A guerra imperialista generalizada como factor central da situação histórica
Decidimos publicar um número da nossa revista
especialmente dedicado ao campo proletário - os grupos da Esquerda Comunista
Internacional - e à sua relação com a questão da guerra imperialista
generalizada em que o capitalismo internacional está a tentar lançar-nos. Por
conseguinte, a publicação da última parte do texto de Vercesi sobre A Tática do
Comintern aparecerá no próximo número da revista, em Setembro.
Os primeiros meses da administração Trump
eliminaram todas as dúvidas que ainda subsistiam sobre a actual dinâmica em
direcção à Terceira Guerra Mundial. Chegou o momento de um “rearmamento” geral e
urgente, particularmente para os (antigos?) aliados europeus e asiáticos dos
Estados Unidos. A perspectiva de uma guerra mundial imperialista tornou-se o
factor central da situação. Dita agora, directa ou indirectamente, as decisões e
políticas essenciais que cada classe dirigente é levada a tomar “internamente”
e “externamente”.
A burguesia de cada país redobrará os seus ataques
contra o proletariado de todos os países - com a diferença de que, em relação
às décadas anteriores, eles serão efectuados em nome da preparação para a
guerra. Os proletários, a grande maioria dos assalariados, individual e
colectivamente, são confrontados com a seguinte alternativa: aceitar os
sacrifícios em nome da nação ameaçada e da democracia - e deixar que o curso da
guerra se acelere - ou recusar os sacrifícios e lutar em nome dos seus interesses
de classe “egoístas” - e abrir assim o caminho para a única alternativa ao
holocausto generalizado: a insurreição operária, a destruição do
Estado burguês, a ditadura do proletariado, o fim do capitalismo e o advento da
sociedade comunista. A segunda opção é a materialização, se for concretizada,
do princípio do internacionalismo proletário que a teoria revolucionária do
proletariado, ou marxismo, sempre defendeu desde o Manifesto Comunista: "Os operários não têm pátria. (...) Proletários
de todos os países, uni-vos! "
Não temos dúvidas de que os ataques do capital ao
trabalho vivo para fins de guerra provocarão confrontos maciços entre as
classes, entre a burguesia e o proletariado. Portanto, a questão não é se
haverá lutas proletárias ou não. A questão é saber se serão capazes de
responder a estes ataques ao nível necessário, de os abrandar, ou mesmo de os
inverter. Mais concretamente, conseguirão opor-se e ultrapassar as divisões, as
sabotagens e as armadilhas colocadas pelas forças burguesas no meio operário,
em primeiro lugar os sindicatos e as esquerdas, e alargar, generalizar e
unificar a sua resposta aos aparelhos de Estado de cada nação capitalista? Cabe
em grande parte às fracções mais combativas e “conscientes” do proletariado tomar
a seu cargo esta dimensão política das lutas operárias, assumir o confronto
político com o Estado e os seus órgãos e disputar-lhes a direcção política das
lutas. Entre estas fracções da classe revolucionária, as minorias políticas -
produtos históricos e não imediatos - têm e terão cada vez mais um papel
decisivo a desempenhar, quanto mais não seja definindo, adoptando e defendendo
orientações e palavras de ordem correspondentes às necessidades imediatas das
lutas proletárias.
A outra dimensão da luta de classes “contra a guerra imperialista” consiste
em propor palavras de ordem que apliquem o princípio do internacionalismo proletário a diferentes situações e em relação ao
desenvolvimento da luta entre as classes. Esta tarefa e esta responsabilidade
são por definição, pela sua própria natureza, da exclusiva responsabilidade das
minorias comunistas. Responsabilidade exclusiva, dizemos nós, porque o
internacionalismo proletário, o ponto essencial do programa comunista, só pode
ser uma realidade se se basear na luta de classes e na perspectiva
revolucionária da ditadura do proletariado, princípios e palavras de ordem
materializados e levados por diante hoje apenas pelos grupos da esquerda
comunista.
Por conseguinte, temos de lutar contra qualquer pretensão de internacionalismo,
tal como pode ser reivindicada por correntes políticas que há muito passaram
para o campo da contra-revolução, como o esquerdismo trotskista ou anarquista -
para não falar do estalinismo, é claro. Por exemplo, o grupo trotskista Lutte
Ouvrière, sem dúvida o mais “marxista e operário” dos principais grupos
trotskistas em França, intitulou o seu editorial de 17 de Março de Se querem a
paz, preparem-se para a revolução [1]. Numa leitura superficial, pode parecer
internacionalista. No entanto, no seu 54º congresso, em Dezembro de 2024, a
Lutte Ouvrière defendeu abertamente o nacionalismo palestiniano na guerra
israelo-palestiniana: « Nesta guerra, estamos naturalmente no campo dos
povos oprimidos pelo imperialismo e seus aliados. Por isso, somos totalmente
solidários com o povo palestiniano face ao massacre a que está a ser sujeito e apoiamos as suas aspirações ao pleno gozo
dos seus direitos nacionais, incluindo o direito ao seu próprio Estado.[2]. » Já tivemos ocasião de denunciar este tipo de “internacionalismo” de
geometria variável a propósito da realização de uma conferência dita internacionalista em Milão [3] em Julho de 2023 e Fevereiro de 2024, em grande parte por iniciativa do
grupo Lotta comunista e com a
participação dos principais grupos trotskistas. Recusam-se a tomar partido na
Ucrânia, mas apoiam o campo nacionalista palestiniano no Médio Oriente. Este
tipo de iniciativa, dita “internacionalista”, destinada a mistificar os
proletários, está destinada a repetir-se, como a convocatória do grupo Revolução Permanente, também trotskista,
para um “Encontro Revolucionário Internacionalista”, a 24 de Maio, em Paris.
