Original in Dutch: De strijd tegen het militarisme
Publicado em: De Tribune (1914-1915).
Quando fazemos a pergunta sobre porque é que alguns socialistas, que não
estão satisfeitos com a atitude fraca e submissa do SDAP[1] em relação à classe dominante, ainda assim não ingressaram no SDP[2], mas sim fundaram a sua própria organização nos “clubes socialistas
revolucionários”, não nos esclarecemos muito em relação ao objectivo que eles
estabeleceram para si mesmos, em relação ao seu programa. Pois tudo de bom que
eles querem realizar também é feito pelo SDP. No entanto, naturalmente, não se
trata de um erro ou mal-entendido que eles não se juntem ao SDP – alguns já
estiveram connosco no passado e depois retornaram ao SDAP; existe, de facto,
uma diferença real entre nós. Para compreendê-la, devemos examinar as
concepções e ideias a partir das quais eles partem e compará-las com as nossas;
somente então poderemos enxergar claramente as nossas diferenças. Somente assim
será possível debater com eles, deixando de lado todas as questões secundárias
e qualquer animosidade pessoal, e trocar ideias sobre as bases essenciais da
discussão. Podemos iniciar essa análise a partir do artigo que a Sra. Henriette
Roland Holst[3], a líder intelectual da corrente representada nos clubes, escreveu
no Nieuwe Tijd sobre “A luta contra o militarismo nos Países Baixos”.
O que a Sra. Holst afirma sobre o enorme crescimento do militarismo neste
país pode ser inteiramente subscrito por nós; ela percebe muito bem os fenómenos,
não se deixa enganar por slogans atraentes, quer lutar com fervor e energia, e a
sua crítica afiada é totalmente acertada. No entanto, essa crítica permanece na
superfície do fenómeno do militarismo e não se aprofunda o suficiente nas suas
causas. Aquele que enxerga apenas esse fenómeno pode sentir de maneira profunda
e intensa o quão destrutivo ele é, como oprime, aprisiona e aniquila os povos;
ele pode conclamar à luta. Mas, justamente por considerá-lo um absurdo
monstruoso, pode subestimar a dificuldade da luta, acreditando facilmente que,
com apelos inflamados e veementes, será possível mobilizar as massas para
resistir e assim derrotar o monstro. Nós, por outro lado, afirmamos: o
militarismo e seu crescimento não são nenhuma insanidade monstruosa, mas algo
completamente racional e natural, logicamente vinculado ao desenvolvimento
moderno do capitalismo. Ele está profundamente enraizado nos fundamentos da
sociedade contemporânea. Por isso, o militarismo não pode ser combatido ou resistido de maneira
eficaz como um fenómeno isolado; ele só pode ser erradicado através da luta
contra toda a ordem social da qual é um instrumento essencial. Não estamos a lidar com uma tríade de fenómenos perniciosos –
nacionalismo, imperialismo e militarismo – como se fossem elementos independentes.
Em vez disso, estamos a enfrentar uma forma moderna de crescimento do
capitalismo, que desperta na classe possuidora novas concepções, uma nova
vontade e uma nova e intensa determinação, que chamamos de imperialismo. O
militarismo e o nacionalismo são os seus instrumentos materiais e espirituais,
criados, fortalecidos, desenvolvidos e cultivados por ele porque são
necessários para a sua existência. O militarismo não é a raiz do
mal que ameaça e oprime os povos, mas a sua face mais repulsiva – não a causa,
mas a consequência. E as consequências só podem ser combatidas eliminando-se as
suas causas.
Isso não é uma questão de erudição teórica estéril. Se falta uma
compreensão clara e vigorosa dessa conexão, abre-se caminho para todo tipo de
desvios tácticos. Torna-se então fácil adoptar o método superficial que, antes
da guerra, era tão comum na propaganda do partido alemão: lançar raios e
trovões contra o militarismo em vez de, de maneira calma e séria, construir uma
força real contra ele – e, assim, acabar indefeso no momento decisivo, tendo de
se curvar obedientemente. Fica-se igualmente propenso a cair na utopia
pequeno-capitalista de Kautsky[4], que busca, com o apoio da ala pacífica e bem-intencionada da burguesia,
abolir o carácter “não natural” e violento-imperialista do capitalismo moderno,
reverter a história e restaurar um capitalismo antigo, pacífico e suportável.
