sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Nicolas Sarkozy, um campo de ruínas

 


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Nicolas Sarkozy, um campo de ruínas

Nicolas Sarkozy, um campo de ruínas diplomáticas e económicas; O conjunto habitacional de Argenteuil, o seu verdadeiro teste de credibilidade Os franceses...

 

Por : René Naba - em : France Portrait - 30 de Novembro de  2014


Nicolas Sarkozy, um campo de ruínas diplomáticas e económicas; O caso Argenteuil, o verdadeiro teste à sua credibilidade

Os franceses jogaram à roleta russa nas eleições presidenciais de maio de 2007. Nicolas Sarkozy ganhou, a França perdeu.

Impulsionado ao poder num cenário internacional devastado, em contraponto com o momento estratégico, em plena derrota dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque, e de Israel no Líbano, às vésperas do colapso da economia ocidental, o ídolo dos jovens já era um presidente em retrocesso. Ao assinar a sua adesão às teses dos neo-conservadores americanos através da reintegração no seio atlantista, pôs assim fim ao parêntese gaullista no plano diplomático e, no plano interno, com a adopção de leis sobre a exclusão social e o rastreio genético, o presidente retrógrado marcou o triunfo do neo-pétainismo.

O delírio narcisista que tomou conta da França durante um ano culminou brutalmente na maior mistificação política da história da Vª República, com o mais breve período de graça da história, implodindo na mesma noite da sua eleição com «a noite do Fouquet's», o jantar que reuniu as maiores fortunas do país, o cruzeiro a bordo do iate de Vincent Bolloré, o vaudeville do seu casal à maneira dos Kennedy, que terminou com o seu casamento com uma modelo muito apreciada pela intelectualidade e pelo mundo artístico parisiense e, finalmente, a sua linguagem de carregador de carretas, que revelava um jovem empreendedor com uma linguagem refinada cujo segredo só ele conhecia. «Casse-toi pauvre con» (Vá-se embora, seu idiota) ficou na história como o contra-exemplo perfeito do bom gosto presidencial francês.

No plano simbólico, Nicolas Sarkozy restaurou a unidade da direita com base nas teses da extrema direita petainista e na aparência da direita gaullista. O sarkozismo assinou assim a derrota do gaullismo e o triunfo do neo-petainismo. Reivindicando o gaullismo enquanto absorvia as teses da extrema direita xenófoba, o sarkozismo purgou, na verdade, a disputa pela legitimidade através da superação sincrética das duas grandes famílias da direita francesa, cujo ponto de exacerbação tinha sido atingido durante as eleições presidenciais de 2002.

Uma corrida presidencial que colocou os franceses diante do infame dilema de escolher entre um «vigarista» e um «fascista», dois veteranos políticos septuagenários da época da Guerra Fria que ocupavam o centro das atenções há quase quarenta anos, os dois candidatos mais velhos, mais ricos e mais criticados da disputa, mutuamente confortados numa campanha segura, um, Jacques Chirac, herdeiro de um gaullismo desviado para o mercantilismo mais desenfreado, o outro, Jean Marie Le Pen, herdeiro de um vichismo sublimado por um antigo torturador da Guerra da Argélia. O primeiro, autor de uma fórmula chauvinista de demagogia consumada sobre os «ruídos e odores» das famílias imigrantes que sugam a segurança social com a sua prolificidade genética; o segundo, autor de uma fórmula de abominação absoluta sobre o «crematório Durafour, um pormenor da História».

Assunto mediático único durante os dois primeiros anos do seu mandato, o homem ganhou o apelido de «excêntrico» (agité du bocal).

Sob Nicolas Sarkozy, a França viu a sua classificação económica deteriorar-se, a sua taxa de desemprego disparar para 10% da população, a par da inflação de leis repressivas (13 em cinco anos), enquanto, a nível interno, o seu partido, União pela Maioria (UMP), mergulhou numa gigantesca farsa com o duelo fratricida entre os dois candidatos François Fillon e Jean François Copé e o escândalo do seu Bygmalion sarkozista.

Durante o seu mandato, a dívida pública disparou 600 mil milhões de euros, enquanto, paralelamente, os benefícios fiscais ascenderam a 75 mil milhões de euros e 350 000 empregos industriais foram destruídos, gerando mais 337 000 pobres. Recordista do aumento mais brutal da taxa de desemprego dos últimos trinta anos, sob Sarkozy, para 8,1% em 2007, a taxa deverá rondar os 10% em 2012, de acordo com as últimas previsões do Insee. A redução dos recursos destinados à luta contra o desemprego acelerou desde 2008 (-10,5% entre 2010 e 2011 e -11,3% entre 2011 e 2012) e algumas medidas, como a isenção fiscal das horas extraordinárias, tiveram efeitos nefastos sobre o emprego em período de crise.

