2 de Janeiro de
2023 Robert Bibeau
A Europa está destinada a tornar-se um
pântano económico. "Perdeu" a Rússia e em breve perderá a China. E
descobre que também perdeu o seu lugar no mundo.
By Alastair Crooke – Dezembro
2022 – Fonte Strategic Culture
Algo estranho está a acontecer na Europa. A Grã-Bretanha foi recentemente alvo de uma "lavagem de regime", com um ministro das Finanças fortemente pró-UE (Hunt) a abrir caminho para um primeiro-ministro não eleito com o "mundialista" Rishi Sunak. Para quê? Bem, para impor cortes profundos nos serviços públicos, normalizar a imigração de 500.000 pessoas por ano e elevar os impostos para o seu nível mais alto desde a década de 1940. E preparar o caminho para um novo acordo relacional com Bruxelas.
Um Partido Conservador
Britânico contenta-se a fazer isto? Reduzir o bem-estar e aumentar os impostos
numa recessão mundial já existente? À primeira vista, isto não parece fazer
sentido. Austeridade grega para a Grã-Bretanha, algo nos escapa? Será que isto
prepara o Establishement dos remainers para apontar o dedo a uma economia
em crise (atribuída ao fracasso do Brexit), e dizer que não há alternativa
(TINA) a um regresso à UE de uma forma ou de outra, (de cabeça inclinada e
humildemente)?
Por outras palavras, as forças nos bastidores parecem querer que o Reino
Unido retome o seu antigo papel de plenipotenciário dos EUA em Bruxelas – fazendo
avançar a agenda da primazia dos EUA (enquanto a Europa se afunda na dúvida).
Igualmente estranho - e significativo - é o facto de, a 15 de Setembro, o
antigo Chanceler alemão Schroeder ter entrado no gabinete de Scholz sem aviso
prévio, onde apenas o Chanceler e Vice-Chanceler, Robert Habeck, estevam
presente. Schroeder apresentou uma proposta
para um fornecimento de gás a longo prazo da Gazprom na secretária em frente a Scholz.
O Chanceler e o seu antecessor olharam um para o outro durante um minuto
sem que uma palavra fosse trocada. Então Schroeder estendeu a mão, pegou no
documento não lido de volta, virou as costas e saiu do escritório. Nada foi
dito.
A 26 de Setembro (11
dias depois), o gasoduto Nordstream foi sabotado. Surpresa (sim ou não)?
Muitas perguntas não respondidas. O resultado: nada de gás para a Alemanha. No entanto, uma linha Nordstream (2B) sobreviveu à sabotagem e permanece pressurizada e funcional. No entanto, nenhum gás está a chegar à Alemanha (à excepção do gás liquefeito de alto preço). Não existem actualmente sanções da UE sobre o gás proveniente da Rússia. A chegada do gás Nordstream requer apenas uma luz verde regulamentadora.
Então, neste caso: a Europa sentirá austeridade, perda de competitividade, aumento de preços e impostos? Sim, mas Scholz nem sequer olhou para o fornecimento de gás.
O Partido Verde de
Habeck e Baerbock (e a Comissão Europeia) alinha-se de perto com o clã de Biden que
insiste em manter a hegemonia americana a todo
o custo. Esta euro-coligação é explicitamente e visceralmente mal intencionada
em relação à Rússia; e, por outro lado, é tão visceralmente tolerante em
relação à Ucrânia.
O panorama geral? Num
discurso em Nova Iorque, a 2 de Agosto de 2022, o ministro dos Negócios
Estrangeiros alemão, Baerbock, delineou a
visão de um mundo dominado pelos Estados Unidos e pela Alemanha. Em 1989,
George Bush ofereceu à Alemanha uma "parceria de liderança", disse
Baerbock. "Chegou
a altura de a criarmos: uma parceria comum na liderança." Uma oferta alemã
de primazia explícita na UE, com o apoio dos EUA. (Os ingleses não vão gostar!)
Garantir que não há
retrocesso nas sanções contra a Rússia e que a UE continua a apoiar
financeiramente a guerra na Ucrânia é uma clara "linha vermelha", precisamente
para aqueles da equipa de Biden que provavelmente estão atentos à oferta
atlântica de Baerbock e que entendem que a Ucrânia é a aranha no centro da
teia. Os Verdes estão a jogar este jogo explicitamente.
