sexta-feira, 28 de maio de 2021

Reflexão sobre os fundamentos interactivos e informativos do ciber jornalismo

28 de Maio de 2021  Ysengrimus 

YSENGRIMUS — Há algum tempo, durante um debate sobre o Les 7 du Québec, dois dos nossos colaboradores mais diligentes deram as seguintes estocadas, entre muitos outras. Foi no coração de um daqueles grandes impulsos digressivos de que agora estou longe como participante, mas que eu sempre leio com muito cuidado, porque a sabedoria muitas vezes flui através deles. Depois que Lambda lamentou a dureza sempre presente das trocas, Epsilon disse:

Mas Lambda, você é tão rude com os seus interlocutores, e isso não ié grave. É tudo uma questão de estilo. E você mostra que é particularmente sensível à rudeza dos outros. O que é bom.

Sabe, na internet, não deve levar isso a sério como faz na vida. Porque tudo é adicionado de emoções imaginárias sobre a net, porque não temos a pessoa real na nossa frente. Realmente, não devemos concentrar-nos em respostas um pouco mais ásperas do que o costume. E isso faz parte do jogo. É inconsequente. E você poderia responder-me na mesma medida que isso não mudaria a minha opinião sobre si e o meu comportamento em responder às suas rudezas, se elas existirem.

Resposta de Lambda:

Você está a falar sobre a internet, Sr. Epsilon, mas eu vejo um meio de disseminar informações, um jornal, uma revista, uma media de notícias. Você vê este site como uma media social, uma espécie de Facebook onde o discurso do cidadão chafurda em mundanismo e opinião, com, é claro, os confrontos habituais. A sua visão não combina com a minha.

Se queremos fazer facebook, que assim seja. Mas se você quer fazer informação e pensar, você precisa de um mínimo de credibilidade e seriedade. Como é que você compete em credibilidade com a media de massa se você brinca com palhaços? Você vê um monte de profissionais de informação a insultar as pessoas? Eu nunca vi um.

Estas duas intervenções, especialmente a segunda, sintetizam toda a problemática actual do jornalismo cidadão. O problema jornalístico formula-se agora como se segue, é inevitável. Como se segue, digo bem, ou seja, nos termos inócuos de uma crise existencial. É o jornalismo um corpo de comportamentos comunicativos normativos, fatalmente higienizados, recebidos, historicamente estabilizados, com uma certa forma ritualizada de coligir informação, sintetizá-la, descartá-la, servi-la, que seria constante? Existe um comportamento que produz um corpus circunscrito?... um pouco como poesia em verso ou as receitas de culinária são constantes e praticamente estabilizadas ao longo do tempo.

Ou o jornalismo em si nada mais é do que uma vasta e sofisticada manifestação (uma entre outras), de mundanismo e formulação de opinião, cujos recursos cibernéticos actuais não revelam outra coisa senão a profunda transformação contemporânea. O jornalismo, apesar do que ele gostaria de acreditar, não é uma disciplina rigorosa como, digamos, geometria. Isso envolve questões importantes. O carácter "profissional" ou "informado" do jornalismo tradicional não será mais do que uma ilusão um pouco pergaminhosa da classe de elitista (bem mantida pela frivolidade clássica do espírito de corpo, ele mesmo assustado com o progresso que a actual explosão impõe). Os vários jornalismos amarelos, o lixo ou a imprensa de mexericos não são invenções muito recentes. Evasões jornalísticas, difamação de figuras políticas e relatos de encontros com OVNIs são tão antigos quanto o jornalismo. A internet está muito, muito longe de ter inventado tudo isso. A internet também não inventou o discurso polémico, que encontra traços virulentos dele mesmo entre os gregos e romanos.

O elemento novo das condições jornalísticas contemporâneas também não reside verdadeiramente no facto de que qualquer distraído se possa improvisar como apresentador de notícias. Lembremo-nos, um pouco, do tempo não tão distante quando aquele que controlava o pátio do corte de madeira controlava a polpa, aquele que controlava a polpa controlava o papel, e aquele que controlava o papel controlava quase tudo o que estava escrito nele. Nunca o jornalismo existiu num espaço intelcrático sereno e etéreo. Isso não existe. E a objectividade da imprensa, desde a sua conformidade com o factual até ao equilíbrio de opiniões que transmite, sempre foi sempre uma ilusão de classe, cuja única boa fé, toda episódica, era às vezes permitir-se acreditar na sua própria propaganda.

A oposição entre os meus dois oradores aqui representa de facto uma tríade crítica facebook/media cidadã/media elitista e, ninguém pode negá-lo, é o espaço intermediário, o da media cidadã, que se procura mais, e isso por causa do peso dos outros dois. Uma palavra sobre essas três facetas do tripé.

