segunda-feira, 29 de setembro de 2025

O Líbano em contraplano 5/5: O Hezbollah, uma excepção

 


O Líbano em contraplano 5/5: O Hezbollah, uma excepção

René Naba / 29 DE setembrO DE 2025 / EM ActualitésLiban

 

A Ziad Rahbani, em memória

A Ziad Rahbani, filho da grande estrela da música árabe Fairouz, falecido em Julho de 2025, pela sua eminente contribuição para a crítica dos costumes escandalosos do Líbano.


Este dossier em cinco partes é publicado por ocasião da morte, em 28 de Setembro de 2024, de Sayyed Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah libanês, a formação paramilitar xiita libanesa e animador da resistência anti-israelita em todo o mundo árabe.


Nota da redacção de https://www.madaniya.info/

O contra-campo é uma tomada realizada a partir de um ponto simetricamente oposto a outra tomada; a cena assim filmada é montada alternadamente. Recorrendo a esta técnica narrativa, o autor deste texto propõe-se fazer uma leitura não conformista da história do Líbano, o queridinho do Ocidente... Uma leitura não conforme com a imagem veiculada pelos meios de comunicação ocidentais, que se assemelha mais a brochuras publicitárias do que à sombria realidade deste país. Fim da nota.

O Hezbollah, uma excepção

Do magma libanês surgiu o Hezbollah, graças à ascensão da comunidade xiita na política libanesa, na sequência da invasão israelita do Líbano, em 1982, sobre as ruínas da OLP, cujo santuário libanês tinha sido erradicado nessa ocasião.

Pesadelo do Ocidente, bête noire dos sauditas e dos israelitas, o Hezbollah tem sido constantemente alvo de uma manobra de estrangulamento que visa neutralizar a única estrutura árabe capaz de enfrentar simultaneamente os Estados Unidos, Israel e a dinastia wahhabita.

A única que constitui uma ameaça directa para Israel, na medida em que é o único actor árabe com uma base operacional na fronteira com Israel, com excepção da Síria, fora de serviço devido a uma guerra interna, e do Hamas, na época em fase de desorientação revolucionária na sequência da sua adesão às petromonarquias do Golfo e da instalação da sua sede em Doha (Qatar), a 30 km da base americana do CENTCOM (Comando Central).

O Hamas juntou-se ao eixo contestatário da hegemonia israelo-americana no Médio Oriente, em 2023, após doze anos de errancia no seio do atlantismo, tornando-se, com o «Dilúvio de al Aqsa», o ataque contra Israel em 7 de Outubro de 2023, o primeiro grande movimento fundamentalista sunita anti-americano.

·         Sobre a questão dos movimentos islamistas independentistas na Ásia, consulte este link: https://www.madaniya.info/2022/07/20/de-la-specificite-des-mouvements-islamistes-independantistes-en-asie/

Dos três parceiros da aliança contra a hegemonia israelo-americana (Irão, Síria, Hezbollah), a aliança subliminar do mal na estratégia atlantista, o terceiro actor apresenta o melhor rendimento em termos de relação qualidade-preço, a melhor rentabilidade operacional em termos de eficácia, na medida em que o Irão (80 milhões de habitantes, potência nuclear limítrofe e geograficamente autónoma) constitui um risco estratégico para um ataque ocidental e a Síria, um risco político, antes de se colocar sob o domínio da Turquia na sequência da queda do regime baathista em 2024.

A aniquilação política ou militar do Hezbollah figura, aliás, em todas as iniciativas diplomáticas ocidentais desde o início da revolta popular na Síria, em 2011. Isso é tão verdadeiro que a primeira declaração oficial do primeiro líder da oposição síria no exílio, o académico franco-sírio Bourhane Ghalioune, referiu-se à primeira medida simbólica que tomaria no início do seu mandato presidencial, ou seja, a ruptura das relações estratégicas com o Hezbollah e da relação especial da Síria com o Irão.

A declaração de Bourhane Ghalioune causou profunda consternação aos seus patrocinadores franceses, pois revelou prematuramente os objectivos subjacentes à campanha na Síria. Este compromisso foi consignado no protocolo de Doha, a plataforma política da oposição, assinado em Novembro de 2012, sob pressão do Qatar, que prevê ainda recorrer à negociação política para recuperar o planalto do Golã, ocupado por Israel desde 1967.

Por outras palavras, um enterro discreto do litígio sírio-israelita, na medida em que implica a renúncia à guerra e o reconhecimento de Israel, sem prejudicar o resultado final das negociações sírio-israelitas. Um esquema idêntico ao processo israelo-palestiniano de Oslo, com os seus percalços igualmente dilatórios.

O duopólio Rafic Hariri, o sunita, e Hassan Nasrallah, o xiita.

Acto fundador da II República Libanesa, os acordos inter-libaneses de Taif, ao pôr fim à guerra civil libanesa (1975-1990), viram a entrada simultânea na cena política de duas personalidades fora do círculo político que dominariam a vida política libanesa desde 1990 até aos dias de hoje:

o sunita Rafic Hariri, bilionário saudita-libanês, e o monge soldado xiita Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah.

Essa ascensão simultânea das duas personalidades dominantes das duas correntes do Islão libanês ocorreu sob a liderança da Síria e com o apoio dos Estados Unidos, um duplo bónus para os EUA, por um lado, a Damasco pela sua participação na 1.ª Guerra do Iraque (1990-1991) e, por outro lado, à Arábia Saudita, pela sua contribuição para a implosão da União Soviética na Guerra do Afeganistão (1979-1989) através dos jihadistas afegãos.

