15 de Janeiro de 2023 Robert Bibeau
Em https://es.communia.blog/sudamerica-brasil-lula (espanhol)
A CONSAGRAÇÃO DE LULA
A imprensa
internacional apresentou o discurso de Lula na COP27 como o verdadeiro ressurgimento
de Lula. O Brasil voltou a jogar entre imperialismos sérios e modernos. A
partida de Bolsonaro para a Florida e a pompa
do juramento presidencial foram apresentadas como um bálsamo
institucional e uma catarse. Mas o mais espectacular ainda estava para vir.
As últimas centenas de
apoiantes de Bolsonaro permaneceram acampados em frente ao Alto Comando do
Exército em Brasília, a quem pediram para impedir a tomada de posse de Lula
alegando fraude eleitoral, reforçada por alguns autocarros que chegavam dos
Estados, marcharam e tomaram posse da sede do Congresso, do Tribunal
Federal (STF) e da Presidência do Governo, o famoso Planalto.
Foi pouco mais do que
um espectáculo de vandalismo festivo, mas um verdadeiro presente para Lula, que
imediatamente o apresentou como uma tentativa
de golpe de Estado, emolduraando as instituições
por trás dela e transformando a oportunidade numa base
para mobilizar
maciçamente o Estado em defesa da democracia.
Além disso, dada a
imagem do governo de Lula nos EUA e na Europa,
a ideia de uma revolta
de Bolsonaro era demasiado reminiscente do ataque
ao Capitólio dos EUA, em Janeiro de 2021, pelo papel de Bannon na criação
de marcos
históricos para não se tornar evidente. Slogans
e modelos pelo Bolsonarismo, que é sem dúvida útil para a imagem do
novo governo nos Estados Unidos e na Europa.
Internamente, lançando
luz sobre a resistência policial inexistente e a participação militar quase
óbvia, denunciada
mesmo por políticos próximos de Bolsonaro, deixa Lula carta branca
para desencadear purgas
nas forças de segurança e talvez mesmo no exército que, antes
das eleições, Lula tinha concordado
em não o fazer.
A famosa insurreição, o chamado golpe fascista, era na realidade
apenas uma manifestação
terminal da impotência de uma burguesia ilusória, cada vez mais
isolada pelo seu próprio sectarismo e brutalidade, mas artificialmente mantida
pelo financiamento de uma parte do agro – a burguesia exportadora e as suas
alianças Trumpistas. Um resultado ridículo e vandalista dos anos de Bolsonaro,
que Lula orquestrou perfeitamente para a sua própria consagração.
O resultado deixa um Lula muito mais poderoso no Planalto – quando for
restaurado – pronto para empreender a grande reestruturação do capital
sul-americano que prometeu durante a sua campanha.
A PERSPECTIVA DE UMA MOEDA COMUM SUL-AMERICANA ADAPTADA ÀS NECESSIDADES DO
BRASIL
Protesto em São Paulo após motim de Bolsonaro em Brasília |
A mudança da perspectiva regional do Brasil tem sido radical e brutal. O Itamaratí passou de encorajar o governo uruguaio a explodir o Mercosul para organizar os países do Mercosul para levá-los à justiça.
E já para não falar da
Argentina. Já não se trata apenas do
acesso do Brasil ao gás e ao petróleo argentinos. Após o triunfo
eleitoral, os objectivos do Brasil tornaram-se explícitos face a Buenos
Aires: a
integração militar e a formação
de um verdadeiro mercado comum.
Em Maio passado,
durante a campanha eleitoral, Lula já tinha lançado o slogan: "Não
podemos depender do dólar". Menos ainda com a Fed
a aumentar as taxas como se não houvesse amanhã. Porque cada
subida das taxas de juro acelera a fuga de capitais porque torna a dívida dos EUA mais atractiva, o
que, por sua vez, desvaloriza as moedas locais e torna as importações mais
caras.
Mas para ter uma alternativa ao dólar, pelo menos a nível regional, é
necessário reorganizar e ligar país por país ao comboio em movimento do capital
financeiro brasileiro da mesma forma que a Alemanha ligou o resto das capitais
continentais da Europa ao euro. Colocado nos termos de Lula:
Vamos restabelecer a
nossa relação com a América Latina. E se Deus quiser, criaremos uma moeda única
na América Latina.
O primeiro passo é uma conta corrente para o comércio externo
inter-regional, que serve para impedir que os bancos nacionais tenham de
recorrer às suas reservas para financiar as importações.
No horizonte,
uma moeda
comum, não apenas uma, para articular e estabilizar o comércio
externo brasileiro à margem de tempestades cambiais.