No plano diplomático, o projecto emblemático do seu mandato, a União para o Mediterrâneo (UPM), naufragou completamente devido à destituição dos seus dois pilares do sul, o tunisino Zine El Abidine Ben Ali e o egípcio Hosni Mubarak, levados pelo vento de mudança que soprou do leste, e a sua libertação da Líbia transformou este país numa «incubadora de ditadores», uma zona de ilegalidade absoluta, levando à instauração da sharia no país e à talibanização do norte do Mali, o reduto africano da França.

Este presidente, que fantasiava com «as ovelhas que são degoladas nas banheiras», procurou, no entanto, constantemente a hospitalidade das banheiras dos palácios reais árabes, de Doha a Rabat, tomando a iniciativa de estigmatizar uma parte da população por motivos eleitorais inconfessáveis. Nesse sentido, «as ovelhas que são degoladas nas banheiras» (Nicolas Sarkozy), assim como «os ruídos e os odores das famílias imigrantes» prolíficas (Jacques Chirac) permanecerão uma mancha indelével no discurso político francês e desonram os seus autores. Se não tomarmos cuidado, elas abrirão caminho para derrapagens fascistas no comportamento político francês.

Escudo fiscal, jantar no Fouquet's com o CAC 40 e tutti quanti. Trabalhar mais para ganhar menos. Para pensar menos? O desprezo pelo povo. O desprezo pelo sofrimento do povo. O populismo não é popular.

Nicolas Sarkozy, degradado, os símbolos da diversidade em frangalhos. Plagiadora, Rama Yade, riscada das listas eleitorais de Colombes. Os subúrbios não gostam de exibicionistas e trapaceiros. Rachida Dati, punida por onde pecou. Ocupante ilegal de luxo, expulsa por um paraquedista como ela. Fadela Amara, desalojada do seu apartamento oficial e Abdel Rahman Dahmane, dos palácios da República. Faudel devolvido aos seus fogões e Doc Gynéco aos seus vapores. E se a diversidade à Sarkozy não fosse mais do que uma «armadilha para idiotas» e Sarkozy tivesse sido apanhado na sua própria armadilha?

A lealdade às armas e o ficheiro da dupla nacionalidade, dois aspectos da mesma armadilha demagógica.

A lealdade às armas, proposta de Jean François Copé, líder da UMP, que consiste em que todos os candidatos à nacionalidade francesa ou todos os franceses que atinjam a maioridade prestem um juramento de lealdade à França, assim como o registo de dupla nacionalidade, a proposta de Claude Goasguen, são os dois lados da mesma moeda da demagogia que se volta contra os seus autores. Lealdade às armas, tudo bem. Mas o que fazer com os objectores de consciência? Com os pacifistas?

A lealdade não imuniza contra a traição. A colaboração com o inimigo da França, a Alemanha nazi, foi institucionalizada por um marechal da França durante a Segunda Guerra Mundial. Os legisladores da UMP e da França deveriam, antes de mais nada, rever os seus cursos de história da França antes de se lançarem numa empreitada tão chauvinista. Já que estamos nisso, comecemos por colocar ordem na casa: a defesa do cabo bi-nacional franco-israelita Gilad Shalit pela França torna-se, a partir de agora, caduca e nula, assim como a promoção do reservista israelita Arno Klarsfeld ao cargo de director do gabinete de imigração e integração. Para acabar com o duplo padrão... e na mesma linha de pensamento, intervir na Líbia com a OTAN e vetar a admissão da Palestina é uma forma de duplicidade, uma forma de deslealdade em relação aos seus próprios princípios fundamentais. Quem brinca com fogo acaba por se queimar.

A Françafrique, uma França fric (rica): Vergonha para a África

Vergonha para África. Vergonha para África por alimentar os seus carrascos. Nunca a Françafrique, o mais extraordinário pacto de corrupção das elites francesas e africanas à escala continental, mereceu tanto o seu nome de «France à fric» (França do dinheiro), uma estrutura ad hoc para sugar dinheiro através da exploração dos africanos para satisfazer a covardia francesa. Aberrante e odioso.

Vergonha para África. Cinco séculos de escravatura para um resultado destes. Para continuar a sustentar, a um custo elevado, um dos seus colonizadores mais implacáveis, a França, um dos seus torturadores mais descarados, Jean Marie Le Pen. Sem o menor pudor pelas vítimas do tráfico de escravos, da escravatura, dos jardins zoológicos etnológicos... os bougnoules, os cães negros da República?

Gabão, Congo, Costa do Marfim, Senegal, Guiné Equatorial. Estranha resposta que é cuspir no prato quando nos cospem na cara. Quão longe estão os tempos abençoados dos Mau Mau do Quénia. Mal posso esperar pelo seu regresso. É de vomitar estes reis preguiçosos, ditadores de pacotilha de países da terra da abundância.

Que vergonha. A venalidade francesa e a corrupção africana, uma combinação corrosiva, degradante para o doador, humilhante para o beneficiário: quatrocentos mil milhões de dólares (400 mil milhões) evaporaram-se em 35 anos do continente africano para locais paradisíacos, de 1970 a 2005, segundo estimativas da CNUCED (2).


