sábado, 17 de dezembro de 2022

O que espera a China do mundo árabe?

 


 17 de Dezembro de 2022  Robert Bibeau  

Por Ramzy Baroud (revisão da imprensa: Palestina Chronicle – 10/12/22)*

O problema da maior parte da análise política dos meios de comunicação social ocidentais é que, normalmente, é míope e centra-se principalmente no que é de interesse directo para os governos ocidentais.

É este tipo de análise redutora que é usada para interpretar a posição oficial dos árabes em relação à Rússia, à China, à política mundial e aos conflitos.

Enquanto o Presidente chinês, Xi Jinping, se preparava para reunir-se com líderes árabes na Arábia Saudita a 9 de Dezembro, os meios de comunicação ocidentais estavam a trabalhar para gerar medo.

A visita do líder chinês "assume como pano de fundo" os "laços tensos" da administração Biden com Pequim e Riade devido a divergências, supostamente sobre "os direitos humanos e a invasão da Ucrânia pela Rússia", noticiava a Reuters.

O mesmo raciocínio foi ecoado, inquestionavelmente, por muitas outras grandes fontes mediáticas ocidentais, sugerindo erradamente que os "direitos humanos", juntamente com outros valores, são a principal prioridade na agenda de política externa dos EUA e do Ocidente.

E, como estas análises são muitas vezes moldadas por interesses ocidentais, tendem a ser selectivas e a ignorar o contexto mais amplo. Se nos basearmos exclusiva ou principalmente na compreensão ocidental das grandes mudanças geo-políticas que afectam o mundo, certamente que nos enganamos.

Os meios de comunicação ocidentais querem que acreditemos que as posições políticas firmes adoptadas pelos países árabes – neutralidade em caso de guerra, aproximação com a China e a Rússia, redução da produção de petróleo, etc. – se destinam apenas a "enviar uma mensagem" a Washington ou a punir o Ocidente pela sua intervenção nos assuntos árabes.

No entanto, numa inspecção mais aprofundada, estes pressupostos são ou meias-verdades ou inteiramente inventados. Por exemplo, a decisão da OPEP+ de reduzir a produção de petróleo a 5 de Outubro é a única estratégia razoável quando a procura mundial de energia no mercado é baixa. Igualmente razoável é a neutralidade árabe, uma vez que Washington e os seus aliados ocidentais não são as únicas forças mundiais que interessam aos árabes.

É também errado dizer que a crescente afinidade do Médio Oriente com a Ásia é o resultado de acontecimentos dramáticos recentes; pelo contrário, é um processo que começou há quase duas décadas, mais precisamente um ano após a invasão norte-americana do Iraque.

Em 2004, a China e a Liga Árabe estabeleceram o Fórum de Cooperação China-Estados Árabes.

O CASCF representa oficialmente o governo chinês e os 22 membros da Liga Árabe, e serve como a principal plataforma de coordenação entre a China e os árabes.

Isto permitiu à China desenvolver uma estratégia colectiva para melhorar os seus laços comerciais, económicos e políticos com todo o mundo árabe. Da mesma forma, permitiu que os árabes negociassem grandes acordos económicos com a China que pudessem beneficiar simultaneamente vários Estados árabes.

Uma ressalva extremamente importante é que o CASCF se baseou nos chamados "Cinco Princípios da Coexistência Pacífica".

Com base nas normas ocidentais de soberania do Estado, estes cinco princípios parecem basear-se numa visão das relações externas com o Médio Oriente e o Sul em geral totalmente diferente da do Ocidente, desde os períodos coloniais ao neo-colonialismo pós-Segunda Guerra Mundial: respeito mútuo pela "integridade territorial e soberania", "não-agressão", "não interferência", etc.

As relações sino-árabes continuam a seguir este padrão até hoje, com muito poucas diferenças. Isto prova que a política árabe colectiva em relação à China e à visita de Xi ao Médio Oriente não são, de modo algum, uma mudança súbita de política resultante da guerra Rússia-Ucrânia dos últimos meses.

Isto não quer dizer que as relações árabes e chinesas com os EUA e o Ocidente não tenham tido qualquer impacto na natureza e na rapidez dos laços sino-árabes. Na verdade, o modelo chinês de "coexistência pacífica" parece desafiar o modus operandi que prevaleceu no Médio Oriente.

Em 2021, a China anunciou a construção de mil escolas no Iraque, notícia que se destacou na cobertura dos media árabes.

O mesmo se pode dizer da crescente influência económica da China - e não apenas comercial - nos países árabes.

A lucrativa Iniciativa Faixa e Estrada da China (Rota da Seda – NdT), introduzida em 2013, enquadra-se perfeitamente na infraestrutura política dos laços árabe-chineses construídos em anos anteriores. De acordo com o jornal Asharq Al-Awsat, Riade foi o maior beneficiário do investimento chinês no âmbito do BRI no primeiro semestre de 2022.

A partir de Março, a Arábia Saudita concordou em princípio em vender o seu petróleo à China usando o yuan chinês em vez do dólar norte-americano. Uma vez implementada, esta decisão terá repercussões irreversíveis no mercado mundial, mas também sobre o futuro estatuto do dólar.

O pressuposto de que tais mudanças dramáticas na geo-política mundial estão enraizadas na necessidade única dos árabes de "enviar uma mensagem" continuará a impedir o Ocidente de tomar a verdadeira medida das mudanças, que, não só no Médio Oriente mas em todo o mundo, alterará permanentemente o mapa político mundial. Quanto mais cedo o Ocidente perceber isto, melhor.

Perante tudo isto, parece injustificado e imprudente sugerir que grandes entidades políticas como a China e os países árabes baseiam a sua política externa, apostando assim no seu futuro, em reacções ao comportamento de um único presidente ou administração.


Baroud
 é jornalista, autor e editor da Crónica da PalestinaO seu mais recente livro é "These Chains Will Be Broken: Palestinian Stories of Struggle and Defiance in Israeli Prisons" (Pluto Press). Baroud é doutorado em Estudos Palestinos pela Universidade de Exeter e é investigador associado no Centro de Assuntos Islâmicos e Mundiais  (CIGA)
Visite o seu site: www.ramzybaroud.net e conta de Twitter.

*Fonte e Tradução: Crónica da Palestina - Dominique Muselet

Versão original: 7 de Dezembro de 2022 - Monitor do Médio Oriente

Fonte secundária: O que espera a China do mundo árabe? – France-Iraque Notícias: notícias do Golfo ao Atlântico (france-irak-actualite.com)

 

Fonte: Qu’attend la Chine du monde arabe ? – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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