sexta-feira, 18 de abril de 2025

A nova carta de Marx reafirma a necessidade do internacionalismo e do partido

 


A nova carta de Marx reafirma a necessidade do internacionalismo e do partido

Foi recentemente descoberta uma carta de Karl Marx a Jules Guesde:

10 de Maio de 1879 41 Maitland Park Road London NW Caro cidadão Guesde, Nenhum refugiado francês que tenha contacto comigo pode suspeitar da profunda simpatia que sinto por si ou do grande interesse que tenho pelo seu trabalho. O socialismo militante tem certamente muitos apoiantes em França, mas há poucos que combinem conhecimento com coragem e devoção como o senhor faz. A eleição de Blanqui, graças à sua iniciativa, é uma primeira compensação pelos sofrimentos e aviltamentos que os detentores do poder vos infligem. (1) No que respeita ao regresso da legislatura a Paris, falei tanto com Lissagaray como com Longuet no mesmo sentido dos vossos artigos. (2) Afinal, dei mais importância aos debates sobre este assunto do que ao assunto em si, estando bem convencido de que Messieurs les Gambettistes prefeririam viver em Paris a vegetar em Versalhes. (3) A grande tarefa dos socialistas em França é a organização de um partido operário independente e combativo. Esta organização, que não deve limitar-se às cidades, mas deve estender-se ao campo, só pode ser conseguida através da propaganda e da luta contínua, uma luta quotidiana que corresponda sempre às condições do momento, às necessidades actuais. Só os jacobinos póstumos conhecem apenas uma forma de acção revolucionária, a forma explosiva. Isto é muito natural para os burgueses que nunca levantaram os seus escudos até ocuparem posições sociais dominantes. Estou convencido de que, desta vez, a revolução explosiva não virá do Ocidente, mas do Oriente - da Rússia. Reagirá primeiro nos dois outros despotismos graves, a Áustria e a Alemanha, onde uma convulsão violenta se tornou uma necessidade histórica. É da maior importância que, no momento desta crise geral, a Europa encontre o proletariado francês já constituído como partido operário e pronto a desempenhar o seu papel. Quanto à Inglaterra, os elementos materiais para a sua transformação social são abundantes, mas falta-lhe o espírito motor. Este só se formará sob a explosão dos acontecimentos continentais. É preciso nunca esquecer que, por mais miserável que seja a sorte do grosso da classe operária inglesa, ela participa, em certa medida, no império da Inglaterra no mercado mundial, ou, o que é ainda pior, imagina-se a participar nele. Algumas palavras sobre Longuet. Estaria a prestar-lhe um mau serviço se pensasse que ele é o seu adversário pessoal. Pelo contrário, apesar de ter sido convidado por alguns emigrantes coquetes, não se deixou arrastar para a zombaria. Se, por vezes, as opiniões dele diferem das suas quanto à táctica a seguir, não creio que sejam diferentes quanto à substância. Por último, as relações familiares e de amizade não podem influenciar a minha linha política, da qual nunca me desviei. Na esperança de que recupere em breve a sua liberdade e a sua saúde, sou o seu fiel amigo Karl Marx (4)

Esta breve carta ilustra mais uma vez a importância que Marx atribuía ao movimento operário em França. Foi escrita um mês após a fundação da Federação dos Trabalhadores Socialistas de França, da qual surgiria, alguns anos mais tarde, o Partido Operário Francês. Marx ainda não tinha conhecido Guesde pessoalmente. A carta não contém nenhuma informação nova, mas ilustra o pensamento de Marx, nomeadamente sobre a revolução mundial e a necessidade de os operários se organizarem como partido antes dessa revolução, como veremos mais adiante.

A primeira coisa que salta à vista é o facto de Marx conceber a revolução como internacional, ao contrário de Karl Kautsky e dos seus epígonos para quem, nas palavras de Rosa Luxemburgo, “a revolução socialista é um assunto nacional e, por assim dizer, doméstico, de cada Estado em particular”. (5) Para Marx e Engels, foi sempre claro que a revolução comunista não poderia ter lugar num só país. (6) No entanto, acreditavam que a revolução seria mais fácil nos países industrializados. A carta ilustra uma mudança que ocorreu no pensamento de Marx e Engels desde o seu exílio em Inglaterra. O país burguês mais avançado da época tinha o proletariado mais desenvolvido, mas também os meios mais desenvolvidos para manter esse proletariado sob controlo, nomeadamente os meios ideológicos. Na carta, Marx observa que o que é pior do que a classe operária inglesa participar, em certa medida, no império inglês no mercado mundial é o facto de se imaginar a participar nesse império.