Principal latifundiário do país, proprietário de quase um quinto da superfície de um minúsculo Estado de 10.450 km², além de proprietário de um império mediático que ultrapassa todo o parque libanês, dispondo ainda de uma fortuna pessoal superior ao produto nacional bruto e monopolizando a expressão política do islamismo sunita libanês, Rafic Hariri era do calibre exigido pelos seus mentores, o seu padrinho saudita e o protector americano da petromonarquia.

Num país desarticulado e segmentado numa multiplicidade de comunidades religiosas, a sua proeminência parecia inadequada às estruturas libanesas. Na ausência de contrapesos e de referências, este vizir que sonhava ocupar o lugar de grão-vizir, um electrão livre com efeitos centrífugos, podia parecer um factor de desequilíbrio, um instrumento de desestabilização para o Líbano e a sua vizinhança imediata.

Formação paramilitar xiita, o Hezbollah, fundado em 1982 na sequência da perda do santuário libanês pela OLP, só se envolveu na arena política dez anos após a sua criação, no ano em que Rafic Hariri assumiu a chefia do governo libanês, em 1992, com o objectivo específico de contrabalançar a proeminência política do bilionário saudita-libanês que ameaçava o seu espaço vital.

De 1992 a 1998, ou seja, durante seis anos, o duopólio governou o Líbano, na ausência de qualquer participação da liderança cristã, devastada pela auto-decapitação dos seus líderes carismáticos e pela colaboração com Israel durante a guerra civil libanesa.

O sunita, perfeito representante do capitalismo financeiro pró-americano, artífice da reconstrução de Beirute destruída pela guerra, transformará o Líbano num Estado rentista, baseando a sua economia na especulação financeira e imobiliária, para torná-lo a «Hong Kong do Médio Oriente». Fará uso abundante da «diplomacia do livro de cheques», construindo um império mediático para sua glória, através da corrupção das elites e de algumas das grandes consciências da esquerda mundana, retribuindo-se sobre os escombros da capital em ruínas para edificar o seu império imobiliário SOLIDERE, a base do seu império financeiro.

Na sua qualidade de líder de um Islão impulsionado pela Revolução Islâmica do Irão, contestatário da hegemonia israelo-americana na zona, o xiita, entretanto, unificará a sua comunidade, cuja gestão assegurará em parceria com o chefe do poder legislativo e líder do movimento Amal, Nabih Berry.

Consolidando a defesa do sul do Líbano, a principal zona de implantação dos xiitas no Líbano, ele fará dela a plataforma dos seus ataques contra Israel, com o objetivo de pôr fim aos bombardeamentos massivos do Estado hebraico contra esta zona fronteiriça que ele visava desde a década de 1960 para transformá-la numa terra de ninguém, cobiçando os seus cursos de água.

Israel, de facto, cobiçou constantemente os recursos hídricos árabes para «fertilizar o deserto», por um lado, de acordo com o lema sionista, desviando nomeadamente as águas do Jordão, na década de 1960, opondo-se à restituição das quintas libanesas de Chebaa, que dominam os rios Litani, Hasbani e Wazzani, no sul do Líbano.

Ano 2000: Ano charneira

Afastado do poder devido a um cancro em fase terminal, o presidente sírio Hafez Al Assad certificou-se de garantir a sua sucessão. A Síria apoiou então a eleição do general Émile Lahoud para a chefia do Estado libanês, em 1998.

Principal obstáculo ao domínio económico do bilionário libanês-saudita sobre o Líbano, uma das poucas figuras públicas libanesas de destaque que não sucumbiu às seduções materiais de Hariri, Émile Lahoud, fundador do novo exército libanês, forjou uma nova doutrina estratégica que privilegiava a resposta a Israel, rompendo assim com o derrotismo reinante na era pós-independência, que reduzia o exército a um papel parasitário e repressivo.

Num movimento simétrico, Hariri, o homem de confiança dos sauditas, acciona o reflexo comunitário ao fazer do sunita sírio Abdel Halim Khaddam, seu parceiro privilegiado nos negócios, um cacique do regime baathista na sua dupla qualidade de vice-presidente da República e procônsul de Damasco no Líbano.

·         https://www.madaniya.info/2020/03/31/syrie-abdel-halim-khaddam-le-premier-dans-lordre-de-la-trahison/

O ano 2000 testemunhou simultaneamente a morte de Hafez Al Assad e o triunfo militar do Hezbollah, que obrigou Israel a retirar-se militarmente do Líbano, sem negociações nem tratado de paz. Dezessete anos após a revogação do tratado de paz libanês-israelita de 17 de Maio de 1983, na sequência de uma revolta da população de Beirute, este feito militar da formação xiita na história militar pouco gloriosa do mundo árabe contemporâneo impulsionou o Hezbollah para o estatuto de grande actor no Médio Oriente. E, por ricochete, o Líbano ao nível de cursor diplomático regional.

Um feito comparável em magnitude à destruição da Linha Bar Lev, em 1973, durante a Guerra de Outubro. Ou mesmo superior, na medida em que a destruição da linha de defesa israelita no Canal do Suez foi obra do exército do maior país árabe, abundantemente equipado com armamento soviético em termos de aviação, artilharia e blindados, enquanto a retirada inglória do exército israelita do Líbano ocorreu sob os golpes não de um exército regular, mas de uma formação paramilitar que praticava a guerra de guerrilha. Uma inovação estratégica na polemologia do Médio Oriente.

