com o melhor da nossa capacidade, fizemos questão de evitar com os curdos a
repetição dos erros do passado, na qual o surgimento de um único partido sob a
autoridade de um único líder, especialmente num momento em que o DAECH estava à
procura de áreas curdas numa guerra chauvinista com conotações religiosas,
poderia levar a excessos trágicos. Temos nos posicionado contra o alistamento
de mulheres, crianças, figuras políticas e religiosas e trabalhamos para a
criação de um "ALTO CONSELHO CURDO" unindo os vários componentes da
população curda num quadro civil e democrático.
O - O JOGO AMERICANO COM OS CURDOS.
Mas os americanos que viam o conflito na Síria de uma perspectiva estreita dos seus próprios interesses não estavam de forma alguma interessados em qualquer forma de auto-gestão nas áreas controladas pelos curdos.
Na véspera da sua renúncia como enviado dos EUA à oposição síria em Março de
2014, Robert Ford pediu-me para intervir junto dos líderes curdos, a fim de
garantir a libertação de 24 personalidades detidas pelas suas forças.
(NDT: Em Agosto de 2013, Haytham Manna
havia dito a Robert Ford, o enviado dos EUA para a oposição no exterior, que
"a oposição síria precisa de uma conferência com plena tomada de decisão e
soberania, da qual seria banido o khawajat (notáveis em fatos de três peças),
privado dos seus telemóveis (para impedir o recurso a instrucções telefónicas),
privado de dólares (que lubrificaria os seus votos). Robert Ford respondeu:
"Os Khawajat estão presentes porque a oposição síria não é capaz de
resolver os seus problemas por conta própria. Haytham Manna respondeu: "A
oposição que você entronizou não está à altura para alcançar esse objectivo."
Anexa-se o link que
inclui este diálogo https://www.madaniya.info/2015/03/23/syrie-opposition-interview-d-haytham-manna/
e o fim da missão de Robert Ford https://www.renenaba.com/syrie-clap-de-fin-pour-robert-ford-et-bandar-ben-sultan/
Fim da nota
Desde então, nenhum funcionário americano expressou preocupação com o respeito pelos direitos do homem e as liberdades políticas A LESTE DO EUFRATES, entre os protagonistas do conflito sírio, especialmente os seus aliados antagónicos, curdos e turcos.
A principal preocupação dos americanos
era trazer os curdos à mesa de negociações com a Turquia no sector Qandil, e proceder
à desmobilização das forças das Forças Democráticas Curdas do PKK, o Partido
dos Trabalhadores Curdos da Turquia, a fim de subordinar os curdos à estratégia
americana.
Num esforço para afirmar a sua
singularidade, a Direcção da Sociedade Civil Democrática Curda proclamou a sua
intenção de estabelecer um FEDERALISMO, seguindo o exemplo de Abdallah Oçalan,
o líder do PKK, preso na Turquia. A proclamação deste projecto político,
unilateralmente, segundo o método baathista, foi uma catástrofe não só para a
causa árabe, mas também para a causa curda, na medida em que marcou uma
distância das formações curdas com as correntes seculares e democráticas da
Síria que lutaram vigorosamente para mitigar os efeitos da militarização do
conflito e, correspondentemente, a subordinação da política aos militares.
No entanto, a Oposição Democrática Síria
reconheceu no seu manifesto fundador no Congresso do Cairo de Junho de 2015 o
"Direito da Minoria Curda na Síria e outras minorias de fé étnica".
Em particular, foi dito que "o Estado sírio reconhece a existência de um
povo curdo como um elemento constituinte da população síria, dos seus direitos
nacionais legítimos, de acordo com compromissos e convenções internacionais, e
isso no âmbito da unidade do povo sírio, considerando a nacionalidade curda da
Síria como um elemento autêntico (assil-original) do povo sírio.
O Estado sírio também reconhece a
existência, identidade e direitos nacionais idênticos aos sírios, assírios,
turcomenos, frades-caucasianos (Cherkess), chechenos e arménios,
considerando-os como um elemento autêntico do povo sírio.
A este respeito, a
profecia de Robert Ford sobre uma possível libertação dos curdos pelo seu protector
americano. https://www.madaniya.info/2017/07/04/syrie-the-game-is-over-prophetie-de-robert-ford/
Não há exemplo na história contemporânea
de uma explosão de violência que leve a um regime democrático. Não há um caso
de vitória militar obtido em tais circunstâncias que não degenere numa
radicalização do comportamento, um desejo de erradicação e vingança.
Temos alertado repetidamente sobre as
consequências do uso imprudente e imoderado da violência na coesão social, na
paz civil, na integridade territorial e na unidade da Síria. A violência
política nunca foi a expressão de exigências nacionais ou aspirações
democráticas.
A violência política na Síria não
sucedeu por acaso, foi premeditada e impulsionada com vista a promover a
radicalização e a confessionalização e a comunitarização do movimento pacífico
de protesto popular, os três factores geradores de morte, destruição e
vingança.
Sobre a questão dos curdos sírios, veja os seguintes links
1.
Haytham Manna (árabe da Síria) e Elham
Ahmad (curdo sírio), co-presidentes da aliança de democratas árabes e curdos na
Síria. Uma aliança unilateralmente quebrada pelos curdos sobre a injunção
americana. https://www.madaniya.info/2015/12/13/haytham-manna-president-de-l-opposition-democratique-laique-syrienne/
2.
O Mic Mac da França no seu plano de
criar um Estado controlado pelos curdos em Raqqa, Síria https://www.madaniya.info/2018/01/05/le-mic-mac-de-la-france-dans-son-projet-de-creation-dun-etat-sous-controle-kurde-a-raqqa-en-syrie/
3.
Um biombo curdo à frente da oposição
síria externa https://www.renenaba.com/syrie-opposition-un-paravent-kurde-a-la-tete-de-lopposition-off-shore/
4. A conivência israelo-curda um segredo de polichinelo: https://www.madaniya.info/2014/10/07/connivence-israelo-kurde-secret-polichinelle/
O retrato de Haytham Manna, cf este link https://www.madaniya.info/2017/09/01/haytham-manna-le-paria-de-damas-ou-la-rectitude-en-politique/
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