Assim, Marx e Engels voltaram o seu olhar para o continente, e para a França em particular, em busca da faísca que incendiaria toda a Europa. Mas Marx e Engels acreditavam que a revolução comunista seria impossível sem a classe operária inglesa, precisamente devido ao domínio da Inglaterra no mercado mundial. Os operáriosde todos os países tinham de trabalhar em conjunto, daí a necessidade de um partido operário internacional. (7) Após a guerra franco-prussiana e a derrota da Comuna, Marx e Engels voltaram a sua atenção para a Rússia. Durante a guerra franco-prussiana, tinham previsto uma guerra devastadora entre a Alemanha e a Rússia, sendo provável que a França se aliasse à Rússia, a menos que rebentasse uma revolução na Rússia. (8) A carta de Marx deve, portanto, ser lida como uma afirmação da necessidade de a classe operária formar um partido não só para preparar a revolução, mas também para se preparar contra uma guerra mundial, porque só “a aliança dos operários de todos os países acabará por matar a guerra”. (9)

É claro que, dado o seu atraso, a Rússia só poderia ter uma revolução comunista na condição de que “a revolução russa desse o sinal para uma revolução proletária no Ocidente, e que as duas se complementassem”. (10) Podemos ver, portanto, que na sua carta Marx pensava que a classe operária francesa ainda tinha um papel crucial a desempenhar. Marx esperava que uma revolução na Rússia provocasse uma vaga revolucionária em toda a Europa e, por isso, pensava que o proletariado francês devia preparar-se para ela, organizando-se em partido. Actualmente, ao contrário do que acontecia quando Marx escrevia, o capitalismo abrange o mundo inteiro. A faísca revolucionária pode, portanto, ocorrer em qualquer parte do mundo. Mais uma razão para estarmos preparados.

Por conseguinte, hoje, após uma década de protestos infrutíferos em todo o mundo, é mais claro do que nunca que é necessária uma organização partidária. No entanto, nem sempre é claro o que é um partido revolucionário. (11) Esta é a segunda coisa que fica clara na carta de Marx e na resposta de Guesde. O partido dos operários deve ser independente da burguesia e das suas tradições políticas, neste caso a tradição republicana francesa, e deve manter-se afastado de correntes, como o blanquismo, que acreditam que a revolução é uma questão de vontade.

A carta mostra também que Marx queria que o partido se estendesse não só às cidades, onde se concentra a classe operária, mas também aos trabalhadores do campo, através de uma propaganda vigorosa. É precisamente isso que o Segundo Congresso da Terceira Internacional, nas suas teses sobre a questão agrária, censurava a Segunda Internacional por não ter feito o suficiente. (12)

Sobre o tema dos fracassos da Segunda Internacional, embora na sua resposta (13) Guesde se concentre, correctamente, na necessidade de um partido operário independente, e concorde com Marx que a forma explosiva da revolução “à la Blanqui” (14), embora útil na Rússia, não corresponde à situação em França, na Alemanha ou em Itália, a sua resposta é muito reveladora na medida em que não retoma o tema da revolução mundial apresentado por Marx. (15) Afinal, Guesde preferia a sua pátria ao proletariado. Não compreende, ou não quer compreender, que “a nacionalidade do operário não é francesa, inglesa, alemã, é o trabalho, a escravatura livre, o auto-tráfico. O seu governo não é francês, inglês ou alemão; é o capital. O ar que ele respira em casa não é francês, inglês ou alemão, é o ar da fábrica. O solo que lhe pertence não é francês, inglês ou alemão, está uns metros abaixo do solo”. (16) Assim, quando a guerra mundial prevista por Marx e Engels chegou, Guesde traiu o proletariado internacional.