Três anos depois, a Frente Oriental do campo de batalha israelo-árabe foi totalmente destruída sob o duplo efeito da invasão americana do Iraque, em 2003, e do cerco à Síria, ponto de passagem do abastecimento estratégico do Hezbollah, sob o fogo cruzado dos seus vizinhos-inimigos, Israel e Turquia, numa aliança de reverso entre o que a propaganda atlantista qualificava na época como as «duas grandes democracias do Médio Oriente».

Como pressão adicional, os Estados Unidos brandiam na época a sua espada de Dâmocles sobre a cabeça do regime de Damasco, através da Syrian Accountability ACT.

Rafic Hariri foi morto na explosão de um carro-bomba, em Fevereiro de 2005, ao regressar de uma missão no Iraque em nome dos americanos e dos sauditas, com o objectivo de angariar o apoio das tribos sunitas à guerra americana anti-baathista.

Numa investigação acusatória, exclusivamente acusatória, sem levantar a possibilidade de uma pista jihadista ou mesmo israelita, ou melhor, a hipótese de um jogo de bilhar de três tabelas concebido pelos caciques do regime sírio para destituir Bashar Al Assad com a explosão que provocou a eliminação de Rafic Hariri, um investigador alemão irá implicar a Síria e o Hezbollah com o objectivo de criminalizar esses dois inimigos do Ocidente e facilitar assim a tomada do poder por Saad Hariri.

A hipótese da pista síria foi evocada pelo jornalista francês Richard Labévière, antigo oficial da marinha e antigo director da revista de defesa nacional francesa.

«Rafic Hariri, o amigo de Jacques Chirac, foi provavelmente assassinado por sírios, sem dúvida, mas não por aqueles que se pensa...» Após a morte de Hafez Al-Assad, Abdel Halim Khaddam tornou-se presidente interino de 10 de Junho a 17 de Julho de 2000, depois vice-presidente, antes de desertar repentinamente e se instalar com a sua família em Paris.

Várias fontes autorizadas suspeitam que este grande dignitário sunita tenha preparado um golpe de Estado contra Bashar com a ajuda de Ghazi Kanaan e de vários generais do exército sírio... Com o apoio de vários serviços estrangeiros, este círculo pró-saudita teria organizado o assassinato de Rafic Hariri, convencido de que tal evento permitiria o derrube de Bashar al-Assad e a sua tomada do poder», escreve Richard Labévière, especialista reconhecido no Médio Oriente.

·         Para ir mais longe neste tema, consultar este link: http://prochetmoyen-orient.ch/syrie-reponse-a-michel-duclos/

Com a Síria e o Hezbollah na defensiva, Israel lança-se numa nova guerra de destruição do Líbano, em Julho de 2006, com o objectivo de, por um lado, vingar a sua vergonhosa retirada do sul do Líbano, seis anos antes; para aliviar a pressão sobre o seu aliado americano atolado no pântano iraquiano e, finalmente, para reforçar o campo pró-americano no Líbano através da destruição do Hezbollah, por outro lado.

Em vão. Ehud Olmert, o primeiro-ministro israelita da época, que se demitiu após este fracasso, será processado e condenado à prisão.

E os aliados dos Estados Unidos ficaram desacreditados tanto pela espantosa deserção de Saad Hariri, líder do mais importante bloco parlamentar, abandonando a população de Beirute, da qual era eleito representante, sem defesa nem assistência... à imagem da liderança sunita árabe que, o que é mais grave, desertou da luta pela libertação da Palestina, comprometendo-se com uma normalização silenciosa com Israel.

O Tribunal Especial para o Líbano, criado fora das normas constitucionais libanesas por acordo tácito entre o primeiro-ministro Fouad Siniora e a ONU, com o objectivo de julgar os assassinos do antigo primeiro-ministro libanês, desqualificou-se pelas suas derrapagens ao ponto de constituir uma paródia da justiça: um julgamento político com roupagem jurídica para salvar o problemático herdeiro do clã.

Ao iniciar uma luta móvel num circuito fechado, uma inovação estratégica militar, o Hezbollah ganhou prestígio regional. A sua segunda façanha em menos de uma década contra uma das forças armadas mais poderosas do mundo impulsionou-o ao auge da popularidade pan-árabe, em contraste com os seus adversários libaneses insignificantes.

Saad Hariri versus Hassan Nasrallah

A gestão desastrosa do herdeiro do clã Hariri: o insignificante sunita frente a uma lenda viva xiita da história contemporânea.

 

O anúncio, na segunda-feira, 24 de Janeiro de 2022, pelo ex-primeiro-ministro libanês Saad Hariri, da sua retirada da vida política assemelha-se, apesar do tremor na sua voz, a uma deserção. Em 17 anos no poder (2005-2022) à frente do clã, Saad Hariri dilapidou o capital de simpatia herdado do pai, bem como o seu próprio capital financeiro, reduzindo o seu balanço a uma dupla falência retumbante, governamental e financeira.

 

A- O discurso de investidura.

 

O sinal foi dado desde o início, com o seu discurso de posse. Um espectáculo lamentável e consternador.

