segunda-feira, 14 de abril de 2025

A guerra imperialista generalizada como factor central da situação histórica



 



A guerra imperialista generalizada como factor central da situação histórica

Decidimos publicar um número da nossa revista especialmente dedicado ao campo proletário - os grupos da Esquerda Comunista Internacional - e à sua relação com a questão da guerra imperialista generalizada em que o capitalismo internacional está a tentar lançar-nos. Por conseguinte, a publicação da última parte do texto de Vercesi sobre A Tática do Comintern aparecerá no próximo número da revista, em Setembro.

Os primeiros meses da administração Trump eliminaram todas as dúvidas que ainda subsistiam sobre a actual dinâmica em direcção à Terceira Guerra Mundial. Chegou o momento de um “rearmamento” geral e urgente, particularmente para os (antigos?) aliados europeus e asiáticos dos Estados Unidos. A perspectiva de uma guerra mundial imperialista tornou-se o factor central da situação. Dita agora, directa ou indirectamente, as decisões e políticas essenciais que cada classe dirigente é levada a tomar “internamente” e “externamente”.

A burguesia de cada país redobrará os seus ataques contra o proletariado de todos os países - com a diferença de que, em relação às décadas anteriores, eles serão efectuados em nome da preparação para a guerra. Os proletários, a grande maioria dos assalariados, individual e colectivamente, são confrontados com a seguinte alternativa: aceitar os sacrifícios em nome da nação ameaçada e da democracia - e deixar que o curso da guerra se acelere - ou recusar os sacrifícios e lutar em nome dos seus interesses de classe “egoístas” - e abrir assim o caminho para a única alternativa ao holocausto generalizado: a insurreição operária, a destruição do Estado burguês, a ditadura do proletariado, o fim do capitalismo e o advento da sociedade comunista. A segunda opção é a materialização, se for concretizada, do princípio do internacionalismo proletário que a teoria revolucionária do proletariado, ou marxismo, sempre defendeu desde o Manifesto Comunista: "Os operários não têm pátria. (...) Proletários de todos os países, uni-vos! "

Não temos dúvidas de que os ataques do capital ao trabalho vivo para fins de guerra provocarão confrontos maciços entre as classes, entre a burguesia e o proletariado. Portanto, a questão não é se haverá lutas proletárias ou não. A questão é saber se serão capazes de responder a estes ataques ao nível necessário, de os abrandar, ou mesmo de os inverter. Mais concretamente, conseguirão opor-se e ultrapassar as divisões, as sabotagens e as armadilhas colocadas pelas forças burguesas no meio operário, em primeiro lugar os sindicatos e as esquerdas, e alargar, generalizar e unificar a sua resposta aos aparelhos de Estado de cada nação capitalista? Cabe em grande parte às fracções mais combativas e “conscientes” do proletariado tomar a seu cargo esta dimensão política das lutas operárias, assumir o confronto político com o Estado e os seus órgãos e disputar-lhes a direcção política das lutas. Entre estas fracções da classe revolucionária, as minorias políticas - produtos históricos e não imediatos - têm e terão cada vez mais um papel decisivo a desempenhar, quanto mais não seja definindo, adoptando e defendendo orientações e palavras de ordem correspondentes às necessidades imediatas das lutas proletárias.

A outra dimensão da luta de classes “contra a guerra imperialista” consiste em propor palavras de ordem que apliquem o princípio do internacionalismo proletário a diferentes situações e em relação ao desenvolvimento da luta entre as classes. Esta tarefa e esta responsabilidade são por definição, pela sua própria natureza, da exclusiva responsabilidade das minorias comunistas. Responsabilidade exclusiva, dizemos nós, porque o internacionalismo proletário, o ponto essencial do programa comunista, só pode ser uma realidade se se basear na luta de classes e na perspectiva revolucionária da ditadura do proletariado, princípios e palavras de ordem materializados e levados por diante hoje apenas pelos grupos da esquerda comunista.

Por conseguinte, temos de lutar contra qualquer pretensão de internacionalismo, tal como pode ser reivindicada por correntes políticas que há muito passaram para o campo da contra-revolução, como o esquerdismo trotskista ou anarquista - para não falar do estalinismo, é claro. Por exemplo, o grupo trotskista Lutte Ouvrière, sem dúvida o mais “marxista e operário” dos principais grupos trotskistas em França, intitulou o seu editorial de 17 de Março de Se querem a paz, preparem-se para a revolução [1]. Numa leitura superficial, pode parecer internacionalista. No entanto, no seu 54º congresso, em Dezembro de 2024, a Lutte Ouvrière defendeu abertamente o nacionalismo palestiniano na guerra israelo-palestiniana: « Nesta guerra, estamos naturalmente no campo dos povos oprimidos pelo imperialismo e seus aliados. Por isso, somos totalmente solidários com o povo palestiniano face ao massacre a que está a ser sujeito e apoiamos as suas aspirações ao pleno gozo dos seus direitos nacionais, incluindo o direito ao seu próprio Estado.[2]. »  Já tivemos ocasião de denunciar este tipo de “internacionalismo” de geometria variável a propósito da realização de uma conferência dita internacionalista em Milão [3] em Julho de 2023 e Fevereiro de 2024, em grande parte por iniciativa do grupo Lotta comunista e com a participação dos principais grupos trotskistas. Recusam-se a tomar partido na Ucrânia, mas apoiam o campo nacionalista palestiniano no Médio Oriente. Este tipo de iniciativa, dita “internacionalista”, destinada a mistificar os proletários, está destinada a repetir-se, como a convocatória do grupo Revolução Permanente, também trotskista, para um “Encontro Revolucionário Internacionalista”, a 24 de Maio, em Paris. Mesmo os chamados “anarquistas internacionalistas” que não apoiam nem a Ucrânia nem a Rússia, nem os palestinianos nem Israel, ao rejeitarem o princípio da ditadura do proletariado - um passo indispensável para superar o sistema que produz a necessidade de uma guerra mundial - não podem, no final, ir além do pacifismo radical, a menos que deixem de ser anarquistas e assumam posições verdadeiramente revolucionárias. Combater e denunciar qualquer forma de pacifismo ou suposto “internacionalismo” que seja à la carte, por exemplo internacionalista na Ucrânia mas pró-palestiniano no Médio Oriente, ou que desarme o proletariado quando os acontecimentos atingem um ponto de viragem revolucionário, como é o caso do pacifismo radical, será também um dos momentos, ou terrenos, do confronto de classes em torno da guerra e da sua preparação.

