Hassan Nasrallah, o primeiro líder árabe desde Nasser a ter conseguido desenvolver uma capacidade de influência sobre a opinião pública israelita.
René Naba / 10 DE JULHO DE 2016 / EM Portrait
Última atualização em 23 de
Outubro de 2024
https://www.madaniya.info/ destaca
uma série de artigos sobre Sayyed Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah libanês,
morto por um bombardeamento israelita em 27 de Setembro de 2024, na sua guerra
em apoio aos movimentos palestinianos em Gaza, Hamas e Jihad Islâmica.
À frente da
formação paramilitar xiita libanesa durante 32 anos, este monge soldado do Islão
moderno, que foi a última barreira para o grande naufrágio árabe, pode orgulhar-se
de um histórico glorioso contra Israel, incluindo:
·
O facto de o
Estado judeu ter sido forçado a retirar-se militarmente do Líbano em 2000, sem
negociações ou um tratado de paz, é único nos anais da controvérsia mundial.
·
O facto de
ter frustrado, seis anos depois, em 2006, uma ofensiva terrestre israelita no
Líbano, iniciando um conflito móvel em circuito fechado, uma inovação
estratégica, causando uma hecatombe de veículos blindados israelitas no sul do
Líbano e a correspondente renúncia do então primeiro-ministro israelita Ehud
Olmert, bem como do seu chefe da força aérea, General Dan Halutz!
A
implacabilidade de Israel contra Beirute pode, sem dúvida, ser explicada pelo
trauma infligido ao Estado judeu pela capital libanesa a ponto de colher o
título de "Beirute, o Vietname de Israel".
Para ir mais longe neste tema, veja este link: https://www.madaniya.info/2015/04/13/liban-beyrouth-le-vietnam-d-israel/
Eleito em
1992 como líder do Hezbollah libanês, Sayyed Hassan Nasrallah sucedeu, em 7 de
fevereiro de 1992, a Abbas Moussawi, que também sucumbiu a um ataque com
mísseis israelitas.
Após o
desaparecimento do seu líder, o Hezbollah libanês confirmou a sua intenção de
continuar a guerra contra Israel em apoio a Gaza.
Retrospectiva
sobre esta figura importante da história contemporânea, o guardião da
independência libanesa, que inspirou o espírito de resistência no mundo árabe.
No levantamento da cortina Líbano
2006-2016
Ilustração da desestruturação mental
árabe e da vassalagem do mundo árabe ao império israelo-americano, a Liga
Árabe, instigada pelas petromonarquias do Golfo, decidiu inscrever o Hezbollah
libanês na lista de organizações terroristas, um facto sem precedentes nos
anais diplomáticos árabes.
A criminalização da formação
político-militar xiita ocorreu no décimo aniversário da sua gloriosa façanha
frente a Israel durante a guerra de destruição israelita do Líbano, em Julho de
2006.
Artífice de duas proezas militares
contra Israel, o Hezbollah é considerado, com razão, um dos mais prestigiados
movimentos de libertação do terceiro mundo, ao nível do FLN vietnamita, do FLN
argelino e dos barbudos cubanos.
A sua criminalização foi feita em nome
do arabismo, um lema cuja dinastia wahhabita foi um dos seus grandes
destruidores.
Tal medida dá,
retrospectivamente, apoio a todas as ações israelitas contra o Hezbollah e
visa, principalmente, estigmatizar o único movimento de luta armada árabe
contra Israel de tendência xiita. Até mesmo a União Europeia se absteve de
tomar tal medida, limitando o seu ostracismo ao braço militar do Hezbollah.
Tal estigmatização
ocorre no momento em que os carrascos do Hezbollah pagam o preço dos seus
crimes: Ehud Olmert, ex-primeiro-ministro israelita, iniciador da guerra de Julho
de 2006 contra o Líbano, cumpre desde 16 de Fevereiro de 2016 uma pena de
prisão após ter sido condenado a 19 meses por corrupção e obstrução da justiça.
Ehud Olmert (70 anos) juntou-se na prisão ao antigo presidente de Israel, Moshé
Katzav, que cumpre uma pena de sete anos por violação.
Em Beirute, o Vietname de Israel, a mãe de todas as cidades da história da
resistência árabe:
Na sua dupla versão: Beirute Ocidental (1982) e Beirute Meridional (2006)
(1)
Paris – O homem mede
as suas palavras e os seus discursos valem o seu peso em ouro, imediatamente
decifrados por todos os exegetas da filologia, da semântica e da linguística,
tanto académicos como diplomatas, estrategas e especialistas em guerra
psicológica, arabistas chiques e orientalistas de pacotilha.