 

Quem assistiu ao discurso de posse do mais jovem primeiro-ministro da história do Líbano, Saad Hariri, teve a impressão de estar a assistir a uma aula de leitura para adultos analfabetos. Com dificuldade em ler frases escritas em letras grandes, o homem estava visivelmente em apuros, a ponto de o presidente da Assembleia Nacional libanesa, Nabih Berri, com falsa caridade, lhe oferecer, não sem malícia, a ajuda de um leitor experiente.

 

B- O seu mandato governamental: um governo offshore.

O seu mandato governamental constituiu, e este é o seu único título de glória, uma rara contribuição para a ciência política contemporânea. O primeiro caso na história de um governo por controlo remoto, no duplo sentido do termo, um governo teleguiado pelos seus patrocinadores sauditas, cujas instruções ele transmite por controlo remoto, a partir do seu local de exílio, aos seus colaboradores deslocalizados no Líbano.

 

C- A fuga como forma de governo: «O refugiado de Beirute».

Grande vencedor das eleições legislativas que se seguiram à retirada síria do Líbano, em Junho de 2005, o homem, no seu baptismo de fogo, abandonou o campo de batalha durante a guerra destrutiva de Israel contra o seu país, em Julho de 2006.

Ele carregaria então como um fardo o apelido de «refugiado de Beirute», em alusão ao seu exílio de seis semanas fora do Líbano durante os bombardeamentos aéreos israelitas, quando, na sua tripla qualidade de deputado, líder da principal formação política de Beirute e herdeiro do renovador da capital libanesa, a sua presença sob as bombas ao lado dos seus eleitores e compatriotas teria sido um exemplo de coragem na adversidade. O seu regresso a bordo de um avião do exército francês reforçou a ideia de um homem que regressou ao poder «a reboque do estrangeiro».

Este ambicioso sem substracto intelectual reincidirá três vezes, nomeadamente durante a sequência da «Primavera Árabe», no início da década de 2010. Chefe de governo devidamente investido, mas praticamente ausente da sede do seu poder, fará apenas uma escala entre duas viagens, gerindo à distância um país considerado o epicentro de uma zona nevrálgica.

·         https://www.renenaba.com/saad-hariri-un-heritier-problematique-un-dirigeant-off-shore/

4- O naufrágio do herdeiro do clã

O anúncio, na segunda-feira, 24 de Janeiro, pelo ex-primeiro-ministro libanês Saad Hariri, da sua retirada da vida política assemelha-se, apesar do tremor na sua voz, a uma deserção.

Mas essa decisão, que poderia provocar a fragmentação da comunidade sunita, abandonada à sua sorte, não suscitou emoções particulares. Ela não surpreendeu muita gente, tamanha foi a mediocridade do seu desempenho governamental ao longo dos 17 anos do seu mandato sunita.

O ex-primeiro-ministro estava com o rosto marcado, aparência cansada e lágrimas nos olhos quando fez o anúncio diante de um punhado de familiares e dirigentes do seu partido, antes de embarcar num avião para Abu Dhabi, onde reside actualmente, indicando a todos que a página já estava virada: «Não há nenhuma oportunidade positiva para o Líbano à sombra da influência iraniana, da confusão internacional, das divisões internas, do aumento do comunitarismo e do colapso do Estado.»

Lembrete das mais famosas traições do seu clã:

Um ano após a sucessão do seu pai, o ignominioso abraço de Fouad Siniora a Condoleeza Rice, em plena agressão israelita a Beirute, em 2006, desacreditou o primeiro-ministro da época, uma vez que a secretária de Estado representava os Estados Unidos, um país cúmplice de Israel na guerra de destruição de Beirute, em 2006.

 

A- O caso da rede de telecomunicações do Hezbollah

Fouad Siniora ruminará a sua vingança. Para restaurar a sua imagem junto dos seus mentores ocidentais e sauditas, o antigo contabilista do seu mentor Rafic Hariri tentará cortar as comunicações estratégicas do Hezbollah, um ano depois, em 2007, com vista a facilitar um novo ataque israelita, destinado a compensar o revés de 2006.

Antecipando esta operação, o seu ministro das telecomunicações, Marwane Hamadé, deslocou-se a Paris para se encontrar com Bernard Kouchner, o ministro das Relações Exteriores socialista desertor, para lhe apresentar o plano que registava toda a rede do Hezbollah.

Uma iniciativa nada trivial, mas com um duplo objetivo:

- Obter o apoio da França, na época presidida por Nicolas Sarkozy, um notório filosionista, ao golpe de força do governo libanês e, de forma adjacente, informar indirectamente os israelitas sobre o dispositivo da formação xiita. Para agravar a situação, uma misteriosa holandesa gravitava no perímetro do ministério, sob a tutela de Marwane Hamadé: Inneke Botter, ex-executiva sénior da filial holandesa da empresa francesa Orange e parceira da empresa libanesa.

Próxima da máfia israelita que opera na Europa Central, nomeadamente na Geórgia e na Ucrânia, foi desmascarada pelos serviços secretos russos. Desaparecerá dos radares, sem dúvida devido a uma misteriosa evaporação. Uma exfiltração? Tal prevaricação teria sido passível de corte marcial em qualquer outro lugar. Mas não no Líbano. Mas Beirute é um vasto cemitério de traidores, na medida em que este balanço macabro aparentemente não desencorajou as vocações, tanto que esta actividade perigosa se revelou lucrativa.