Mesmo os chamados “anarquistas internacionalistas” que não apoiam nem a Ucrânia
nem a Rússia, nem os palestinianos nem Israel, ao rejeitarem o princípio da
ditadura do proletariado - um passo indispensável para superar o sistema que
produz a necessidade de uma guerra mundial - não podem, no final, ir além do
pacifismo radical, a menos que deixem de ser anarquistas e assumam posições
verdadeiramente revolucionárias. Combater e denunciar qualquer forma de
pacifismo ou suposto “internacionalismo” que seja à la carte, por exemplo
internacionalista na Ucrânia mas pró-palestiniano no Médio Oriente, ou que
desarme o proletariado quando os acontecimentos atingem um ponto de viragem
revolucionário, como é o caso do pacifismo radical, será também um dos
momentos, ou terrenos, do confronto de classes em torno da guerra e da sua
preparação.
A bandeira do internacionalismo proletário é, portanto, também objecto de uma
batalha entre classes que só os grupos da esquerda comunista podem travar.
Idealmente, deveriam poder fazê-lo em conjunto, tanto mais que estão todos,
mais ou menos firmemente, do mesmo lado da barricada de classe contra a guerra
imperialista. Isto multiplicaria o alcance e a força da intervenção. Mas, actualmente,
o campo proletário não pode exibir abertamente a sua unidade de classe face ao
proletariado e às forças da burguesia. E, pela nossa parte, não estamos em
condições de apelar, pelo menos de momento, a uma conferência do tipo da que
teve lugar em Zimmerwald em 1915, nem a iniciativas internacionalistas unidas.
A dispersão e mesmo as tendências sectárias que persistem no seio do campo
proletário só poderão muito provavelmente ser ultrapassadas sob a pressão da
situação, ou mais precisamente do proletariado por ocasião dos confrontos
maciços... que a preparação para a guerra irá desencadear. Infelizmente, é
provável que isso resulte num atraso na luta decidida pelo partido e ainda mais
na sua constituição. A questão que se coloca é a seguinte: a formação do
partido vai concretizar-se e, se se concretizar, será tardiamente ou demasiado tarde? Mas, em todo o caso, a
formação do partido, tarde ou não, far-se-á sob o impulso, não do proletariado
em si mesmo, abstractamente, mas da luta do proletariado contra as
consequências sobre as suas condições de vida e de trabalho, a intensificação
da sua exploração, a preparação e a marcha para a guerra.
A nossa posição perante a guerra imperialista generalizada será o critério
de selecção das forças que participarão na luta pela construção do partido
comunista internacionalista de amanhã. Aqueles que hoje, e pensamos em
particular na Corrente Comunista Internacional, se recusam a reconhecer não só
a dinâmica, mas mesmo a possibilidade de uma 3ª guerra imperialista mundial,
encontram-se, no melhor dos casos, na cauda dos acontecimentos; e, no pior dos
casos, são levados a fazer do internacionalismo uma palavra de ordem abstracta,
uma frase revolucionária ao modo anarquista, válida em qualquer lugar e em
qualquer momento, e portanto inadaptada, se não mesmo oposta, às necessidades
da luta de classes.
Tendo em conta a realidade “dispersa” do campo proletário, e tendo sempre
considerado a nossa revista como pertencente a este campo como um todo,
parece-nos importante reunir e sublinhar as forças que estão firmemente do
mesmo lado da barricada de classe e mostrar a sua unidade. Lendo as posições
que seleccionámos neste número, poderíamos ter escolhido outras [4], o leitor perceberá que a unidade
internacionalista vai muito além de um princípio em si, mas que se afirma em
torno da própria dinâmica que a marcha para a guerra imperialista imporá ao
antagonismo de classes, à luta entre as classes. É a fidelidade à posição
marxista sobre a alternativa histórica da
revolução proletária ou da guerra mundial imperialista que permite que as
forças mais dinâmicas do campo proletário compreendam todo o significado e
consequências da ascensão de Trump ao poder nos Estados Unidos. Por si só, isso
deveria permitir a essas forças intervir com orientações e palavras de ordem que vão na
mesma direcção nas lutas operárias e, assim, abrir caminho, ainda que
modestamente, para o partido de amanhã.
Se a guerra imperialista é hoje o principal factor da situação internacional
e da luta de classes, é também o principal factor de selecção e decantação no
seio do campo proletário entre forças pró-partido
e anti-partido.
A redacção, 27 de Março de 2025
[1]. https://www.lutte-ouvriere.org/portail/editoriaux/veux-paix-prepare-revolution-182731.html
[2]. https://www.lutte-ouvriere.org/mensuel/article/crise-guerres-temps-capitalisme-senile-180425.html
[3]. cf. Révolution ou guerre
#28, Internacionalismo « em acção » ou internacionalismo « em
palavras » ?, https://www.igcl.org/Internationalisme-en-action-ou.
[4]. Por exemplo, o que foi
publicado no fecho desta edição pelo grupo coreano Internationalist Communist
Perspectives: https://communistleft.jinbo.net/xe/index.php?mid=cl_bd_03&document_srl=342784
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
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