A bolha
político-mediática ocidental corre o risco de se estrangular de raiva
reprimida, assim como os seus aduladores árabes, perante tal afirmação que, no
entanto, corresponde à realidade: Sayyed Hassan Nasrallah (2), líder do
Hezbollah, o movimento paramilitar xiita libanês, é um homem que não se
contenta com palavras. Os seus actos estão em conformidade com os seus
discursos e os seus discursos com os seus actos. Em suma, o oposto de um charlatão,
cujas palavras ressoam como sentenças.
Esta constatação não é
fanfarronice e a sua credibilidade não é fruto de propaganda. É confirmada
pelos factos, atestada pelos maiores jornalistas arabófonos de Israel, cujas
confidências foram recolhidas pelo signatário deste texto.
«Al Manar», o canal do
Hezbollah, fundado pelo próprio Hassan Nasrallah, o canal do movimento xiita
libanês banido do espaço europeu por instigação da França, foi, em plena guerra
de destruição israelita do Líbano, em 2006, o canal de referência para o
desenrolar das hostilidades, tal como o canal árabe transfronteiriço «Al
Jazira», e não a televisão israelita.
A tese de um académico israelita, o
coronel Rounine
Um estudo universitário do establishment
militar israelita corroborou essa opinião num artigo publicado a 12 de Julho de
2010 no jornal israelita «Haaretz», por ocasião do quarto aniversário da guerra
de destruição do Líbano por Israel.
Uma pesquisa académica de um alto
oficial dos serviços secretos israelitas sustenta, de facto, que Hassan
Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah, é o primeiro líder árabe a ter
capacidade de influenciar o público israelita através dos seus discursos, desde
o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser.
Esta tese foi defendida pelo coronel
Rounine, na Universidade de Haifa, com base numa análise do conteúdo dos
discursos de Hassan Nasrallah durante a segunda guerra do Líbano (2006), relata
o jornal israelita «Haaretz». O oficial israelita descreve Nasrallah como «o
primeiro líder a ter desenvolvido uma capacidade de influência sobre a opinião
pública israelita, desde Abdel Nasser» na década de 1960.
Rounine, que na época ocupava o cargo de oficial de inteligência no exército
israelita, escreveu a esse respeito: «Diante das ameaças israelitas, Nasrallah
utilizou duas armas: os seus discursos, para se dirigir ao seu público e
liderar as batalhas defensivas na frente libanesa, e os mísseis, destinados a
Israel.
Os discursos de Nasrallah foram
amplamente divulgados em Israel e suscitaram reacções virulentas entre os
líderes políticos e militares israelitas. Rounine destacou que «se Israel
tivesse feito uma análise racional dos discursos de Nasrallah durante a guerra,
isso poderia ter influenciado a tomada de decisões». Ele citou Nasrallah, que
afirmou durante a guerra: «Se formos bem-sucedidos na defesa, venceremos». A
vitória significava, aos seus olhos, «a continuação da resistência e que o
Líbano permanecesse unido e não aceitasse condições humilhantes».
«A resistência do Hezbollah continuou
até ao último dia, a unidade do Líbano não foi abalada», indicou o oficial
israelita, observando: «Quanto às condições humilhantes, a resposta não pode
ser categórica, na medida em que Hassan Nasrallah foi obrigado a admitir o
destacamento do exército libanês e da FINUL, Força Interina das Nações Unidas
no Líbano, no sul, algo a que se opunha no início da guerra».
Numa zona onde a
demagogia é um modo de governar, o homem é sóbrio, sem qualquer teatralidade,
fazendo uma demonstração espectacular numa certa tarde de domingo de Julho de
2006, ordenando, em pleno discurso político, a partir da sua tribuna
televisiva, diante de centenas de milhares de telespectadores perplexos, a
destruição de uma lancha israelita que provocava a costa libanesa.
Mal dada a ordem, a
balística do Hezbollah atingiu em cheio o seu alvo, empurrando o navio para
além do horizonte numa nuvem de fumo negro, sinal indiscutível da ferida do
inimigo blindado, assinando assim, simbolicamente, a derrota israelita neste
duelo à distância entre este monge soldado do Islão moderno e os seus
agressores, as pontas de lança da hegemonia israelo-ocidental na esfera árabe.
Num país onde a
instrumentalização do martirológio é uma verdadeira indústria florescente, a
ponto de constituir uma renda de situação, o homem nunca procurou tirar
proveito da morte do seu filho, Hadi, no campo de batalha, numa operação de
assédio anti-israelita no sul do Líbano. Morto em combate aos 18 anos, em Jabal
al Rafei, em 1997, na zona fronteiriça entre o Líbano e Israel.
E não durante um
acerto de contas entre facções rivais pela partilha do saque, como a guerra do
Líbano deu muitos exemplos, particularmente no seio das forças libanesas, a
milícia cristã libanesa.
