segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Estados Unidos e China: uma competição, duas civilizações

 


Estados Unidos e China: uma competição, duas civilizações

8 de Setembro de 2025 Robert Bibeau

por Andrés Berazategui

Por detrás das estratégias estatais estão acções racionais. No entanto, ao contrário do que geralmente afirma a sabedoria ocidental convencional, a racionalidade não é universalmente a mesma para todas as nações: as culturas condicionam as mentalidades e, consequentemente, os processos de tomada de decisão.


A competição entre os Estados Unidos e a China destaca diferentes maneiras de planear estratégias e agir. O pensamento estratégico, sendo uma questão complexa, também revela que os contextos culturais subjacentes às decisões dos actores internacionais podem ser muito diferentes. De facto, a estratégia é planeada com vista a atingir objectivos utilizando um conjunto de meios usados ​​racionalmente. No entanto, a racionalidade dos actores — isto é, a sua capacidade de calcular e avaliar cuidadosamente o uso dos meios para atingir esses objectivos — não é necessariamente a mesma para todos, pois as racionalidades podem ser condicionadas por diferentes contextos culturais. Por exemplo, a auto-imolação para cometer um ataque pode ser um meio perfeitamente racional para um actor, enquanto para outro, é o oposto. Sem ir a esse extremo, acreditamos ser possível observar uma diferença de mentalidade nas estratégias dos Estados Unidos e da China, as duas maiores potências da actualidade.

Não é mais segredo que os Estados Unidos e a China competem em diversas áreas da política internacional. Alguns dos temas mais proeminentes incluem: rivalidade no comércio internacional; as diferentes narrativas usadas pelos Estados Unidos e pela China para justificar as suas acções; a presença militar do gigante asiático além das suas fronteiras, particularmente no Mar da China Meridional; as tensões contínuas em torno de Taiwan; a aliança cada vez mais estreita entre China e Rússia; a crescente actividade no espaço sideral; acusações relacionadas com a segurança cibernética; campanhas de "desinformação"; competição por recursos — especialmente minerais e metais críticos; desenvolvimentos em bio-tecnologia, semicondutores, inteligência artificial e muito mais.


No entanto, os dois países apresentam diferenças notáveis ​​na forma como planeiam as suas estratégias e defendem os seus interesses. Embora ele não tenha sido o primeiro a apontar isso, vale a pena relembrar o que Henry Kissinger disse sobre as diferenças entre a China e o Ocidente. Ele ilustrou o seu ponto de vista dando o exemplo dos " jogos respectivos que cada civilização jogou ": wei ki (mais conhecido como go no Ocidente) na China e xadrez no mundo ocidental. Kissinger explica que, no wei ki, a ideia de cerco estratégico é fundamental. De facto, o nome do jogo pode ser traduzido como algo como "jogo de peças circundantes".

Kissinger continua: " Os jogadores revezam-se colocando pedras em qualquer lugar do tabuleiro, criando posições de força e, ao mesmo tempo, tentando cercar e capturar as pedras do oponente ." Ele também aponta como, à medida que as peças se movem, o equilíbrio muda gradualmente até que, no final da partida, " o tabuleiro se enche de áreas de força parcialmente entrelaçadas ". Wei ki busca cercar as peças do oponente ocupando o máximo de espaços vazios possível. O objectivo do jogo não é " comer peças, mas alcançar o domínio estratégico do tabuleiro, encurralando o oponente durante toda a partida, até que ele não tenha mais oportunidade de fazer movimentos produtivos ". O xadrez, por outro lado, é diferente. Kissinger diz-nos que, neste jogo, se procura a vitória total. E é verdade, no xadrez, o objectivo " é o xeque-mate, colocar o rei do oponente numa posição onde ele não possa mais mover-se sem ser destruído ". A interacção das peças é directa: elas procuram se eliminar para ocupar casas claramente definidas. As peças comem-se e são retiradas do tabuleiro, esgotando assim o adversário e direccionando os esforços para cercar a peça principal, o rei, até que, como dissemos, ela não consiga mais se mover sem ser destruído.

No wei ki, procuramos cercar e contornar, invocamos a flexibilidade, a exploração de espaços no tabuleiro, tentando ocupar os seus vazios: o wei ki tem uma concepção de tempo mais ligada a desenvolvimentos fluidos e rítmicos. A racionalidade no xadrez manifesta-se de forma diferente: trata-se de dominar a área central do tabuleiro, pois é o seu "centro de gravidade". Os jogadores procuram "matar" as peças adversárias comendo-as e substituindo-as pelas suas próprias peças. No xadrez, confrontamo-nos peça por peça, por isso procuramos ser decisivos. Uma peça que é comida permanece do lado de fora e o tempo é medido com mais precisão, pois a eliminação de uma peça não se faz por um desvio (tarefa que leva um certo tempo), mas ela é comida num momento preciso, localizável com exactidão.