Temos de aproveitar uma moeda comum, não apenas uma, cada uma com a sua
própria moeda, mas um guarda-chuva para negociar uma moeda comum. Foi esta a
ideia em que começámos a trabalhar, sobre a qual Alberto também discutiu com
Lula há alguns dias, em Assunção. A ideia é consolidá-lo como um projecto para
toda a região
Sergio Massa, Ministro
da Economia da Argentina
A imprensa e o governo
argentino já
estão entusiasmados com o SUR, que seria a fase final de todo este movimento: uma
moeda digital emitida por um fundo para o qual os países da região
contribuiriam proporcionalmente às suas acções no comércio regional.
O QUE É QUE O BRASIL DE LULA JOGA ESTRATEGICAMENTE?
No cenário imperialista mundial em
consolidação, a Europa e os Estados Unidos terão um jogo cada
vez mais restritivo contra as exportações agrícolas e animais sul-americanas e
para a África (que é mais instável de mês para mês). O capital brasileiro só
pode crescer com alicerces sólidos, ganhando mercados e oportunidades de
investimento no seu ambiente regional.
É por isso que a
abordagem do Itamaratí sob Lula não é fundamentalmente diferente da de Bolsonaro há quatro
anos: reorganizar o capital e os fluxos comerciais em todo o
continente para consolidar o Brasil como o imperialismo dominante na região.
Bolsonaro, ligado a interesses agro-exportadores, não podia, no entanto, ir
longe demais. O mercado regional não pode ser desenvolvido a partir do sector
das exportações primárias. A região só pode absorver uma pequena parte das
enormes quantidades de soja, carne ou trigo que produz para os mercados
internacionais.
Por esta razão, e como
corresponde às economias
semi-coloniais, os circuitos produtivos e de capitais dos países da
região são autistas em relação uns aos outros. Hoje, a diferença entre o interior
e o exterior é abismal: o comércio entre os parceiros do Mercosul em
2021 foi de apenas 40,591 milhões de dólares, enquanto as trocas comerciais
entre o Mercosul e países terceiros ascenderam a 598,899 milhões.
O mercado interno sul-americano só pode desenvolver-se a partir de tudo o
que não faz parte da economia das exportações: indústria e serviços, sectores
mantidos mais ou menos artificialmente e pouco competitivos face à concorrência
das grandes potências.
Entretanto, para todos
os países da região, qualquer movimento de importações chinesas terá mais
impacto do que qualquer pressão de um país vizinho. Assim, a questão das relações com a China e a sua crescente
incompatibilidade com os Estados Unidos tem sido a principal questão da política
regional e comercial nos últimos anos.
Nesta área, Bolsonaro
ambicionou que o Brasil fosse reconhecido pelos Estados Unidos como uma espécie
de império
delegado. Lula não o diz tão abertamente, mas quer conter as
ambições de Pequim na região – envolvendo todos os governos do Mercosul –
para permitir
que a indústria brasileira ocupe o espaço pelo qual a indústria asiática
concorre nos países da América do Sul... renuncie-se se for
necessário algum do crescimento das exportações agrícolas e pecuárias para a
China, o que para Bolsonaro era vital para manter os seus principais apoiantes
na burguesia local: os proprietários de terras e a indústria agro-exportadora.
Leia Também: Argentina e o FMI mais
sérios do que pensamos, 31/03/2021
COMO É QUE ISTO AFECTA O RESTO DOS PAÍSES DO CONTINENTE?
Como vimos, o Governo
argentino, que sofre da
pior inflação em mais de três décadas, está entusiasmado com a
perspectiva de colocar a sua moeda no real. Vê-o como um dos poucos
estabilizadores à vista e uma tábua de salvação para a sua indústria.
Isto é algo mais do
que um ponto de apoio como último recurso, porque, à custa de uma classe operária
cada vez mais explorada e empobrecida, a burguesia argentina consegue abrandar
e e fazer cair a sua queda
no vazio crónico.
Leia Também: Argentina
e o FMI mais sérios do que pensamos, 31/03/2021
Isto não é um feito pequeno num cenário em que a crise do aparelho político continuou a agravar-se ao ponto de se tornar um flanco aberto cada vez mais tentador para os imperialismos estrangeiros... O quenão é o mais oportuno numa altura em que, por um lado, a China e os Estados Unidos estão a competir para vender os aviões de combate das próximas décadas à Argentina, e por outro, o governo está a embarcar na militarização da sua presença em torno das Malvinas, do Mar de Hoces e da Antártida, encravada entre a China – que quer uma base comum para controlar a passagem bioceânica – e a Grã-Bretanha que dá cada vez mais um conteúdo militar à sua presença nas Malvinas, pressionando para que isso não aconteça.
E é que as crescentes tensões imperialistas ameaçam cada vez mais inflamar
as fracturas abertas pela crise generalizada dos aparelhos políticos.