A manobra de Fouad Siniora visava obrigar o Hezbollah a recorrer ao telefone fixo do Estado libanês ou a uma das suas três redes móveis, todas controladas pelos serviços israelitas.

Uma decisão considerada um «casus belli» pelo Hezbollah, que passa ao ataque em 7 de Maio de 2008, para se livrar do laço que lhe foi colocado ao pescoço. Em meio dia, o Hezbollah tomou edifícios públicos e residências privadas de funcionários libaneses. Desarmou os serviços de segurança do Estado, neutralizando um bunker localizado sob a antiga sede da Televisão do Futuro, propriedade da família Hariri, que abrigava um centro operacional das forças anglo-saxónicas e da Jordânia.

Acidente ou premeditação? Marwane Hamadé será alvo de uma tentativa de assassinato e o seu sobrinho, o jornalista Gébrane Tuéni, director do jornal libanês «An Nahar», será morto num atentado com carro-bomba, em 2005.

5- Para além do Hezbollah, o Irão

A- O posicionamento geo-estratégico da expansão demográfica xiita

Os xiitas representam cerca de 15% da população muçulmana total, ou seja, cerca de 200 milhões de pessoas, quase tanto quanto a Indonésia sozinha, distribuídos por catorze países, quatro dos quais têm uma maioria xiita: Irão (90% religião oficial), Azerbaijão (85%), Iraque (64%), Bahrein (75%) e dez países nos quais os xiitas são minoria: Iémen (45%), Turquia (20%), Síria (15%), Kuwait (20%), Emirados Árabes Unidos (13%), Afeganistão (20%), Catar (5%), Egipto (1%), Arábia Saudita (5%), Paquistão (20%).

Minoritária, certamente, mas devido à sua distribuição geográfica e demográfica, constitui uma minoria estratégica que explica o foco israelo-americano. O xiismo controla, através do Irão, toda uma das duas margens do Golfo Árabe-Pérsico, a veia jugular do sistema energético internacional. Pela sua distribuição demográfica, o ramo rival do sunismo está presente em todas as zonas petrolíferas do Médio Oriente: na região oriental do Reino Saudita (Dhahran), no sul do Iraque (Basra) e no norte do Kuwait. Por último, mas não menos importante: os xiitas estão também massivamente presentes no sul do Líbano, a última zona de confronto com Israel, com o enclave palestiniano de Gaza, bem como na África Ocidental.

B – Os perigos de uma revolução islâmica numa zona petrolífera monárquica

Os imperativos estratégicos são factos incontornáveis que nunca devem ser ignorados: a própria ideia de «revolução islâmica», especialmente quando se trata de um país xiita, o Irão, traz consigo os germes da decadência das petromonarquias do seu entorno. Especialmente se se tratar de uma revolução popular, e não de um golpe militar, especialmente se essa revolução islâmica for de essência xiita e, por isso, constituir uma ameaça de revolução para o campo sunita; especialmente, finalmente, se funcionar segundo o princípio da eleição, enquanto as petromonarquias funcionam segundo o princípio da transmissão hereditária do poder.

C– O nuclear iraniano: o Irão, um caso de estudo

A ascensão do Irão ao estatuto de «potência nuclear limítrofe», apesar de um embargo de quarenta anos  acompanhado por uma guerra de quase dez anos imposta ao Irão pelo Iraque, suscitou a admiração de amplos sectores da opinião pública do hemisfério sul, que viram nessa incontestável proeza tecnológica a prova perfeita de uma política de independência, na medida em que abre a possibilidade de o Irão dotar-se de uma dissuasão militar e, ao mesmo tempo, manter o seu papel de ponta de lança da revolução islâmica. Por extensão, para qualquer país do terceiro mundo, muçulmano ou não, poder dotar-se de tecnologia de ponta, fora do imprimatur ocidental.

Numa zona submetida à ordem israelo-americana, o caso iraniano tornou-se, por isso, um caso de estudo, uma referência na matéria, e, desde então, o Irão tornou-se o alvo de Israel, o seu bicho-papão, na sequência da destruição do Iraque, em 2003, e da destruição da Síria, dez anos mais tarde. Desde a chegada ao poder do primeiro-ministro israelita de extrema-direita, Benyamin Netanyahu, há seis anos, Israel lançou três ataques virais contra o campo informático iraniano com o objectivo de neutralizar, ou pelo menos atrasar, o programa nuclear da República Islâmica. Acompanhada por uma campanha de assassinatos de cientistas iranianos, a tripla campanha viral, Stuxnet, Duqu e Flame, visou tanto o sistema nuclear iraniano quanto o sistema bancário libanês, supostamente usado como plataforma de lavagem de dinheiro para o tesouro de guerra do regime sírio e do Hezbollah libanês.

6- A Lei de Responsabilização do Hezbollah ou A criminalização do Hezbollah, em conjunto com Samir Geagea.

A criminalização do Hezbollah foi instigada por Saad Hariri, furioso por ter sido destituído sem cerimónias do cargo de primeiro-ministro, em 2011, em conjunto com o seu grande aliado Samir Geagea e parlamentares americanos de origem libanesa – Nick Rahhal, Charles Boustany e Darrell Issa.

Curiosa dupla, a de Hariri e Geagea: carrasco da liderança cristã, único dirigente libanês condenado por assassinato, amnistiado e não absolvido, Samir Geagea assumiu uma postura de perturbação em nome do campo ocidental.