O discurso de um tribuno indomável
Numa zona gangrenada por uma religiosidade
ingénua, este religioso de linguagem refinada e verbo rico, onde se entrelaçam
expressões religiosas e profanas, dialectais e literárias, é um tribuno cujo
tom de discurso se insere plenamente na temática nacionalista árabe mais
exigente. Um tom laico, que contrasta com o rigorismo de fachada de alguns dos
seus detractores.
Longe da reminiscência de uma convicção
filial de um pai membro activo de um partido laico, nacionalista e pan-sírio,
este xiita libanês e patriota, formado em Nadjaf, a cidade santa do sul do
Iraque, refúgio do aiatolá Ruhollah Khomeini, líder da revolução iraniana, é
considerado como tendo conseguido sintetizar o xiismo árabe e iraniano, o
islamismo e o nacionalismo árabe, a face ocidental do Líbano e a sua pertença
ao mundo árabe.
Nascido em Bourj Hammoud, nos subúrbios
populosos de Beirute, Hassan Nasrallah veio ao mundo na zona de mistura por
excelência dos marginalizados da sociedade da abundância e da coorte dos povos
sem terra. Um local de nascimento, por acaso, formador, tal como a sua região
de origem. O futuro líder do Hezbollah é, na verdade, originário de uma zona
geograficamente predestinada ao combate: a região do sul do Líbano, na zona
fronteiriça entre o Líbano e Israel; uma zona que é alvo da artilharia e da
aviação israelita há meio século; que os militares israelitas destinavam a
servir de zona tampão, que será, paradoxalmente, posteriormente a ponta de
lança da luta anti-ocidental, o trampolim de Hassan Nasrallah para a glória
militar.
A capital natal da sua família,
Bazouriyeh, é verdade, é uma localidade situada perto de Bint Jbeil, a grande
vila do sul do Líbano, que infligiu duas derrotas militares aos israelitas. A
primeira vez, em 1982, com a destruição do posto de comando israelita instalado
nesse local, no âmbito da «Operação Paz na Galileia». A segunda vez, um quarto
de século depois, em 2006, durante a memorável batalha de tanques que antecedeu
o cessar-fogo israelo-libanês, que transformou Bint-Jbeil num cemitério de
Merkavas, resultando na destruição de cerca de trinta veículos blindados
israelitas.
A invasão israelita do
Líbano terá, aliás, um efeito catalisador na sua consciência política. Aos 22
anos, este chefe de uma família de nove filhos alistou-se nesse ano no
Hezbollah, na época um pequeno grupo sob o comando dos Guardas da Revolução
Iraniana, onde rapidamente subiu todos os degraus da hierarquia para se tornar,
dez anos depois, em 1991, aos 31 anos, o seu secretário-geral após o
assassinato de Abbas Moussaoui pelos israelitas.
Uma promoção democrática, baseada no
mérito
Uma promoção democrática, baseada no
mérito, sem golpes de força ou golpes de Estado, que o colocaria em posição de
integrar o jogo político libanês, em 1992, concomitantemente com a chegada ao
poder do bilionário libanês-saudita sunita Rafic Hariri, outro peso pesado da
política libanesa.
Esta chegada simultânea dos dois pesos
pesados da política libanesa irá induzir uma nova equação no sistema político
confessional libanês, agora marcado pela preeminência das duas grandes
comunidades muçulmanas - sunita e xiita - em detrimento das comunidades
históricas fundadoras do Líbano, maronita e drusa.
Proveniente da
comunidade mais desprezada na época do Líbano e mais negligenciada pelas
autoridades públicas, a comunidade xiita, liderada naquela época por feudais
clânicos, traficantes de droga e aliados privilegiados do Xá do Irão e do
Ocidente, nomeadamente a família Kazem al Khalil de Tiro, parente por aliança
do iraquiano Ahmad Chalabi, o agente por excelência da invasão americana do
Iraque. Hassan Nasrallah fará dela a ponta de lança da luta anti-israelita, o
orgulho do país, a sua espinha dorsal, obtendo a retirada militar israelita do
Líbano sem negociações nem tratado de paz, em 2000.
Ao fazê-lo,
impulsionará o seu país para a função de cursor diplomático regional e, na
história do conflito israelo-árabe, elevou o padrão libanês ao nível de valor
exemplar, tanto que esse feito teve na memória colectiva árabe um impacto
psicológico de importância comparável à destruição da linha Bar Lev, durante a
travessia do Canal de Suez, na guerra de Outubro de 1973.