Para quê? Como a
Ucrânia continua a ser o "pivô" mundial: geo-política, geo-economia,
mercadoria e cadeias de fornecimento de energia, tudo gira em torno de onde
este pivô ucraniano é finalmente estabelecido. O sucesso russo na Ucrânia daria
origem a um novo bloco político e sistema monetário, graças aos seus aliados no
BRICS+, na Organização de Cooperação de Xangai e na União Económica
Euroasiática.
O frenesim da
austeridade na Europa é, pois, uma questão para o Partido Verde alemão que
encarna a Russofobia da UE? Ou Washington e os seus aliados atlânticos estão a
preparar-se para algo mais? Estão a preparar-se para que a China receba o
"tratamento
russo" da Europa?
No início desta
semana, em Mansion House, o Primeiro-Ministro Sunak passou para uma velocidade
superior. Tirou o chapéu a Washington prometendo apoiar a Ucrânia "durante o tempo que for
preciso", mas a sua política externa centrou-se na China. A velha era "dourada" das relações
sino-britânicas "acabou": "O regime autoritário [da China]
representa um desafio sistémico aos nossos valores e interesses", disse, citando a
repressão dos protestos anti-zero-COVID e a detenção e espancamento de um
jornalista da BBC no domingo.
Na UE – que está
tardiamente em pânico com a desindustrialização generalizada –
o Presidente Macron sinalizou que a UE pode tomar uma posição mais dura em
relação à China, mas apenas se os EUA
reverterem os subsídios ao abrigo da Lei de Redução da Inflacção, que está a incitar
as empresas da UE a levantar âncora e a navegar em frente em direcção à América.
No entanto, o "jogo" de Macron é
provável que termine num impasse ou, na melhor das hipóteses, num gesto
cosmético, porque a lei já foi aprovada nos Estados Unidos. E a classe política
em Bruxelas, sem surpresas, já está a agitar a bandeira branca: a Europa perdeu
a energia russa e corre agora o risco de perder a tecnologia, as finanças e o
mercado da China. Este é um "triplo golpe", se somarmos a
desindustrialização europeia.
E eis que a austeridade continua a ser a primeira ferramenta na caixa de
ferramentas dos EUA a exercer pressão política sobre os proxies dos EUA:
Washington está a preparar as elites dominantes da UE para se separarem da
China, como a Europa já fez fundamentalmente da Rússia. As maiores economias da
Europa já estão a tomar uma postura mais dura face a Pequim. Washington
exercerá a máxima pressão sobre o Reino Unido e a UE para alcançar o pleno
cumprimento da separação da China.
Os protestos na China
sobre os regulamentos Covid não poderiam ter chegado num momento mais oportuno
do ponto de vista dos "falcões
sinofóbicos" nos EUA: Washington colocou a UE em modo de propaganda sobre
os "protestos"
iranianos, e agora os protestos na China oferecem a Washington a oportunidade de se
lançar plenamente na demonização da China.
A "linha" utilizada contra a Rússia
(Putin está a cometer erro atrás de erro, o sistema está a falhar, a economia
russa está no fio da navalha e a desafeição popular está a aumentar) será
"copiada e colada" para Xi e China.
Só a inevitável elevação moral da UE irá antagonizar ainda mais a China: as
esperanças de manter uma base comercial na China irão desvanecer-se e, na
realidade, será a China que se livrará da Europa, em vez do contrário. Os líderes europeus têm este
ponto cego: alguns chineses podem lamentar a prática da contenção do Covid, mas
no entanto continuarão a ser profundamente chineses e nacionalistas. Odiarão as
lições da UE: "Os valores europeus
falam por si, nós temos os nossos".
É evidente que a Europa estagnou. Os seus opositores estão amargurados com
a moralização da UE. Mas o que se está a passar exactamente?
Em primeiro lugar, a
UE está extremamente sobrecarregada na sua narrativa
sobre a Ucrânia. Parece incapaz de ler a direcção dos acontecimentos na zona de guerra.
Ou, se a ler correctamente (do que há poucos sinais), parece incapaz de mudar
de rumo.
Recorde-se que,
inicialmente, Washington nunca considerou que a guerra seria "decisiva". O aspecto
militar foi visto como um complemento, um amplificador de pressão, para a crise
política que as sanções deveriam desencadear em Moscovo. O conceito inicial era
que a guerra financeira representava a linha da frente e o conflito militar
representava a frente de
ataque secundária.