Da mesma forma, pode-se facilmente aderir à visão reaccionária e
pequeno-burguesa dos líderes do SDAP, segundo a qual o militarismo alemão deve
ser derrotado e destruído para garantir uma paz duradoura na Europa – uma visão
que, no momento oportuno, pode servir directamente aos interesses de um governo
belicista. Por mais encorajador que seja, nesta época de apatia e decadência do
movimento operário, ver ressurgir a vontade e o desejo de lutar, se faltar a
compreensão essencial da interconexão dos fenómenos – ou se ela for ignorada –,
a luta corre um grande risco de se dissipar num pântano.
Quando dizemos que o militarismo, neste estágio do capitalismo, é
necessário, natural e inevitável, isso não significa abandonar a luta contra
ele, mas, pelo contrário, colocá-la sobre uma base mais elevada e ampla, tornando-a maior e mais
abrangente. O militarismo não pode ser atacado directamente,
mas apenas indirectamente, minando todo o capitalismo na sua forma
imperialista. Isso só pode ser feito contrapondo a força do proletariado à
gigantesca e auto-confiante força da burguesia – que quer o militarismo; ou
melhor, que começa a querer cada vez mais, que cada vez mais se torna
consciente de que esse desejo expressa a sua essência moderna e cresce nessa
direcção. Essa força não se constrói apenas despertando um movimento popular
contra o militarismo; mesmo que isso fosse possível e acontecesse, esse
movimento, depois de alguns sucessos aparentes, logo entraria em colapso,
enquanto o poder organizado da burguesia permaneceria intacto. Essa força só
pode crescer através da luta em todas as frentes, em todo o campo da política,
na luta sindical contra os patrões, através da construção lenta e paciente da
organização e do desenvolvimento da clareza de visão e da combatividade dentro
dela. Isso significa então que devemos simplesmente deixar o militarismo
crescer sem resistência, até que a organização do proletariado seja
suficientemente poderosa para derrubá-lo e destruí-lo? Não, pois toda a
experiência da história da luta de classes ensina que a classe dominante,
diante de uma forte mobilização dos operários, sempre faz algumas concessões,
mesmo que estes ainda estejam longe de poder derrotá-la. O facto de que os
grandes partidos socialistas se submeteram ao nacionalismo sem resistência, sem
protesto ou luta, tornou a burguesia mais ousada e brutal, e é por isso que o
militarismo agora ergue a sua cabeça gigantesca. Se houver uma luta vigorosa,
apoiada por uma força poderosa do proletariado, a burguesia será forçada a agir
com mais cautela, o militarismo só poderá crescer de forma mais lenta e difícil
e terá de moderar as suas exigências. A construção da força do proletariado não é importante apenas para o
futuro, mas também tem um significado crucial para o presente.
Num aspecto, a “luta contra o militarismo” tem, de facto, um grande
significado, e isso é sentido – na maioria das vezes de forma semi-consciente e
instintiva – por aqueles que defendem essa palavra de ordem, dando-lhes a
convicção de que, no fundo, estão certos. O militarismo é a manifestação mais
feroz do capitalismo moderno, a que pesa mais fortemente sobre as massas, e,
por isso, é a mais adequada para despertar a sua resistência: quem suportou ser
castigado com varas pode permanecer submisso, mas saltará em revolta quando for
castigado com escorpiões. Aqui está, portanto, um caminho para levar os povos a
uma resistência geral contra os seus governantes. Esse raciocínio é, sem
dúvida, correcto, e é justamente nisso que reside o significado de todo o
imperialismo para a luta de libertação do proletariado. No entanto, há algo de
primitivo nessa visão. Será que realmente se acredita que as massas permanecem
tão passivas por que acham o militarismo agradável, por que gostam de ficar nos
quartéis ou nas trincheiras fazendo exercícios, por que estão gratas por comer
pão de guerra escasso e caro? Acredita-se que elas não saibam e não sintam,
muitas vezes com um ódio surdo e intenso, que o militarismo é seu inimigo, que
as oprime e quer destruí-las? Porque é que, então, permanecem em silêncio e
pacientes, sem se rebelar? Porque se sentem fracas e impotentes. Elas percebem
instintivamente – e com razão – que são impotentes e que uma explosão isolada
de revolta não levaria a nada. Elas não veem um caminho directo para uma vitória duradoura. E não podem vê-lo porque os factores necessários para essa vitória ainda
estão fora do seu campo de visão: ou seja, a consciência de classe
generalizada, a compreensão ampla da situação e uma organização forte. Onde
esses elementos existem de forma ampla e massiva, como realidades práticas cujo
poder é conhecido por todos, o caminho para o objectivo torna-se claro, e então
já se pode falar da vitória como algo visível no horizonte e concretamente
possível. Foi assim, até certo ponto, na Alemanha; mas aqui, na Holanda, mal há
um começo dessas coisas, e, por isso, o seu funcionamento não é reconhecido nem
compreendido pela experiência directa. Somente o crescimento do movimento geral pode
gerar essa confiança na luta, que é necessária para que se chegue a uma
resistência em massa.