E por que não deduzir essas gentilezas da dívida; a dívida, essa nova forma de tráfico de escravos, que sangra a África tanto quanto a anterior? E por que não compensar com infraestruturas para reduzir a dependência?

Do que é que os africanos estão à espera para destituir os seus líderes fantoches, os mais corruptos entre os corruptos? Não é mais difícil derrubá-los do que Mubarak e Ben Ali. Sobretudo não com a ajuda da NATO, a coligação dos seus antigos carrascos, mas com o suor do seu rosto, com as lágrimas dos patriotas e o seu sangue, para selar definitivamente a reconquista da dignidade de África.

E a classe política francesa... Que estrato parasitário e obsequioso. Tunísia, Marrocos, Mammounia e Hammamet. Djembé e pastas. Karachi e Clearstream. Comissões retroactivas e Taiwan. Alexandre Djhouri e Robert Bourgi. Ziad Takieddine e comparsas (2). «República irrepreensível», proclama o mal-estar vagal, «estado exemplar de um século de ética», tamborila a anosognosia.

Postura e impostura.

Lealdade às armas? Jean François Copé aceita, em troca de um juramento de integridade da classe política francesa. Mas quem trairá a sua palavra primeiro? O candidato ou o moralista?

Excepção francesa e País dos Direitos Humanos. Balelas. Sanguessugas e vampiros mais reais do que a vida, mais fiéis à realidade. Com total impunidade. Sem pudor. Trabalhar mais para ganhar, repetem eles. A impostura absoluta. Um ridículo que mata, o sinal indiscutível do declínio. Azar para os coveiros da doce França. Que desta vez não se conte com a África para levantar o seu país. Fora daqui, Erhal (desaparece). Para devolver as suas tolices ao homem do discurso de Dakar, especialista em repetições, que ainda não entrou para a história.

A lápide de Argenteuil, o teste de credibilidade de Nicolas Sarkozy

Que inversão de valores ver o homem da estigmatização africana a pavonear-se, embriagado pela sua vitória na Líbia. Uma vitória de Pirro, aliás, que impulsiona a Sharia como a principal fonte de legislação na Líbia, por vontade de Moustapha Abdel Jalil, o protegido do filósofo mediático Bernard Henry Lévy. Conta-se que, na euforia da vitória, o novo Cipião Africano se gabou de novas conquistas perante o comandante Massoud da Cirenaica e da Tripolitânia: «Daqui a um ano, a Argélia; daqui a três anos, o Irão».

Estratega de ópera promove, com grande alarde, a União para o Mediterrâneo, uma maravilha da diplomacia com resultados lamentáveis. Os seus dois pilares do sul, Mubarak e Ben Ali, jazem no fundo do Mediterrâneo.

«Daqui a um ano, o Irão»...? «Bomber Sarko» repetiu essa ameaça durante cinco anos com a sua fórmula que ficou para a posteridade: «a bomba ou o bombardeamento». Desafiando a sua ira, o Irão conseguiu, entretanto, alcançar o estatuto de potência nuclear limítrofe, com a central de Bushehr ligada à rede eléctrica iraniana... e Sarkozy a galopar em busca da sua glória passada.

O fanfarrão da Líbia é uma metáfora. Completamente à margem: um presidente fora de sintonia, contra o sentido da história, o pior desastre industrial da França desde o advento da Vª República. Este estratega de gabinete confunde o princípio do desejo com o princípio da realidade.

O que se pode esperar de um presidente de um país que não tem coragem de atravessar a periferia da sua capital?

«Casse-toi pauv’con: La dalle d’Argenteuil, é o verdadeiro teste à credibilidade do «Bomber Sarko».

Referências

1.       Nicolas Sarkozy, um campo de ruínas diplomáticas e económicas: Trechos do livro «De Nicolas I a François III, crónica de uma relegação anunciada», de René Naba (Dictus publishing) – Disponível aqui

2.       Referindo-se às estimativas da CNUCED, o advogado Fabrice Marchisio, especialista em recuperação de activos fraudulentos, especifica que 400 mil milhões de dólares fugiram de África entre 1970 e 2005 para outros continentes e, com base nas estimativas do Banco Mundial, indica que o montante desviado pelos ditadores árabes derrubados durante a «Primavera Árabe», Hosni Mubarak (Egipto), Zine El Abidine Ben Ali (Tunísia) e Muammar Kadhafi (Líbia) oscilaria entre 100 e 200 mil milhões, uma variação que inclui nos seus cálculos os activos ocultos. O advogado Fabrice Marchisio é membro do escritório Asset Tracing and Recovering / Cabinet Cotti, Vivant, Marchisio and Lazurel. Entrevista ao jornal Le Figaro em 12 de Setembro de 2011.

3.       Para o balanço de François Hollande a meio do mandato,

https://www.renenaba.com/l-homme-de-l-annee-2013/  

 

Fonte: Nicolas Sarkozy, un champ de ruines - En point de mire

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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