Foi apenas com o
choque inesperado das sanções, que não surpreendeu Moscovo,
que a prioridade passou da arena financeira para a arena militar. A razão pela
qual o aspecto "militar" não foi visto principalmente como uma "linha de frente" é que a Rússia
tinha claramente o potencial para assumir uma escalada militar (um factor que
agora é tão óbvio).
Aqui estamos: o Ocidente foi humilhado na guerra financeira e, a menos que
algo mude (isto é, uma escalada dramática dos EUA), também perderá
militarmente, com a possibilidade inegável de que, a dada altura, a Ucrânia
simplesmente implodirá como Estado.
A situação real no campo de batalha de hoje está quase totalmente em
desacordo com a narrativa. No entanto, a UE investiu tanto na sua narrativa
sobre a Ucrânia que está simplesmente a redobrar os seus esforços, em vez de
recuar, para reavaliar a situação real.
E ao fazê-lo,
redobrando os seus esforços narrativos (apoiando a Ucrânia "durante o tempo que for preciso"),
o conteúdo estratégico do pivô "Ucrânia" muda 180 graus: a Ucrânia não
será "o pântano afegão da Rússia".
Pelo contrário, esta traseira está a ser transformada num "pântano" financeiro e militar a
longo prazo para a Europa.
A frase "o tempo que for preciso" dá ao conflito um horizonte indeterminado, enquanto deixa a Rússia no controlo do calendário. E "durante o tempo que for preciso" implica uma exposição cada vez maior dos pontos cegos da OTAN. O serviços de informação do resto do mundo terão observado as deficiências da OTAN na defesa aérea e na indústria militar. O pivô mostrará quem é o verdadeiro "tigre de papel".
A UE já pensou na questão do "tempo que vai levar"?
Se Bruxelas também imaginar que uma adesão tão teimosa à narrativa impressionará o resto do mundo e aproximará estes outros Estados do "ideal" europeu, engana-se. Já existe uma hostilidade generalizada à ideia de que os "valores" ou discussões da Europa têm uma relevância mais ampla, para além das fronteiras da Europa. Os "outros" verão nesta inflexibilidade uma estranha compulsão da Europa ao suicídio, precisamente no momento em que o fim da "bolha de tudo" já ameaça causar uma grande recessão.
Porque é que a Europa
insistiria no seu projecto "Ucrânia", correndo o risco de perder a sua
posição no estrangeiro?
Talvez porque a classe
política europeia teme ainda mais perder a sua narrativa nacional. Tem de ser uma
distracção, é uma táctica chamada "sobrevivência".
A UE, tal como a NATO, sempre foi um projecto político americano destinado
a subjugar a Europa. Este ainda é o caso.
No entanto, a méta-narrativa da UE, para as necessidades internas da UE,
postula algo diametralmente diferente: a Europa é um actor estratégico, um
poder político por si só, um colosso de mercado, uma monopsonia com o poder de
impor a sua vontade a quem a negoceia.
Por outras palavras, a
UE afirma ter um poder
político significativo. Mas Washington acabou de demonstrar que não tem
nenhuma. Destruiu aquela narrativa. A Europa está, portanto, destinada a
tornar-se um pântano económico. "Perdeu" a Rússia e em breve perderá a
China. E descobre que também perdeu o seu lugar no mundo.
Mais uma vez, a situação real no
"campo
de batalha" geo-político está quase totalmente em desacordo com a imagem que a UE
tem de si própria como actor geo-estratégico.
O seu "amigo", a administração
Biden, desapareceu, enquanto inimigos poderosos se acumulam noutro lugar. A
classe política da UE nunca compreendeu totalmente as suas limitações,
considerando que haver limites ao poder da UE é uma "heresia". Consequentemente, a
UE também investiu demasiado na narrativa sobre a sua autonomia.
Pendurar bandeiras da
UE em todos os edifícios oficiais não vai mascarar a realidade, nem esconder o
desfasamento entre a "bolha" de Bruxelas e o
seu depreciado proletariado europeu. Os políticos franceses perguntam agora
abertamente o que pode salvar a Europa da vassalagem total. Boa pergunta. O que
fazemos quando a narrativa de um poder inchado rebenta, juntamente com a
narrativa de um poder financeiro?
Alastair Crooke
Traduzido por Zineb, revisto por Wayan, para o Saker Francophone
Fonte: Illusions perdues. Même le récit de l’UE comme acteur géostratégique a éclaté – les 7 du quebec
Este artigo
foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice
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