Na falta de herdeiros, este homem, encarnação de um perfeito zombie criminogénico, permanece à procura de um papel que lhe proporcione privilégios e dividendos, tanto políticos como financeiros. O chefe miliciano abandonará, aliás, o seu aliado sunita, a quem deve a sua liberdade, na primeira oportunidade.

A HATA (Hezbollah Accountability Act) foi aprovada seguindo o modelo da Syrian Accountability Act, adoptada nove anos antes, na sequência da invasão americana do Iraque. Essas duas leis americanas (HATA e Syrian Accountability Act) foram aprovadas na vã esperança de pressionar a formação político-militar xiita e seu aliado sírio a fim de obrigá-los a conformar-se com a ordem saudita-americana.

Intervindo quase um ano antes da criação da coligação da oposição síria no exílio, sob a liderança franco-turca, a pressão diplomática foi impulsionada, em particular, por outro parlamentar americano-libanês, próximo do lobby sionista nos Estados Unidos, Anthony Nicy, bem como por Walid Farès, antigo dirigente das milícias cristãs libanesas durante a guerra civil libanesa (1975-1990) e reciclado nos Estados Unidos como conselheiro da comissão de luta anti-terrorista no Senado americano;

A liderança maronita dispõe de um lobby muito activo no Congresso americano, reunido sob a égide da «American Task Force Lebanon» (ATFL) e da «Our New Lebanon», dirigida por May Rihani, presidente da Universidade Cultural de Washington. Uma encarnação perfeita dos desvios mortíferos do irredentismo maronita.

Cf este link sobre Walid Pharès

·         O jornal libanês Al Akhbar a 24 de Junho de 2011 http://www.al-akhbar.com/node/15357

As principais potências da OTAN não conseguiram reduzir a resistência do Hezbollah e da fracção da população libanesa que se opõe à ordem hegemónica israelo-americano-saudita no Médio Oriente, onze anos após a adopção da HATA (Hezbollah Accountability Act) pelo Congresso americano, em 2011, na sequência do início da guerra de destruição da Síria.

Este revés ocidental ocorreu apesar da guerra de agressão israelita em 2006 contra o reduto do Hezbollah, no sul do Líbano e nos subúrbios a sul de Beirute; apesar da guerra de destruição da Síria, via de abastecimento estratégico da formação político-militar xiita; apesar do bloqueio económico imposto pelos Estados Unidos contra o Líbano e da presença dos principais aliados dos americanos nos centros de poder do Líbano.

7- Um palmarés militar prestigioso.

Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah libanês, foi morto por um bombardeamento israelita, em 27 de Setembro de 2024, na sua guerra de apoio aos movimentos palestinianos de Gaza, o Hamas e a Jihad Islâmica.

À frente da formação paramilitar xiita libanesa há 32 anos, este monge soldado do Islão moderno pode orgulhar-se de um glorioso palmarés contra Israel, nomeadamente:

O facto de ter obrigado o Estado hebreu a retirar-se militarmente do Líbano, em 2000, sem negociações nem tratado de paz, um feito único nos anais da polemologia mundial.

O facto de ter derrotado, seis anos mais tarde, em 2006, uma ofensiva terrestre israelita no Líbano, iniciando um conflito móvel num circuito fechado, uma inovação estratégica, provocando uma hecatombe de blindados israelitas no sul do Líbano e a demissão correlativa do primeiro-ministro israelita da época, Ehud Olmert, bem como do seu chefe da aviação, o general Dan Halutz!

Por fim, o facto de, durante o seu mandato (2000-2024), o Hezbollah ter sido a temível força de dissuasão do Líbano face a Israel, particularmente durante as negociações sobre a delimitação da fronteira marítima do Líbano e das zonas de exploração petrolífera offshore.

Tal historial explica a determinação dos americanos e dos israelitas em eliminar esta figura incómoda durante a mais importante cooperação tecnológica e militar entre as duas principais potências do Médio Oriente.

8- Durante a operação «Déluge Al Aqsa»

O envolvimento do Hezbollah na guerra obrigou Israel a imobilizar na região fronteiriça entre o Líbano e Israel «um terço dos efectivos logísticos do exército israelita, incluindo tropas de elite, metade das suas forças navais, enquanto 50% da sua força balística foi posicionada em direcção ao sul do Líbano, obrigando-o a evacuar a população de 45 aglomerações urbanas», afirmou o chefe da formação militar xiita, num discurso televisivo com a duração de 1 hora e 40 minutos, transmitido pelo canal Al Jazeera para todo o mundo árabe.

Desde o início da operação «dilúvio de al Aqsa», o Hezbollah implementou uma estratégia de aumento progressivo da tensão na fronteira entre o Líbano e Israel, em vez de uma resposta multifacetada imediata, com o objectivo de cegar Israel e privá-lo de qualquer visibilidade sobre o sul do Líbano.

Esta é a conclusão a que chegaram os observadores após 27 dias de confrontos repetidos na zona fronteiriça, marcados nomeadamente pela destruição de 140 câmaras de videovigilância israelitas, 33 radares 17 sistemas de interferência de transmissões, provocando a evacuação de 45 aglomerações urbanas israelitas do norte da Galileia.