Com isso, chegamos novamente à mesma conclusão: apenas como parte da luta geral contra o
capitalismo é que a luta contra o militarismo pode obter resultados. Somente dentro desse contexto mais amplo ela alcança o seu verdadeiro
significado e o seu pleno valor. Tudo o que se conquista através de discursos
enérgicos e incitações à luta, seja na forma de explosões de indignação, de
entusiasmo ardente ou de determinação resoluta, e que de outra forma se
dissiparia ou se desperdiçaria inutilmente em atos individuais de resistência
sem objectivo, agora é canalizado e preservado dentro de uma organização em
crescimento, que retém todos os que se unem a ela, que os educa através da sua
imprensa, que conduz as suas forças ao campo de batalha sempre que necessário,
que os faz participar de todas as frentes de luta política e social e, assim,
exercita e fortalece continuamente a sua compreensão. Somente desse modo um
movimento revolucionário de classe pode crescer até se tornar uma força capaz
de inspirar confiança até mesmo naqueles que ainda estão distantes. Essa
confiança foi, em anos anteriores, a grande força de atracção dos partidos
social-democratas, como o partido alemão e também o SDAP; agora que essa
confiança desmoronou, a classe operária, atordoada e confusa, encontra-se num
estado de impotência maior do que nunca, e serão necessários anos de
reconstrução com base em novos princípios antes que uma confiança semelhante
possa ser restabelecida. Por isso, pode-se até reunir diversos elementos que se
opõem ao militarismo por razões éticas, por convicções pacifistas burguesas ou
por uma perspectiva proletário-revolucionária, mas um movimento de resistência
forte o bastante para arrastar as massas de tal maneira que o militarismo seja
reduzido à sua antiga insignificância está, em qualquer caso, fora de
questão. Uma luta
contra o militarismo que produza resultados duradouros só pode existir através
do crescimento de um movimento de classe organizado, que possua objectivos
muito mais amplos e elevados e que, em todas as frentes, enfrente a classe
dominante.
[1] Partido Social-Democrata dos Trabalhadores (Sociaal-Democratische Arbeiderspartij). Fundado em 1894, existiu até 1946, quando o SDAP se fundiu com outros
grupos progressistas para formar o Partido do Trabalho (Partij van de Arbeid – PvdA). [Nota do Tradutor – NT]
[2] Partido Social-Democrata (Sociaal-Democratische Partij). Não
confundir com o partido acima mencionado. Em 1918 foi renomeado como Partido
Comunista dos Países Baixos (Communistische Partij van Nederland –
CPN). [NT]
[3] Henriette Roland Holst-van der Schalk (1869–1952) foi uma militante
comunista, poeta e ensaísta neerlandesa, cuja actuação política marcou
profundamente a sua trajectória intelectual. Iniciou a sua militância no
movimento operário e foi uma das figuras centrais do Partido Social-Democrata
dos Países Baixos. Manteve contatos com figuras-chave do movimento
revolucionário europeu, como Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, mas acabou por romper
com o comunismo ortodoxo devido a divergências ideológicas. Apesar desse
afastamento, continuou a defender causas sociais e políticas, incorporando nos
seus escritos uma visão mais espiritualizada do envolvimento social. [NT]
[4] Karl Johann Kautsky (1854-1938) foi o principal ideólogo do partido
social-democrata alemão (SPD) no final do século XIX e início do século XX.
Para uma análise crítica da trajectória político-intelectual de Kautsky,
confira o artigo de Paul
Mattick: Karl Kautsky: De Marx a Hitler. [NT]
Traduzido por Vinícius Posansky.
Fonte: https://criticadesapiedada.com.br/2025/04/01/a-luta-contra-o-militarismo-anton-pannekoek/
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