Oito anos mais tarde,
ele iniciou, diante do poder de fogo do seu inimigo e da hostilidade quase
geral das monarquias árabes, um novo método de combate, concebendo um conflito
móvel num campo fechado, uma inovação na estratégia militar contemporânea,
acompanhada de uma resposta balística ousada, para grande consternação dos
países ocidentais e dos seus aliados árabes.
A crise do modelo ocidental de guerra
limitada de alta tecnologia
« Apesar do envolvimento do equivalente
ao exército e à força aérea franceses, os israelitas não conseguiram derrotar
no Líbano alguns milhares de homens entrincheirados num retângulo de 45 km por
25 km, um resultado táctico surpreendente, provavelmente anunciador de um novo
fenómeno, o fim de uma era de guerras limitadas dominadas pela alta tecnologia
ocidental. O exército israelita descobriu então que os seus adversários se
adaptaram perfeitamente ao fogo aéreo israelita, com o Hezbollah a desenvolver
uma versão de «baixa tecnologia» da furtividade, combinando redes subterrâneas,
fortificações e, acima de tudo, misturando-se com a população.
O Hezbollah, ligeiramente equipado,
dominando perfeitamente o seu arsenal, nomeadamente anti-tanque, travou uma
luta descentralizada, à maneira dos finlandeses contra os soviéticos em 1940.
Pratica também uma guerra total, tanto
pela aceitação dos sacrifícios como pela estreita integração de todos os aspectos
da guerra no seio da população. Do outro lado, o exército de Israel compromete-se
com uma atmosfera de «zero mortes» e fracassa. No balanço, Israel perdeu 120
homens e 6 mil milhões de dólares, ou seja, quase 10 milhões de dólares por
inimigo morto, sem conseguir derrotar o Partido de Deus.
A esse preço, sem dúvida teria sido mais
eficaz, do ponto de vista táctico, oferecer várias centenas de milhares de
dólares a cada um dos 3.000 combatentes profissionais do Hezbollah em troca do
exílio no estrangeiro», avalia um estratega francês do Centro Francês de
Doutrina de Emprego das Forças (Exército), responsável pelo retorno de
experiências das operações francesas e estrangeiras na zona Ásia/ Médio Oriente
(3).
Mas, face a este feito singular na
história pouco gloriosa do mundo árabe contemporâneo, uma revolta de uma classe
política arcaica, reformulada no feudalismo modernista, resultado de uma
torrente de oportunismo, irá então agitar a fibra comunitária numa zona
assolada pelo integrismo, num país que tanto sofreu com isso no passado. Um
país à mercê do desespero de uma população em crescente empobrecimento, à mercê
da amnésia das vítimas de antigas torpezas; à miséria intelectual e moral de
uma fracção da elite, e, finalmente, ao nanismo dos gigantes da política
libanesa, reunidos numa aliança contra a natureza dos antigos «senhores da
guerra» e do seu principal financiador.
Apostando implicitamente na derrota do
Hezbollah, o trio pró-ocidental - Saad Hariri, Walid Jumblatt e seu aliado
maronita Samir Geagea, antigo companheiro de viagem de Israel na guerra civil
inter-libanesa - lançou-se, logo após o fim das hostilidades, de forma
indecente, no julgamento da milícia xiita ao grito de «Al-Haqiqa» (a verdade),
em vez de procurar condenar Israel pela violação do Direito Internacional
Humanitário e pela destruição das infraestruturas libanesas.
Um grito de guerra curiosamente
popularizado pela fugaz pasionaria da cena libanesa, a ministra maronita Nayla
Mouawad, paradoxalmente mais preocupada em desmascarar os assassinos de Rafic
Hariri do que os do seu próprio marido, o antigo presidente René Mouawad, morto
num atentado a 22 de Novembro de 1990, dia do aniversário da independência
libanesa. Um espectáculo lamentável e infame.
Nasrallah sairá ileso, demonstrando
clemência para com os auxiliares do exército israelita, alistados sob o comando
de um general traidor, Antoine Lahad, exonerando-os do crime de traição e
poupando-os do castigo reservado aos colaboradores franceses do regime nazi.
Ele contornará essa armadilha demagógica através da sua aliança com a
hierarquia militar cristã, os dois antigos comandantes-chefes do exército,
preocupados em refrear os impulsos mortíferos da ordem miliciana cristã.
O presidente Émile
Lahoud, «um resistente por excelência» segundo as palavras do seu aliado xiita,
e o general Michel Aoun, líder da mais importante formação política cristã,
garantirão uma cobertura diplomática internacional transconfessional, uma
barreira de segurança com o objectivo de impedir uma nova divisão entre
muçulmanos e cristãos, ponto de inflexão para uma nova guerra civil com
conotações religiosas.
