YSENGRIMUS — O dinheiro muda de mãos. Não é surpresa. Ele vai até extorquidores e acumuladores. Nenhuma surpresa, também. Mas, por outro lado, são simples os esforços para esconder a natureza deselegante e amplamente manipulada da coisa. Vamos olhar um pouco para isso porque o nosso pensamento vernáculo - com a ajuda da ideologia burguesa dominante que continua a não dar presentes - cultiva nessas questões uma exibição que limita, em realidades ainda simples na sua radicalidade, com grande fumarada.
A noção que é mais conscientemente usada é a noção de LUCRO. Então vamos começar com ela. Sem entrar nas disputas bizantinas que cultiva o ronronar dos economistas marionetas, vamos propor que o lucro apareça em contextos sociais onde ocorre o VALOR. Um investidor antigo compromete dinheiro em fábricas de montagem de máquinas de costura. Essas fábricas supracitadas exploram um proletariado mal pago para ligar peças espalhadas produzidas noutros lugares que, sem a acção organizadora deste proletariado, não seria nada mais do que bric-a-brac e que, por essa acção organizadora, se torna um aparelho preciso que vende bem e, acima de tudo, que é civicamente útil. O rendimento da venda de máquinas de costura é desviada do proletariado produtivo (esta é a extorsão da mais valia) e, através de uma série de fases de acumulação, esse rendimento volta para o nosso investidor. Mas esse rendimento continua a ser um lucro. Parece que a mais-valia foi condensada numa mercadoria pelo trabalho (e a sua contraparte capitalista: excesso de trabalho). O objecto transformado é melhor do que a soma das suas partes. Ele permanecerá e servirá a vida material (valor de uso). Toda a actividade geradora de lucro é civicamente útil. É o desvio sistemático do referido lucro por acumuladores que é socialmente prejudicial.
Vamos ao GANHO. Já falei sobre isso no Le symptôme usuraire. Um banco acha que os seus lucros (como definido acima) estão a diminuir. Não é mais tão rentável como costumava ser (para o extorquidor) investir em sectores industriais tradicionais. É que a riqueza é distribuída de forma cada vez mais diversificada, difusa, purulenta, quase colectivista. O capital constante é cada vez mais pesado para se fazer frutificar, em suma, a tendência de queda da taxa de lucro, analisada no passado por Marx e sempre activa, faz-se sentir fortemente. O nosso banco, portanto, decide deixar de depender apenas dos seus investimentos rentáveis (agrário, comercial, industrial). Ele decide começar a cobrar custos directos aos seus usuários. É uma maneira simples, massiva e deslumbrante de levantar dinheiro fresco em quantidades faraónicas. Falamos então – indevidamente - , do lucro bancário. Ora, não há lucro aqui, no sentido técnico do termo, mas ganho. O dinheiro simplesmente mudou de lugar sem estar associado a qualquer forma de organizar a produtividade com impacto material ou cívico. Nós simplesmente realocamos pequenos pedaços de papel noutro lugar, pensando que somos muito fortes.
É, portanto, perfeitamente enganoso e inapropriado falar sobre o lucro bancário. Seria melhor falar sobre rendimento bancário. Esse rendimento é então subdividido em lucro (retornos sobre investimentos agrários, industriais ou comerciais) e ganhos (extorsão improdutiva sob a forma de taxas de todos os tipos, especulação cambial e vários arranjos financeiros). O coração da actual crise do capitalismo está aí, muito simplesmente. Ele funciona cada vez mais como ilusão de óptica, na clara (embora fortemente nublada) questão das suas receitas. Assim, por exemplo, a relação lucro/ganho dos bancos nunca nos é confessada. No entanto, seria altamente interessante medir o declínio duradouro (por lucros decrescentes) do seu papel na actividade produtiva efictiva (sobre o qual declínio os seus ganhos colossais e espectaculares não devem ser iludidos). Sobre as grandes companhias de seguros: mesmo comentário. Bancos e companhias de seguros não são as únicas empresas que, voluntariamente ou não, cultivam a confusão relatada aqui. Uma empresa industrial convencional pode perfeitamente esfumar-se e fazer esfumar-se outras neste tipo de interferência da diferença crucial entre lucro e ganho. Lembraremos das desventuras de uma certa companhia aérea canadense cujo nome modestamente manteremos sigiloso. Depois de obter uma grande subvenção governamental (ganho extorquido, não resultante de qualquer produtividade particular), os altos executivos tinham alocado bónus, totalmente na festança, como se tivessem acabado de arrecadar um lucro eficiente e maravilhoso (rendimento produtivo efectivo). Como não foi o caso, a sociedade civil reagiu muito mal a esse comportamento nostálgico dos tempos de produtividade desta classe hoje perfeitamente parasita. Havia uma sensação aberta de que esses janotas equivocados, na sua surpreendente boa fé, estivessem abertamente a roubar dinheiro público, ainda pensando em si mesmos como empreendedores. O ganho não é um lucro. A sociedade civil sente-o, que ainda tolera a extorsão do lucro (uma vez que ainda quer acreditar no capitalismo e que os burgueses deveriam ser o maestro), mas que claramente percebe o ganho como roubo.