9- A explosão dos pagers

Em 17 de Setembro de 2024, milhares de libaneses ficaram feridos durante a explosão dos seus pagers, aparelhos de comunicação sem fios amplamente utilizados antes da generalização dos telemóveis. Os combatentes do Hezbollah vinham a utilizá-los há vários meses para evitar o uso das redes telefónicas, que Israel havia conseguido infiltrar e piratear. Esta operação massiva e coordenada causou mais de 2750 feridos, dos quais 200 em estado crítico.

Devido ao embargo que atinge tanto a República Islâmica como o Hezbollah, nem o Irão nem a formação paramilitar xiita libanesa têm acesso directo a fornecedores de tecnologia de ponta. Para a adquirir, têm de passar obrigatoriamente por intermediários, o que facilita a infiltração destes últimos pelos serviços ocidentais e israelitas. Uma das falhas de segurança dos pagers reside neste facto.

Controlado militarmente pela NATO, sujeito a um bloqueio económico, o país atingido por uma espionagem aguda, com uma liderança maronita cuja traição constitui a sua marca registada, o Hezbollah pode orgulhar-se, com razão, de um palmarés prestigiado, apesar de um ambiente hostil, que o impulsiona para o topo das paradas dos movimentos de libertação nacional, ao nível do FLN vietnamita, tornando-o um grande decisor regional.

A infiltração da espionagem israelita, por capilaridade, nas interstícias do tecido carcomido da sociedade libanesa poderia explicar, sem justificá-la, essa acção espectacular dos serviços israelitas.

Um recitador do Alcorão suspeito de espionagem a favor de Israel

Mohammad Ali Saleh, uma personalidade conhecida do mundo cultural dos subúrbios ao sul de Beirute, reduto do Hezbollah, foi acusado de espionagem a favor de Israel. Recitador do Alcorão, ele teria recebido 23 mil dólares em troca de informações que facilitaram a eliminação de personalidades próximas da formação paramilitar xiita, nomeadamente Hassan Boudeir e seu filho Ali, bem como o bombardeamento de locais em Nabatiyeh, no sul do Líbano, em Maio de 2025.

Para falantes de árabe, consulte este link

Quatro outros libaneses foram acusados de trabalhar para os serviços secretos israelitas. Um deles é um antigo combatente do Hezbollah e ex-enfermeiro que trabalhava no hospital Rassoul el-Aazam, nos subúrbios a sul de Beirute, bastião do partido xiita. Foi detido por suspeita de espionagem a favor de Israel. Três deles são do sul do Líbano e o quarto é da Beqaa. O exército libanês anunciou ainda a prisão de um libanês por ter «comunicado com agentes dos serviços secretos» israelitas. Este homem, identificado pelas iniciais H.A., seria um cabeleireiro originário de Beit Lif (caza de Bint Jbeil), cuja família faz parte dos apoiantes do Hezbollah. O homem forneceu informações de segurança aos seus recrutadores.

·        https://www.lorientlejour.com/article/650996/Quatre_Libanais_inculpes_despionnage_au_profit_de_lennemi_israelien.html

Neste contexto, a explosão dos pagers não é tanto um feito desses serviços, mas revela, de forma implícita, os estigmas da decadência moral da sociedade libanesa.

Mas, apesar da decapitação da sua liderança (Hassan Nasrallah e Hicham Safieddine), das pesadas destruições infligidas à sua infraestrutura económica e militar, bem como ao seu ambiente humano e urbano, o exército israelita não conseguiu romper as linhas de defesa do Hezbollah no sul do Líbano, obrigando o Estado hebreu a resolver concluir um cessar-fogo com a formação paramilitar xiita.

O domínio saudita-americano sobre o Líbano, concretizado no final de 2024 com a chegada ao poder do presidente Joseph Aoun e do primeiro-ministro Nawaf Salam, com o objectivo de desarmar o Hezbollah e promover a normalização das relações entre Israel e o Líbano, – de acordo com o esquema do anterior tratado de paz celebrado sob a égide do presidente falangista Amine Gemayel, em 1983, – poderá deparar-se com um obstáculo importante: a incapacidade do novo poder libanês de obter de Israel o cumprimento dos compromissos que este assumiu por ocasião do cessar-fogo celebrado em Novembro de 2024.

A demonstração de força que a formação paramilitar xiita libanesa realizou por ocasião do funeral do seu antigo líder carismático, Sayyed Hassan Nasrallah, em Fevereiro de 2025, em Beirute, bem como a disciplina e o dispositivo de segurança dos seus membros e militantes, comprovaram a sua vitalidade.

No entanto, a queda do regime baathista na Síria, após o cessar-fogo israelo-libanês, em 6 de Dezembro de 2024, parece constituir um dos desafios mais formidáveis que o Hezbollah terá de enfrentar, uma vez que a perda do santuário sírio o priva agora da sua via de abastecimento estratégico com o Irão.

A forma como superará esta provação determinará, em grande parte, a sua força dissuasora, bem como a sua credibilidade e, provavelmente, a sua capacidade de permanecer o que foi durante o mandato de Hassan Nasrallah: a última barreira de contenção face ao grande naufrágio árabe.

O rigor da resposta iraniana à agressão israelita contra as centrais nucleares iranianas, em Junho de 2025, com a destruição do Instituto Weizmann, o carro-chefe do pensamento estratégico israelita, da bolsa de Telavive, o pulmão financeiro do Estado hebraico, da base de controlo aéreo de Méron (Galiléia) e a base operacional da Mossad em Beersheva (B'ir As Sabeh, o poço do Leão), deu novo fôlego ao Hezbollah libanês e esfriou o entusiasmo dos seus detractores, ansiosos por voltar a deleitar-se com as delícias da capoeira.