Em contrapartida, nós, da Tendência Comunista Internacionalista, reconhecemos, como Marx, a necessidade do internacionalismo e de um partido operário internacional. Mas a história da classe operária obriga-nos a aprender com as lutas passadas. Na revolução russa, a dizimação da classe operária num país maioritariamente camponês, devido tanto a uma crise económica como à luta contra os brancos e a uma invasão imperialista internacionalista, viu o partido bolchevique criar um Estado que gradualmente suplantou os sovietes. Este declínio da iniciativa proletária num país isolado levou à ideia de que se a classe não podia fazer ou defender a revolução, então o partido devia fazê-lo por ela. Este substitucionismo levou mais tarde os conselheiros a concluir que “todos os partidos são burgueses”. E assim depositaram as suas esperanças no renascimento espontâneo dos conselhos operários. Mas no seio da esquerda comunista o debate não era sobre partidos ou conselhos, mas sobre a natureza do partido e a sua relação com a classe e os seus órgãos representativos (como os conselhos operários). Para nós, este debate culminou na Plataforma de 1952 do Partido Comunista Internacionalista (Battaglia Communista) (17), que afirma claramente que “a classe não pode delegar a sua missão histórica a outros... nem mesmo ao seu partido de classe”. Este é o axioma fundamental da nossa concepção do partido hoje. Antes da revolução, o partido reúne politicamente todos aqueles que compreendem a necessidade de uma revolução proletária para derrubar o capitalismo (uma revolução mais necessária do que nunca actualmente), mas embora o partido exerça uma liderança ideológica e política, não é certamente um governo em formação. O poder real deve ser exercido pelos órgãos de toda a classe, como os conselhos operários, que são os veículos para envolver a massa da classe na transformação do seu próprio destino. Mas ainda temos tempo até que possa surgir uma organização política internacional. Entretanto, faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para que ela surja, mas não pretendemos ser esse partido, mas apenas um dos elementos que terão de ser reunidos para a sua formação.

 

Erwan
21/05/2024

Notes :

1.    A eleição de Auguste Blanqui em Abril foi invalidada em Junho mas ele ainda assim foi libertado da prisão, o que era o objectivo da campanha.

2.    Prosper-Olivier Lissagaray e Charles Longuet participaram na Comuna de Paris. Lissagaray ficou algum tempo na casa de Marx e escreveu uma história da Comuna, enquanto Longuet se tornava genro de Marx.

3.    A Assembleia Nacional encontrava-se em Versalhes desde a Comuna. Léon Gambetta era republicano e presidente da Assembleia. O Parlamento muda-se para Paris em Junho.

4.    A carta e a conhecida resposta de Guesde estão disponíveis no Actuel Marx e online aqui: cairn.info

5.    marxists.org

6.    marxists.org

7.    marxists.org Este texto também pode ser encontrado em francês em Le parti de classe tome III em pdf aqui: classiques.uqac.ca

8.    marxists.org A passagem em questão encontra-se nas páginas 529-30 de Écrits militaires.: classiques.uqac.ca

9.    marxists.org

10. marxists.org

11. leftcom.org

12. marxists.org

13. A versão antiga da resposta de Guesde pode ser encontrada em Le mouvement ouvrier français tome II: classiques.uqac.ca

14. Na versão antiga da resposta, está escrito Cafiero (sem dúvida em referência ao anarquista Carlo Cafiero). O Marx actual indica que o nome não é claro, mas decide a favor de Blanqui. À luz da carta de Marx, Blanqui faz sentido. Na versão antiga da carta, encontramos também esta passagem (na página 93): “Tal como tu, em última análise, contesto que a simples destruição do que existe seja suficiente para estabelecer o que queremos, e penso que, a mais ou menos longo prazo, o impulso, a direcção, deve vir de cima, daqueles que ‘sabem mais’.” A nova versão da resposta reproduzida no Actuel Marx não contém “daqueles que ‘sabem mais’”. Em todo o caso, a ideia de Guesde de que o impulso deve “vir de cima” indica que a sua concepção da ditadura do proletariado era diferente da de Marx.

15. No início da sua carta, Guesde pede desculpa por ter sido contra Marx durante o período da AIT. No exílio na Suíça, após a derrota da Comuna, Guesde, então anarquista, publicou alguns artigos contra Marx.

16. archive.wikiwix.com

17. leftcom.org

 

Sábado, Março 22, 2025

 

 

Fonte: La nouvelle lettre de Marx réaffirme la nécessité de l’internationalisme et du parti | Leftcom

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice

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