500 milhões de dólares do MEPI para
neutralizar o Hezbollah
Segundo os próprios
responsáveis americanos, desde 2006, os Estados Unidos, através da USAID e da
Middle East Partnership Initiative (MEPI), disponibilizaram mais de 500 milhões
de dólares para neutralizar o Hezbollah, a mais importante formação paramilitar
do terceiro mundo, distribuindo a quase setecentas personalidades e
instituições libanesas uma chuva de dólares «para criar alternativas ao
extremismo e reduzir a influência do Hezbollah na juventude» (4). A esta soma
acrescenta-se o financiamento da campanha eleitoral da coligação governamental
nas eleições de Junho de 2009, da ordem dos 780 milhões de dólares, ou seja, um
total de 1,2 mil milhões de dólares em três anos, à razão de 400 milhões de
dólares por ano. Em vão.
Estado dentro do Estado?
Verdadeiro Estado dentro do Estado,
principal queixa dos seus adversários, o seu movimento terá, no entanto, suprido
durante trinta anos a vacância de um poder estatal há muito esvaziado da sua
substância pela ordem miliciana predadora e parasitária, em todo o caso muito
antes do nascimento do Hezbollah, colaborando estreitamente com os serviços de
um Estado em deserção, iniciando uma cultura de combate e resistência num país
de costumes formidavelmente mercantis.
Principal formação político-militar
libanesa, cujo desmantelamento é exigido pelos Estados Unidos, o Hezbollah
dispõe de uma representação parlamentar desproporcional à importância numérica
da comunidade xiita, desproporcional à sua contribuição para a libertação do
território nacional, desproporcional ao seu prestígio regional, desproporcional
à adesão popular de que goza sem procurar tirar partido disso.
Tanto em termos de democracia digital
como de democracia patriótica, o Hezbollah ocupa uma posição de destaque. Uma
posição incontornável para dissuadir qualquer um que pense em usurpar o lugar
que não lhe pertence. Nas disputas bizantinas de que os libaneses tanto gostam,
era salutar que esta verdade óbvia fosse relembrada, e as desventuras da dupla
Hariri-Joumblatt estão aí para o comprovar.
Walid Jumblatt e Saad Hariri farão as
pazes após uma série de reveses e retomarão o caminho para Damasco, sem muita
fanfarronice, antes de uma nova reviravolta, três anos depois, por ocasião da
«Primavera Árabe».
O primeiro-ministro socialista francês
Lionel Jospin, que classificou o Hezbollah como «terrorista», aprendeu isso da
maneira mais difícil, desencadeando o mais famoso apedrejamento da era
contemporânea e encerrando a sua carreira política de forma lamentável,
irremediavelmente destruída.
Jacques Chirac, que havia defendido
«medidas coercivas» para conter o Hezbollah, mudou de ideia após o fracasso
israelita, enviando uma esquadrilha francesa para proteger o espaço aéreo libanês
durante o desfile que celebrava a «vitória divina», temendo que o menor
contratempo que atingisse Nasrallah desencadeasse represálias que levassem à
erradicação política e física da família do seu amigo Rafic Hariri, assassinado
em Fevereiro de 2005, particularmente do seu herdeiro político, Saad Hariri,
escondido no estrangeiro durante as hostilidades, longe da capital da qual é
deputado e de um país do qual é líder da maioria governamental.
Dan Halloutz, chefe da aviação
israelita, responsável pelos ataques destrutivos a Beirute, foi demitido das
suas funções, enviado de volta para casa por manobras financeiras, assim como o
seu primeiro-ministro Ehud Olmert, que está na prisão.
Vitorioso de forma incontestável numa
prova de força contra uma coligação pró-ocidental que reunia todos os antigos
senhores da guerra do Líbano, que pretendiam comprometer a autonomia da sua
rede de comunicações, o nervo da sua guerra contra Israel, em 7 de Maio de
2008, o dignitário religioso adquiriu então uma nova estatura, a de um
prescritor na ordem regional, iniciador da retórica das represálias e da
paridade do terror. O seu feudo no sul de Beirute substituiu então Beirute
Ocidental na consciência árabe como centro da contestação pan-árabe,
assinalando definitivamente o afastamento do sunismo militante na luta contra
Israel, com excepção do Hamas palestiniano em Gaza.
A acusação, no início de Julho de 2010,
de um responsável que exercia funções sensíveis numa empresa estratégica de
telefone celular por «inteligência com o inimigo» deu razão a posteriori ao
Hezbollah na sua determinação em preservar a sua autonomia, tanto ao nível da
sua rede de telecomunicações como das suas vias de abastecimento. Ao mesmo
tempo, justificou a desconfiança dos sírios em relação ao círculo de Walid
Jumblatt, dada a sua conivência pró-ocidental.