Se a opção diplomática defendida pelo poder libanês vier a fracassar, ela dará argumentos ao Hezbollah para manter o seu arsenal. A menos que se integre a formação paramilitar xiita no exército libanês, como foi o caso das milícias cristãs no final da guerra civil libanesa em 1990, ou, mais recentemente, como foi o caso com a incorporação dos terroristas islâmicos da Al Qaeda e do Daesh no novo exército sírio pós-baathista.

A incorporação dos combatentes do Hezbollah libanês no exército regular libanês conferiria ao dispositivo de defesa libanês uma credibilidade muito maior, na medida em que o Hezbollah desempenharia um papel comparável ao da «Brigada Jerusalém» do general Qassem Souleymani no exército iraniano.

A pressão do emissário saudita Ziad Ben Farhat, transmitida pelos sucessivos emissários americanos Morgan Ortagus e Tom Barack e amplificada mecanicamente pelo chefe das milícias cristãs Samir Geagea, com o objectivo de desarmar à força a formação paramilitar xiita, pode levar a uma nova guerra civil, a terceira desde a independência do Líbano em 1943.

Caso contrário, o Líbano estará inexoravelmente condenado à finlandização e à atrofia do seu lendário papel de pulmão intelectual do mundo árabe. Uma finlandização comparável, em termos estratégicos, à perda da Palestina, em 1948, ou ainda à queda do Reino Árabe de Granada, uma ferida ainda viva na memória, imortalizada pela exclamação da rainha Aïcha ao seu filho Boabdil.

No topo do Monte Palud, Boabdil, o último rei muçulmano de Espanha que assinou a rendição de Granada, em 2 de Janeiro de 1492, virou-se uma última vez para contemplar a cidade que perdera para sempre e soltou um suspiro e uma lágrima. Foi então que a sultana Aïcha, sua mãe, que o acompanhava no exílio com os grandes que outrora compunham a sua corte, o apostrofou com estas palavras: «Chora agora como uma mulher por um reino que não soubeste defender nem como homem, nem como rei!».

A experiência prova e a história ensina: uma aliança entre um fraco e um forte sempre beneficia o forte. Foi o que aconteceu com a instrumentalização do islamismo sunita pela OTAN contra a União Soviética, no auge da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética (1945-1980). Foi também o caso dos auxiliares sírios em relação a Israel, como será o caso dos servos libaneses vibrantes de uma América em fase de declínio de poder e de um Estado hebraico em estado de perda de imunidade mediática.

Para compreender o xiismo, o Irão, consulte estes dois links

·         https://www.madaniya.info/2014/10/10/l-equation-chiite-dans-la-problematique-du-jeu-des-puissances-regionales-et-internationales-1-2/

Ilustração

Mohammad Yassine / OLJ


René Naba

Jornalista e escritor, ex-responsável pelo mundo árabe-muçulmano no serviço diplomático da AFP, depois conselheiro do director-geral da RMC Médio Oriente, responsável pela informação, membro do grupo consultivo do Instituto Escandinavo dos Direitos Humanos e da Associação de Amizade Euro-Árabe. De 1969 a 1979, foi correspondente rotativo no escritório regional da Agência France-Presse (AFP) em Beirute, onde cobriu, nomeadamente, a guerra civil jordano-palestiniana, o «Setembro Negro» de 1970, a nacionalização das instalações petrolíferas do Iraque e da Líbia (1972), uma dezena de golpes de Estado e sequestros de aviões, bem como a guerra do Líbano (1975-1990), a terceira guerra israelo-árabe de Outubro de 1973 e as primeiras negociações de paz entre o Egipto e Israel em Mena House, no Cairo (1979). De 1979 a 1989, foi responsável pelo mundo árabe-muçulmano no serviço diplomático da AFP[ref. necessária], depois conselheiro do director-geral da RMC Médio Oriente, encarregado da informação, de 1989 a 1995. Autor de «L'Arabie saoudite, un royaume des ténèbres» (Golias), «Du Bougnoule au sauvageon, voyage dans l'imaginaire français» (Harmattan), «Hariri, de père en fils, hommes d'affaires, premiers ministres» (Harmattan), “Les révolutions arabes et la malédiction de Camp David” (Bachari), "Média et Démocratie, la captation de l'imaginaire un enjeu du XXIme siècle (Golias). Desde 2013, é membro do grupo consultivo do Instituto Escandinavo dos Direitos Humanos (SIHR), com sede em Genebra. Além disso, é vice-presidente do Centro Internacional Contra o Terrorismo (ICALT), em Genebra; presidente da associação de caridade LINA, que actua nos bairros do norte de Marselha, e presidente honorário da «Car tu y es libre» (Quartier libre), que trabalha para a promoção social e política das zonas periurbanas do departamento de Bouches-du-Rhône, no sul da França. Desde 2014, é consultor do Instituto Internacional para a Paz, a Justiça e os Direitos Humanos (IIPJDH), com sede em Genebra. Desde 1 de Setembro de 2014, é responsável pela coordenação editorial do site https://www.madaniya.info  e apresentador de uma crónica semanal na Radio Galère (Marselha), às quintas-feiras, das 16h às 18h.

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Fonte: Le Liban en contrechamp 5/5 : Le Hezbollah, une exception - Madaniya

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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