Vamos dar outro exemplo prosaico. O preço da gasolina. Como economistas vernáculos e carentes, entendemos plenamente que a gasolina que colocamos no nosso carro é o resultado de um longo e complexo processo produtivo. E (postulando que também somos um pequeno conformista que ainda pensa muito bem do capitalismo) admitimos sem problemas que um lucro é arrecadado por um produto industrial como a gasolina e que é na bomba que esse lucro se toca, no final da pista. Mas só é preciso um furacão no Texas (estado petrolífero, pelo menos no universo dos nossos símbolos) para os postos de gasolina apostarem (note nesta palavra) que será possível ter um ganho conjuntural suplementar. O ganho repentino e ocasional de extorsão está, portanto, intimamente entrelaçado com o lucro fatal, geralmente bombeado pela gasolina na bomba. E os preços estão a subir. Esse salto dura um tempo, do qual o comprimento ou a brevidade serão directamente proporcionais à resistência ou à falta de resistência dos consumidores. Depois de um tempo, eles só começarão a consumir na bomba de gasolina menos cara e no ganho conjuntural (que pode ser descartado — o que não é o caso do lucro, que é ditado pelo mercado e cuja sobrevivência do comércio depende fatalmente, num contexto capitalista) acabará por ser sacrificado por todos os comerciantes, em dominó. Quem sabe, gasolineiros honestos às vezes podem recusar-se a jogar este jogo duvidoso desde o início. O capitalismo equitativo está a fazer o seu caminho, parece. Pessoalmente, eu realmente não acredito nisso... Confiar em pessoas honestas é o único risco real de profissões aventureiras (Audiard).
Em termos de exemplificação, podemos também mencionar o bebé boneca, que custa menos em 5 de Julho do que em 5 de Dezembro, uma vez que 5 de Dezembro é vinte dias antes do Natal (um período de consumo intensivo por razões etno-culturais tão imparáveis quanto perfeitamente arbitrárias), e que, portanto, é possível obter um ganho adicional deste produto industrial cujo custo (e lucro na venda) permanece relativamente estável. Nesta transação composta (para a relação lucro/ganho cuidadosamente nublado) que é precisamente a venda, as flutuações sacrossantas na oferta e na procura variam amplamente a correlação entre ganho e lucro no rendimento das massas de vendas. O que uma mercadoria custa difere do que vale e essa diferença joga no equilíbrio entre o lucro produtivo tendencial e o ganho parasitário conjuntural. Mais uma vez, o detalhe desta correlação não é conhecido por nós. Pode-se até acrescentar que está cuidadosamente escondido de nós. Inútil dizer que poderíamos multiplicar os exemplos de camuflagem do ganho no seio do lucro e a interferência generalizada com a natureza real do rendimento na sociedade comercial contemporânea.
Agora vamos olhar para o salário. Salário não é lucro. Se esse fosse o caso, o assalariado ficaria rico porque, simplesmente, receberia a mais-valia que produz. Esse não é o caso. Vamos dizer de novo: o dinheiro grande sobe e, quando um proletário ganha 30 mil dólares por ano, o seu patrão ganha 30 milhões por semestre. Assim, a pergunta simplesmente não surge sobre para onde estão os lucros a ir: ainda (não) nos bolsos do trabalhador (um dia, talvez). Os salários também não são um ganho, pois são trocados por força e tempo, as duas preciosas fontes de valor que se continuam a acumular nas nossas sociedades. A ideia de que o salário do trabalhador seria um ganho improdutivo é uma ideia reaccionária. Deixaremos isso para os patrões e executivos que implicitamente procuram fazer acreditar que todos estão a fazer caridade ao proletariado que exploram, dentro das estruturas administrativas que eles mesmos parasitam. Então vamos dizer que salário é rendimento. Uma vez que não é lucro nem ganho, confirma, crucialmente, que o trabalho não é um elemento necessário do capitalismo, mas um elemento conjuntural deste último. Um dia será possível trabalhar e tirar rendimento muito tempo depois de os ganhos desaparecerem e os lucros forem devidamente distribuídos em toda a sociedade civil. Chegará um dia. Então, por enquanto, se resumirmos, diremos:
Rendimento: apropriação de um activo financeiro no sentido mais amplo da palavra. No rendimento, o dinheiro simplesmente muda de mãos sem que nos pronunciemos sobre a situação socio-económica da transacção. Alguém paga e alguém recebe porque algo (um produto ou um emprego) muda de propriedade. Salário é rendimento.
Lucro: apropriação de activo financeiro decorrente de producção agrária, industrial ou comercial de valor. Extorquido (ou não, seria então redistribuído colectivamente),o lucro é o resultado de uma actividade consequente, que gera mudanças que acabam por conduzir a progressos materiais. O lucro é um rendimento produtiva. Ele é o único indicador verdadeiro de uma estrutura económica que leva a um acúmulo estável de valor útil à sociedade civil (capitalista ou não).
Ganho: apropriação de um activo financeiro sem a produção de valor. Extorquido (ou não, ele é então ganho),o ganho é resultado de uma actividade improdutiva (especulação do mercado de acções, herança, taxas relacionadas, câmbio vantajoso, aposta, lotaria, jogo de casino, esquema Ponzi, roubo). Normalmente parasita, o ganho é um rendimento improdutivo. Ele pode fazer mudar de lugar pilhas colossais de dinheiro sem tal seja útil para a sociedade civil (mesmo capitalista) resultante dele.
Rendimento, ganho, lucro. Não confunda. A noção de rendimento é pré-capitalista, capitalista e possivelmente pós-capitalista. A dialéctica desordenada que mistura insidiosamente a relação lucro/ganho é típica do capitalismo (especialmente na sua fase terminal). Numa sociedade socialista, o lucro agrário, comercial e industrial pode ser mantido (embora distribuído civicamente e não mais extorquido em benefício dos acumuladores. Paul Newman, timidamente mostra-nos o caminho neste ponto). É o ganho improdutivo que será firmemente apreendido e eventualmente banido. SO seu desaparecimento levará ao desaparecimento de secções inteiras de especulação financeira que uma classe burguesa cada vez menos produtiva e cada vez mais parasita ainda faz o seu sal ... Por um tempo.
Fonte: Revenu, gain, profit. Ne pas confondre – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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