O homem, Charbel
Qazzi, que trabalha há catorze anos no sector das telecomunicações, é acusado
pela justiça militar de ter ligado a rede de telefone móvel da sua empresa
Alpha à rede dos serviços israelitas, repassando toda a lista de assinantes e
seus dados pessoais e profissionais, incluindo bancários, bem como as suas
comunicações a um país oficialmente em guerra com o Líbano e que não cessou as suas
incursões militares contra o país.
Enquanto o Líbano
ressoa regularmente com a comemoração dos «mártires» Bachir Gemayel, líder das
milícias cristãs e presidente efémero do Líbano, em Setembro de 1982, e Rafic
Hariri, o bilionário libanês-saudita, antigo financiador da guerra entre
facções libanesas e antigo primeiro-ministro sunita do Líbano, Hassan Nasrallah
chora silenciosamente a morte do seu filho, trinta anos após a sua morte em
combate, abstendo-se de qualquer comemoração.
Um comportamento
idêntico ao que observa em relação a outra figura prestigiada do Hezbollah,
Imad Fayez Moughnieh «Al Hajj Radwane», o pesadelo do Ocidente, arquitecto das
operações anti-ocidentais no Médio Oriente desde a década de 1980, fundador da
estrutura militar do Hezbollah e, por capilaridade militante, do movimento
palestiniano Hamas em Gaza, artífice da retirada militar israelita do sul do
Líbano após 22 anos de ocupação, morto num atentado em Damasco, a 12 de Fevereiro
de 2008.
ILUSTRAÇÃO
Um apoiante xiita segura um cartaz mostrando Hassan Nasrallah, líder do movimento militante xiita libanês Hezbollah, enquanto ele se dirige aos apoiantes através de um ecrã gigante durante uma reunião no subúrbio sul de Beirute, Mujammaa Sayyed al-Shuhada, em 30 de Janeiro de 2014. O líder do Hezbollah disse que não quer guerra com Israel, depois que as forças armadas israelitas bombardearam áreas fronteiriças após um ataque do Hezbollah que deixou dois soldados israelitas mortos.
NotAs
Julia Boutros Ahiba’i
https://www.youtube.com/watch?v=1_2QF2Ep8B0
REFERÊNCIAS
1. Os jornalistas
franceses, particularmente ignorantes quanto às realidades locais, imaginam que
Hassan Nasrallah vive num outro planeta que não a capital libanesa,
referindo-se ao seu local de residência como «Dahiyeh». «Dahyeh» significa, na
verdade, «subúrbio» em árabe, abreviatura de «Dahyeh al jounoubiyah», o
subúrbio sul de Beirute, o que prova, pelo contrário, que o líder do Hezbollah
reside no subúrbio sul de Beirute e não numa aglomeração urbana diferente da
capital libanesa.
2. Sayyed Hassan
Nasrallah significa literalmente em árabe «Bela Vitória de Deus». O título
Sayyed, que significa literalmente em árabe «senhor» ou «Mestre», é um título
honorífico dado a muçulmanos de alto escalão, descendentes do profeta Maomé por
sua filha Fátima Zahrah e seu primo e genro Ali ibn Abi Talib.
Hassan Nasrallah nasceu a 31 de Agosto de 1960 no bairro de Bourj-Hammoud
(Beirute Oriental). É o mais velho de uma família de nove filhos que não é
particularmente religiosa. O seu pai, Abdel Karim, merceeiro de profissão, é
membro do Partido Social Nacionalista Sírio. Iniciou os estudos teológicos na
escola pública de Sin el Fil, um bairro onde coabitam cristãos e muçulmanos a
leste de Beirute, o que lhe permitiu conhecer cristãos libaneses.
Em 1975, quando a guerra civil eclodiu no Líbano, a sua família foi
obrigada a regressar à sua aldeia natal, Bazourieh, perto da cidade de Tiro
(sul do Líbano). Foi aí que Nasrallah decidiu juntar-se ao movimento Amal
(«Esperança»), uma organização política e paramilitar xiita, então presidida
pelo imã Moussa Sadr, líder espiritual da comunidade xiita, que desapareceu
misteriosamente em 1978 durante uma viagem à Líbia. Ele estudou Teologia na
cidade santa de Nadjaf, no Iraque, onde conheceu aquele que seria seu
predecessor à frente do Hezbollah, Abbas Moussaoui.