A bandeira do internacionalismo proletário é, portanto, também objecto de uma batalha entre classes que só os grupos da esquerda comunista podem travar. Idealmente, deveriam poder fazê-lo em conjunto, tanto mais que estão todos, mais ou menos firmemente, do mesmo lado da barricada de classe contra a guerra imperialista. Isto multiplicaria o alcance e a força da intervenção. Mas, actualmente, o campo proletário não pode exibir abertamente a sua unidade de classe face ao proletariado e às forças da burguesia. E, pela nossa parte, não estamos em condições de apelar, pelo menos de momento, a uma conferência do tipo da que teve lugar em Zimmerwald em 1915, nem a iniciativas internacionalistas unidas.

A dispersão e mesmo as tendências sectárias que persistem no seio do campo proletário só poderão muito provavelmente ser ultrapassadas sob a pressão da situação, ou mais precisamente do proletariado por ocasião dos confrontos maciços... que a preparação para a guerra irá desencadear. Infelizmente, é provável que isso resulte num atraso na luta decidida pelo partido e ainda mais na sua constituição. A questão que se coloca é a seguinte: a formação do partido vai concretizar-se e, se se concretizar, será tardiamente ou demasiado tarde? Mas, em todo o caso, a formação do partido, tarde ou não, far-se-á sob o impulso, não do proletariado em si mesmo, abstractamente, mas da luta do proletariado contra as consequências sobre as suas condições de vida e de trabalho, a intensificação da sua exploração, a preparação e a marcha para a guerra.

A nossa posição perante a guerra imperialista generalizada será o critério de selecção das forças que participarão na luta pela construção do partido comunista internacionalista de amanhã. Aqueles que hoje, e pensamos em particular na Corrente Comunista Internacional, se recusam a reconhecer não só a dinâmica, mas mesmo a possibilidade de uma 3ª guerra imperialista mundial, encontram-se, no melhor dos casos, na cauda dos acontecimentos; e, no pior dos casos, são levados a fazer do internacionalismo uma palavra de ordem abstracta, uma frase revolucionária ao modo anarquista, válida em qualquer lugar e em qualquer momento, e portanto inadaptada, se não mesmo oposta, às necessidades da luta de classes.

Tendo em conta a realidade “dispersa” do campo proletário, e tendo sempre considerado a nossa revista como pertencente a este campo como um todo, parece-nos importante reunir e sublinhar as forças que estão firmemente do mesmo lado da barricada de classe e mostrar a sua unidade. Lendo as posições que seleccionámos neste número, poderíamos ter escolhido outras [4], o leitor perceberá que a unidade internacionalista vai muito além de um princípio em si, mas que se afirma em torno da própria dinâmica que a marcha para a guerra imperialista imporá ao antagonismo de classes, à luta entre as classes. É a fidelidade à posição marxista sobre a alternativa histórica da revolução proletária ou da guerra mundial imperialista que permite que as forças mais dinâmicas do campo proletário compreendam todo o significado e consequências da ascensão de Trump ao poder nos Estados Unidos. Por si só, isso deveria permitir a essas forças intervir com orientações e palavras de ordem que vão na mesma direcção nas lutas operárias e, assim, abrir caminho, ainda que modestamente, para o partido de amanhã.

Se a guerra imperialista é hoje o principal factor da situação internacional e da luta de classes, é também o principal factor de selecção e decantação no seio do campo proletário entre forças pró-partido e anti-partido.

 

A redacção, 27 de Março de 2025



[1]. https://www.lutte-ouvriere.org/portail/editoriaux/veux-paix-prepare-revolution-182731.html

[3]. cf. Révolution ou guerre #28, Internacionalismo « em acção » ou internacionalismo « em palavras » ?,  https://www.igcl.org/Internationalisme-en-action-ou.    

[4]. Por exemplo, o que foi publicado no fecho desta edição pelo grupo coreano Internationalist Communist Perspectives: https://communistleft.jinbo.net/xe/index.php?mid=cl_bd_03&document_srl=342784


Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice







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