Medias jornalísticas de elitistas. Elas são malditas em termos de credibilidade fundamental e ninguém cultiva seriamente quaisquer ilusões sobre o seu viés de classe. Além disso, estão a deteriorar-se qualitativamente, confiando cada vez mais em freelancers e comentadores e traduções censuradas de agências de notícias. A electrónica mata-os lentamente como distribuidores de um objecto material tradicional (comercial), comprometendo-os com uma parcela significativa dos seus leitores do passado. O editorial do ano passado, que reflectia de forma peremptória a linha de um diário ou semanário, não existe mais. Foi substituído por crónicas de franco-atiradores vedetas a quem se recorre mais pelo seu sucesso de audiência do que por uma base doutrinária eficaz. Por causa de tudo isso, por um tempo, nós realmente acreditámos que os jornais convencionais estavam condenados. Mas eles mostraram resiliência significativa. Mobilizando os seus recursos, eles adaptaram-se, passo a passo, aos diversos dispositivos cibernéticos e, com base no empírico (aprendizagem colectiva gradual do funcionamento dos blogs jornalísticos, levando à sua modelagem) e jurídico (intimidação cada vez mais virulenta de formas de discurso e comércio alternativo),  um por um eles fecharam os diversos bloqueios à liberdade de expressão e acção, mantendo instrumentos sólidos para disseminar o pensamento meio propagandística, meio soporífica da classe. Mais uma vez observamos que uma solução técnica nunca resolverá uma crise social, ela fluirá para ela como um instrumento e a crise continuará a desdobrarr-se, nas suas contradições motrizes, sem menos, sem mais. A media de elite não perdeu a sua capacidade de simplesmente silenciá-los. Esta é a confirmação de que a qualidade intrínseca, a adequação factual ou a coerência intelectual, não são obrigações muito claras quando o seu jornal é o braço da classe dominante.

Facebook (e todos os seus equivalentes tendenciais). O imenso espaço onde o discurso do cidadão chafurda na mundanidade e na opinião com, é claro, os confrontos habituais não é deplorável por causa dos ataques que aí reinam, mas sim por causa da enorme sopa cada vez mais gigantesca e desorganizada. Quem relê as acções que emanam desses dispositivos? Quem mede a censura mecânica por palavras-chave, que é cada vez mais nítida? E, apesar deste último, é uma loucura a informação que nos espera, percolando, num corpus do tipo Facebook (ou equivalentes). Em magma veritas, se você me passar o latim culinário! Excepto, vá pescar... Às vezes sou apanhado a fantasiar sobre algum tipo de grande agregador hiperfino (porque dependeria do brilho dessa autêntica inteligência artificial que ainda está para ser). Eu introduziria, diria, "Crença em OVNIs" ou "Argumentos denunciando a corrupção política" e o meu super agregador mergulharia no Facebook (e equivalentes) e pescaria para esses desenvolvimentos e os organizaria, convocá-los, amarrá-los, por país, por época, por tendências políticas ou filosóficas. O belo corpus informativo que daria. Não nos importamos se essas pessoas umas com as outras os pequenos detalhes. Eles falam, informam-se, trazem notícias, como no passado nas praças das aldeias e nas principais estradas. Molière soube da morte de Descartes de um vagabundo que vinha de Paris que vinha temporariamente montado na parte de trás de um dos vagões do seu teatro itinerante. Posso aprender perfeitamente as premissas da dissolução efectiva do capitalismo, não um errante pouco conhecido cujo texto está actualmente a dormir no Facebook, MySpace ou myobscurewittyblog.com. Não vamos meditar muito sobre as redes sociais. Elas são a tapeçaria bayeux do nosso tempo. Os historiadores não as julgarão tão duramente quanto nós.

Media jornalística cidadã. Entre as duas, existe a media cidadã. Uma quadro apresentativo jornalístico um pouco antiquado, embora "para todos" (comentadores e autores) sobre o qual a tempestade interactiva derrama, cortada pela nevasca de todas as digressões, reedições e ataques. De facto, entre o telex repetitivo e o editorial de choque, a media jornalística cidadã ainda está à procura da sua fórmula, e muitas figuras de ontem jogaram a toalha ao chão, no que lhes concerne. Essas medias alternativas, onde tudo ainda está para ser feito, são principalmente cibernéticas, é claro. E eles alimentam-se de dois legados. Estes são precisamente os dois legados, complementares e interpenetrados, que, ano após ano, se encontram aqui, nas minhas duas citações iniciais: o interactivo e o informativo. Não devemos mentir sobre a media cidadã, cuja excitação inicial desaparece. As manifestações verbais e de conversão da luta de classes estão a ocorrer aí. Nada de mal aqui, nada é formal, nada é comportamental (cortês ou descortês). Trata-se da luta das forças progressistas e das forças reaccionárias da nossa sociedade para se posicionarem e  manterem-se no espaço, certamente secundário, subordinado, mas sempre sensível, da comunicação de massa.

A luta de classes estava a ser fortemente reprimida, sob as pilhas de papel impresso do jornalismo convencional. No jornalismo cidadão, ela desenrola-se alegremente nos pixéis. No momento, isso não torna a luta de classes acima mencionada necessariamente mais metódica, experiente ou sistemática, mas de repente, ufa, que visibilidade solar!


 

Fonte: Réflexion sur les fondements interactifs et informatifs du cyber-journalisme – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice


 

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