No Peru, a
perseguição ao Presidente Castillo pelo Parlamento terminou com
a sua tentativa de dissolver as câmaras e o seu depoimento
e posterior detenção... Isto abriu uma fase de protestos
sangrentos que, apesar de terem sido duramente reprimidos desde
Dezembro, quando foi
declarado o estado de emergência e as ruas foram entregues
ao exército. Os protestos estão
agora a recomeçar e já se estão a alastrar a 41
províncias, ou 20% do território.
Os meios de
comunicação internacionais apresentam a situação e a impotência da Presidência
Castillo como parte da história do fracasso do populismo. Mas, na realidade,
tudo isto vem de longe, da encruzilhada
entre os fantasmas do Fujimorismo, a incompetência da classe dirigente peruana
e as pressões inter-imperialistas regionais.
Leia Também: O que se passa no Peru?
No Peru, tanto a
pequena burguesia que subiu com o Fujimorismo como a facção da classe
dominante ligada
ao capital financeiro, como se vê na Colômbia de Duque e no
Chile de Piñera, sentem que ganharam com a queda de Castillo.
Petro,
em declarações à imprensa, interpretou o testemunho de Castillo como
uma expressão de uma ameaça mais ampla. Segundo ele, o uribismo, o bolsonarismo
e outras tendências semelhantes que mobilizam as facções mais à direita da
pequena burguesia do Chile para a Colômbia e da Argentina para o Equador,
tomaram o caminho do não reconhecimento e eventualmente da inversão dos
resultados eleitorais como forma de ficar ou retomar o governo.
De acordo com esta
análise, o seu governo, bem como o México da AMLO, a Argentina de Alberto
Fernández e a Bolívia de Arce lançaram uma declaração
conjunta mostrando a sua preocupação sem se atreverem a fazer muito
mais. Ao mesmo tempo, o texto pedia às figuras institucionais peruanas que não
depusessem Castillo e garantissem os direitos de presença do presidente detido.
Nota interessante:
Lula foi ainda
mais cauteloso e elogiou o novo governo. O Peru é há muito
considerado pelo Brasil como a sua saída natural para o Pacífico e o Planalto, uma
vez que Itamaratí quer assegurar os seus interesses independentemente do
governante.
Ou seja, o primeiro interesse do Brasil nesta nova etapa histórica é que o
quadro institucional regional que está agora a ser criado, ao contrário do
UnaSur criado durante a primeira presidência de Lula, não desaparece se as facções
do poder político mudarem nos diferentes países do continente.
UMA NOVA ERA COMEÇA NA AMÉRICA DO SUL
Porto de Ushuaia onde a China quer construir uma base comum com a Argentina |
§
O Brasil acredita que pode transformar o
esgotamento das classes dirigentes sul-americanas no início de um processo de
integração e articulação regional que garanta mercados e destinos para as suas
empresas e capitais, ou seja, serve a realização dos seus interesses
imperialistas.
§
Este processo começaria com alguma
reanimação do Mercosul, a
criação de uma moeda interna comum para
estabilizar o comércio inter-regional, e estruturas de coordenação militar que
controlam efectivamente o Atlântico Sul, o estreito bioceânico e a Amazónia,
impedindo os Estados Unidos, a Grã-Bretanha ou a China de intervirem sozinhos.
tag.
§
As estruturas deste novo andaime só
serão sustentáveis se transcenderem os interesses das diferentes facções em
jogo em cada país, pelo que o objectivo do Brasil só tem opções se aumentar efectivamente
os fluxos comerciais inter-regionais. Estamos longe disso: como convém às
economias semi-coloniais, o comércio entre os parceiros Mercosul em
2021 foi de apenas 40,591 milhões de dólares contra 598,899 milhões de trocas
entre o bloco e o estrangeiro.
§
Entretanto, todas as tentativas
brasileiras de criar estruturas que facilitem o desenvolvimento do seu capital
na região só podem encorajar tensões e conflitos entre as diferentes facções de
cada país, divididas, entre outras coisas, pela sua orientação imperialista.
§
Assim, o imperialismo brasileiro abre
não só uma nova era na medida em que se impõe como promotor de um mercado
continental pela primeira vez desde a independência dos impérios ibéricos, mas
também porque, tanto pelos seus avanços como pelos seus reveses, o novo impulso
imperialista brasileiro contribuirá inevitavelmente para incorporar, mais cedo
ou mais tarde, o continente sul-americano na nova fase histórica da mundialização
da guerra imperialista.
Proletários de todos os países, uní-vos, abulam
exércitos, polícias, produção de guerra, fronteiras, trabalho assalariado!
Fonte: UNE NOUVELLE ÈRE S’OUVRE EN AMÉRIQUE DU SUD – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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