Não é coincidência que, do ponto de vista militar, os maiores estrategas das duas culturas sejam tão diferentes. Sun Tzu e Clausewitz ilustram claramente as diferenças que observamos aqui, pois ambos se baseiam em racionalidades semelhantes às que delineamos ao discutir jogos.

Sun Tzu explica que se deve tentar subjugar a vontade do inimigo, mas, se possível, sem lutar. A sua máxima de que " a suprema arte da guerra consiste em subjugar o inimigo sem dar batalha " é bem conhecida. Sun Tzu procura o que poderia ser definido como paciência estratégica, intimamente ligada à noção de que o tempo passa e se regula conforme os próprios movimentos e os do inimigo ocorrem. É por isso que questões imateriais são tão importantes para o estratega chinês. Se o ideal supremo é subjugar sem dar batalha, é compreensível que Sun Tzu atribuísse igual importância a coisas como conhecer o inimigo ou recorrer a mentiras e enganos. Para o Oriente, a batalha é muito custosa em homens e recursos, e é por isso que é melhor tentar evitá-la e recorrer a ela apenas quando não houver outra alternativa.

Clausewitz é bastante diferente, assim como os demais estrategas militares ocidentais clássicos. Para começar, para o prussiano, a batalha é crucial. Além disso, o ideal não é evitar batalhas, mas sim tentar encontrar uma decisiva. O objectivo da guerra é derrotar o inimigo pela força, pois a guerra é, acima de tudo, um acto de violência física. Portanto, Clausewitz atribui grande importância às variáveis ​​materiais, temporais e espaciais que melhor podem promover o desempenho em combate. No pensamento estratégico militar ocidental, o confronto, a força e a aniquilação do inimigo são fundamentais.

Se aplicarmos essa análise à actual competição entre a China e os Estados Unidos, veremos que os padrões de pensamento que delineamos se reflectem na forma como as duas potências gerenciam as suas respectivas geo-estratégias. A China procura principalmente promover interesses mutuamente benéficos com outros actores — para convencê-los de que é lucrativo conviver com ela — enquanto recorre ao soft power para se apresentar como uma potência benevolente e diplomática que procura apenas a prosperidade comum.

Medidas coercitivas são geralmente o último recurso que a China implementa indirectamente e com graus variados de intensidade, dependendo do contexto. A projecção do gigante asiático no Mar da China Meridional assemelha-se a um movimento wei ki: ocupa espaços "vazios" (de soberania prática relativa ou contestada) construindo ilhas artificiais estruturadas em torno de uma "linha de nove pontos" que circunda o espaço que pretende dominar. A construção dessas ilhas é realizada de forma tão sustentada e resoluta que deixa pouco espaço para manobras políticas por parte dos Estados da região. Ao mesmo tempo, a China, através da sua iniciativa "Cinturão e Rota", está a expandir o seu poder sobre uma vasta área geográfica, gerando investimentos e interesses comuns com actores que, em princípio, beneficiam do projecto. Com a iniciativa "Cinturão e Rota", a China está a expandir a sua influência e comércio a longo prazo, atraindo um grande número de países com bons dividendos.

As acções americanas, por outro lado, são claramente diferentes. Os Estados Unidos ainda enfatizam o poder duro, a acção directa e até mesmo ameaças públicas. A sua estratégia para a região do Indo-Pacífico, a principal área de competição com Pequim, geralmente consiste numa combinação de acordos de segurança e inteligência com países da região (AUKUS, QUAD, Five Eyes ou acordos bilaterais de defesa com Japão, Coreia do Sul e Filipinas) e sanções económicas e restricções tecnológicas à China. Os Estados Unidos opõem-se explicitamente à China, a ponto de reconhecê-la como a principal ameaça aos interesses mundiais dos EUA ser um ponto fundamental de convergência entre os partidos Democrata e Republicano. O facto de Donald Trump ter demonstrado um pouco mais de abertura ao diálogo com Xi Jinping não muda a equação, na nossa opinião. A competição estratégica entre os dois países veio para ficar. Cada um agirá de acordo com a sua estratégia, visão de mundo e valores. Em última análise, de acordo com a sua própria mente.

fonte: Politicar via Euro-Synergies

 

Fonte: États-Unis et Chine : une concurrence, deux civilisations – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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