A união foi feita sob a égide do imã Mohamad Bakr al Sadr, fundador do
partido ad-Daawa e parente do imã Moqtada Sadr, líder da revolta anti-americana
no Iraque. A intensificação da repressão do governo de Saddam Hussein contra os
religiosos xiitas no Iraque, bem como a guerra de sucessão travada no seio do
movimento libanês Amal, na sequência do desaparecimento do imã Moussa Sadr na
Líbia, obrigou-o a regressar ao Líbano em 1978 para se juntar ao Hezbollah com
o seu amigo Abbas Moussaoui. Hassan Nasrallah é casado e pai de três filhos,
dos quais o mais velho, Hadi, foi morto enquanto combatia o exército israelita
no sul do Líbano, em Jabal al-Rafei, em 1997.
Os seus dois antecessores não tinham nem o seu carisma nem o seu sentido de
organização. O primeiro, o xeque Sobhi Toufayli, era mais visto como um líder
radical, desconhecedor das relações de força regionais; o segundo, Abbas
Moussaoui, foi assassinado sem ter tido tempo para deixar a sua marca no
movimento.
O grande aiatolá Mohammad Hussein Fadlallah, falecido no domingo, 4 de Julho
de 2010, foi durante muito tempo considerado o mentor do partido pró-iraniano
Hezbollah. Tal como o actual líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, foi incluído
pelos Estados Unidos na sua lista de «terroristas internacionais» estabelecida
em 1995. Nos anos 80, foi acusado pela media americana de estar por trás da
captura de reféns americanos no Líbano por grupos radicais ligados ao Irão. Em
1985, foi alvo de um atentado que matou 80 pessoas, uma operação organizada
pela CIA com três milhões de dólares provenientes de fundos petrolíferos
monárquicos do Golfo. O seu guarda-costas na altura era ninguém menos que Imad
Moughniyeh.
Personalidade muito influente do islamismo xiita no Líbano, na Ásia Central e
no Golfo, Fadlallah usava os seus sermões de sexta-feira para denunciar a
política americana no Médio Oriente. Emitia fatwas (decretos religiosos)
proibindo os crimes ditos de honra ou a excisão. Autor de várias obras teológicas,
era conhecido pela sua abertura ao desenvolvimento científico e pela sua
ousadia na interpretação dos textos do Islão. O carismático dignitário de barba
branca e rosto sereno era conhecido pelas suas opiniões religiosas tolerantes,
nomeadamente em relação às mulheres.
3. «Dez milhões de
dólares por miliciano, A crise do modelo ocidental de guerra limitada de alta
tecnologia», por Michel Goya, CF, revista Politique étrangère 1/2007 (Printemps),
p. 191-202. Tenente-coronel e redactor do Centro de Doutrina de Emprego das
Forças (Exército), é responsável pelo retorno de experiências das operações
francesas e estrangeiras na zona Ásia/ Médio Oriente. É autor de La Chair et
l’Acier (Paris, Tallandier, 2004), que se concentra no processo de evolução táctica
do exército francês durante a Primeira Guerra Mundial.
4. Depoimento de Jeffrey
D. Feltman, assistente do Secretário de Estado americano e responsável pelo
gabinete dos assuntos do Médio Oriente, e de Daniel Benjamin, coordenador do
gabinete de luta contra o terrorismo, perante uma comissão do Senado americano
em 8 de Junho de 2010. Ver a este respeito o jornal libanês «As Safir», de 29
de Junho de 2010, da autoria de Nabil Haitham, afirmando que «circula uma lista
de 700 nomes de pessoas e organizações que beneficiaram da ajuda americana e
que algumas receberam montantes entre 100 000 e 2 milhões de dólares. O
jornalista questiona: «Que cláusulas do código penal esses grupos ou pessoas
violaram? É legal contactar ou agir com um Estado estrangeiro e trabalhar com esse
Estado em troca de dinheiro numa campanha que visa um dos componentes da
sociedade libanesa — uma campanha que poderia ter desestabilizado a sociedade?»
(…) E Nabil Haitham questiona-se por que razão Feltman tornou esta informação
pública, especialmente porque ela pode embaraçar os aliados dos Estados Unidos
no Líbano. Segundo ele, a embaixada americana em Beirute tranquilizou os seus
aliados, afirmando que Feltman queria apenas mostrar ao Congresso que os
Estados Unidos estavam a agir no Líbano e que não há qualquer intenção de
revelar nomes.
A esta quantia de 500 milhões de dólares acresce o financiamento da campanha
eleitoral da coligação pró-ocidental. O diário americano New York Times acusou,
por seu lado, a Arábia Saudita e os Estados Unidos, num artigo intitulado
«Eleições libanesas: as mais caras do mundo», de interferência no processo
eleitoral das próximas eleições legislativas de Junho de 2009, revelando que
fontes próximas do governo saudita admitiram o financiamento de candidatos
opostos ao movimento xiita Hezbollah, o financiamento da viagem de expatriados
libaneses e até mesmo a compra do voto colectivo de comunidades inteiras a
favor dos seus aliados locais. Segundo o New York Times, várias centenas de
milhões de dólares (700 milhões de dólares) teriam sido transferidos para o
Líbano não só para participar na campanha eleitoral, mas também para corromper
os votos. O diário acrescenta que o objectivo da Arábia Saudita seria limitar a
influência iraniana no Líbano e apoiar os seus aliados para pressionar Teerão.
Do lado americano, ainda segundo o mesmo jornal, o International Republican
Institute, conhecido por ser um grupo de pressão próximo do Partido
Republicano, teria aberto escritórios em Beirute para ajudar os líderes da actual
maioria, bem como os seus meios de comunicação afiliados, na campanha
eleitoral.
Este
lobby teria assim aberto escritórios junto dos diferentes partidos pertencentes
à coligação pró-ocidental de 14 de Março, incluindo as forças libanesas de
Samir Geagea, a corrente do futuro do deputado Saad Hariri, o partido
falangista de Amine Gemayel e do deputado druso Walid Joumblatt (New York
Times, 24 de Abril de 2009, «eleições libanesas: as mais caras do mundo»). Dois
dias após estas revelações, Hillary Clinton, secretária de Estado, fez uma
visita surpresa a Beirute para depositar flores no túmulo de Rafic Hariri, o
antigo primeiro-ministro assassinado, e preconizou, sem receio do ridículo,
eleições livres de qualquer ingerência... com excepção, sem dúvida, do dinheiro
saudita e americano.
5.O juiz do Tribunal Especial para o
Líbano (TSL) ordenou, na quarta-feira, 29 de Abril de 2009, a libertação
imediata dos quatro generais libaneses pró-Síria detidos desde 2005 no âmbito
da investigação sobre o assassinato do ex-primeiro-ministro Rafic Hariri. O
atentado à bomba causou um total de 23 mortos em 14 de Fevereiro de 2005, em
Beirute. Os generais Jamil Sayyed, Ali Hajj, Raymond Azar e Moustapha Hamdan,
únicos suspeitos, foram detidos em 30 de Agosto de 2005. Eles não foram oficialmente
acusados. O juiz Daniel Fransen concordou com os procuradores, que consideraram
o processo insuficiente para manter esses homens detidos. Fogos de artifício
saudaram o anúncio da sua libertação em Beirute.
René Naba
Jornalista-escritor, ex-chefe do mundo
árabe e muçulmano no serviço diplomático da AFP, depois assessor do
director-geral da RMC Médio Oriente, chefe de informação, membro do grupo
consultivo do Instituto Escandinavo de Direitos Humanos e da Associação de
Amizade Euro-Árabe. De 1969 a 1979, foi correspondente rotativo no escritório
regional da Agence France-Presse (AFP) em Beirute, onde cobriu a guerra civil
jordaniano-palestiniana, o "Setembro Negro" de 1970, a nacionalização
de instalações petrolíferas no Iraque e na Líbia (1972), uma dúzia de golpes de
Estado e sequestros de aviões, bem como a Guerra do Líbano (1975-1990) a 3ª
guerra árabe-israelita de Outubro de 1973, as primeiras negociações de paz
egípcio-israelitas na Mena House Cairo (1979). De 1979 a 1989, foi responsável
pelo mundo árabe-muçulmano no serviço diplomático da AFP, depois assessor do
director-geral da RMC Médio Oriente, encarregado da informação, de 1989 a 1995.
Autor de "Arábia Saudita, um reino das trevas" (Golias), "De
Bougnoule a selvagem, uma viagem ao imaginário francês" (Harmattan),
"Hariri, de pai para filho, empresários, primeiros-ministros"
(Harmattan), "As revoluções árabes e a maldição de Camp David"
(Bachari), "Media e democracia, a captura do imaginário, um desafio do
século XXI" (Golias). Desde 2013, ele é membro do grupo consultivo do
Instituto Escandinavo de Direitos Humanos (SIHR), com sede em Genebra. Ele
também é vice-presidente do Centro Internacional Contra o Terrorismo (ICALT),
Genebra; Presidente da instituição de caridade LINA, que opera nos bairros do
norte de Marselha, e Presidente Honorário do 'Car tu y es libre', (Bairro
Livre), trabalhando para a promoção social e política das áreas periurbanas do
departamento de Bouches du Rhône, no sul da França. Desde 2014, é consultor do
Instituto Internacional para a Paz, Justiça e Direitos Humanos (IIPJDH), com
sede em Genebra. Desde 1 de setembro de 2014, é responsável pela coordenação
editorial do site https://www.madaniya.info e apresentador de uma
coluna semanal na Radio Galère (Marselha), às quintas-feiras, das 16h às 18h.
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
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